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Processo nº 48/2022 Data: 18.05.2022
(Com o Processo no 51/2022 em Apenso)
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Direito da Propriedade Industrial.
Marca.
“Uso sério”; (Pedido de renovação do registo).
Declaração de caducidade do registo.



SUMÁRIO

1. A “Propriedade Industrial” é a área do Direito que garante a inventores ou responsáveis por qualquer produção do intelecto – nos domínios industrial, científico, literário ou artístico – o direito de obter, por um determinado período de tempo, uma recompensa resultante da sua criação ou manifestação intelectual.

2. Não obstante de um ponto de vista “económico”, a uma marca caiba essencialmente desempenhar as funções de “indicação da origem” dos produtos ou serviços, de “garantia de qualidade” e ainda a função “publicitária”, atento ao preceituado no art. 197° do R.J.P.I., é de se concluir que a “função jurídica” da marca é a de identificar a proveniência de um produto ou serviço ao consumidor para, assim, permitir a sua distinção de outros produtos ou serviços produzidos ou postos no mercado, devendo assim ser entendida como “um sinal distintivo na concorrência de produtos e serviços”.

3. Se o titular de uma marca registada tem o “direito” ao seu uso (exclusivo), o certo é que sobre o mesmo recai também o “dever” de a usar, pois que ainda que não exista possibilidade legal de o “obrigar” a usar a sua marca, há, porém “sanção” pela sua “falta de uso”; (cfr., art. 231°, n.° 1, al. b) do R.J.P.I.).

4. A “utilização séria” de uma marca implica um “uso efectivo e real”, através de actos concretos, reiterados e públicos, manifestados no âmbito do mercado de produtos ou serviços e da finalidade distintiva, entendendo-se, por sua vez, como “uso irrelevante”, o que não chega ao conhecimento dos meios interessados no mercado, considerando-se, também, que um uso (meramente) “simbólico”, “esporádico” ou em “quantidades irrelevantes”, (neste último caso, não esquecendo a dimensão da empresa e o tipo de produto ou serviço), não preenche o referido requisito do “uso efectivo”.

Deve ser uma utilização “verdadeira”, “real”, “consistente”, “empenhada”, (e, assim, “genuína”), com o objectivo (imediato) de cumprir as funções da marca na sua actividade comercial, e não apenas “simulada”, “fingida”, “enganosa”, “artificial”, ou “formal”, e com “objectivos desviados”, pois que o conceito de “utilização séria” é mais de ordem “qualitativa” que “quantitativa”: isto é, é a “seriedade” da utilização que está em causa e não sua a “frequência”, (embora, a “utilização frequente”, possa ser indiciadora da seriedade, e a utilização esporádica ou acidental possa ser indiciadora da falta de tal seriedade).

Não se pode perder de vista que o “registo” concede um exclusivo de utilização com vista a distinguir, promover e publicitar um serviço ou produto no mercado, com o mesmo não se concedendo um “instrumento” para manter os concorrentes afastados do sinal registado, (ou um instrumento meramente especulativo), pois que os sinais distintivos (do comércio) têm de estar ao “serviço do comércio”, no (concreto) “exercício da sua função distintiva”, não podendo o registo servir de “prisão” (ou “cemitério”) de sinais ou de reserva táctica de “trunfos de especulação”.

5. Se o titular do registo não utilizar de forma “séria” – “genuína” ou “efectiva e real” – a marca cujo registo lhe foi concedido, terá de sofrer as legais consequências, deixando de poder beneficiar da protecção do registo porque este, (decorrido o seu prazo), “caduca” para que o sinal se “liberte”.

O “uso” do sinal não está na livre disposição do titular do respectivo registo.

6. O “pedido de renovação do registo de uma marca” constitui um “acto – meramente – formal”, e ainda que possa ser interpretado como uma “intenção de conservação do registo”, em nada corresponde a “actos materiais”, (concretos, e do quotidiano), de uma “séria” – genuína, real e efectiva – utilização da marca (nos termos que se deixaram descritos).

