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Processo n.º 357/2022
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Relator: Fong Man Chong
Data : 8 de Setembro de 2022

Assuntos:

- Apuramento de benefício económico ilícito concretamente obtido pelo infractor do Regime Jurídico do Sistema Financeiro (RJSF), aprovado pelo DL n.º 32/93/M, de 5 de Julho, e a respectiva sanção administrativa


SUMÁRIO:

I - O exercício das operações de concessão de crédito reservadas às instituições referidas por quaisquer outras pessoas ou entidades que não tenham sido autorizadas para o tal constitui a infracção de especial gravidade prevista no artigo 122.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do RJSF, e por conseguinte está sujeito às sanções cominadas nos artigos 126.º a 128.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro (RJSF), aprovado pelo DL n.º 32/93/M, de 5 de Julho.

II – Do quadro factual assente resulta que foi celebrado um mandato para a celebração dos negócios de mútuo (“委任管理合同”) pelo Recorrente em 26/10/2018, sendo conferido ao mandatário o poder de, praticar em nome dele próprio, os actos de gestão do fundo pertencente ao mandante, incluindo os actos de concessão do crédito ou seja a celebração do contrato de mútuo com o terceiro (nos termos descritos na cláusula primeira do contrato), o que permite concluir que se consideram abrangidas as concessões do crédito que o Recorrente iria a realizar mediante a celebração dos contratos de mútuo com os devedores terceiros.

III – No caso, dos contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente contencioso não resultou a constituição no seu património de qualquer crédito de juros pela simples razão de que tais contratos estão feridos de nulidade por força do disposto no artigo 287.º do Código Civil, de acordo com o qual, «os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei». Ora, no caso, os contratos de mútuo foram celebrados contra disposições imperativas, precisamente as contidas nos artigos 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) do RJSF, advindo daí a assinalada nulidade. Nestes termos, apenas na hipótese de ter havido uma efectiva percepção de juros por parte do infractor é que a multa concretamente a aplicar os deverá ter em devida conta, dessa forma se podendo operar a expropriação do benefício que, no plano dos factos, tenha sido ilicitamente obtido, com desconsideração, mas sem prejuízo, do crédito de natureza restitutiva fundado na norma legal do n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil de que o mutuário será titular.

IV - O elevado benefício económico não poderia ter sido considerado como circunstância agravante modificativa da moldura máxima de penas pecuniárias. Para nós, ao mandar atender o tal benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção para a determinação concreta da pena, o que pretende o nosso legislador é, na prática não autorizada de operações reservadas às instituições sujeitas a supervisão pela AMCM, normalmente geradoras de benefícios económicos a favor de infractores e em prejuízos ao sistema económico e financeiro da RAEM, mandar atender o quantum do benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção, que reflecte o grau de ilicitude dos factos, tudo isto depende da prova concretamente produzida a cargo da entidade com poder punitivo.


O Relator,

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Fong Man Chong


Processo n.º 357/2022
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Data : 8 de Setembro de 2022

