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Processo n.º 987/2021 Data do acórdão: 2022-6-9
Assuntos:
– crime de usura para jogo
– Lei n.o 8/96/M
– pena acessória de interdição de entrada em casinos
– suspensão da execução da pena acessória
S U M Á R I O
Não se detectando qualquer lacuna de lei no diploma legal incriminador da conduta de usura para jogo, i.e., na Lei n.o 8/96/M, em matéria da pena acessória de interdição de entrada em casinos, não pode haver lugar a aplicação analógica, ao agente deste crime que pretende a suspensão da execução dessa sanção, da norma do art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 987/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 203 a 210v do Processo Comum Colectivo n.o CR2-21-0181-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base que o condenou pela prática, em co-autoria material, de dois crimes consumados de usura para jogo, p. e p. sobretudo pelo art.o 13.o da Lei n.o 8/96/M, na pena de nove meses de prisão (com dois anos de interdição de entrada em casinos por cada), e, finalmente, na pena única de um ano e três meses de prisão (com quatro anos de período total de interdição de entrada em casinos), com suspensão da execução da pena de prisão por dois anos, veio o 2.o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir, a título principal, que fosse absolvido, devido ao cometimento por esse Tribunal sentenciador do erro notório na apreciação da prova como vício aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), e que, fosse como fosse, a sua interdição de entrada em casinos pudesse ser suspensa na execução, por ser ele um delinquente primário, com necessidade de exercício da sua profissão dentro de casino, e isto por aplicação analógica da norma do art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (cfr., com mais detalhes, o teor da motivação do recurso, apresentada a fls. 218 a 229 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada Coordenadora do Procurador (a fls. 231 a 233v dos presentes autos), no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer (de fls. 241 a 243v), opinando pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora impugnado pelo 2.o arguido recorrente ficou proferido a fls. 203 a 210v, cujo teor (incluindo a sua fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação, o 2.o arguido ora recorrente começou por assacar à decisão condenatória penal da Primeira Instância o vício de erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Pois bem, a propósito da temática do julgamento de factos, é sempre útil relembrar primeiro os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso concreto dos autos, após vistos, em global e de modo crítico, todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória do acórdão recorrido, não se vislumbra que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto incriminatória feito pelo Tribunal a quo, o qual nem sequer tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer regras da experiência, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos, pelo que é de respeitar o julgado desse Tribunal sentenciador.
Assim, perante a matéria de facto já julgada sem erro notório na apreciação da prova pela Primeira Instância, fica precludido o pedido de absolvição penal total do arguido recorrente.
E agora do pedido de suspensão da execução da interdição de entrada em casinos: diversamente do sustentado pelo recorrente, não se detecta qualquer lacuna de lei no diploma legal incriminador da conduta de usura para jogo, i.e., na Lei n.o 8/96/M, em matéria dessa pena acessória, pelo que não pode haver lugar a aplicação analógica, ao caso concreto dele, da norma do art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário.
Naufraga, pois, o recurso, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso, com custas pelo recorrente, com três UC de taxa de justiça.
Macau, 9 de Junho de 2022.
______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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