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 48/2022
(Com o Processo no 51/2022 em Apenso)
(Autos de recurso civil e laboral)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, interpôs recurso judicial da decisão da DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE ECONOMIA de 25.05.2020 que, a pedido da sociedade “B”, (“乙”), declarou a caducidade da marca n.° N/47854 a favor da aludida recorrente registada; (cfr., fls. 10 a 17 e 26 a 27 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, por sentença de 03.02.2021 do Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base julgou-se procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se a “manutenção do registo da dita marca n.° N/47854”; (cfr., fls. 105 a 111).

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Inconformada, do assim decidido recorreu a dita (requerente) “B”, (cfr., fls. 120 a 127), e, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 11.11.2021, (Proc. n.° 607/2021), julgou-se improcedente o recurso; (cfr., fls. 176 a 180).

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Ainda inconformada, apresentou a mesma recorrente recurso para este Tribunal de Última Instância, pedindo a revogação da decisão recorrida para ficar a valer a decisão da Direcção dos Serviços de Economia que declarou a “caducidade da marca n.° N/47854”; (cfr., fls. 191 a 210).

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Adequadamente processados, foram os autos remetidos a esta Instância.

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Em sede de exame preliminar, e constatando-se que nos Autos de Recurso Civil e Laboral n.° 51/2022 neste Tribunal de Última Instância ao ora relator também distribuído se colocava a mesma “questão” a apreciar – da “caducidade da marca n.° N/47845” – que nele intervinham as mesmas partes, assistidas pelos mesmos Exmos. Mandatários, (aliás, a caducidade de ambas as marcas foi declarada pelo mesmo despacho de 25.05.2020), procedeu-se à apensação dos ditos recursos; (cfr., fls. 297).

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Observada a tramitação processual que se tem por adequada, e com os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, vieram os autos à conferência.

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Nada obstando, e merecendo os recursos conhecimento, vejamos se merecem provimento.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal Judicial de Base e o Tribunal de Segunda Instância deram como provada a “matéria de facto” como tal indicada nas suas decisões – cfr., fls. 107 a 108 e 177-v (no Proc. n.° 48/2022), e fls. 71-v e 139-v a 140 (no Proc. n.° 51/2022) – que, por não terem sido impugnadas, nem motivos havendo para alterar, aqui se tem como definitivamente adquirida e integralmente reproduzida.

Do direito

3. Os (2) recursos pela ora recorrente “B” trazidos a esta Instância tem como “objecto” os (2) Acórdãos – na mesma data de 11.11.2021 – pelo Tribunal de Segunda Instância proferidos em sede dos Procs. aí registados com o n.° 607/2021 e n.° 735/2021, com os quais, como se deixou relatado, se decidiu confirmar as sentenças do Tribunal Judicial de Base que decretaram a revogação da decisão da Direcção dos Serviços de Economia com a qual se declarou a “caducidade dos registos das marcas n°s N/47854 e N/47845” da agora recorrida “A”.

Em causa estando assim uma questão de “Direito da Propriedade Industrial” regulada pelo D.L. n.° 97/99/M que aprovou o “Regime Jurídico da Propriedade Industrial”, (R.J.P.I.), e como em situações análogas já teve este Tribunal de Última Instância oportunidade de considerar, útil se mostra então de atentar desde já que em sede do seu preâmbulo se consigna que:

“A propriedade industrial é assumida, no mundo contemporâneo, como um factor fundamental de promoção do desenvolvimento económico.
Efectivamente, ela contribui de forma decisiva para o estímulo da actividade inventiva, uma vez que, face à considerável mobilização de recursos que a investigação tecnológica implica, só a protecção assegurada pelo sistema da propriedade industrial tende a garantir a compensação económica adequada aos investimentos efectuados na busca de novos produtos e de novos processos.
Por outro lado, a propriedade industrial constitui um factor favorável à transferência de tecnologia, na medida em que os detentores de conhecimentos tecnológicos, no exterior, estarão muito mais abertos a efectuar essa transferência se existir em Macau um adequado sistema de protecção dos seus direitos de exclusividade sobre essa tecnologia.
(…)
Quanto às marcas e outros sinais distintivos, a sua importância também não pode ser contestada: elas tendem a garantir a identificação do produto com o produtor, significando essa identificação uma determinada garantia de qualidade ou de origem e, consequentemente, criam a segurança na manutenção das qualidades e características do produto. Estes sinais distintivos contêm em si, portanto, um factor muito relevante de estímulo à diferenciação das empresas pela qualidade e uma fonte de segurança dos consumidores.
(…)”.