Recorrente : Secretário para a Economia e Finanças

Recorrido : A

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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I - RELATÓRIO
Secretário para a Economia e Finanças, Recorrente, devidamente identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 26/01/2022, veio, em 08/03/2022, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 50 a 61, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Um direito de crédito de natureza patrimonial é, por princípio, uma coisa em sentido jurídico, e um valor económico, que integra o património do seu titular.
II. A aquisição dessa coisa não depende da exigibilidade do crédito, e muito menos da cobrança do mesmo.
III. Antes de serem exigíveis, já os direitos de crédito podem ser objecto de outros direitos e de transacções no comércio jurídico.
IV. Quem adquire um direito de crédito de natureza patrimonial pode, em princípio, transmiti-lo ou onerá-lo antes de o mesmo ser exigível.
V. Os contratos de mútuo juntos ao processo administrativo, ao estipular juros a favor do mutuante, provam a constituição a favor dele de direitos de crédito.
VI. Ou seja, esses contratos provam a aquisição, por A, de coisas em sentido jurídico, que ele podia transaccionar.
VII. Assim, a aquisição dessas coisas foi, indubitavelmente, um benefício económico obtido pelo mutuante.
VIII. A aquisição desse benefício económico está, pois, devidamente provada no processo administrativo.
IX. O TA errou no seu julgamento ao entender que essa prova não tinha sido realizada.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer constante de fls. 70 e 71 dos autos, pugnando pelo improvimento do presente recurso jurisdicional.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- O ora Recorrente, através da empresa “XX Finanças” (XX財務), de B e da sociedade “YY Serviços Comercial Lda.” (YY商業服務有限公司), concedeu créditos a terceiro (cfr. os doc.s juntos a fls. 120v a 185 do P.A.).
- O Recorrente é sócio da dita sociedade “YY Serviços Comercial Lda.” (YY商業服務有限公司), com uma participação correspondente a 50% do capital social (cfr. os doc.s junto a fls. 134v a 136 do P.A.).
- Em 26/10/2018, o ora Recorrente celebrou com B um contrato mediante o qual conferiu a este poderes para fazer gestão dos seus fundos, designadamente, conceder em seu nome os empréstimos a terceiro (cfr. os doc.s junto a fls. 126 a 130 do P.A).
- No período compreendido entre 7/1/2019 e 22/3/2019, B subscreveu no total de 12 contratos de mútuo, concedendo com o dinheiro pertencente ao Recorrente, os empréstimos aos terceiros com a taxa anual de juro convencionada 29% (cfr. os doc.s juntos a fls. 15 a 117 do P.A.).
- As actuações acima referidas do Recorrente nunca foram autorizadas pela autoridade financeira.
- Por ofício n.º 1141/20-AMCM-DAJ, datado de 10/3/2020, foi o Recorrente notificado para apresentar a defesa escrita quanto à infracção imputada (cfr. o doc. junto a fls. 220 a 223 do P.A.).
- Na sequência da consulta do processo administrativo, o Recorrente apresentou sua defesa escrita (cfr. o doc. junto a fls. 267 a 271 do P.A.).
- Seguidamente, veio a ser elaborado o Relatório Final n.º 082/2020-DAJ, que foi por ofício n.º 2989/2020-AMCM-DAJ, de 3/6/2020, enviada ao Recorrente a cópia do dito relatório final, para se pronunciar no prazo de 10 dias (cfr. o doc. junto a fls. 308 a 322 do P.A.).
- Em 12/6/2020, o Recorrente apresentou seus comentários (cfr. o doc. junto a fls. 324 do P.A.).
- Foi elaborada a deliberação do Conselho de Administração da AMCM no sentido de propor à Recorrida a determinação da aplicação da multa no montante de MOP 700,000.00, pela prática não autorizada da concessão de crédito a terceiros na RAEM, com carácter habitual e intuito lucrativo, no período compreendido entre 7/1/2019 e 22/3/2019 (cfr. o doc. junto a fls. 377 a 388 do P.A.).
- A proposta acima referida mereceu o despacho da concordância da Entidade recorrida exarada na proposta n.º 040/2021-CA, de 23/2/2021 (idem).
- Em 10/8/2021, o ora Recorrente apresentou o presente recurso contencioso da dita decisão.
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    IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a douta decisão com base nos seguintes argumentos:

