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Processo nº 38/2022 Data: 18.05.2022
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Recurso.
Nulidade da sentença.
Omissão de pronúncia.
Tempestividade da contestação.
Questão nova.
Reclamação.



SUMÁRIO

1. Se o recurso tem como “objecto” a “sentença”, então, a invocação pelo recorrente feita do “art. 571°, al. d) do C.P.C.M.” para justificar a imputada “nulidade” por “omissão de pronúncia” terá de dizer respeito à – própria – “sentença”, assente numa eventual omissão de pronúncia sobre uma “questão” que ao Tribunal competisse conhecer em face do “momento processual” assim como dos “termos da causa”; (não se pode olvidar que o invocado art. 571° está inserido no Capítulo respeitante à “Sentença”, prescrevendo, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”, que: “1. É nula a sentença: d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar …”).

2. Na verdade, os recursos visam possibilitar a reapreciação de questões de facto e/ou de direito que no entender do recorrente foram mal decididas (ou julgadas) no Tribunal a quo, não se destinando (portanto) a conhecer e decidir “questões novas”, ou seja, de questões que não tinham sido, (nem o tinham que ser, porque não suscitadas pelas partes), objecto da decisão recorrida.

Com efeito, sendo os “recursos” meios de impugnação de decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de “renovação da causa” através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido em matéria não anteriormente alegada ou “formulação de pedidos diferentes” não antes formulados, claro se apresenta que o mesmo se tem de dirigir a uma questão suscitada e apreciada.

3. Se a reclamação for admissível, e a parte não impugnar a decisão através dela, fica em regra precludida a possibilidade de recorrer dessa mesma decisão, possível sendo, no entanto, a impugnação da decisão através de reclamação e, perante a decisão da sua improcedência pelo Tribunal, a continuação da sua impugnação através de “recurso ordinário”.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 38/2022
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em sede dos Autos de Recurso Civil e Laboral n.° 49/2021, (e com data de 15.04.2021), proferiu o Tribunal de Segunda Instância o seguinte veredicto (que se passa a transcrever na parte que agora interessa):

