Processo n.º 775/2021
(Autos de recurso jurisdicional)
Data: 28/Julho/2022
Recorrente:
- A Limited
Recorrida:
- Direcção dos Serviços de Finanças
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo que julgou improcedente a oposição à execução fiscal movida pela Repartição das Execuções Fiscais da Direcção dos Serviços de Finanças, recorreu A Limited (doravante designada por “recorrente” ou “executada”) jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso tem por objecto a decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a oposição à execução fiscal movida pela DSF, tendente à cobrança coerciva da quantia de MOP2.124.428,00, alegadamente devida pela Recorrente a título de Imposto Complementar de Rendimentos relativo ao exercício fiscal de 2019.
B. O fundamento da decisão recorrida é o de que, em suma, sendo os actos administrativos executórios logo que eficazes, ainda que a liquidação tenha sido efectuada indevidamente, por se encontrar suspenso o procedimento tributário, o acto de liquidação não deixaria de ser eficaz e, por isso, executório, com a respectiva notificação.
C. O requerimento apresentado pela Recorrente em 18 de Setembro de 2020 manifesta expressa e inequivocamente uma pretensão de rectificação do rendimento declarado e a nova fixação de rendimentos.
D. O facto do Requerimento ter sido dirigido à DSF e não à Comissão de Revisão, não invalida a conclusão anterior, pois que àquela cabia actuar de harmonia com o disposto no artigo 36º, n.º 1 do CPA, remetendo o Requerimento à CRIC ou notificando a Recorrente no prazo de 48 horas, consoante considerasse o erro como desculpável ou indesculpável.
E. E a Recorrida não só não o fez como apenas notificou a Recorrente por carta expedida em 19 de Outubro, ou seja depois de esgotado o prazo de 20 dias previsto no artigo 44º, n.º 2, do RICR, para a apresentação da referida reclamação.
F. Quando a Recorrente se prestou a apresentar a referida impugnação sob a forma indicada pela Recorrida, a Comissão de Revisão, por sua vez, recusou-se a apreciar a referida reclamação com fundamento em extemporaneidade, não obstante a Recorrente gozar da dilação prevista no artigo 75º, al. c) do CPA.
G. É indesmentível que a pretensão materializada pela Recorrente no pedido formulado a final com o requerimento de 18 de Setembro de 2020 era a de impugnar a matéria colectável, pelo que este deveria ter sido tratado como uma reclamação contra a fixação da matéria colectável, pois que o sentido e efeitos de um acto devem ser aferidos pelo seu conteúdo jurídico-prático e não pela designação que lhe é atribuída. Nesse sentido, o digno Magistrado do Ministério Público reconhece que aquele requerimento (sic) “deverá ser lido como uma autêntica “interpelação” dirigida à Administração Fiscal para rever a sua liquidação de rendimentos relativa ao ano de 2019”, pugnando, por isso, pela procedência da Oposição à Execução.
H. O Tribunal ad quo não discorda do entendimento da Recorrente, no sentido de que o Requerimento assume a natureza de uma verdadeira impugnação de rendimentos, nem tão pouco desmente o efeito suspensivo por ele gerado. Considera, simplesmente, que os actos subsequentes de liquidação e cobrança do imposto estarão, quanto muito, feridos de ilegalidade porque violadores daquele efeito suspensivo – sindicável em sede de reclamação ou recurso -, não implicando, porém, a inexigibilidade da dívida ou a inexequibilidade do título.
I. Porém, é evidente que o efeito suspensivo produzido previsto no n.º 3 do artigo 44º não pode ser ultrapassado pela mera comunicação do acto de liquidação e cobrança ao contribuinte.
J. A impugnação da fixação de rendimentos tem por efeito não apenas a suspensão do procedimento tributário, e todo o encadeamento de actos e formalidades tendentes à cobrança do imposto, incluindo as necessárias operações de liquidação e notificação ao contribuinte, mas também e sobretudo a eficácia do próprio acto de fixação da matéria colectável.