I. Relatório
Recorrente A, melhor id. nos autos,
interpôs o presente recurso contencioso administrativo contra
Entidade Recorrida Secretário para a Economia e Finanças, que, pelo Despacho exarado na proposta n.º 040/2021-CA, de 9/6/2021, lhe determinou a aplicação de uma multa única de MOP 700,000.00, bem como a sanção acessória de publicitação da multa aplicada.
Alegou o Recorrente, com os fundamentos de fls. 2 a 6v dos autos, em síntese:
- o défice instrutório; e
- a excessividade da multa aplicada.
Concluiu, pedindo a anulação do acto recorrido.
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A Entidade recorrida apresentou a contestação a fls. 22 a 27 dos autos, em que se pugnou pela legalidade do acto recorrido e a consequente improcedência do recurso contencioso.
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Nenhuma das partes apresentou as alegações facultativas.
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O digno Magistrado do M.º P.º emitiu, a fls. 33 a 35v dos autos, o douto parecer em que se promoveu a procedência parcial do presente recurso, cujo teor se transcreve no seguinte:
“司法上訴人A就被訴實體經濟財政司司長於2021年6月9日在澳門金融管理局行政管理委員會按照第670/CA號決議作成的第040/2021-CA號建議書上作出的決定提起司法上訴,該決定是被訴實體基於認定司法上訴人違反了第32/93/M號法令核准的《金融體系法律制度》第122條第2款b項,以及第2條第1款、第17條第1款b項及第19條第1款的規定,對司法上訴人科處澳門幣700,000元罰款。
司法上訴人請求撤銷被訴行為,理由是被訴行為存在調查不足及罰款金額過高的違法瑕疵。
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以下陳述本院意見:
對於調查不足的指控,司法上訴人主要是質疑被訴實體取得的證據不足以支持認定對其科處罰款所依據的事實情節,以及認為被訴實體欠缺聽取相關人士的證言。言則,司法上訴人並非質疑被訴行為羅列的事實不足以支持對其作出處罰,只是質疑被訴實體搜集的證據不足以認定有關事實。
根據《行政程序法典》第86條第1款規定:如知悉某些事實有助於對程序作出公正及迅速之決定,則有權限之機關應設法調查所有此等事實;為調查該等事實,得使用法律容許之一切證據方法。
另一方面,基於《金融體系法律制度》沒有特別規定,對其規範的行政違法行為事宜應適用第52/99/M號法令《行政上之違法行為之一般制度及程序》的規則。按照《行政上之違法行為之一般制度及程序》第3條第3款規定:如第一款所指法律或規章未有規定,則依次補充適用本法規之規定、經必要配合之《行政程序法典》之有關規定、刑法及刑事訴訟法之一般原則。因此,按照經配合適用的《刑事訴訟法典》第114條規定:評價證據係按經驗法則及有權限實體之自由心證為之,但法律另有規定者除外。
由此可見,行政當局對構成其適用之法律所規定及要求的前提要件的所有重要事實負有法律約束的調查義務,但對於行政當局應採取甚麼證據方法、採信甚麼證據,以及應如何評價證據的問題,除非法律對此有明確規定,否則應遵循證據自由評價原則,由行政當局按經驗法則及自由心證為之。
關於行政當局對證據享有之評價自由,中級法院法官於編號202/2000卷宗之裁判中指出:作為不真正的自由裁量,行政當局的證明自由使有關行為在涉及自由評價證據的部分幾乎不可受爭議,而法院僅局限於處理粗劣錯誤、明顯不公正或顯然不適度的情況。申言之,行政當局在證據評價方面享有自由心證,法院僅當發現行政當局在證據審查方面出現明顯錯誤、絕對不公正或顯然不適度的情況下才可介入。
從比較法參考的角度,葡萄牙最高行政法院指出:a falta de diligências reputadas necessárias para a constituição da base fáctica da decisão afectará esta não só se (tais diligências) forem obrigatórias (violação do princípio da legalidade), mas também se a materialidade dos factos não estiver comprovada, ou faltarem, nessa base, factos relevantes, alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração poderia e deveria ter colhido (erro nos pressupostos de facto). --- 引用於Mário Esteves de Oliveria, Pedro Costa Gonçalves – J. Pacheco de Amorim, CPA comentado, 2.ª ed., Almedina, p.420
以此為基礎,我們認為,司法上訴人提出的調查不足理由不足以支持撤銷被訴行為的請求。
首先,無任何法律規定行政當局進行證人詢問是法定強制採取的調查措施,司法上訴人在行政程序階段亦無要求被訴實體聽取相關人士的證言,被訴實體沒有聽取相關人士的證言不構成任何違反合法性原則的理由;其次,在未被質疑真實性的情況之下,私文書對其作成人所作之意思表示有完全證明力(《民法典》第370條),按照被訴實體搜集所得並作為被訴行為決定所依據的文件證據,尤其是多份已獲公證員當場認證文件作成人簽名的「借貸合同」、「交易追認指示函」及「委任管理合同」的內容,已充分足夠證明被訴行為指控司法上訴人作出的行政違法事實,即司法上訴人在未經具權限實體許可的情況下,於2019年1月7日至3月22日期間(少於三個月),以簽定上述「交易追認指示函」及「委任管理合同」的方法透過被訴行為指出的第三人的協助,作出向他人批給十二筆貸款,並為此訂定29%年利率的行為,構成以營利及慣常方式從事未經許可的批給貸款活動,有關事實情節無明顯需要再行聽取文書作成人的聲明加以查證,未見被訴實體對上述事實作出的認定及對證據作出的評價有明顯錯誤。
至於被訴行為指控司法上訴人因上述活動帶來的經濟利益(澳門幣430,872元),相關金額的多少及司法上訴人是否實際獲得相關利益不影響上述行政違法行為的構成,即對有關事實的調查及認定不足以作為完全撤銷被訴行為的理據。
因此,我們認為,被訴行為不沾有調查不足的違法瑕疵。
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關於罰款金額過高的主張,司法上訴人主要是認為被訴行為未考慮所有對其有利及不利的情節,以及違反適度原則。但情況其實並非完全如此。
按照被訴行為第三部分(法律方面)第3點,被訴行為除了考慮司法上訴人的違法行為涉及的利益數額之外,也充分考慮了司法上訴人之前未被提起違法行為程序、司法上訴人的行為模式所顯示的故意及過錯程度、不法性程度、相關違法行為對金融體系以至公眾構成的危險、處罰非法行為的必要性及預防的必須性等因素,換言之,被訴行為並無欠缺考慮司法上訴人主張的衡量罰款金額的因素。
至於司法上訴人主張其並非故意違法(借貸行為經過公證)及怪責行政部門沒有提醒的情節,明顯無任何考量價值,因為公證行為僅賦予文件內容真實性的證明效力,但公證部門不具備監察公證行為的對象是否構成違法行為的手段,以及文件作成人是否有作出不法行為的意圖的職能,司法上訴人主張的情況不足以降低其行為的過錯及故意程度。
對於適度原則,其僅存在於享有自由裁量權的行政活動中,而自由裁量權的行使,只有在權力偏差、明顯的錯誤或絶對不合理的情況下才受司法監管。(參見中級法院第1016/2015號合議庭裁判)
就本個案而言,正如上面提及,我們認為被訴行為已考慮所有對訂定罰款金額屬重要之情節。
然而,不能否認,被訴行為將司法上訴人的違法行為涉及的經濟利益也作為衡量的因素之一,而卷宗內的確未見確實證據證明司法上訴人已獲得被訴行為估計的相關金額款項。
故此,在明顯不具備條件認定被訴行為主張的上述訂定罰款的情節時,我們不反對在訂定罰款金額方面存在調整空間。
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綜上所述,我們認為,應裁定司法上訴的上訴理由部分成立,在重新訂定罰款之金額後維持處罰決定。”
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
***

