Processo n.º 261/2021 Data do acórdão: 2022-7-28 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– crime de burla
– crime de falsificação de documento
– não comprovação do intuito de enganar
S U M Á R I O
Tendo sido já julgado no acórdão recorrido que não era possível comprovar o intuito ilícito dos dois arguidos ora recorrentes de enganar as autoridades competentes do Governo em matéria de atribuição de subsídios pecuniários, o tribunal recorrido não deveria ter emitido a decisão condenatória do crime de falsificação de documento então imputado aos mesmos arguidos, já que aquele argumento de absolvição do crime de burla deles fez com que não se pudesse dar por verificada, por parte deles dois, a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou à Região Administrativa Especial de Macau, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, exigida no tipo legal do art.o 244.o, n.o 1, do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 261/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrentes: 1.o arguido A
2.a arguida B
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformados com o acórdão proferido a fls. 320 a 333 do Processo Comum Colectivo n.o CR4-20-0285-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base na parte em que ficaram condenados apenas como co-autores materiais, entre eles, de um crime consumado de falsificação de documento, p. e p. pelo art.o 244.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), respectivamente, em dez meses e em oito meses de prisão, com igual suspensão da execução da pena deles pelo mesmo período de dois anos, sob idêntica condição de prestação, no prazo de um mês, de cinco mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau, vieram o 1.o arguido A e a 2.a arguida B recorrer para este Tribunal de Segunda Instância.
O 1.o arguido, na motivação apresentada em original a fls. 404 a 428 dos presentes autos correspondentes, começou por pedir a rectificação de um lapso manifesto de escrita contido no aresto recorrido, alegando que contrariamente ao aí escrito, foi já apresentada contestação em nome dele próprio, e em seguida passou a desenvolver um conjunto de argumentos para fazer sindicar sobretudo da justeza da livre convicção formada pelo Tribunal recorrido sobre os factos respeitantes ao referido crime de falsificação de documento, e depois não deixou de preconizar também a existência de concurso aparente entre a burla e a falsificação de documento, para rogar, a final, a absolvição também do crime de falsificação de documento por que vinha concretamente condenado em primeira instância, na esteira da já absolvição dele por conduta de burla.
Enquanto a 2.a arguida, na motivação junta em original a fls. 430 a 454 dos presentes autos, pediu, a tíutlo principal, a absolvição dela do mesmo crime de falsificação de documento, por defendida inexistência de descrição, na fundamentação fáctica do acórdão impugnado, de factos relativos ao seu dolo específico no cometimento desse crime, sem deixar de rogar, fosse como fosse, a redução da sua pena.
Aos recursos, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 462 a 469v dos autos, no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer a fls. 482 a 486 dos autos, opinando também pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir dos recursos.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
O acórdão ora recorrido pelos 1.o e 2.a arguidos ficou proferido a fls. 320 a 333, cujo teor integral se dá por aqui reproduzido.
Na parte do relatório desse acórdão, concretamente na 13.a linha da página 5 do respectivo texto, a fl. 322, foi escrito que a Pessoa Defensora Oficiosa do 1.o arguido não apresentou contestação (em chinês, originalmente: “第一嫌犯的公設辯護人並無提交書面答辯狀”).
A fls. 301 a 302, já constava a contestação então apresentada em nome do 1.o arguido, segundo a qual este oferece o merecimento dos autos e tudo o que em seu benefício resultar da audiência de julgamento, para além de arrolar testemunhas de defesa e pedir a gravação da audiência de julgamento.
Na sessão da audiência de julgamento de 25 de Novembro de 2020, o Ex.mo Defensor da 2.a arguida pediu ao Tribunal a passagem de guia de pagamento, para efeitos de prestação da indemnização, ao que não deduziu oposição o Ministério Público, tendo a M.ma Juíza Presidente do Tribunal Colectivo ora recorrido autorizado a passagem de guia de pagamento (cfr. o teor da respectiva acta, na parte concretamente constante de fl. 304v).