“I – Relatório
Por sentença de 24/06/2020, julgou-se improcedente o pedido formulado pela Autora A.
Dessa decisão vem recorrer a Autora, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença de 24.06.2020, que julgou improcedente o pedido formulado pela autora de ser declarada única e legítima proprietária do prédio sito em Macau, na [Endereço], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX, por o ter adquirido por usucapião;
2. Visando arguir a nulidade da sentença por o Tribunal "a quo" não ter conhecido, como devia, da extemporaneidade da contestação apresentada pelos Réus, conhecendo de questões da matéria nela vertida e de que não podia ter conhecido;
3. E ainda questionar a não consideração, pelo Colectivo de Juízes do Tribunal "a quo" dos depoimentos de 3 das testemunhas da Autora, com o fundamento de que são filho, nora e neto da mesma, e como tal terem um notório interesse no sucesso da causa.
4. Ora, de acordo com o disposto no artigo 571º, nº 1, alínea d) do CPC, "É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento".
5. Porém, o Tribunal "a quo" para a decisão de que ora se recorre conheceu da matéria da contestação dos Réus e não se pronunciou, como devia, pela extemporaneidade da mesma, já que o prazo para a sua apresentação havia expirado em 21/05/2018, apesar do mandatário dos Réus ter renunciado ao mandato no decurso do prazo para contestar.
6. Pois que, não decorre do artigo 81º do CPC, que a apresentação do requerimento de renúncia, tenha como efeito a suspensão ou interrupção do prazo que esteja em curso.
7. O prazo para contestar que se encontrava em curso, continuou a correr, recaindo sobre o mandatário renunciante assegurar a defesa dos seus mandantes, até ao termo do prazo de 20 dias que o artigo 81º nº 3 do CPC lhes confere para constituírem novo mandatário.
8. É este, aliás, o entendimento dominante que vem sendo seguido na jurisprudência portuguesa, que aqui se invoca, designadamente do STJ, no acórdão de 11.05.1994, in BMJ 437, pago 452, do Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão de 03.07.2002, Processo nº 1439/2002, o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de 03.03.1993, Processo nº 9230670, do Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 22.02.2018, Processo nº 1016/14.5YYLSB-A.L1-8, todos disponíveis em www.dgsi.pt. e ainda do Tribunal Constitucional Português, no acordão de 12.05.2010, Processo ACTC nº 188/2010, disponível em www.pgdlisboa.pt. assim como do Conselho Superior da Ordem dos Advogados de Portugal, no Parecer elaborado pelo Relator Fernando Cabrita, de 15.07.2005, disponível em https://portal.oa.pt/advogados/pareceres-da-ordem/ conselho-superior/2005/parecer-10/.
9. Assim, tendo os Réus sido citados em 19.04.2018, e não obstante ter sido apresentada renúncia ao mandato pelo mandatário dos Réus, a contestação devia ter sido apresentada até 21 de Maio de 2018 e, eventualmente nos 3 dias úteis seguintes mediante o pagamento da multa a que alude o artigo 95º nº 4 do CPC.
10. No entanto, os Réus B e C, apenas apresentaram a sua contestação, já através de novo mandatário, no dia 12 de Junho de 2018,
11. Já manifestamente fora de prazo.
12. É que, de acordo com o artigo 95º nº 3 do CPC "O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, salvo nos casos de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte";
13. E não tendo sido apresentada a contestação dentro do prazo de 30 dias após a citação, o direito de praticar o acto extinguiu-se;
14. A secretaria devia ter apresentado os autos ao Juiz titular do processo, com informação da extemporaneidade da contestação, como impõe o artigo 115º nº 2 do CPC, para que este ordenasse o seu desentranhamento e devolução aos Réus contestantes;
15. Dos artigos 95º nº 3 e 115º nº 2 do CPC, resulta que o Juiz deve conhecer oficiosamente da extemporaneidade do acto que esteja sujeito a prazo peremptório.
16. E não tendo a secretaria dado cumprimento ao disposto no artigo 115º nº 2 do CPC, devia, mesmo assim, o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo", aquando da prolação do despacho saneador a que alude o artigo 427º do CPC, ter conhecido da extemporaneidade da contestação e ordenar o desentranhamento da mesma.
17. O que não podia fazer era levar à base instrutória factos alegados pelos Réus na contestação, como foi o caso dos quesitos 19, 20, 21 e 22.
18. Não tendo sido conhecida esta nulidade (da extemporaneidade da contestação) no despacho saneador, podia, ainda assim, ser a mesma conhecida aquando do julgamento da matéria de facto e mesmo até aquando da prolação da sentença.
19. Pois, trata-se de uma verdadeira nulidade, e de conhecimento oficioso, apesar de não estar expressamente prevista no Código de Processo Civil;