K. Se é certo que, como afirma o Tribunal a quo, os actos administrativos são executórios logo que eficazes, nos termos do disposto no artigo 136º do CPA, o artigo 137º, n.º 1, al. a) é também muito claro ao afirmar que “não são executórios os actos cuja eficácia esteja suspensa”.
L. Sendo o acto de fixação da matéria colectável elemento central e pressuposto dos actos de liquidação (strictu sensu) e subsequente cobrança do imposto devido, a ineficácia do primeiro não pode deixar de se reflectir na (in)eficácia dos actos que daquele dependem e com isso, na executoriedade da dívida exequenda.
M. Como tal, a questão não é, contrariamente ao que afirma o douto Tribunal recorrido, uma questão de ilegalidade da actuação administrativa violadora do disposto no artigo 44º, n.º 3, do RICR, mas sim, uma questão de ineficácia dos actos do procedimento tributário que dependem da fixação da matéria colectável, devendo, como tal, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que admita a oposição à execução e, consequentemente, determine a respectiva extinção o que, desde já, como a final, se requer.
N. No caso em que V. Exas assim não entendem, o que se cogita por exigência de exaustão de patrocínio, a Recorrente não poderá deixar de fazer notar que a impugnação deduzida pela Recorrente contra a conduta da Recorrida e da Comissão de Revisão sempre deveriam ser atendidos como fundamento autónomo de oposição à execução.
O. O Código das Execuções Fiscais consiste num diploma bastante lacunoso e arcaico, pelo que a continuidade da sua aplicação não pode deixar de ter em conta a actual estrutura do ordenamento jurídico e o princípio da plenitude da tutela jurisdicional efectiva (cf. artigo 2º do CPAC).
P. A atitude processual da Administração Tributária traduziu-se numa pura e absoluta recusa em apreciar o mérito da pretensão da Recorrente, escudando-se em argumentos puramente procedimentais. Até à presente data, aquelas entidades sempre se recusaram a apreciar o mérito da pretensão da Recorrente de ver rectificada a fixação da matéria tributável em sede de Imposto Complementar de Rendimentos, que havia sido fixada com base na declaração de rendimentos apresentada (em erro) pela própria Recorrente.
Q. Foi a própria a Administração Fiscal que, ao não dar cumprimento ao disposto no artigo 36º do CPA, deu causa à extemporaneidade que mais tarde foi invocada pela Comissão de Revisão para recusar a apreciação da mesma pretensão que lhe havia sido dirigida pela Recorrente formalmente sob a designação de reclamação.
R. Esta posição de se limitar a fazer um juízo meramente formal sobre o meio processual utilizado, recusando-se, por e simplesmente, a conhecer da questão de fundo que urgia decidir, traduz-se num verdadeiro non liquet, e numa violação material do dever que recai sobre os organismos públicos de decidirem as pretensões que lhes são formuladas pelos particulares, o qual se encontra consagrado no artigo 11º do CPA.
S. Os actos de recusa de apreciação da pretensão da Recorrente, designadamente a decisão de 19 de Outubro que não reconhece ao requerimento apresentado em 18 de Setembro de 2020 o respectivo valor material e ordenado a respectiva tramitação própria enquanto reclamação contra a fixação da matéria colectável, nos termos do disposto no artigo 36º do CPA, não constituem decisão sobre tal pretensão, mas sim e verdadeiramente, uma recusa de decisão e, como tal, nunca afastariam o efeito suspensivo do artigo 44º, n.º 3 do RICR e traduzem-se numa verdadeira negação do direito da Recorrente do seu direito à revisão da matéria colectável.
T. E, mesmo que se entenda que tal efeito suspensivo não se reflecte sobre a exequibilidade dos actos subsequentes, mas apenas sobre a sua validade, como defende o Tribunal recorrido, nem assim se poderia afastar tal fundamento para sustar a própria execução.