II. Fundamentação

1. Matéria de facto
Considera-se provada a seguinte factualidade pertinente por elementos constantes dos autos e do processo administrativo:
(...)

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2. Matéria de direito

Do que se trata aqui é da sanção administrativa aplicada nos termos previstos no Regime Jurídico do Sistema Financeiro (doravante designado por RJSF), aprovado pelo DL n.º 32/93/M, de 5 de Julho, pelo exercício não autorizado da actividade da concessão de créditos, a que se refere nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) desse Regime.

As operações de concessão de crédito encontram-se reguladas pelo artigo 17.º, n.º 1, alínea b) do RJSF, nos termos do qual “Os bancos podem efectuar as seguintes operações:…b) Concessão de crédito, incluindo a prestação de garantias e outros compromissos, locação financeira e factoring; …”, ao passo que se exige, no disposto do artigo 2.º, n.º 1 do Regime, que apenas as instituições financeiras regularmente constituídas e autorizadas estejam habilitadas a exercer as operações de concessão de crédito referidas no citado preceito legal, de modo habitual e com intuito lucrativo. Trata-se das instituições financeiras, designadamente, as de crédito (os bancos, a Caixa Económica Postal, outras sociedades que também desenvolvem a actividade prevista no artigo 1.º, alínea b) do Regime – a que se refere o artigo 15.º), cujo acesso à actividade depende da prévia autorização nos termos do disposto no artigo 19.º do Regime.

Assim sendo, o exercício das operações de concessão de crédito reservadas às instituições acima referidas por quaisquer outras pessoas ou entidades que não tenham sido autorizadas para o tal constitui a infracção de especial gravidade prevista no artigo 122.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do RJSF, e por conseguinte, está sujeito à aplicação das sanções cominadas nos artigos 126.º a 128.º do Regime.

Vem o Recorrente imputar à decisão sancionatória o “défice instrutório”.

Com respeito à posição contrária, ao que nos parece à partida, tal “défice instrutório”, mesmo que se tivesse por demonstrado, não conduziria à invalidade do acto praticado a título autónomo. Neste sentido, ainda de acordo com a douta jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância – o Acórdão n.º 193/2000, de 27/3/2003, pode extrair-se o seguinte: “a falta de diligências reputadas necessárias para a constituição da base fáctica da decisão afectará esta, não só se tais diligências forem obrigatórias (acarretando, assim, violação do princípio da legalidade), mas também se a materialidade dos factos não estiver comprovada, ou faltarem, nessa base, factos relevantes alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração poderia e deveria ter colhido (o que gera erro nos pressupostos de facto).”

Dito por outra forma, o “défice instrutório” proveniente das omissões na utilização das diligências instrutórias em cumprimento do princípio inquisitório geral previsto nos artigos 59.º e 86.º do CPA, assimila-se ao erro sobre os pressupostos de facto, se daí resulta a falta de factos que dêem suporte ao acto. Se assim é, a sentença que conheça deste vício imputado e que se profira é sobre o mérito da causa, não sobre as questões meramente formais.