20. É este o entendimento que vem sendo seguido na jurisprudência e doutrina portuguesas, que aqui se invoca a título comparado, designadamente o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19.03.2009, Processo 3835/08-2, disponível em www.dgsi.pt. que citando Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declarativo, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, págs. 115-119 decidiu "que o regime das nulidades não está concentrado integralmente nos artigos 193º e seguintes do CPC (139º e ss do CPC de Macau), havendo que atender a outras disposições, não só derrogatórias, como também integradoras do regime aí estabelecido, como sucede com o art. 145º nº 3 (95º do CPC de Macau), em que se estabelece que o decurso do prazo peremptório faz extinguir o direito de praticar o acto...".
21. E que "A tese de que o decurso de prazo peremptório configura nulidade secundária, dependente de reclamação das partes, levando à validação do acto desde que não exista essa reclamação, não é de aceitar, pois contraria a ordem do processo e todo o sistema de preclusões".
22. Diz-se ainda no mesmo acórdão, citando A. de Castro, que "o facto de a validade de um acto praticado fora de prazo estar na dependência da contraparte equivale, de certo modo, à possibilidade de prorrogação do prazo independentemente da lei. O legislador assistiria então inerte à manipulação dos prazos, pelo simples motivo de serem do interesse exclusivo das partes - isto num regime em que (...), o estabelecimento dos prazos é tarefa exclusivamente publicistica...".
23. E, citando ainda Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código do Processo Civil anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 348, refere-se ainda no mesmo acórdão" que estaremos perante uma nulidade sui generis e que a configuração do caso como de nulidade abrangida pelo art 201º levaria a deixá-la dependente da arguição da contraparte, «o que briga notoriamente com o regime legal»".
24. Encontram-se, pois, violados os artigos 81º, 95º, nº 3 e 115º, nº 2, todos do CPC, o que importa que a sentença do tribunal "a quo" esteja ferida da nulidade a que alude o artigo 571º, nº 1, alínea d) do CPC.
Sem conceder, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que
25. Para a decisão da matéria de facto dada como provada e não provada no acordão de 24/06/2020 o Colectivo de Juízes do Tribunal "a quo" não considerou os depoimentos prestados pelas testemunhas 丁 (D), 戊 (E) e 己, apenas por os mesmos serem, respectivamente, filho, nora e neto da Autora, e, como tal, serem interessados directos no sucesso da causa,
26. e não por eventual falta de consistência nos depoimentos, ou porque a credibilidade dos seus depoimentos tivesse sido abalada pelo depoimento de outras testemunhas com maior credibilidade.
27. O que viola as disposições sobre "capacidade para ser testemunha", sobre "impedimentos" e sobre "recusa e escusa a depor", previstas nos artigos 517º, 518º e 519º do CPC.
28. Pois, de acordo com o artigo 517º do CPC "tem capacidade para ser testemunha qualquer pessoa que não esteja interdita por anomalia psíquica" e "incumbe ao juiz verificar a aptidão física ou mental de qualquer pessoa para prestar testemunho, quando isso for necessário para avaliar da credibilidade do respectivo testemunho".
29. Por outro lado dispõe o artigo 518º do CPC que "estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes".
30. Podem ainda, de acordo com o artigo 519º do CPC, recusar-se a depor os ascendentes nas causas dos descendentes, e vice-versa e o sogro ou sogra nas causas do genro ou da nora, e vice-versa.
31. Não existia, pois, nenhuma incapacidade para ser testemunha nem nenhum impedimento legal a que o filho, a nora e o neto da Autora, prestassem o seu depoimento, nem que os mesmos fossem tidos em conta para a convicção do Tribunal "a quo" na decisão da matéria de facto.
32. Nem nenhuma falta de aptidão física ou mental foi verificada pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" que pudesse abalar a credibilidade dos depoimentos.
33. Aliás, todas as testemunhas, foram identificadas e perguntadas se tinham, com as partes, alguma relação de parentesco, afinidade, amizade ou dependência, ou qualquer interesse na causa, não tendo o Colectivo de Juízes do Tribunal "a quo", perante as respostas dadas, verificado qualquer incapacidade ou impedimento das mesmas para depor, como previsto no artigo 536º do CPC;
34. Foi-lhes ainda feita a advertência prevista no artigo 484º nº 1 do CPC, em que o Colectivo do Tribunal "a quo" lhes fez sentir a importância moral do juramento e o dever de serem fieis à verdade, com a advertência das sanções aplicáveis ás falsas declarações.
35. E, perante a inexistência de qualquer obstáculo a que depusessem, prestaram, então, o legal juramento de dizer a verdade e só a verdade, como previsto no artigo 484º do CPC;
36. Em lado nenhum da fundamentação da matéria de facto dada como provada se afirma que os depoimentos das testemunhas (filho, nora e neto da Autora) foram pouco consistentes ou titubeantes, com hesitações, por exemplo.
37. Nem a credibilidade dos depoimentos das testemunhas (filho, nora e neto da Autora) foi abalada por recurso ao mecanismo da contradita previsto no artigo 543º e 544º do CPC.
