Processo n.º 433/2022 Data do acórdão: 2022-7-28 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– furto
– art.o 201.o, n.o 1, do Código Penal
– atenuação especial da pena
– produto cosmético arranjado por fonte desconhecida
– genuinidade de produto cosmético
S U M Á R I O
No caso, as 72 unidades de um produto cosmético inicialmente furtadas pela arguida à sua entidade patronal ofendida não foram restituídas a esta, mas sim “substituídas” pela arguida por outras 72 unidades do mesmo produto arranjadas por fonte desconhecida. Assim, a fonte desconhecida não consegue garantir a genuinidade destas 72 unidades do mesmo produto, o que equivale à inexistência de restituição da coisa furtada, ou à inexistência de reparação do prejuízo causado pelo furto. Não pode a arguida merecer, pois, a atenuação especial da pena prevista no art.o 201.o, n.o 1, do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 433/2022
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguida): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o acórdão proferido a fls. 221 a 227 do Processo Comum Colectivo n.° CR5-21-0236-PCC do 5.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base que a condenou pela autoria material de um crime consumado de furto de valor elevado, p. e p. pelos art.os 198.o, n.o 1, alínea a), e 196.o, alínea a), do Código Penal (CP), na pena de um ano de prisão efectiva, e no pagamento da quantia indemnizatória de MOP113.760,00 (cento e treze mil e setecenta e sessenta patacas) a favor da sociedade comercial ofendida (com juros legais a contar da data desse próprio acórdão até integral e efectivo pagamento), veio a arguida A, aí já melhor identificada, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir, na motivação apresentada a fls. 236 a 240 dos presentes autos correspondentes, a atenuação, até extraordinariamente, da sua pena de prisão, nos termos dos art.os 40.o, 65.o e 66.o do CP, e com ainda sempre pretendida suspensão da execução da pena.
Ao recurso respondeu o Digno Delegado Coordenador a fls. 243 a 246 dos presentes autos, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 272 a 274, pugnando pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido consta de fls. 221 a 227, cuja fundamentação fáctica se dá por aqui integralmente reproduzida, como fundamentação fáctica do presente acórdão de recurso.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
A arguida ora recorrente pretendeu principalmente a redução da sua pena de prisão, e para o efeito defendeu inclusivamente que merece ela a atenuação especial da pena.
No caso concreto, ela furtou, em Março de 2021, 72 unidades de um produto cosmético da marca “B” depositadas pela sua entidade patronal (chamada “B Macau Limitada”) em armazém, e após, para evitar a descoberta desse facto pela gerente da mesma sociedade comercial ofendida, arranjou, por fonte desconhecida, 72 unidades do mesmo produto e fez colocá-las na mesma armazém, e depois disso telefonou para a mesma gerente para pedir demissão do posto de trabalho, por motivo pessoal.
É com base nessa conduta sua de “reposição” de 72 unidades do mesmo produto cosmético que veio sustentar primeiro a devida aplicação da norma do art.o 201.o, n.o 1, do CP para a pretendida atenuação especial da pena do seu crime de furto.
Mas, não assiste a razão à arguida, porquanto as 72 unidades do produto cosmético inicialmente furtadas não foram restituídas, mas sim “substituídas” por outras 72 unidades do mesmo produto arranjadas por ela por fonte desconhecida. Assim, a “fonte desconhecida” não consegue garantir a genuinidade dessas 72 unidades do mesmo produto cosmético arranjadas, o que equivale à inexistência de restituição da coisa furtada, ou à inexistência de reparação do prejuízo causado pelo furto.
Por outro lado, atentas as prementes exigências da prevenção geral do crime de furto em valor elevado, as quais reclamam a necessidade da pena, nem se pode atenuar especialmente a respectiva pena nos termos gerais previstos no art.o 66.o, n.o 1, do CP.
Quanto à medida concreta da pena: ponderadas todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância e como tal descritas no texto do acórdão recorrido com pertinência à medida da pena aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, dentro da moldura penal ordinária de um mês a cinco anos de prisão do delito de furto de valor elevado, não se detecta qualquer injustiça notória na fixação, no aresto recorrido, da pena de um ano de prisão à arguida, pelo que é de respeitar esta parte do julgado.
Por fim, no tocante à suspensão da pena:
Na fundamentação fáctica do acórdão ora recorrido, foi referido que a arguida ficou condenada em primeira instância no Processo Comum Colectivo n.o CR2-21-0316-PCC por prática de um crime de burla na pena de três anos de prisão efectiva (condenação essa que veio transitar já em julgado, conforme o teor certificado da respectiva decisão condenatória, junto a fls. 254 e seguintes dos presentes autos, sendo certo que os factos dessa burla em valor consideravelmente elevado foram praticados no período compreendido entre Maio e Julho de 2021, ou seja, em data posterior à dos factos do furto ora em causa).
Atenta assim essa conduta delinquente posterior da arguida, não se afigura que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da pena de prisão no presente processo possam dar para prosseguir de modo adequado e suficiente as finalidades da punição do crime de furto, pelo que não se pode suspender, em sede do art.o 48.o, n.o 1, do CP, a execução da pena de um ano de prisão deste seu crime.
Naufraga, pois, o recurso.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pela arguida, com duas UC de taxa de justiça e mil e oitocentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Comunique a presente decisão aos Processos n.o CR2-21-0316-PCC e n.o CR3-21-0031-PCC do Tribunal Judicial de Base.
E comunique a presente decisão do recurso, com cópia do acórdão recorrido, à sociedade ofendida.
Macau, 28 de Julho de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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