De acordo com o teor de fl. 312, A e B depositaram, em 26 de Novembro de 2020, MOP$28.670,00 (vinte e oito mil, seiscentas e setenta patacas) à ordem do processo, para indemnização.
Na parte final da fundamentação jurídica do acórdão recorrido, o Tribunal a quo entendeu não atribuir indemnização oficiosa.
Em conformidade com a fundamentação do mesmo acórdão, foi decidido absolver os 1.o e 2.a arguidos dos crimes de burla, por impossibilidade de comprovação do intuito ilícito desses dois arguidos de enganar as Autoridades competentes do Governo em matéria de atribuição de subsídios pecuniários.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Desde já, em face dos elementos acima coligidos dos autos, procede o pedido do 1.o arguido de rectificação do relatório do acórdão recorrido na parte respeitante à menção de não apresentação da contestação. De facto, foi já apresentada a contestação em seu nome, pelo que é de decidir pela supressão da expressão “並無” inicialmente escrita em chinês (com o equivalente significado de “não” em portugês) na 13.a linha da página 5 do respectivo texto, a fl. 322.
E agora do pedido de absolvição do crime de falsificação de documento por que ambos os 1.o e 2.a arguidos vinham condenados em primeira instância:
Como o Ministério Público não chegou a recorrer da decisão absolutória dos crimes de burla desses dois arguidos, não se pode questionar agora a justeza, ou não, do argumento invocado pelo Tribunal recorrido para essa decisão absolutória.
Assim sendo, não se podendo sair agora do âmbito daquele argumento exposto por esse Tribunal para a decidida absolvição dos crimes de burla dos dois ora recorrentes, ou seja, tendo sido já julgado em primeira instância que não era possível comprovar o intuito ilícito desses dois arguidos de enganar as Autoridades competentes do Governo em matéria de atribuição de subsídios pecuniários, o mesmo Tribunal não deveria ter emitido, ao mesmo tempo, a decisão condenatória do referido crime de falsificação de documento, já que aquele argumento fez com que não se pudesse dar por verificada, por parte dos mesmos dois arguidos, a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou à Região Administrativa Especial de Macau, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, exigida no tipo-de-ilícito descrito no art.o 244.o, n.o 1, do CP.
Procede, pois, o pedido absolutório formulado pelos dois recorrentes, sem mais indagação, por ociosa ou prejudicada, sobre o objecto penal do presente recurso.
Por fim, tendo o Tribunal Colectivo recorrido autorizado, na audiência de julgamento de então, o pedido de passagem de guia de pagamento para efeitos de prestação da indemnização, cabe à Entidade Administrativa ofendida exercer o seu direito de levantar a quantia pecuniária indemnizatória então prestada pelos 1.o e 2.a arguidos.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em rectificar um lapso manifesto de escrita contido na 13.a linha da página 5 do texto do acórdão recorrido a fl. 322 dos autos, no sentido de suprimir a expressão “並無” inicialmente aí escrita em chinês (com o equivalente significado de “não” em portugês), bem como julgar provido o pedido absolutório penal formulado pelos dois recorrentes A e B, passando, por conseguinte, a absolvê-los do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.o 244.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal por que vinham condenados somente no acórdão recorrido.
Comunique a presente decisão, com cópia do acórdão recorrido, à Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude, nomeadamente para efeitos de levantamento da quantia indemnizatória de MOP28.670,00 (vinte e oito mil, seiscentas e setenta patacas) então prestada pelos dois recorrentes.
Sem custas do presente processo em ambas as duas Instâncias. Fixam em duas mil e duzentas patacas os honorários da Ex.ma Defensora Oficiosa do 1.o arguido e em duas mil patacas os honorários do Ex.mo Defensor Oficioso da 2.a arguida, a pagar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância, passando os honorários fixados no acórdão recorrido para estes dois Ex.mos Defensores a ser suportados também por esse Gabinete.
Macau, 28 de Julho de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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