38. Ou seja, as testemunhas prestaram o seu depoimento, foram inquiridas a instâncias dos mandatários dos Réus, tendo todos os depoimentos sido ouvidos pelo Colectivo de Juízes e registados em áudio; e
39. O Colectivo de Juízes do tribunal "a quo", para a decisão da matéria de facto, apenas não considerou os seus depoimentos por os mesmos serem familiares próximos da Autora, como se essa circunstância de parentesco fosse um impedimento para depor como testemunha.
40. O CPC permite que os familiares próximos possam ser testemunhas, embora com a possibilidade de se recusarem a depor, precisamente para que, nenhuma das partes num processo, por falta ou recusa daqueles que tiveram conhecimento dos factos, possa ficar impedida de provar desses factos que lhe conferem algum direito ou direitos.
41. Pelo que, entende a Autora que o Colectivo de Juízes do tribunal "a quo", ao equiparar a relação familiar existente entre as testemunhas (filho, nora e neto) e a Autora, a um verdadeiro impedimento, que não existia, violou o disposto nos artigos 517º a 519º do CPC.
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Os Réus B e C (Habilitados da G) responderam à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 237 a 246 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- A propriedade do prédio situado em Macau, na [Endereço], descrito sob o n.º XXXX na Conservatória do Registo Predial encontra-se inscrita em nome de G. (已確之事實A)項)
- A Autora começou a habitar no prédio referido em A) dos factos assentes em data não apurada mas necessariamente antes de 1974. (調查基礎內容第1條)
- A Autora habitava o prédio contra o pagamento de um montante mensal a título da renda. (調查基礎內容第2條)
- Uma senhora chamada H chegou a comparecer no prédio para receber a renda mensal paga pela Autora. (調查基礎內容第6條)
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III – Fundamentação
1. Da invocada nulidade da sentença:
Para a Autora, a sentença é nula por excesso da pronúncia por ter conhecido matéria alegada na contestação apresentada fora do prazo dos habilitados B e C.
Quid iuris?
Antes de mais, é de realçar que a questão da intempestividade da apresentação da contestação foi suscitada, pela primeira vez, em sede do presente recurso jurisdicional.
Salvo o devido respeito, não achamos que o conhecimento da matéria versada na contestação alegadamente apresentada fora do prazo, constitui uma nulidade da sentença por excesso da pronúncia, já que esta nulidade consiste no Tribunal ter apreciado uma questão que não foi suscitada pelas partes nem de conhecimento oficioso, o que se difere a situação de que conheceu a matéria alegada na contestação, só que esta foi apresentada fora do prazo.
A eventual admissão/atendimento de um articulado apresentado fora do prazo, a nosso ver, constitui simplesmente uma nulidade processual prevista no nº 1 artº 147º do CPCM, nos termos do qual a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, constituem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Sendo uma nulidade processual não de conhecimento oficioso, a sua arguição da nulidade tem de ser feita ao abrigo do artº 151º do CPCM perante o Tribunal a quo, a saber:
Artigo 151.º
(Regra geral sobre o prazo da arguição da nulidade)
1. Quanto às nulidades não previstas no artigo anterior, se a parte estiver presente ou representada por mandatário no momento em que forem cometidas, só podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; caso contrário, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
2. Arguida ou notada a irregularidade durante a prática de acto a que o juiz presida, deve este tomar as providências necessárias para que a lei seja cumprida.
3. Se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo marcado neste artigo, pode a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição.
No caso em apreço, a Autora foi notificada da apresentação da contestação por carta registada datada de 28/06/2018 (fls. 119 dos autos) e só em sede do presente recurso jurisdicional é suscitou tal nulidade processual (que a qualificou como “nulidade da sentença”), o que é manifestamente intempestiva e com meio de impugnação inadequado.
Pelo exposto, é de julgar improcedente este argumento de recurso.
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2. Da não valoração dos depoimentos das testemunhas familiares da Autora:
(…)
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
(…)”; (cfr., fls. 266 a 271-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido, pelo – entretanto – herdeiro habilitado da dita A. vem interposto o presente recurso, apresentando a final das suas alegações e conclusões (idêntico) pedido no sentido de dever este Tribunal de Última Instância “conhecer da extemporaneidade da contestação dos Réus/Recorridos, ordenando o seu desentranhamento e devolução aos Réus/Recorridos, e, em consequência, declarar nulo todo o processado desde o momento imediatamente anterior à apresentação da referida contestação, tudo com as legais consequências”; (cfr., fls. 303 a 316).

