ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
Na acção declarativa comum ordinária intentada por B e C (Autores, melhor identificados nos autos) contra Herança aberta por óbito de D, A, E e Herdeiros incertos de D (Réus), e por sentença proferida nos autos n.º CV2-13-0098-CAO, o Tribunal Judicial de Base julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, decidiu condenar os Réus a pagar aos Autores o valor que a fracção autónoma “T18”, correspondente ao 18 andar “T” do prédio urbano sito em Macau, na [Endereço], tiver aquando do pagamento voluntário ou da execução da sentença e absolver os Réus dos demais pedidos formulados pelos Autores.
Inconformados com a decisão, recorreram os Autores e o Réu A para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos Autores, condenando os Réus a pagar aos Autores a quantia de USD48.000,00, convertível em patacas de acordo com a respectiva taxa de câmbio, acrescida de juros legais a contar de citação, e negar provimento ao recurso interposto pelo Réu A.
Desse acórdão vem agora o Réu A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O douto Acórdão do Tribunal a quo decidiu pela improcedência do recurso dos Autores quanto ao reconhecimento destes como proprietários da fracção objecto dos presentes autos, mantendo inalterada a decisão do TJB que condenou os aí Réus a indemnizar aos Autores o valor que a fracção autónoma sub judice tiver aquando do pagamento voluntário ou da execução da sentença.
2. Sem prejuízo do que foi expendido em sede de recurso do 2º Réu relativo à matéria de facto, encontra-se provado que o preço da compra da fracção objecto dos presentes autos foi integralmente pago pelos Autores (cfr. Resposta ao quesito 3º da base instrutória).
3. É jurisprudência assente que, no caso do mandato sem representação, o mandante não pode lançar mão da execução específica, apenas podendo requerer uma indemnização por perdas e danos.
4. Assim, salvo o devido respeito, ainda que se considere que foi paga a totalidade do preço da compra da fracção supra indicada, nunca poderia ter o Tribunal decidido no sentido de condenar os Réus a pagar aos Autores o valor que a fracção autónoma sub judice tiver aquando do pagamento voluntário ou da execução da sentença.
5. De facto, e salvo melhor opinião, a atribuição de uma indemnização nos termos supra expostos constitui uma condenação excessiva e incompaginável com a justa compensação dos Autores no âmbito do incumprimento do contrato de mandato pelos Réus.
6. Os Autores pediram subsidiariamente que fossem os Réus condenados a devolver todas as quantias pagas por aqueles, acrescidas da valorização da fracção objecto dos presentes autos, desde a data da celebração do contrato-promessa de compra e venda até efectivo e integral pagamento.
7. In casu, a causa de pedir dos Autores é o alegado enriquecimento sem causa dos Réus, e os factos que a sustentariam respeitam às quantias efectivamente pagas pelos primeiros.
8. Ora, no respeito do princípio do dispositivo, são as partes que deverão alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, estando o juiz limitado na sua decisão aos factos alegados pelas partes, sem prejuízo das excepções legalmente previstas.
9. In casu, a causa de pedir dos Autores é o alegado enriquecimento sem causa dos Réus, e os factos que a sustentariam respeitam às quantias efectivamente pagas pelos primeiros.
10. Ora, não obstante se considerar como provado o pagamento da totalidade do preço do imóvel, e salvo o devido respeito por opinião diversa, não foram demonstrados os danos ou perdas sofridas pelos aí Autores, para além dos valores efectivamente pagos para aquição do referido imóvel.
11. Sublinhe-se, a este respeito, que, tal como foi por demais referido em sede de audiência de julgamento, os Réus apenas ocuparam o imóvel nos primeiros meses após a compra, sendo que, posteriormente, as rendas resultantes do arrendamento do mesmo a terceiros foram entregues aos Autores.
12. Assim, os Réus nunca tiraram verdadeiro proveito de um imóvel que se encontra registado em nome dos mesmos, tendo os benefícios do mesmo sido entregues aos aqui Autores.
13. Já os Autores, por sua vez, nunca sofreram verdadeiramente quaisquer danos ou perdas até à presente data, com excepção dos valores de aquisição da fracção.
14. Assim, a condenação dos Réus no pagamento do valor que a fracção autónoma sub judice tiver aquando do pagamento voluntário ou da execução da sentença sem que se encontrem demonstrados os factos constitutivos de tal alegado enriquecimento sem causa representa, salvo o devido respeito, excessiva e totalmente desproporcionada por parte do douto Tribunal a quo.
15. De facto, se se comprovou o pagamento total do imóvel mas não se demonstrou quais os danos e perdas sofridos pelos Autores, não poderia a douta Sentença do Tribunal a quo condenar os Réus por factos que não se encontram provados, sob pena de excesso de pronúncia.
16. A contrario sensu, acaso a fracção objecto dos presentes autos não se tivesse valorizado, mas pelo contrário, o seu valor fosse, à data de hoje, inferior ao valor da compra em 2005, também a decisão que reduzisse o valor peticionado pelos Autores face à desvalorização da fracção seria totalmente desrazoável.
