--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). -----------------------
--- Data: 29/07/2022 ---------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng -----------------------------------------------------------------------------
Processo n.º 510/2022
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A (A)
DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por acórdão proferido a fls. 142 a 149 do Processo Comum Colectivo n.° CR3-22-0037-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A como co-autor material de dois crimes consumados de auxílio à migração ilegal, p. e p. pelo art.o 70.o, n.o 1, alínea 1), e n.o 2, da Lei n.o 16/2021, na pena de cinco anos e seis meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de seis anos de prisão.
Inconformado, veio recorrer o arguido para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando (no seu essencial) e peticionado, na sua motivação a fls. 166 a 171v dos presentes autos correspondentes, o seguinte:
– ao contrário do resultado do julgamento de factos feito pelo Tribunal recorrido, ele não chegou a receber a promessa de outrem em matéria de recompensa da transportação de duas pessoas imigrantes ilegais em causa;
– daí que deve ele passar a ser condenado pela prática do tipo legal de crime de auxílio (simples) à migração ilegal, p. e p. pelo art.o 70.o, n.o 1, alínea 1), da Lei n.o 16/2021;
– e fosse como fosse, não deixaria de haver excesso na medida da pena no acórdão recorrido, merecendo ele a redução da pena, até a atenuação especial da pena.
Ao recurso respondeu o Digno Delegado do Procurador a fls. 173 a 175v, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 191 a 194v, no sentido de manutenção do julgado.
Cumpre decidir sumariamente do recurso, dada a simplicidade das questões a decidir, nos termos permitidos pelo art.o 621.o, n.o 2, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do Código de Processo Penal (CPP).
2. Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontrou proferido a fls. 142 a 149, cuja fundamentação fáctica e probatória se dá por aqui integralmente reproduzida.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Desde já, observa-se que o arguido começou por sindicar do resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido no tocante à questão de promessa de recompensa pecuniária, a ele, da transportação das duas pessoas imigrantes ilegais dos autos.
Pois bem, sempre se diz que ocorre erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– <
[…]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, analisada a fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto.
Portanto, não pode proceder a objecção do arguido quanto à já comprovação, descrita na fundamentação fáctica do acórdão recorrido, da existência de promessa da recompensa pecuniária da transportação de imigrantes ilegais, de maneira que andou bem o Tribunal recorrido ao condenar o arguido pela prática de dois crimes (qualificados) de auxílio à migração ilegal, p. e p. pelo art.o 70.o, n.o 1, alínea 1), e n.o 2, da Lei n.o 16/2021.
E agora da medida concreta da pena:
O tipo legal de crime de auxílio (qualificado) à migração ilegal é punível com pena de prisão de cinco a oito anos, sendo de frisar que por causa das prementes exigências da prevenção geral deste tipo-de-ilícito, não se pode atenuar especialmente a respectiva moldura penal nos termos do art.o 66.o, n.o 1, do Código Pernal (CP).
Ponderadas em conjunto todas as circunstâncias fácticas já descritas como provadas na fundamentação fáctica do acórdão recorrido (das quais não resulta que o arguido tenha já recebido a prometida recompensa pecuniária total de apenas três mil Renminbis pela sua conduta de transportação das duas pessoas imigrantes ilegais em causa) (sendo de atender em especial à circunstância de essas duas pessoas terem sido auxiliadas inclusivamente pelo arguido, que é um delinquente primário, numa mesma leva para entrarem clandestinamente em Macau), afigura-se mais justo e equilibrado, aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, 65.o, n.os 1 e 2, e 71.o, n.os 1 e 2, do CP, passar a condenar o arguido em cinco anos e um mês de prisão por cada um dos dois crimes seus de auxílio (qualificado) à migração, e em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de cinco anos e três meses de prisão.
Em suma, procede parcialmente o recurso.
4. Dest’arte, decide-se, sumariamente, em julgar parcialmente provido o recurso do arguido A, o qual, por conseguinte, passa a ser condenado em cinco anos e um mês de prisão por cada um dos dois crimes seus de auxílio (qualificado) à migração, p. e p. pelo art.o 70.o, n.o 1, alínea 1), e n.o 2, da Lei n.o 16/2021, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de cinco anos e três meses de prisão.
Pagará o arguido a metade das custas do seu recurso e duas UC de taxa de justiça por causa do decaimento parcial do recurso.
Fixa-se em mil e setecentas patacas os honorários do Ex.mo Defensor Oficioso, a suportar a meias pelo arguido e pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 29 de Julho de 2022.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
Processo n.º 510/2022 Pág. 8/8