Processo n.º 427/2022
(Autos de recurso laboral)
Data: 28/Julho/2022
Recorrente:
- A-Companhia de Seguros, S.A. (ré)
Recorrido:
- B (autor/vítima)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I) RELATÓRIO
A-Companhia de Seguros, S.A., ré no processo de acidente de trabalho, inconformada com a sentença que a condenou a pagar ao autor B, vítima no acidente, ora recorrido, a quantia de MOP$1.350.000,00 referente à indemnização por incapacidade permanente parcial (IPP), recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“i. Vem o presente recurso interposto da decisão final do douto Tribunal a quo que condenou a Recorrente, no pagamento da quantia de MOP1.350.000,00 (um milhão e trezentas e cinquenta mil patacas), a título de indemnização pela incapacidade permanente parcial, ao Recorrido B.
ii. A Recorrente não se conforma com a douta decisão recorrida e entende que a mesma deverá ser revogada, sendo a mesma substituída por outra que aplique a lei antiga (Ordem Executiva n.º 89/2010).
iii. Segundo os presentes autos, ocorreu no dia 8 de Novembro de 2019, pelas 12h15m, na Avenida de Almeida Ribeiro, Edifício Comercial Nam Tung, rés-do-chão “A” e “A2”, um acidente de trabalho, por desmoronamento de um tecto falso, causando lesões corporais ao Recorrido.
iv. No dia 29 de Novembro de 2021, realizou-se tentativa de conciliação, e foram aceites pelas partes os seguintes factos:
- O presente acidente trata-se de um acidente de trabalho;
- Existe nexo de causalidade entre o acidente e os danos;
- A remuneração base auferida pelo sinistrado durante os últimos três meses antes do acidente é de MOP21.748,30, por mês;
- O sinistrado despendeu MOP349.511,00 nos tratamentos médicos, que foram totalmente pagas pela entidade seguradora;
- O presente acidente causou 731 dias de incapacidade temporária absoluta ao sinistrado, sendo a quantia de indemnização legal, no valor de MOP353.289,05, totalmente paga pela entidade seguradora ao sinistrado;
- A responsabilidade de indemnizar do presente acidente foi transferida para a companhia seguradora;
- O sinistrado nasceu em 10 de Novembro de 1985.
v. Mas, nessa mesma diligência, por não se ter conseguido chegar a acordo sobre o valor de desvalorização de IPP fixado pelo médico legal em 68%, o Recorrido foi submetido ao exame de perícia médica realizado pela junta médica, que acabou por manter inalterado aquele valor de 68%.
vi. Tendo em conta os factos acordados na tentativa de conciliação a atendendo o resultado do exame de perícia médica, a Recorrente tem de pagar ao Recorrido indemnização, a título de IPP, no valor de MOP1.774.661,28, de acordo com a seguinte fórmula de cálculo:
MOP21.748,30 (remuneração mensal de base) x 120 (vezes) x 68% (coeficiente de desvalorização).
vii. O douto Tribunal a quo decidiu neste sentido por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 47º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, com a alteração da Ordem Executiva n.º 27/2020, de 27 de Julho, segundo o qual “A indemnização prevista na alínea c) do número anterior fica sujeita aos limites mínimo de 405.000,00 patacas e máximo de 1.350.000,00 patacas e a prevista na alínea d) do mesmo número ao limite máximo de 1.350.000,00 patacas.”
viii. Face ao limite máximo fixado pela disposição legal acima referida, o Tribunal a quo condenou a Recorrente, a pagar ao Recorrido aquela quantia máxima de MOP1.350.000,00 (um milhão e trezentas e cinquenta mil patacas).
ix. Entende a Recorrente que a mesma não poderia ser condenada no pagamento daquela quantia, pelas razões a seguir explanadas.
x. Como acima referido, o n.º 2 do artigo 47º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, foi alterado pela Ordem Executiva n.º 27/2020.
xi. A Ordem Executiva n.º 27/2020 entrou em vigor no dia 10 de Setembro de 2020, isto é, 45 (quarenta e cinco) dias após a data da sua publicação, revogando a Ordem Executiva n.º 89/2010, de 13 de Setembro, que, no que interesse para os autos, estipulava os limites mínimo e máximo de indemnização prevista no n.º 2 do artigo 47º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, respectivamente, em MOP375.000,00 e MOP1.250.000,00 constante.
xii. Ou seja, quando ocorreu o acidente de trabalho dos autos, no dia 8 de Novembro de 2019, vigorava o limite máximo de indemnização de MOP1.250.000,00 fixado pela Ordem Executiva n.º 89/2010.
xiii. A regra geral é, portanto, que a lei só se aplica aos factos que só operem depois da sua entrada em vigor.
xiv. Devendo notar-se que não foi atribuído efeito retroactivo à Ordem Executiva n.º 27/2020, que actualizou os limites mínimo e máximo de indemnização constante no n.º 2 do artigo 47º do Decreto-Lei n.º 40/95/M.
xv. Assim como, o direito à indemnização por acidente de viação não tem conteúdo de carácter duradouro que justifique a aplicação da excepção prevista na parte final do n.º 2 do artigo 11º do Código Civil.
xvi. Quanto à aplicação das leis no tempo, os Doutores João Gil de Oliveira e Jóse Cândido de Pinho, autores do “Código Civil de Macau Anotado e Comentado, Jurisprudência, Livro I, Volume I”, Editor: Centro de Formação Jurídica e Judiciária, ano 2018, pág. 164 e 166 a 168, citaram jurisprudência de Macau e de Portugal abaixo indicadas, que contribuem para uma melhor interpretação sobre o disposto no artigo 11º do Código Civil de Macau:
- “O limite máximo de indemnização a que se refere o artigo 501, n.º 1, do Código Civil, é o que vigorar ao tempo dos factos.” – Ac. do TUI, de 7/11/12, Proc. n.º 64/2012.