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Após resposta dos recorridos, (cfr., fls. 322 a 347), e adequadamente processados os autos, vieram os mesmos a esta Instância.

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Merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.

A tanto se passa.

Fundamentação

2. Como resulta do – abreviado – relatório que atrás se deixou efectuado, em sede do anterior recurso pronunciou-se o Tribunal de Segunda Instância sobre “duas questões”: a primeira, sobre a “nulidade” (agora também) imputada ao Tribunal Judicial de Base; e a segunda, sobre o acerto da “decisão da matéria de facto” pelo mesmo Tribunal Judicial de Base prolatada.

Verificando-se que o presente recurso incide tão só sobre o primeiro dos ditos segmentos decisórios, sem mais demoras se passa a expor o nosso ponto de vista.

E, este, após a reflexão que sobre a decisão recorrida assim como do alegado nos foi possível efectuar, é no sentido de que o presente recurso não pode proceder.

Vejamos.

Pois bem, a razão da arguida “nulidade” assenta na pelo recorrente invocada “omissão de pronúncia” sobre uma alegada “extemporaneidade da contestação” pelos RR., ora recorridos apresentada quando a acção corria os seus termos no Tribunal Judicial de Base.

Porém, (e com todo o respeito pelo muito mérito na fundamentação apresentada para justificar a existência – verificação – do assacado vício de “nulidade”), cremos que não se pode reconhecer razão ao ora recorrente.

Com efeito, em nossa opinião, a dita “nulidade” – na óptica do recorrente, assente em “omissão de pronúncia” por parte do Tribunal Judicial de Base – apresenta-se-nos como uma “falsa questão” que de forma alguma pode produzir ou conduzir ao “resultado” pelo mesmo pretendido com o presente recurso, (e que consistiria na anulação de todo o processado a partir da dita contestação, com os efeitos do art. 405° do C.P.C.M.).

Assim, e começando-se pela alegada “(in)tempestividade da contestação dos RR.”, cabe dizer desde já que se reconhece, (e não se nega), que o Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base que processou os autos não proferiu (nenhum) “despacho”, formal, específico e expresso, sobre a – agora – invocada “extemporaneidade” da dita peça processual (dos RR.).

Todavia, sendo de notar (e realçar) que, oficiosamente, não tinha que o fazer, (pelo menos, de forma expressa), e que – oportunamente – colocada também não (lhe) foi a referida questão, razoável e adequado não é dizer-se – tão só em sede de recurso da sentença, a final, proferida – que sobre a “oportunidade” daquele articulado não ponderou, e que, em resultado do que então se teve como adequado, o tenha considerado “válido” e “eficazmente” apresentado para todos os seus efeitos legais.

Na verdade, não se pode perder de vista que após a apresentação da dita “contestação” e (regular) notificação à A., (cfr., fls. 120), e sem que nada (mais) viesse alegado, efectuou o Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base o (devido) “saneamento e preparação do processo” através de competente despacho exarado nos autos, onde, entre o demais, declarou, expressamente, inexistir qualquer “nulidade” e “excepção ou questão prévia que cumpria conhecer”, e, em observância ao estatuído no art. 430° do C.P.C.M. – onde se prescreve, (especialmente), que se o processo deva prosseguir “e a acção tiver sido contestada” – em sede de “selecção da matéria de facto”, levou à base instrutória matéria alegada na aludida contestação dos RR., ordenando a notificação do decidido às partes “nos termos do art. 431°, n.° 1 do dito C.P.C.M.”, (cfr., fls. 121 a 123-v), o que sucedeu, (cfr., fls. 124), tendo (inclusivé) a (então) A., apresentado reclamação, onde, nomeadamente, alegou “deficiência” na selecção dos factos considerados assentes por incluídos não estarem “factos pelos RR. confessados na contestação”, (cfr., fls. 128 a 131), o que, após resposta dos RR., (cfr., fls. 135 a 138), foi objecto de expressa decisão no sentido da sua improcedência, e onde, após nova notificação, (cfr., fls. 139 a 140), apresentou a dita A. o seu rol de testemunhas para prova de “toda a matéria”, (e que, posteriormente, alterou, cfr., fls. 144 a 164), realizando-se, após gorada uma tentativa de acordo entre as partes, (cfr., fls. 175), a audiência de discussão e julgamento no total respeito do seu formalismo legal, com posterior prolação de Acórdão sobre a matéria de facto considerada provada, proferindo-se, oportunamente, após alegações nos termos do art. 560° do dito código, sentença que julgou a acção improcedente; (cfr., fls. 203 a 205).