Situação diferente é quando se verifica a ofensa a um dever instrutório e investigatório especialmente previsto na lei, a falta essa já será suficiente para acarretar a anulação do acto contenciosamente recorrido, tratando-se aqui do vício de forma, pela ocorrência do erro no procedimento administrativo (cfr. quanto às duas vertentes distintas do “défice instrutório”, a jurisprudência do Acórdão n.º 456/2015, de 10/3/2016). Pois, o que importa é saber se a norma legal especialmente obriga a Administração a agir tomando as determinadas diligências em face da situação pressuposta.

Ora, o vício foi invocado pelo Recorrente na vertente material, em que a ilegalidade do acto recorrido decorreria da insuficiência das provas para decisão recorrida, por duas razões: inexistem provas a demonstrarem que o mutuante (B)que configurava com parte nos contratos de empréstimo, subscreveu-os por conta do próprio Recorrente e que este efectivamente participou nas concessões de empréstimo em causa. Também, inexistem provas para a quantificação do benefício económico efectivamente obtido pelo Recorrente.

Trata-se do erro no pressuposto de facto, diferentemente do que é qualificado pelo Recorrente.

No que respeita ao vício assinalado na primeira parte, cremos não ser pertinente a crítica do Recorrente, porquanto o facto de os empréstimos terem sido concedidos tão-só em nome deB não o irresponsabiliza simplesmente.

Pois, o que se aborda aqui é a operação da concessão de crédito na modalidade de contrato de mútuo, previsto na norma dos artigos 1070.º e ss do CCM, que é caracterizado como “o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, fincado a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”. A particularidade do caso consiste na verificada circunstância de que os respectivos contratos de mútuo foram subscritos por alguém que actuavam no interesse do terceiro e com o dinheiro que a este pertencia.

Como se sabe, num caso paradigmático do mandato sem representação previsto nos artigos 1106.º e ss do Código Civil, em que não obstante terem sido os negócios celebrados em nome próprio do mutuante, caso se comprove a existência do mandato segundo o qual aquele mutuante (que é mandatário) actuam por conta do terceiro (que é mandante), deve ser este terceiro que assuma, em última linha, “as obrigações contraídas pelo mandatário em execução do mandato” (conforme se prevê nos artigos 1106.º e 1109.º do CCM).

Na perspectiva do direito administrativo sancionatório, o referido mandante também não fica impune, sendo configurável como comparticipante (e.g. autor mediato, instigador, co-autor) da infracção cometida pelo mandatário “testa de ferro”, por ser aquele que dê as instruções nos termos das quais os créditos devam ser concedidos.

No caso dos autos, não temos dúvida de que a existência do mandato para a celebração dos negócios de mútuo foi demonstrada. Conforme o que consta do contrato (“委任管理合同”) celebrado em 26/10/2018 entre o Recorrente eB junto a fls. 126 a 130 do P.A., foi a este conferido o poder de, praticar em nome dele próprio, os actos de gestão do fundo a aquele pertencente, incluindo os actos de concessão do crédito ou seja a celebração do contrato de mútuo com o terceiro (nos termos descritos na cláusula primeira do contrato). No âmbito desse mandato, consideram-se abrangidas as concessões do crédito queB viria a realizar mediante a outorga dos contratos de mútuo com os devedores terceiros, entre 7/1/2019 e 22/3/2019.

Certo é que de acordo com a limitação ao mandato convencionada pela cláusula terceira do contrato do mandato, “a efectiva concessão dos créditos por parte do mandatário depende do consentimento prévio do mandante ou da respectiva ratificação posterior”, e que não foram as cartas de ratificação que se destinava a ratificar as concessões de crédito efectuadas por mandatárioB, finalmente subscritas pelo Recorrente enquanto mandante. Contudo, isso não obsta a que o Recorrente tomasse participação nas operações realizadas porB, por via do consentimento prévio. O que nunca foi questionada pelo próprio Recorrente na sua defesa escrita apresentada sobre a eventual violação por parte do mandatário Bda assinalada condição imitativa que fora introduzida no contrato de mandato.

Passaremos a ver a outra questão levantada. Salvo a melhor opinião, consideramos que a fixação do quantitativo do benefício económico resultante das 12 transacções no valor total de MOP 430,872.00 se encontrava destituída da base probatória.

Não será difícil inferir que o cálculo do benefício económico apoia-se, basicamente, nos elementos constantes dos contratos de mútuo celebrados por B, em execução do mandato do Recorrente: o valor do capital de cada empréstimo, e respectivo o montante total, os juros remuneratórios contratualmente convencionados. No entanto, não nos parece que com tais elementos recolhidos sejam possível fixar o montante de benefício económico obtido através da infracção imputada ao Recorrente.