U. Tal como doutamente afirma o douto Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo, que (sic) “se tal é (seria) assim, já em sede da fase executiva, mal se entende que, ainda antes de se chegar a tal fase, se limite a possibilidade de um contribuinte pretender – com ou sem fundamento, que é toda uma outra discussão – alterar a respectiva declaração de rendimentos por, alegadamente, a mesma enfermar de erro por ele próprio assumido, antes o obrigando a percorrer todo o caminho de liquidação e execução, numa autêntica via sacra que, se crê, desprovida de sentido útil, para além de ir contra os princípios da boa fé, da cooperação e da economia (strictu sensu mas também processual), que se entende deverem ter, também, plena aplicação em sede do relacionamento da administração fiscal/tributária com os seus administrados”, concluindo, como tal, pela procedência da oposição e, (sic) “assim se declarando extinta a execução fiscal em referência nos autos.”
V. Atento o papel central do acto de fixação da matéria colectável, a natureza fundamental do direito à revisão da matéria colectável por parte dos contribuintes, e, perante a violação do disposto no artigo 36º do CPA, que negou tal direito à Recorrente, sempre deveria ser atendido como fundamento admissível de oposição à execução, nos termos do artigo 164º do CEF.
W. Mas acresce, por ourto lado, que a rejeição do cumprimento pela Recorrida do disposto no artigo 36º do CPA e, consequentemente, a negação à Recorrente do seu direito (fundamental) de revisão da matéria colectável sempre se deverá ter por nulo ao abrigo do disposto no artigo 122º, n.º 2, al. d), do CPA e, como tal, sempre deveriam ser conhecido pelo Tribunal a quo ou, alternativamente, deveria este sustar no processo até que a questão fosse conhecida no processo próprio.
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente com todas as consequências legais, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra, declarando-se extinta a execução e anulando-se todo o processado, nomeadamente, juros de mora, taxa de 3% da dívida, o selo de verba, receitas do cofre, custas e demais penalidades que venham a acrescer à quantia exequenda.
Mais se requerendo a V. Exas. que se dignem ordenar os demais termos dos presentes autos até final, assim se cumprindo a Consueta Justiça!”
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Contra-alegou a Direcção dos Serviços de Finanças, tendo apresentado na resposta as seguintes conclusões:
“I. O presente recurso tem por objecto a douta sentença de fls. 116 a 120 dos autos, a qual julgou improcedente a oposição à execução fiscal apresentada pela Recorrente, Execução movida pela REF para cobrança coerciva da quantia de MOP$2.124.428,00 a título de Imposto Complementar de Rendimentos relativo ao exercício de 2019.
II. A Recorrente invocou a inexequibilidade do título com fundamento no requerimento entregue a 18 de Setembro de 2020, consubstanciar uma impugnação da fixação do rendimento colectável tendo efeito suspensivo ao abrigo do artigo 44º n.º 3 do RICR impedindo, por isso, os actos subsequentes de liquidação e cobrança do imposto complementar.
III. O artigo 80º do RICR estipula que da fixação do rendimento colectável há somente reclamação, com efeito suspensivo, para a Comissão de Revisão, pela forma e nos prazos referidos no artigo 44º e da deliberação da Comissão de Revisão cabe recurso contencioso.
IV. O prazo para a reclamação é de 20 dias sobre a data do registo do aviso (cfr. n.º 2 do artigo 44º do RICR e n.º 3 do artigo 2º do DL n.º 16/84/M, de 24 de Março e artigo 4º da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto) tendo sido a Recorrente notificada do modelo M/5 a 30 de Setembro de 2020 e apresentado reclamação da fixação da matéria colectável a 16 de Novembro de 2020.
V. Ao não ter ocorrido impugnação da matéria colectável, de acordo com os artigos 44º e 80º do RICR, e decorrido o prazo de cobrança voluntária, sem que se mostre pago o imposto liquidado, procedeu-se ao relaxe de toda a dívida nos termos do artigo 59º do Regulamento do Imposto Complementar.