Por sua vez, importa ter presente que nos termos do art. 1° deste referido R.J.P.I.:

“O presente diploma regula a atribuição de direitos de propriedade industrial sobre as invenções e sobre as demais criações e os sinais distintivos nele previstos, tendo em vista, designadamente, assegurar a protecção da criatividade e do desenvolvimento tecnológicos, da lealdade da concorrência e dos interesses dos consumidores”.

Daí que se diga – e cremos que bem – que a “Propriedade Industrial” seja a área do Direito que garante a inventores ou responsáveis por qualquer produção do intelecto – nos domínios industrial, científico, literário ou artístico – o direito de obter, por um determinado período de tempo, uma recompensa resultante da sua criação ou manifestação intelectual.

Cabendo-nos agora apreciar se acertado foi o entendimento do (Tribunal Judicial de Base e do) Tribunal de Segunda Instância no sentido de que motivos não haviam para a “declaração de caducidade” dos registos das ditas marcas n°s N/47854 e N/47845, vejamos que solução adoptar.

Ora, é sabido que de um ponto de vista “económico”, a uma marca cabe, essencialmente, desempenhar as funções de “indicação da origem” dos produtos ou serviços, de “garantia de qualidade” e ainda a função “publicitária”, (cfr., v.g., Luís Couto Gonçalves in, “Direitos de Marcas”, pág. 15), porém, atento ao preceituado no art. 197° do aludido R.J.P.I., é de se concluir que a “função jurídica” da marca – aspecto que aqui se nos apresenta mais relevante – é a de identificar a proveniência de um produto ou serviço ao consumidor para, assim, permitir a sua distinção de outros produtos ou serviços produzidos ou postos no mercado, devendo assim ser entendida como “um sinal distintivo na concorrência de produtos e serviços”; (cfr., v.g., J. Oliveira Ascensão in, “Direito Comercial”, Vol. II, “Direito Industrial”, pág. 139, assim como, entre outros, os Acs. deste T.U.I. de 18.11.2020, Proc. n.° 174/2020, de 21.04.2021, Proc. n.° 42/2021 e de 28.01.2022, Proc. n.° 159/2021).

Feitas estas (muito) breves considerações sobre a “natureza” e “finalidade” de uma marca, debrucemo-nos, sem mais demoras, sobre a – verdadeira – questão que nos ocupa: precisamente, a de saber se “caducos” se devem considerar os registos das atrás referidas marcas.

Pois bem, com especial incidência sobre a dita questão a apreciar e decidir preceitua o art. 231° do citado R.J.P.I.:

“1. O registo de marca caduca:
a) Nos casos previstos no n.º 1 do artigo 51.º;
b) Pela falta de utilização séria durante 3 anos consecutivos, salvo justo motivo;
c) Se sofrer alteração que prejudique a sua identidade.
2. O registo da marca caduca ainda se, após a data em que o mesmo foi efectuado:
a) A marca se tiver transformado na designação usual no comércio do produto ou serviço para que foi registada, como consequência da actividade ou inactividade do titular;
b) A marca se tornar susceptível de induzir o público em erro, nomeadamente acerca da natureza, qualidade e origem geográfica desses produtos ou serviços, no seguimento da utilização feita pelo titular da marca ou por terceiro, com o seu consentimento, para os produtos ou serviços para que foi registada;
c) A marca for utilizada em Macau, nos casos em que a mesma tiver sido registada somente para exportação.
3. Deve ser declarada a caducidade do registo da marca colectiva:
a) Se deixar de existir a pessoa colectiva a favor da qual a marca foi registada, salvo os casos de fusão ou cisão;
b) Se a pessoa colectiva a favor da qual a marca foi registada consentir que esta seja utilizada de modo contrário aos seus fins gerais ou às prescrições estatutárias.
4. Quando existam motivos para a caducidade de registo de uma marca apenas no que respeita a alguns dos produtos ou serviços para que este foi efectuado, a caducidade abrange apenas esses produtos ou serviços.
5. Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 4 do artigo 51.º, as causas de caducidade especificadas no presente artigo podem ser invocadas por qualquer interessado, em juízo ou fora dele”.