A este propósito, já tínhamos várias ocasiões de questionar a legitimação na fixação do quantum da multa com base em tal parâmetro de “benefício económico”, na medida em que a multa aplicada era por referência preponderante ao montante daquele benefício, que na essência, não funcionava apenas como um dos parâmetros a ponderar na quantificação, e que o interessado mesmo previamente notificado, poderia não ter contado com a relevância primordial que a Recorrida venha a atribuir a este factor na tomada da decisão final. Apesar de tudo, esta questão não deixa de ser relativizada, tendo em consideração o elucidado no douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 1040/2020, de 21/1/2021, nos seguintes termos:
“Dado preceituado no nº 3, é evidente que o elevado benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção é tido pelo nosso legislador como uma das circunstâncias a atender na determinação da medida concreta das sanções administrativas dos factos punidos nos termos do «Regime Jurídico do Sistema Financeiro».
Pois, de outro modo, o elevado benefício económico não poderia ter sido considerado como circunstância agravante modificativa da moldura máxima de penas pecuniárias. Para nós, ao mandar atender o tal benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção para a determinação concreta da pena, o que pretende o nosso legislador é, na prática não autorizada de operações reservadas às instituições sujeitas a supervisão pela AMCM, normalmente geradoras de benefícios económicos a favor de infractores e em prejuízos ao sistema económico e financeiro da RAEM, mandar atender o quantum do benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção, que reflecte o grau de ilicitude dos factos, o que não tem nada a ver com o instituto de confisco.”

Ou seja, o que está em discussão não seria mais do que um dos elementos a atender na fixação da medida da multa (ao contrário do que parece sugerir a letra da norma do artigo 128.º, n.º 3 do RJSF, onde se limita a dizer que a moldura poderá ser agravada no seu limite máximo se o benefício económico for superior a metade deste, e não assim o é a medida concreta da sanção) por ser demonstrativo do grau da ilicitude dos factos assim como os outros. Assim sendo, é evidente que a Recorrida se encontra habilitada a socorrer-se daquele parâmetro na fixação da multa.

Resta ver então se o “quantum” assim fixado assenta ou não em bases sólidas (a este respeito, cremos que não tem aplicabilidade ao caso dos autos a tese defendida pela Recorrida no sentido de que o exercício do poder discricionário pela Administração na graduação da multa é apenas sindicáveis em caso de erro manifesto ou total desrazoabilidade, porquanto estando aqui em discussão “um erro de facto ou material sobre a subsistência material dos pressuposto de facto”, o que será apto a determinar o uso indevido da discricionariedade por desrespeito do âmbito da norma de competência, sem entramos ainda no domínio da razoabilidade do exercício do poder, que é a questão colocada noutro patamar diferente – veja-se, neste sentido, Pedro Costa Gonçalves, Manual de Direito Administrativo, vol.1, Almedina, pp. 238 a 239).

Repare-se, a expressão utilizada pela norma legal do artigo 128.º, n.º 3 do RJSF foi “o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção”. Como é consabido por quem saiba algo da gramática portuguesa, o particípio passado – “obtido” – que aqui se utiliza tem uma função de adjectivar o substantivo que o antecede “benefício económico” e implica, assim como qualquer outro particípio passado que a actuação (de obter o benefício económico) está finalizada ou concluída no tempo pretérito.

Dito por outra forma, o montante do benefício económico apto a influir na agravação da multa deveria ser aquele que o infractor tenha efectivamente recebido no passado, e não aquele que o mesmo poderá receber. Outrossim, a expressão que se emprega na redacção da norma legal deveria ser “o benefício económico a obter”.
No nosso caso, os elementos que se encontram na posse da Autoridade financeira possibilitam quanto muito o cálculo de lucros estimados que se espera render mediante a conclusão dos empréstimos. Inexiste prova de que o ora Recorrente tenha recebido o benefício económico naquele montante, o que nos parece ser fundamental se tendo em consideração todas as vicissitudes a ocorrer posteriormente à conclusão dos ditos negócios, que pudessem vir a frustrar a expectativa que o mutuante sempre tinha na recuperação atempada dos empréstimos concedidos junto dos devedores mutuários. Se assim for, a aplicação da multa com quantitativo na medida do montante dos benefícios económicos necessariamente cairá por base, já que o ganho dos lucros esperados poderia nem chegar a ser concretizado.

