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Processo nº 35/2022
(Reclamação para a conferência)

Data: 9 de Junho de 2022
Requerente: A
Requeridas: B Limited
   C Limited
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

   A, com os demais sinais dos autos, veio requerer a revisão e confirmação de decisão proferida por tribunal ou árbitro do exterior de Macau, em que são Requeridas B Limited (Macau Branch) e C Limited, também estes com os demais sinais dos autos.
   Por este tribunal foi proferido despacho de indeferimento liminar nos seguintes termos:
   «Nestes autos vem pedida a revisão e confirmação do Tribunal Superior da Região Administrativa Especial de Hong Kong que ordenou às Requeridas que fornecesse os documentos e informações ali indicados e que respeitassem às contas bancárias detidas pelas entidades que identifica.
   Relativamente à mesma decisão, em processo de revisão e confirmação de decisões proferidas por tribunais do exterior de Macau, contra as também aqui Requeridas, que corre termos sob o nº 34/2022 deste Tribunal, já foi proferido despacho nos seguintes termos:
   «Preceitua o n.º 1 do artigo 1199.º do CPC que as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.
   Como observa Alberto dos Reis, “Desde que a sentença estrangeira verse sobre direitos privados, é susceptível de revisão e está a ela sujeita, qualquer que seja o conteúdo, ou melhor, a espécie da relação jurídica apreciada e declarada.”1
   Sendo que a jurisprudência portuguesa aponta no mesmo sentido, nomeadamente, a título meramente exemplificativo e de direito comparado, o Acórdão da Relação de Évora, de 16.3.1989, onde se destaca o seguinte: “Simplesmente, é ainda necessário que tais decisões – sentenças, despachos ou até acórdãos – versem sobre direitos privados de carácter substancial e versem no sentido de constituírem elas próprias uma inovação, uma criação determinada pelo exercício do poder jurisdicional no domínio dos direitos privados e não um mero instrumento por versarem sobre e tão-só a relação jurídica processual.”
   Ora bem, no caso vertente, pretende a recorrente ver reconhecida a decisão do Tribunal Superior da Região Administrativa Especial de Hong Kong, em que este determina/ordena que a sociedade D Limited apresente aos mandatários da requerente os documentos e informações que estejam na sua posse, custódia ou poder, e que estejam relacionados com as contas bancárias detidas junto das respectivas requeridas, e qualquer conta detida por qualquer titular junto das respectivas requeridas para a qual tenha sido transferido um montante superior a USD50.000,00, directa ou indirectamente, a partir das referidas contas.
   Em boa verdade, não se vislumbra que a decisão revidenda versa sobre matéria de direito privado de carácter substancial, em vez disso, trata-se de uma ordem emitida pelas autoridades da RAEHK, com vista a obtenção de elementos probatórios.
   Não se enquadrando o conteúdo da decisão revidenda em matéria de direito privado, o pedido da requerente não pode deixar de improceder.
   Ademais, é bom de ver que a confirmação dessa decisão é contrária à ordem pública da RAEM, uma vez que, segundo o nosso regime jurídico, compete aos órgãos judiciais da Região autorizar a quebra do sigilo bancário imposto às instituições financeiras aqui constituídas. Daí que, se fosse revista e confirmada aquela decisão, proferida por tribunais do exterior da RAEM, cremos que estaria a conferir o poder de decisão sobre um direito relevante a tribunais estrangeiros, o qual constitui uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar.
   Por preenchidas não estarem as condições necessárias ao reconhecimento e confirmação da decisão revidenda, nomeadamente por o conteúdo daquela decisão poder conduzir a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (artigo 1200.º, n.º 1, alínea f) do CPC), o pedido da requerente continua a ser improcedente.»
   Concordando integralmente com aqueles fundamentos aos quais aderimos, nos termos da al. d) do nº 1 do artº 394º do CPC, indefere-se liminarmente o requerimento inicial.
   Custas pela Requerente fixando a taxa de justiça em 5 Uc´s.
   Notifique.».
   Daquele despacho veio a Requerente reclamar para a conferência, sustentando que a decisão revidenda deve ser considerada como uma decisão sobre direitos privados para os efeitos do artº 1199º nº 1 do CPC sendo admitida a revisão.
   Notificadas as Requeridas veio o B Limited (Macau Branch) responder pugnando pela manutenção do despacho impugnado.
   Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
   «A, sociedade comercial melhor identificada nos autos, deduziu reclamação para a conferência do douto despacho constante de fls. 34 e 35 dos presentes autos que indeferiu liminarmente a petição inicial de revisão e confirmação de decisão proferida por tribunal da Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK).
   A Requerida B Limited (Macau Branch), sociedade comercial melhor identificada nos autos, apresentou resposta, pugnando pela improcedência da reclamação.
   Em nosso modesto parecer, a Reclamante não tem razão.
   A decisão revidenda colide directamente com as regras atinentes ao segredo bancário e ao seu levantamento.
   Ora, estamos em crer que, se não for o próprio cliente, só os Tribunais da Região Administrativa Especial de Macau podem determinar a dispensa do dever de segredo sobre factos ou elementos das relações do cliente com a instituição nos termos previstos na lei processual penal. É o que resulta do disposto no artigo 80.º do Decreto-Lei n.º 32/93/M, de 5 de Julho.
   Como se sabe e resulta da alínea c) do n.º 1 do artigo 1200.º do Código de Processo Civil, versando a decisão revidenda sobre matéria da competência exclusiva dos tribunais de Macau, não pode a mesma ser confirmada.
   Pelo exposto e salvo melhor opinião parece-nos que deve a reclamação ser indeferida.».
   
   Foram colhidos os vistos legais.
   
   Cumpre, assim, apreciar e decidir.
   
II. FUNDAMENTAÇÃO
  
   Sobre esta mesma matéria já se pronunciou este tribunal no Acórdão de 31.03.2022 proferido no processo que correu termos sob o nº 34/2022, onde se decidiu pela manutenção da decisão proferida nos mesmos termos que a dos presentes autos.
   Para além do que, sobre a matéria do sigilo bancário, reza o artº 80º do Decreto-Lei nº 32/93/M de 5 de Julho que «A dispensa do dever de segredo sobre factos ou elementos das relações do cliente com a instituição apenas pode ser concedida por autorização do próprio cliente ou por mandato judicial nos termos previstos na lei penal ou processual penal» o que pressupõe ser tal competência exclusiva dos tribunais de Macau.
   Pelo que, tal como também se sustenta no Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público versando a decisão revidenda sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau, também nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 1200º do CPC não pode a mesma ser confirmada.
   Destarte, sem necessidade de outras considerações entendemos ser de manter o despacho reclamado o qual não merece censura.
   
III. DECISÃO
   
   Termos em que, pelos fundamentos expostos, indeferindo a reclamação apresentada, mantém-se o despacho reclamado.
   
   Custas pelo incidente a cargo da Reclamante fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
   Notifique.
   
   RAEM, 9 de Junho de 2022
   Rui Ribeiro
   Lai Kin Hong
   Fong Man Chong

1 Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume II – Reimpressão, página 156
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35/2022 RECL P/CONF 6