No caso dos presentes autos, considerou o Tribunal de Segunda Instância – assentando este seu entendimento no antes assumido num aresto do mesmo Tribunal de 03.03.2011, Proc. n.° 282/2007 – que com a (apresentação do pedido de) “renovação do registo da marca” se inicia um novo período de 3 anos para efeitos da sua caducidade.

Entendeu-se assim, essencialmente – e se bem ajuizamos – que o “pedido de renovação do registo” constituía uma adequada manifestação – ou que produzia os mesmos efeitos – do “uso sério” da marca (referido no n.° 1, al. b) do transcrito comando legal) para obstar a uma requerida “declaração de caducidade do seu registo”.

Daí que, ponderando na matéria de facto dada como provada, e considerando-se que as marcas em questão:
- tinham sido objecto de “registo em 10.06.2010”; e que,
- o “pedido da sua renovação” tinha sido apresentado em 06.04.2017, e (neste sentido) decidido e publicado no B.O. n.° 20/2017 de 17.05.2017;
- decorrido não estava o atrás referido “prazo de caducidade de 3 anos” (por falta de “uso sério”) quando, em 13.01.2020, pela ora recorrente foi apresentado o pedido de “declaração da sua caducidade”.

Imputando a ora recorrente ao assim decidido nos Acórdãos recorridos o vício de erro na interpretação e aplicação do estatuído no aludido art. 231°, n.° 1, al. b) do R.J.P.I., quid iuris?

Da análise e reflexão que sobre a identificada “questão” pudemos efectuar, cremos que adequado não se mostra o decidido, pois que, com todo o respeito o dizemos, acertado não se afigura de considerar (e equiparar) um (mero) “pedido de renovação do registo” de uma marca como o seu “uso sério” para efeitos de impedir a “declaração de caducidade” do dito registo.

Passa-se a (tentar) expor este nosso ponto de vista.

Vejamos.

Antes de mais, inegável se nos apresenta de considerar (e aqui consignar) que, se o titular de uma marca registada tem o “direito” ao seu uso (exclusivo), o certo é que sobre o mesmo recai também o “dever” de a usar, pois que ainda que não exista possibilidade legal de o “obrigar” a usar a sua marca, há, porém, (e como se viu, cfr., art. 231°, n.° 1, al. b) do R.J.P.I.), “sanção” pela sua “falta de uso”; (especificamente, sobre a questão de se saber se o “dever de uso” de uma marca registada constituiu uma verdadeira “obrigação jurídica stricto sensu”, ou um mero “ónus”, cfr., v.g., Luís Couto Gonçalves in, “Manual do Direito Industrial”, pág. 315, e M. Miguel Carvalho in, “O Uso Obrigatório da Marca Registada”, Estudos em Comemoração do 10° Aniversário da Licenciatura em Direito da Universidade do Minho, 2004, pág. 651 e segs.).

Assente estando – e cremos, indiscutível sendo – tal “realidade”, (sob pena até de violação do “princípio geral da lealdade de concorrência”, cfr., v.g., Luís Couto Gonçalves in, ob. atrás cit., pág. 320, ou, como escreve o Prof. Oliveira Ascensão, “os direitos industriais não servem para jogos especulativos, para meras reservas de lugar, mas têm contrapartida no desempenho de uma função socialmente útil”, in, ob. cit., pág. 180 e 181), é momento de se atentar também no prescrito no art. 232° do dito R.J.P.I., onde, sob a epígrafe “Utilização séria da marca” prescreve que:

“1. É considerada utilização séria da marca:
a) A utilização da marca tal como está registada ou que dela não difira senão em elementos que não alterem o seu carácter distintivo, nos termos do presente diploma, feita pelo titular do registo ou por seu licenciado devidamente inscrito;
b) A utilização da marca, tal como definida na alínea anterior, para produtos ou serviços destinados apenas a exportação;
c) A utilização da marca por um terceiro, desde que sob o controlo do titular e para efeitos da manutenção do registo.
2. A utilização séria da marca de associação afere-se por aqueles que dela fazem uso com o consentimento do titular.
3. A utilização séria da marca de certificação afere-se pelas pessoas habilitadas para dela fazerem uso.
4. O início ou reinício da utilização séria nos 3 meses imediatamente anteriores à apresentação de um pedido de caducidade, contados a partir do fim do período ininterrupto de 3 anos de não utilização, não é tomado em consideração se as diligências para o início ou reinício da utilização só ocorrerem depois do titular tomar conhecimento de que pode vir a ser requerido esse pedido de caducidade.
5. Cumpre ao titular do registo ou a seu licenciado, se o houver, provar a utilização da marca, sem o que esta se presume não utilizada”.

E, assim, certo sendo que a Lei, (nomeadamente, o aludido R.J.P.I.), não define – expressamente – o que se deve entender por “utilização séria de uma marca”, (e recorrendo-se então à doutrina), verifica-se que a definição mais consensual de tal “uso sério” é a de se tratar de um “uso efectivo e real”, através de actos concretos, reiterados e públicos, manifestados no âmbito do mercado de produtos ou serviços e da finalidade distintiva, entendendo-se, por sua vez, como “uso irrelevante”, o uso que não chega ao conhecimento dos meios interessados no mercado, considerando-se, também, que um uso (meramente) “simbólico”, “esporádico” ou em “quantidades irrelevantes”, (neste último caso, não esquecendo a dimensão da empresa e o tipo de produto ou serviço), não preenche o referido requisito do “uso efectivo”; (cfr., v.g., Luís Couto Gonçalves in, “Direito de Marcas”, pág. 175 e segs., M. Miguel Carvalho in, ob. cit., pág. 651 e segs., podendo-se também ver J. Cruz in, “Código de Propriedade Industrial”, pág. 701, onde, em nossa opinião, com razão, se prefere a expressão utilizada na legislação inglesa que se refere ao “genuine use”, e Carlos Fernández Nóvoa in, “Tratado sobre derecho de marcas”, pág. 580, que salienta que na Ley de Marcas espanhola de 2001 se prevê um “uso efectivo y real”).

Importa pois ter em conta que a “utilização séria” de uma marca deve ser uma utilização “verdadeira”, “real”, “consistente”, “empenhada”, (e, assim, “genuína”), com o objectivo (imediato) de cumprir as funções da marca na sua actividade comercial, e não apenas “simulada”, “fingida”, “enganosa”, “artificial”, ou “formal”, e com “objectivos desviados”, pois que o conceito de “utilização séria” é mais de ordem “qualitativa” que “quantitativa”: isto é, em boa verdade, é a “seriedade” da utilização que está em causa e não sua a “frequência”, (embora, a “utilização frequente”, possa ser indiciadora da seriedade, e a utilização esporádica ou acidental possa ser indiciadora da falta de tal seriedade).

Assim, adequado se mostra de concluir que o uso da marca é “sério” se for feito em conformidade com a função essencial da marca, que é “distinguir bens de comércio” e criar-lhes uma identidade de origem comercial – sempre – perante o público relevante.

Por sua vez, não será “sério” se for feito com outro objectivo, ainda que dissimulado, designadamente, de “conservar o registo” (apenas) para afastar terceiros do uso do sinal que compõe a marca.

Com já se deixou consignado, importa não perder de vista que o “registo” concede um exclusivo de utilização com vista a distinguir, promover e publicitar um serviço ou produto no mercado, com o mesmo não se concedendo um “instrumento” para manter os concorrentes afastados do sinal registado, (ou um instrumento meramente especulativo), pois que os sinais distintivos (do comércio) têm de estar ao “serviço do comércio”, no (concreto) “exercício da sua função distintiva”, não podendo o registo servir de “prisão” (ou “cemitério”) de sinais ou de reserva táctica de “trunfos de especulação”; (sobre o tema, cfr., v.g., Elena de la Fuente Garcia in, “El uso de la marca y sus efectos jurídicos”, Madrid).