Aliás, tratando-se de uma circunstância típica agravante da moldura sancionatória conforme se prevê no artigo 128.º, n.º 3 do RJSF (“Quando o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção for superior a metade do limite máximo fixado no n.º 1, este poderá ser elevado até ao dobro desse benefício”), entendemos que o seu preenchimento não se pode ter por verificado por qualquer maneira indiferente, exigindo, antes de mais, provas firmes para demonstrar a sustentabilidade da sanção aplicada. E o ónus de prova compete à administração que pretenda impor ao interessado a sanção quantificada com base no critério de benefício económico que ela própria invocou.

Não diríamos que o cálculo do montante nunca devesse ser feito de uma forma presuntiva ou estimativa, mas ao menos, ao que nos parece, que deveria ter-se reunido todos os elementos constitutivos que favoreçam a conclusão de que o interessado obteve o benefício naquela quantidade esperada. Agora a simples existência da convenção dos juros que terão ser cobrados pelas concessões dos empréstimos está longe de satisfazer as exigências probatórias ao ponto de poder dar-se como assente o valor do benefício económico obtido pelo Recorrente.

Nota-se, diferentemente do que tinha acontecido nas situações análogas, que a multa em causa não tem por medida o montante do benefício económico, mas se encontra fundada ainda noutras circunstâncias. Mas é evidente que nem por isso se deve relativizar a importância deste padrão na quantificação da sanção administrativa em causa: quanto a isto, estamos em crer que a desconsideração deste parâmetro não conduziria à aplicação de uma medida sancionatória indiferente, pelo contrário terá certamente influído de forma acentuada o quantum concreto da sanção a ser fixada pela Recorrida.
Nestes termos, o acto recorrido é anulado pelo erro no pressuposto de facto, decorrente da inexistência das provas necessárias à quantificação do benefício económico, determinante para quantificação da medida concreta da multa. Tendo sido considerada a fixação do quantitativo da multa como desprovida da base probatória, torna-se então desnecessária a apreciação da excessividade da mesma.

Uma vez que não há elementos suficientes (o montante devidamente apurado do benefício económico, e a situação económica do infractor a atender nos termos do artigo 45.º, n.º 2 do CPM) para a determinação oficiosa da sanção aplicável ao Recorrente, ainda que entendemos que o mesmo deva ser condenado, é dispensado o cumprimento do artigo 118.º, n.º 2 do CPAC.

Resta decidir.

IV. Decisão

Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar procedente o presente recurso contencioso, com a anulação do acto recorrido.
*
Sem custas pela Entidade recorrida, por ser subjectivamente isenta.
*
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Relativamente às questões suscitadas neste recurso, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A, melhor identificado nos presentes autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Economia e Finanças que lhe aplicou a multa de 700 000 patacas e a sanção acessória de publicitação da multa aplicada pela prática da infracção de exercício não autorizado da actividade de concessão de crédito.
Por douta sentença do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 36 a 42 dos presentes autos foi o recurso contencioso julgado procedente com a consequente anulação do acto impugnado.
Inconformado com a dita sentença, veio o Secretário para a Economia e Finanças interpor o presente recurso jurisdicional, pugnando pela respectiva revogação.