VI. Aquando da emissão do título executivo a dívida encontrava-se vencida, sendo certa e exigível pelo decurso do prazo para pagamento.
VII. Segundo o art. 165º do CEF, a oposição só pode ter os fundamentos previstos naquele código, mais concretamente os regulados nos artigos 169º e 176º do CEF.
VIII. Citando a sentença ora recorrida “Daí o que se alega não consubstancia uma questão genuína quanto à “inexequibilidade do título” ou à “inexigibilidade da dívida”. Trata-se antes de uma ilegalidade concreta que “deva constituir objecto de reclamação ou recurso contencioso” e que não sendo idónea a conduzir à nulidade ou inexistência do acto, nunca pudesse servir como fundamento da oposição, quer na tese do catálogo taxativo de fundamentos por força do disposto do artigo 165º do Código das Execuções Fiscais, sustentada pela Exequente na contestação, quer na tese do catálogo alargado que tem vindo a ser perfilhada pelas doutas jurisprudências do Tribunal superior.”
Nestes termos e nos demais de direito, pelos fundamentos expostos e com o douto suprimento de V. Exas. requer-se que se digne considerar improcedente o presente recurso, devendo os ulteriores da presente execução seguir os seus termos até final.”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Em 31/3/2020, a ora Executada apresentou a declaração do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo “B”, modelo M/1, para efeitos de fixação do imposto complementar de rendimentos referente ao exercício de 2019 (conforme consta de fls. 2 e v do P.A.).
Nessa declaração, a Executada consignou que teve lucro tributável o resultado do exercício no valor de MOP20,886,919.97 (ibid).
Em 10/6/2020, a Comissão de Fixação fixou o rendimento colectável no valor de MOP20,886,900.00 (conforme consta de fls. 1 do P.A.).
Em 17/7/2020, o Director dos Serviços de Finanças procedeu à liquidação do imposto, determinando a colecta no valor de MOP2,134,428.00 (conforme consta de fls. 3 do P.A.).
Em 24/7/2020, foi emitida a notificação da fixação de rendimento, donde consta, além da matéria colectável fixada, o valor do imposto que a contribuinte terá de pagar e o período em que o respectivo conhecimento de cobrança será enviado (conforme consta de fls. 38 e v do P.A.).
Em 17/8/2020, foi emitido, conforme indicado na supra-referida notificação, o aviso de modelo M/6, destinado à cobrança à boca do cofre do imposto devido da primeira prestação, no mês de Setembro de 2020 (conforme o doc. junto a fls. 47 e v do P.A).
Em 18/9/2020, recebido o aviso de cobrança, a Executada apresentou o requerimento, dirigido ao Chefe da Repartição de Finanças, onde solicitava a rectificação da Declaração do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo B modelo M/1 (conforme consta de fls. 12 a 15 dos autos).
Requerimento esse foi indeferido com a notificação da decisão através do ofício n.º 2566/NIC/DISR/RFM/2020, de 19 de Outubro de 2020 (conforme o doc. junto a fls. 209 a 210 do P.A.).
Seguidamente, a Executada apresentou a reclamação para o Senhor Director da DSF em 11/11/2020, indeferida por despacho de 29/12/2020 e notificada mediante o ofício n.º 0039/NIC/ DISR/RFM/2021, de 6 de Janeiro de 2021 (conforme o doc. junto a fls. 102 a 104 e 108 a 120 do P.A.).
Em 9/2/2021, do supra-referido despacho, a Executada apresentou o recurso hierárquico (conforme consta de fls. 168 a 195 do P.A.).
Em 30/9/2020, foi a Executada notificada da matéria colectável fixada mediante o modelo M/5 e apresentou, em 16/11/2020 a reclamação da fixação da matéria colectável dirigida à Comissão de Revisão do Imposto Complementar (conforme consta de fls. 53 a 68v do P.A.).
Em 3/12/2020, a Comissão de Revisão do Imposto Complementar deliberou não se pronunciar por extemporaneidade da reclamação, tendo sido a Executada notificada mediante o ofício n.º 011/CRIC/2020, de 14 de Dezembro de 2020 (conforme consta de fls. 142 a 143 do P.A.).