Na verdade, se o titular do registo não utilizar de forma “séria” – “genuína” ou “efectiva e real” – a marca cujo registo lhe foi concedido, terá de sofrer as legais consequências, deixando de poder beneficiar da protecção do registo porque este, (decorrido o referido prazo), “caduca” para que o sinal se “liberte”: isto é, o “uso” do sinal não está na livre disposição do titular do respectivo registo.

Dest’arte, sendo que o “uso sério” da marca é assim aquele que é feito para que a marca desempenhe a sua “função” que justifica a sua protecção através de um direito de exclusivo, (distinguir origens comerciais), exige-se, então, uma utilização “perante o público” – no caso, o consumidor da R.A.E.M. – perante o qual, deve a marca ser “exibida” para publicitar e assinalar os bens e serviços para que foi pedido o registo, (e não outros), numa utilização “íntegra” e sem “alteração essencial dos seus elementos”; (cfr., art. 232°, n.° 1, al. a) e b) do R.J.P.I.).

Como (igualmente) se tem considerado, (e cremos nós de forma firme e pacífica):

“O conceito “utilização séria” é composto de dois vocábulos: “utilização” e “séria”. Isto significa que o qualificativo “séria” só faz sentido quando apendiculado ao substantivo que pretende qualificar. A discussão em torno do conceito carece, portanto, e em primeiro lugar de uma situação de facto que revele uma utilização da marca (elemento a montante do conceito) e só depois se indagará se ela é séria (elemento a jusante). E a utilização deve ser feita “através de actos concretos, reiterados e públicos, manifestados no âmbito do mercado de produtos ou serviços e da finalidade distintiva e um uso meramente simbólico, esporádico ou em quantidades irrelevantes não parece preencher o referido requisito de uso efectivo, muito menos uma abstenção de uso”. Evidentemente, se o titular de uma marca não fizer dela qualquer utilização, então o problema acaba por ser muito mais grave e nem sequer precisa de apuramento sobre os elementos que possam densificar a seriedade”; (sobre a matéria, cfr., v.g., Pedro Costa Carvalho in, “A caducidade do registo da marca por falta de uso”, João F. A. Pinto Pereira Mota in, “O princípio do esgotamento do direito de marca pelo seu não uso”, e M. Miguel Carvalho in, ob. cit.).

Também o Tribunal de Justiça da União Europeia considera que “uma marca é objecto de «uso sério» quando é utilizada, em conformidade com a sua função essencial que é garantir a identidade de origem dos produtos ou serviços para os quais foi registada, a fim de criar ou conservar um mercado para estes produtos e serviços, com exclusão de usos de carácter simbólico que tenham como único objectivo a manutenção dos direitos conferidos pela marca”, (…), acrescentando-se também (no mesmo aresto) que “A apreciação do carácter sério do uso da marca deve assentar na totalidade dos factos e das circunstâncias adequados para provar a existência da exploração comercial da mesma, em especial, nos usos considerados justificados no sector económico em questão para manter ou criar partes de mercado em benefício dos produtos ou serviços protegidos pela marca, na natureza destes produtos ou serviços, nas características do mercado, na extensão e na frequência do uso da marca”; (cfr., Ac. de 11.03.2003, Proc. n.° C-40/01, podendo-se também ver o de 19.12.2012, Proc. n.° C-149-11, onde se teve oportunidade de considerar nomeadamente que uma marca comunitária é objecto de “utilização séria”, (…), quando é utilizada em “conformidade com a sua função essencial e com vista a manter ou criar quotas de mercado na Comunidade Europeia para os produtos ou os serviços designados pela referida marca. (…)”, in “http://curia.europa. eu.”).

De facto, nesta sede, há “dois requisitos essenciais”, necessário sendo que o uso seja “comercial” e “típico”.

