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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). -----------------------
--- Data: 07/09/2022 --------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng.---------------------------------------------------------------------------------

Processo n.º 525/2022
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A





DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por acórdão proferido a fls. 187 a 197v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-22-0003-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material de um crime consumado de burla em valor elevado, p. e p. sobretudo pelos art.os 211.o, n.o 3, e 196.o, alínea a), do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na execução por três anos, sob condição de pagar ao ofendido, dentro de um ano, a quantia indemnizatória, arbitrada oficiosamente, de RMB$68.160,00 (sessenta e oito mil, cento e sessenta Renminbis), com juros legais a contar da data desse próprio acórdão até integral e efectivo pagamento.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), assacando à referida decisão condenatória erro notório na apreciação da prova, nomeadamente com simultânea violação do princípio de in dubio pro reo, nos termos alegados na sua motivação de fls. 214 a 223 dos presentes autos correspondentes, para rogar a sua absolvição penal ou reenvio total do processo para novo julgamento.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 225 a 227v dos autos, no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 236 a 237v, opinando pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir sumariamente do recurso, nos termos permitidos pelos art.os 407.o, n.o 6, alínea b), e 410.o, n.o 1, do Código de Processo Penal (CPP).
2. Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontrou proferido a fls. 187 a 197v, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui inteiramente reproduzido.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, decidindo.
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, da leitura da fundamentação probatória da decisão condenatória ora recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto.
Aliás, esse Tribunal já expôs congruentemente as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos probandos respeitantes ao crime consumado de burla em valor elevado por cuja prática, em autoria material, vinha finalmente condenado o arguido – cfr. o teor da mesma fundamentação probatória, na parte escrita sobretudo a partir do terceiro parágrafo da página 14 do texto do acórdão recorrido até à 9.a linha da página 15 do mesmo texto (a fls. 193v a 194), no referente à análise crítica das provas dos autos quanto a esse crime, inclusivamente sobre o já conhecimento, por parte do arguido, do carácter falsificado das notas de dólares de Hong Kong por si entregues ao ofendido, antes do momento dessa entrega.
Como esse resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido não é desrazóavel, improcede o vício de erro notório na apreciação da prova esgrimido pelo arguido recorrente à decisão condenatória recorrida, o qual se limitou a tentar fazer impor o seu ponto de vista pessoal sobre a factualidade assente no mesmo acórdão, ao arrepio do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.o 114.o do CPP.
Do acima exposto, resulta claramente infundada a alegação da violação do princípio de in dubio pro reo.
É, pois, de rejeitar mesmo o recurso, dada a sua manifesta improcedência, sem mais indagação por ociosa ou prejudicada, devido ao espírito do n.º 2 do art.º 410.º do CPP.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso, com custas do recurso pelo arguido recorrente, com uma UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso).
Após o trânsito em julgado, comunique a presente decisão sumária, com cópia do acórdão recorrido, ao Corpo de Polícia de Segurança Pública para os efeitos tidos por convenientes, e comunique o resultado da mesma decisão sumária, com cópia do acórdão recorrido, ao ofendido.
Macau, 7 de Setembro de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)



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