Em 12 de Janeiro de 2021, a Executada apresentou reclamação graciosa dirigida à Comissão de Revisão (conforme consta de fls. 24 a 37 do P.A.).
Em 1/2/2021, a Executada apresentou recurso contencioso de anulação da deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, de 3/12/2020, o qual corre os seus termos no Tribunal Administrativo sob o n.º 3006/21-CF (conforme consta de fls. 280 a 298 do P.A.).
Em 18/12/2020, foram os autos de execução fiscal autuados e no mesmo dia foi a Executada citada (conforme consta de fls. 1 e 3 do processo n.ºs 2020-02-000038-00 e 2020-02-000039-00).
Em 18/1/2021, a Executada deu entrada a presente oposição à execução por simples requerimento.
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Aberta vista ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Procurador-Adjunto o seguinte douto parecer:
“No recurso jurisdicional em apreço, a recorrente que é executada e oponente no processo de execução fiscal solicitou a revogação da douta sentença em escrutínio e a substituição da mesma por outro veredicto que iria declarar extinta a execução e anular todo o processado.
Interpretando o requerimento da oposição, a supramencionada sentença e as alegações do presente recurso, colhemos que a única questão a resolver consiste em indagar se in casu se verificar a inexequibilidade do título executivo da execução fiscal instaurada contra a recorrente.
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É verdade, e bem, que em estrita obediência ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, o Venerando TSI vem sedimentando a actualizada interpretação dos arts. 169.º e 176.º do Código das Execuções Fiscais, no sentido de alargar os fundamentos da oposição à execução Fiscal.
Uma das conquistas desta interpretação actualizada consiste em entender que pode ser fundamento da oposição à execução fiscal a falta da notificação da liquidação, em virtude de tal falta dar luz à inexigibilidade da dívida fiscal e à consequente inexequibilidade do título executivo que suporta esta dívida. (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 587/2017)
Importa ter presente que no dia de hoje, assevera categoricamente a jurisprudência mais autorizada (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 28/2012): Quaisquer fundamentos respeitantes à ilegalidade da dívida fiscal ou a vícios do procedimento tributário são suscitados na execução fiscal, desde que o interessado ainda não tenha tido a oportunidade de o fazer anteriormente.
Nos termos do disposto nos arts. 165.º e 169.º do CEF e de acordo com a brilhante jurisprudência supra aludida, inclinamos a extrair que não pode ser fundamento da oposição à execução fiscal qualquer ilegalidade concreta (do lançamento e/ou da liquidação), a não ser que o interessado ainda não tenha tido a oportunidade de a fazer anteriormente.
A tramitação do procedimento estabelecida nos arts. 36.º a 61.º do RICR assegura a inferir que a liquidação que infringe o efeito suspensivo consagrado no n.º 3 do art. 44.º deste diploma legal eiva a prematuridade e a violação de lei, pelo que é anulável. No entanto, esta prematuridade e anulabilidade não afectam a eficácia da liquidação (art. 117.º, n.º 2, do CPA). Em boa verdade, reconhece-se generalizadamente a anulabilidade e a eficácia são categoricamente distintas e reciprocamente independentes (Lino J. B. R. Ribeiro, José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau, pp. 656 a 657).
Tudo isto leva-nos a extrair a regra geral de que a prematuridade supra apontada da liquidação, em si mesma, não pode ser fundamento da oposição à execução fiscal. Daí resulta o falecimento da tese da recorrente, no sentido de que a violação do n.º 3 do art. 44.º do RICR germina não a questão da ilegalidade, mas sim a ineficácia dos actos subsequentes.
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No caso sub judice, convém realçar que as alegações do recurso jurisdicional em apreço patenteiam concludentemente que a recorrente não toca nenhum dos factos considerados como provados pelo MM.º Juiz a quo, factos que estão cobertos por provas documentais.