- “Se numa acção se discutem os efeitos de um acidente de viação ocorrido antes da entrada em vigor do Código Civil, esses efeitos só podem ser os que lhe atribuía a lei vigente ao tempo em que o acidente ocorreu; assim, a haver direito a qualquer indemnização, esse constituiu-se no momento do acidente e por efeito deste.” – Ac. do STJ, de 19/5/70, Proc. n.º 063062.
- “Os limites máximos de indemnização em casos de responsabilidade pelo risco, fixados no artigo 508º do Código Civil, com a alteração do Decreto-Lei n.º 190/85, de 24 de Junho, não se aplicam a situações decorrentes de acidentes ocorridos antes da entrada em vigor dessas alterações.” – Ac. do STJ, de 7/1/92, Proc. n.º 080906.
- “O direito à indemnização por acidente de viação constitui-se no momento do acidente e rege-se, quanto ao limite máximo da mesma, pela lei então vigente.” – Ac. do STJ, de 19/5/92, Proc. n.º 081739.
xvii. Face ao exposto, afigura-se injustificado aplicar o valor máximo de indemnização de danos pela IPP actualizado pela Ordem Executiva n.º 27/2020, que entrou em vigor 10 (dez) meses depois do presente acidente de trabalho, devendo antes aplicar-se o valor de indemnização (MOP1.250.000,00) estipulado pela disposição legal então vigente.
xviii. Pelo que, o Tribunal a quo que atribuiu efeito retroactivo àquela Ordem Executiva, condenando a Recorrente no pagamento da quantia de MOP1.350.000,00 ao Recorrido, violou o artigo 11º do Código Civil, e o n.º 2 do artigo 47º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, com a alteração da Ordem Executiva n.º 27/2020, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine aplicar o limite máximo do valor de indemnização ao abrigo da lei então vigente, ou seja, MOP1.250.000,00.
xix. Ao julgar procedente o presente recurso, deve ser revogada também a decisão do Tribunal a quo que fixou o valor de causa em MOP2.052.800,05, alterando o valor de causa dos presentes autos para MOP1.952.800,05.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, nos termos supra explanados, sendo, em consequência, revogada a douta decisão de fls. 202 a 203, ora recorrida, e substituída por outra que determine aplicar o limite máximo do valor de indemnização ao abrigo da lei então vigente, e subsequentemente, altere o valor de causa para MOP1.952.800,05, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
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Ao recurso não respondeu o recorrido.
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
是次事故屬於工作意外;
工作意外與侵害之間存有因果關係;
遇難人受傷前三個月平均基本回報為每月21,748.30澳門元;
是次意外所引致之醫療費用共349,511.00澳門元,遇難人已獲保險實體全數支付;
是次意外引致遇難人遭受731天暫時絕對無能力(ITA)期間,法定賠償金額為353,289.05澳門元,遇難人已獲保險實體全數支付;
是次意外所引致的責任轉移至上述保險公司;
遇難人於1985年11月10日出生。
經評定後,遇難人因工作意外所遭受的長期部分無能力減值為68%。
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A única questão colocada neste recurso é saber se no cálculo da indemnização por incapacidade permanente parcial prevista no n.º 2 do artigo 47.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, deve aplicar-se o limite máximo de indemnização fixado pela Ordem Executiva n.º 89/2010, no valor de MOP1.250.000,00, ou o fixado pela Ordem Executiva n.º 27/2020, no valor de MOP1.350.000,00.
O Venerando TUI já teve a oportunidade de julgar um caso algo semelhante ao presente, no âmbito do Processo n.º 64/2012, nos termos do qual foi determinado que, em caso de acidente de viação, o limite máximo de responsabilidade tem como máximo o montante correspondente ao valor mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel previsto na lei para a categoria do veículo causador do acidente, ao tempo dos factos.
Embora no caso presente se trate de um acidente de trabalho, a verdade é que o cerne da questão seria o mesmo. Sendo assim, socorrendo-se da regra da não retroactividade das leis prevista no artigo 11.º do Código Civil, no sentido de que a lei só se aplica para o futuro, somos a entender que, como no momento em que ocorreu o acidente de trabalho ainda se vigorava a Ordem Executiva n.º 89/2010, deve aplicar-se o limite máximo de indemnização fixado por esta Ordem Executiva, no valor de MOP1.250.000,00.
Isto posto, revoga-se a sentença recorrida quanto a esta parte, determinando-se aplicar o limite máximo do valor de indemnização previsto na Ordem Executiva n.º 89/2010, no valor de MOP1.250.000,00.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela recorrente A-Companhia de Seguros, S.A. e, em consequência, revogar a sentença recorrida quanto ao valor da indemnização por incapacidade permanente parcial, alterando a quantia de MOP1.350.000,00 para MOP1.250.000,00.
Mais se determina que o valor da causa seja reduzido para MOP1.952.8010,05, para efeito de custas.
Sem custas, nesta instância, por o recorrido beneficiar de isenção legal.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 28 de Julho de 2022
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
Recurso laboral 427/2022 Página 2