2.
Parece-nos, salvo o devido respeito, que a douta sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que o Recorrente lhe imputa.
As razões deste nosso modesto entendimento, que coincidem, no essencial, com aquelas que serviram de fundamento à decisão a quo, enunciam-se em termos breves.
A questão está em saber o que deve entender-se por «benefício obtido» com a prática da infracção.
A decisão punitiva que foi objecto de impugnação contenciosa considerou que, no caso, o benefício económico correspondia aos juros remuneratórios convencionados.
Por seu turno, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo considerou que o montante do benefício obtido corresponde aos juros efectivamente recebidos pelo mutuante e não os juros estimados em função do que foi contratualmente acordado.
O Recorrente, nas doutas alegações do recurso jurisdicional, contrariando o entendimento da sentença recorrida, sustenta que, aquilo releva, na perspectiva do benefício económico obtido, não é o vencimento do crédito e muito menos a sua cobrança, mas, antes, a sua constituição. E, no caso, os contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente contencioso ao estipular juros a seu favor, provam a constituição de direitos de crédito e, portanto, a obtenção de um benefício económico.
Vejamos.
Não nos custa a aceitar, em geral, o entendimento do Recorrente quanto à natureza dos créditos, incluindo os créditos de juros, enquanto coisas que integram, do lado activo, o património do credor.
Todavia, no caso em apreço, colocadas as coisas no estrito plano jurídico, que é aquele em que a questão é colocada pelo Recorrente, e não no plano dos factos, a verdade é que, no caso, dos contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente contencioso não resultou a constituição no seu património de qualquer crédito de juros pela simples razão de que tais contratos estão, parece-nos, feridos de nulidade por ser isso o que resulta do disposto no artigo 287.º do Código Civil, de acordo com o qual, «os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei». Ora, no caso, os contratos de mútuo foram celebrados contra disposições imperativas, precisamente as contidas nos artigos 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, advindo daí a assinalada nulidade.
Donde, serem os ditos contratos de mútuo desprovidos de outra força jurísgena que não seja a de fundar pretensões restitutivas ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil. Em todo o caso, não se chegou a radicar na esfera jurídica do recorrente contencioso um direito de crédito corresponde aos juros acordados e, portanto, nessa perspectiva, não será juridicamente rigoroso afirmar que, com a celebração dos ditos contratos de mútuo, o activo do seu património sofreu um incremento na medida correspondente aos ditos juros. Daí que, salvo o devido respeito, também se não possa dizer que tais juros sejam a expressão e a medida do benefício económico obtido pelo infractor.
Estamos em crer que apenas na hipótese de ter havido uma efectiva percepção de juros por parte do infractor é que a multa concretamente a aplicar os deverá ter em devida conta, dessa forma se podendo operar a expropriação do benefício que, no plano dos factos, tenha sido ilicitamente obtido, com desconsideração, mas sem prejuízo, do crédito de natureza restitutiva fundado na norma legal do n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil de que o mutuário será titular.
Com a breve motivação que antecede, somos modestamente a entender que a decisão recorrida não deve ser merecedora de censura.

3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se na ordem jurídica a douta sentença recorrida.”
*
Quid Juris?

Concordamos com a douta argumentação acima transcrita, da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando as soluções nela adoptadas, é de, nestes termos, negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Entidade Recorrida.
*
Síntese conclusiva:
I - O exercício das operações de concessão de crédito reservadas às instituições referidas por quaisquer outras pessoas ou entidades que não tenham sido autorizadas para o tal constitui a infracção de especial gravidade prevista no artigo 122.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do RJSF, e por conseguinte está sujeito às sanções cominadas nos artigos 126.º a 128.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro (RJSF), aprovado pelo DL n.º 32/93/M, de 5 de Julho.
II – Do quadro factual assente resulta que foi celebrado um mandato para a celebração dos negócios de mútuo (“委任管理合同”) pelo Recorrente em 26/10/2018, sendo conferido ao mandatário o poder de, praticar em nome dele próprio, os actos de gestão do fundo pertencente ao mandante, incluindo os actos de concessão do crédito ou seja a celebração do contrato de mútuo com o terceiro (nos termos descritos na cláusula primeira do contrato), o que permite concluir que se consideram abrangidas as concessões do crédito que o Recorrente iria a realizar mediante a celebração dos contratos de mútuo com os devedores terceiros.
III – No caso, dos contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente contencioso não resultou a constituição no seu património de qualquer crédito de juros pela simples razão de que tais contratos estão feridos de nulidade por força do disposto no artigo 287.º do Código Civil, de acordo com o qual, «os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei». Ora, no caso, os contratos de mútuo foram celebrados contra disposições imperativas, precisamente as contidas nos artigos 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) do RJSF, advindo daí a assinalada nulidade. Nestes termos, apenas na hipótese de ter havido uma efectiva percepção de juros por parte do infractor é que a multa concretamente a aplicar os deverá ter em devida conta, dessa forma se podendo operar a expropriação do benefício que, no plano dos factos, tenha sido ilicitamente obtido, com desconsideração, mas sem prejuízo, do crédito de natureza restitutiva fundado na norma legal do n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil de que o mutuário será titular.
IV - O elevado benefício económico não poderia ter sido considerado como circunstância agravante modificativa da moldura máxima de penas pecuniárias. Para nós, ao mandar atender o tal benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção para a determinação concreta da pena, o que pretende o nosso legislador é, na prática não autorizada de operações reservadas às instituições sujeitas a supervisão pela AMCM, normalmente geradoras de benefícios económicos a favor de infractores e em prejuízos ao sistema económico e financeiro da RAEM, mandar atender o quantum do benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção, que reflecte o grau de ilicitude dos factos, tudo isto depende da prova concretamente produzida a cargo da entidade com poder punitivo.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
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Sem custas por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 8 de Setembro de 2022.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Mai Man Ieng
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