Poder-se-á, assim, (e agora), após todo este “processado” – do qual o recorrente foi legítimo interveniente (activo) – e tão só em sede de “recurso da dita sentença”, suscitar-se uma alegada “nulidade por omissão de pronúncia” do Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base por suposta falta de oportuna decisão sobre a tempestividade da contestação pelos RR. então apresentada?

Especialmente – e vale a pena salientar – após em reclamação que apresentaram do despacho-saneador se ter pugnado pela inclusão nos “factos assentes” de matéria pelos RR. (alegadamente) “confessada na dita contestação”?

Ora, sem embargo do respeito devido a outra opinião, cremos que de sentido negativo é – tem de ser – a resposta.

Com efeito, não se pode ignorar, ou olvidar, que a atrás referida “conduta processual” equivale, (ou deve equivaler), para todos os efeitos legais, a um “reconhecimento da “validade” e regularidade da contestação apresentada, com uma – pelo menos – implícita (ou tácita) “renúncia” ao direito de se lhe dirigir qualquer pedido no sentido de lhe retirar (ou afectar) a sua “eficácia”, apresentando-se-nos, assim, a arguida “nulidade por omissão de pronúncia” (após prolação da sentença e tão só em recurso da mesma) como um “venire contra factum proprium” evidentemente infeliz e inadequado; (sobre o tema, cfr., v.g., o Ac. de 08.04.2022, Proc. n.° 127/2021).

Contudo, útil se nos apresenta de consignar também o que segue.

Com efeito, importa também ter bem presente que nada na lei processual impõe, ou (tão só) sugere, que o Tribunal devesse emitir, expressa e especificamente, pronúncia sobre – nomeadamente – a “tempestividade” dos expedientes e articulados que as partes trazem aos autos ao longo da sua normal tramitação processual…

Claro é, (e apresenta-se-nos óbvio), que deve acompanhar e, especialmente, “controlar” – “fiscalizar” – a sua oportunidade, pertinência e utilidade, tal como prescrito está no art. 6° do C.P.C.M., (onde se consagra o “poder de direcção do processo…”).

Porém, o (simples) facto de “nada ter dito (de forma expressa) não deve permitir a (imediata) conclusão de que não tenha exercido, de forma cabal e adequadamente, este “poder/dever” – de “providenciar pelo andamento regular e célere do processo, ordenando as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusando o que for impertinente ou meramente dilatório”, (…) “determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância”, (…), e de “realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, (cfr., o dito art. 6°, n°s 1, 2 e 3) – não se podendo igualmente olvidar que inegável se apresenta que o “momento” processualmente próprio e adequado para uma rigorosa e aprofundada apreciação sobre “todo o processado” é, precisamente, o do “saneamento e preparação do processo”, onde, após tudo o que pelas partes foi entendido dizer sobre as pretensões apresentadas, profere o Tribunal o despacho previsto no art. 427° do C.P.C.M., “com vista a regularizar a instância, quando haja excepções dilatórias que possam ser sanáveis, suprir deficiências dos articulados ou providenciar pela junção de documentos essenciais”; (cfr., v.g., V. Lima in, “Manual de Direito Processual Civil, Acção Declarativa Comum”, 3ª ed., C.F.J.J., 2018, pág. 344).