A matéria de facto provada constata que a ora recorrente recebeu o aviso de cobrança do M/6 que a notificou do montante da primeira prestação (da colecta devida); o que torna irrefutável que a correspondente liquidação é eficaz.
De outro lado, constata-se também que a recorrente recebera ainda a notificação da fixação do rendimento colectável operada pela Comissão de Fixação. Acontece na realidade que ela não impugnou essa fixação nos prazos estabelecidos nos n.º 1 e n.º 2 do art. 44.º do RICR.
Com efeito, o que suscitou a disputa entre a Administração Fiscal e a recorrente se traduz no requerimento apresentado em 18/09/2020, pelo qual ela pediu ao Chefe da Repartição de Finanças a rectificação da sua Declaração M/1, alegando que ela cometera erro ao preencher tal Declaração. A nosso ver, não se divisa nenhuma norma legal que atribua efeito suspensivo ao requerimento de rectificação da Declaração M/1, pese embora sejam legalmente supríveis os erros desfavoráveis a contribuintes – ainda que lhes sejam imputáveis (art. 54.º, n.º 1, do RICR).
Nesta linha de raciocínio, afigura-se-nos que o efeito suspensivo arrogado pela recorrente não tem base legal e, em bom rigor, é meramente ilusório dela, portanto, tanto a oposição como o recurso jurisdicional em apreço não podem deixar de ser irremediavelmente falhados.
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Por todo o exposto acima, somos do parecer do não provimento do presente recurso jurisdicional.”
Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 21/2004: “Simplesmente, o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público, o que se observa a cada passo, como quando o juiz manda proceder à partilha, como indicado pelo Digno Magistrado do Ministério Público.”
Atento o teor do douto parecer emitido pelo Digno Procurador-Adjunto que antecede, louvamo-lo na íntegra, com o qual concordamos e que nele foi apresentada a melhor, acertada e sensata solução para o caso sub judice, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos.
Em suma, no caso concreto:
- segundo a matéria dada como provada, a recorrente recebeu o aviso de cobrança modelo M/6;
- contra este acto, a recorrente apenas formulou em 18.9.2020 um requerimento pedindo a rectificação da declaração do imposto complementar;
- a lei não prevê que o tal requerimento tem efeito suspensivo;
- sendo assim, o acto considera-se praticado logo que estejam preenchidos os seus elementos, não obstando à perfeição do mesmo qualquer motivo determinante de anulabilidade (artigo 117.º, n.º 2 do CPA);
- por outro lado, a recorrente foi notificada da fixação do rendimento colectável modelo M/5, operada pela Comissão de Fixação;
- nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 44.º do RICR, o prazo para a reclamação não terminará sem que tenham decorrido 20 dias sobre a data do registo do aviso postal enviado ao contribuinte;
- face ao registo postal, datado de 30.9.2020, o prazo para a reclamação terminou em 20 de Outubro de 2020;
- tendo a recorrente só apresentado a reclamação da fixação da matéria colectável a 16.11.2020, aquela foi apresentada fora do prazo;
- uma vez que não foi impugnada a fixação da matéria colectável, o procedimento prossegue nos termos legais, procedendo-se ao relaxe de toda a dívida (artigo 44.º, n.º 3, a contrario e artigo 59.º do RICR);
- de acordo com o que vem decidido nos tribunais superiores quanto à interpretação do disposto nos artigos 165.º e 169.º do Código das Execuções Fiscais, não pode ser fundamento da oposição à execução fiscal qualquer ilegalidade concreta (do lançamento e/ou da liquidação), salvo no caso de o interessado não ter tido oportunidade de o fazer anteriormente;
- daí que o título que serve de base à execução não é inexequível.
Posto isto, o recurso tem que soçobrar.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela recorrente/executada A Limited.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 6 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 28 de Julho de 2022
Tong Hio Fong
Rui Ribeiro
Lai Kin Hong
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Mai Man Ieng
Recurso Jurisdicional 775/2021 Página 34