Exclui-se, assim, do “uso sério” da marca, (por não ser genuíno, real e efectivo), aquele que é apenas “simbólico”, “artificial”, “fictício” ou “fraudulento”, “experimental”, “preparatório”, “estritamente publicitário”, e as “test sales”, (assim como o “uso interno” ou “privado” que não se traduz na venda do produto ou serviço ao público; v.g., e citando o exemplo clássico, aquele que ocorre com a empresa que distribui produtos com uma dada marca aos seus funcionários).

Em suma, (e como também considera M. Miguel Carvalho), o “uso sério” para efeitos de impedir uma declaração de caducidade do registo é “aquele que for real, efectivo (…) que se traduz na venda de produtos (ou na prestação de serviços) marcados, (…) e tem de respeitar aos produtos (ou serviços) para os quais a marca se encontra registada”; (in ob. cit., pág. 651 e segs.).

Por sua vez, importa ter em conta que a causa de “caducidade do registo de uma marca” por “falta de uso sério”, constitui, por assim dizer, uma “causa especial”, (e específica), pois que nos termos do art. 47° e seguintes do mesmo R.J.P.I., e no âmbito do Capítulo V referente às “causas de extinção dos direitos de propriedade industrial”, outras “causas gerais de caducidade” se encontram previstas – cfr., art. 51°, onde se prescreve como tal o “decurso do seu prazo de duração”, a “falta de pagamento de taxas devidas” e a “renúncia do seu titular” – havendo assim que se interpretar (e enquadrar) o estatuído no aludido “art. 231°, n.° 1, al. b)” em conformidade com sua ratio assim como “utilidade” que com o mesmo se pretendeu assegurar com a sua previsão.

Dest’arte, aqui chegados, e, em face do que se expôs sobre o entendimento que se mostra de adoptar (e ter) sobre o “uso sério” de uma marca, visto cremos que está que não se pode manter a decisão recorrida.

Na verdade, um – só e único – “pedido de renovação da marca”, (como cremos que sem esforço se alcança), consiste num mero “acto formal”, e ainda que possa ser interpretado como uma “intenção de conservação do registo”, em nada corresponde a “actos materiais”, (concretos, do quotidiano real) de uma “séria” – genuína, real e efectiva – utilização da marca (nos termos que se deixaram descritos).

Com efeito, se com um – mero – “pedido de renovação” se pudesse, (por si só), impedir a caducidade do registo de uma marca, então, de nada valeria exigir-se o seu “uso sério” – ainda por cima, “durante 3 anos consecutivos” – nos termos do aludido art. 231°, n.° 1, al. b) do já referido R.J.P.I., pois que evidente se apresenta o que sucederia: um completo e desenfreado açambarcamento (e manutenção) de registos de marcas sem nenhuma utilização efectiva, (a troco de um simples pedido de renovação em poucas linhas escrito numa folha de papel, ou, até mesmo, através da “internet” e, quiçá, a quilómetros de distância do local onde a marca se encontra registada e devia ser objecto de “uso sério”).

Aliás, e como neste sentido se nota no douto Parecer do Prof. Teixeira Garcia junto nos termos dos art°s 652° e 616°, n.° 2 do C.P.C.M., o “pedido de renovação” e o “uso sério” percorrem “vias paralelas”, (e diríamos, “independentes” e que “não se cruzam”), uma vez que se o mero “pedido de renovação” fosse considerado “uso sério” de uma marca, visto está que aquele colidiria com a “razão de ser” da caducidade do registo da marca por falta do seu uso (sério); (cfr., o dito Parecer, fls. 47, onde vem referenciada abundante doutrina estrangeira sobre o tema).

Em face do exposto, e verificado não estando nenhum “motivo” – muito menos, “justo” – para a falta de uso sério das marcas aqui em questão, imperativa se nos apresenta a procedência dos recursos, havendo pois que se revogar os Acórdãos recorridos.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expendidos, em conferência, acordam conceder provimento aos recursos pela “B” trazidos a este Tribunal de Última Instância, declarando-se a caducidade dos registos das marcas n°s N/47854 e N/47845.

Custas pela recorrida, com taxa de justiça que se fixa em 15 UCs.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 18 de Maio de 2022


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 48/2022 Pág. 12

Proc. 48/2022 Pág. 13