E, nesta conformidade, ao Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base não tendo sido oportuna e devidamente colocada a “questão”, ter-se-á, agora, de a ter – a dita questão da “tempestividade da contestação” – como (definitivamente) “ultrapassada” e “arrumada”…

Na verdade, e como também já tivemos oportunidade de considerar:

“O “processo” é a sequência – ordenada, e sem lugar para “arbitrariedades” e/ou “improvisações” – de actos destinados à justa composição de um conflito de interesses ou litígio mediante a intervenção de um Tribunal.
Se por um lado, à parte assiste a liberdade de alegar e peticionar, e a iniciativa de impulsionar o processo, sobre ela, e sob o “princípio da auto-responsabilidade”, também se impõe o cumprimento de determinados “ónus processuais”, entendidos estes como os comportamentos que, estando na sua disponibilidade adoptar, são necessários para o exercício de um direito ou realização de um interesse próprio.
As partes é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam, suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes, redunda, inevitavelmente, em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juíz.
Em conformidade com o “princípio da preclusão” há ciclos processuais rígidos, cada um com a sua finalidade própria, formando “compartimentos estanques”, pelo que, os actos que não tenham lugar no ciclo próprio, ficam precludidos”; (cfr., Ac. deste T.U.I. de 03.04.2020, Proc. n.° 125/2019).

Dir-se-á, porém, (aliás, como também já o referimos), que ao Tribunal compete controlar e aferir oficiosamente de legalidade e adequação do “momento” (e tempestividade) da prática dos actos processuais.

Estamos – inteiramente – de acordo.

Porém, o que não se concebe, (e não se mostra de considerar), é que em sede de um recurso interposto da sentença que a final de todo o processado se pronunciou sobre o mérito da acção proposta, se queira invocar e dar como verificada uma nulidade por “omissão de pronúncia por não se ter emitido decisão (oficiosa e expressa) sobre a oportunidade da apresentação de um articulado”.

Se o recurso tem como “objecto” a “sentença”, (que, no caso, até se pronunciou sobre o mérito da causa), então, a invocação pelo recorrente feita do “art. 571°, al. d) do C.P.C.M.” para justificar a imputada “nulidade” por “omissão de pronúncia” terá de dizer respeito à – própria – “sentença”, assente numa eventual omissão de pronúncia sobre uma “questão” que ao Tribunal competisse conhecer em face do “momento processual” assim como dos “termos da causa”.

Não se pode olvidar que o invocado art. 571° está inserido no Capítulo respeitante à “Sentença”, prescrevendo, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”, que: “1. É nula a sentença: d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.

Ora, no caso, evidente se nos apresenta que na sentença pelo Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base prolatada não se omitiu pronúncia sobre qualquer questão que lhe competia decidir (nos termos do art. 562° e 563° do C.P.C.M.), desta forma se evidenciando o “desvio” (e “equívoco”) de qual parte ou assenta o entendimento do recorrente, e que, em suma – consiste em recorrer de uma sentença para imputar não um vício próprio desta, mas de uma suposta omissão de pronúncia em sede do processamento e preparação do processo para o julgamento que culminou com a sua prolação.

Na verdade, (e como cremos ser firme e pacífico na doutrina sobre a matéria), os recursos visam possibilitar a reapreciação de questões de facto e/ou de direito que no entender do recorrente foram mal decididas (ou julgadas) no Tribunal a quo, não se destinando (portanto) a conhecer e decidir “questões novas”, ou seja, de questões que não tinham sido, (nem o tinham que ser, porque não suscitadas pelas partes), objecto da decisão recorrida; (cfr., v.g., João de Castro Mendes in, “Recursos”, 1980, pág. 27 e segs.; Lopes do Rego in, “Comentários ao C.P.C.”, Vol. I , 2ª ed., pág. 566; Amâncio Ferreira in, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª ed., pág. 153 a 158; Armindo Ribeiro Mendes in, “Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007”, 2009, pág. 81; e António Abrantes Geraldes in, “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2010, pág. 103 e segs., no mesmo sentido, o citado Ac. deste T.U.I. de 03.04.2020, onde em sumário se consignou que “O recurso (“ordinário”), como é o caso, é de “reponderação”, visando a reapreciação de uma decisão proferida atento os condicionalismos e elementos (até aí) disponíveis nos autos, não sendo o meio processual próprio para se colocar “questões novas”, não submetidas à apreciação do Tribunal recorrido”, podendo-se também ver, mais recentemente, o Ac. de 24.02.2021, Proc. n.° 206/2020 e de 18.06.2021, Proc. n.° 62/2021).

Com efeito, sendo os “recursos” meios de impugnação de decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de “renovação da causa” através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido em matéria não anteriormente alegada ou “formulação de pedidos diferentes” não antes formulados, claro se apresenta que o mesmo se tem de dirigir a uma questão suscitada e apreciada.

Isto é, visando apenas os recursos a modificação das decisões relativas a questões apreciadas pelo Tribunal recorrido, confirmando-as, revogando-as ou anulando-as, e não a criar “decisões sobre matéria nova”, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo Tribunal ad quem, pois que, como efectivo meio impugnatório de “decisões judiciais”, a interposição do recurso vai apenas desencadear a reapreciação do decidido, (levando o Tribunal de recurso a reponderar a decisão tal como foi proferida), não comportando ele o «ius novarum», ou seja, a criação de decisão sobre matéria que não tenha sido submetida (no momento e lugar adequado) à apreciação do Tribunal a quo, (e portanto, “nova”).

Como já se referiu, importa pois não perder de vista que, no nosso direito adjectivo, a função do recurso ordinário tem tão só como desiderato a “reapreciação de uma decisão recorrida”, sendo o respectivo modelo adoptado o da “reponderação”, que não o de “reexame”.

Nesta conformidade, e como sem esforço se colhe do que se deixou relatado, verifica-se que o recorrente, apesar de considerar que a montante da decisão recorrida foram cometidas (eventuais) “nulidades processuais”, não as suscitou (ou reclamou) junto do Tribunal que as terá cometido, tão só as arguindo, (como que em reclamação “per saltum”), em sede do recurso, que daquela decisão apresentou.

Ora, ao enveredar pela referida estratégia como forma de (tentar) erradicar (eventuais) nulidades processuais pretensamente cometidas em sede de tramitação dos autos em Primeira Instância, e não tendo reclamado junto do Tribunal a quo do respectivo cometimento, coloca, ao fim e ao cabo, uma “questão nova”, porque não submetida à apreciação do Tribunal da Primeira Instância, e, portanto, que por ele não foi conhecida, não tendo sobre a mesma recaído uma qualquer decisão ou despacho.

Como – referindo-se a idêntico preceito do art. 571° do C.P.C.M. – igualmente nota Abrantes Geraldes:

“As nulidades que não se reconduzam a alguma das situações previstas no art. 615º, n.º 1, als. b) a e), estão sujeitas a um regime de arguição que é incompatível com a sua invocação apenas no recurso a interpor da decisão final. A impugnação que neste recurso eventualmente se possa enxertar deve restringir-se às decisões que tenham sido proferidas sobre arguições oportunamente deduzidas com base na omissão de certo ato, na prática de outro que a lei não admitia ou na prática irregular de ato que a lei previa”; (in “Recursos no Novo C.P.C.”, 4ª ed., pág. 206).

De facto, tem se pois por adequado que, se a reclamação for admissível, e a parte não impugnar a decisão através dela, fica em regra precludida a possibilidade de recorrer dessa mesma decisão, (possível sendo, no entanto, a impugnação da decisão através de reclamação e, perante a decisão da sua improcedência pelo Tribunal, a continuação da sua impugnação através de “recurso ordinário”).

Dest’arte, vista cremos estar a solução para o presente recurso.

Decisão

3. Nos termos de todo o expendido, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 18 de Maio de 2022


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

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