17. Destarte, e salvo melhor opinião, deverá a condenação do douto Tribunal a quo ser considerada nula, por violação do artigo 571.º, n.º 1, alínea e) do CPC, e ser a mesma consequentemente revogada na parte em que condena os Réus no pagamento do valor da fracção autónoma objecto dos presentes autos,
18. Pelo que se requer, mui respeitosamente, a V. Exas. se dignem julgar procedente o presente recurso, nos termos ora apresentados, devendo a indemnização a pagar pelos Réus ser reduzida apenas aos valores efectivamente pagos pelos Autores para aquisição da fracção objecto dos presentes autos, o que se requer.
Por outro lado,
19. O douto Acórdão do Tribunal a quo decidiu ainda pela procedência parcial do recurso dos Autores quanto à condenação dos Réus na restituição do montante pago a título de caução para aquisição de residência em Macau, no valor de USD 48.000,00, por força do disposto no artigo 282.º, n.º 1 do CC.
20. Salvo o devido respeito, que é muito, julga-se que o douto Tribunal a quo deveria ter confirmado o entendimento do TJB, o qual decidiu pela improcedência do pedido subsidiário de devolução da quantia supra indicada aos Autores.
21. A decisão do douto Tribunal a quo sustentou que, sendo nula a parte do acordo relativa à fixação de residência, nada impede a aplicação do supra indicado dispositivo legal, determinando a restituição de tudo o quanto foi prestado.
22. No entanto, e como bem decidiu o TJB, “(...) nada indica o motivo por que os Autores fizeram a transferência daquela quantia o que impede que se afirme que a quantia foi apenas facultada em vista dessa parte do acordo (...)”.
23. Por outro lado, e como foi indicado em sede de recurso para o douto Tribunal a quo, o assento n.º 4/95 do Supremo Tribunal de Justiça (“STJ”), de 28 de Março de 2003, no processo 85 202/94 – la secção, refere que “Quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido (...)”.
24. Assim, e como bem decidiu o douto TJB, não tendo ficado demonstrada a motivação para a transferência dos USD 48.000,00 por parte dos Autores, não poderia o douto Tribunal a quo decidir senão pela improcedência do referido pedido subsidiário.
25. Destarte, e salvo o devido respeito, não se acompanha o entendimento do douto Tribunal a quo quanto à necessidade dos Réus alegarem e demonstrarem factualidade que consubstancie uma excepção ao regime do artigo 282.º, n.º 1 do CC, pela factualidade supra indicada.
26. De facto, não sendo possível afirmar que a quantia de USD 48.000,00 foi apenas facultada em vista da parte do acordo cuja nulidade foi decretada pelo TJB, também não se aplicará sem mais o disposto no artigo 282.º, n.º 1 do CC, cabendo antes o ónus da prova de tais factos aos Autores, nos termos do artigo 335.º do mesmo diploma legal.
27. Em consequência, requer-se respeitosamente a V. Exas. se dignem julgar procedente o presente recurso, revogando o douto Acórdão recorrido e determinando a improcedência do pedido subsidiário de devolução aos Autores da quantia de USD 48.000,00.
Contra-alegaram os Autores, pugnando pela improcedência do recurso interposto.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
Cumpre decidir.
2. Os Factos
Nos autos foram dados como provados os seguintes factos:
- D, faleceu em 2013, em Shanghai, no estado de casada com o Réu, A (alínea A) dos factos assentes).
- Sob o número XXXXXXG, encontra-se inscrita no registo predial a favor de D a aquisição da fracção autónoma “T18”, correspondente ao 18º andar “T” do prédio urbano sito em Macau, na [Endereço], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. 125V do Livro BXX (alínea B) dos factos assentes).
- No ano de 2005, os AA., para investimento imobiliário, compraram a fracção autónoma referida em B), tendo feito a compra em nome de D (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- Por opção dos autores, do réu e de D, a compra foi feita em nome de D para que esta e o réu marido pudessem adquirir a residência de Macau, como pretendiam e conseguiram por via de tal compra (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- O preço da aludida compra foi integralmente pago pelos Autores, designadamente através de transferência de fundos para a conta bancária da falecida D, conta n.º XX-XX-XX-XXXXXX, do [Banco], sucursal de Macau, em 24 de Maio de 2005, no montante de HK623.200,00, e em 28 de Maio de 2005, no montante de HK328.675,00 (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
- Os autores pagaram o respectivo imposto de selo, no montante de MOP$51.176,00 (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- Igualmente, o depósito-caução para o efeito da aquisição da residência por parte do Réu e da sua falecida esposa D foi facultado pelos AA., através de transferência bancária internacional no montante de USD48.000,00 (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- Após o falecimento de D, perante insistentes interpelações dos Autores, o Réu A recusa-se a promover ou a praticar quaisquer actos para colocar o imóvel em nome daqueles, ao invés do que se havia comprometido juntamente com a falecida (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
3. O Direito
Insurgindo-se contra a condenação dos Réus no pagamento do valor que a fracção autónoma em causa tiver aquando do pagamento voluntário ou da execução da sentença e da quantia de USD48.000,00, assaca o recorrente ao acórdão recorrido os seguintes vícios:
- Nulidade do acórdão por violação do art.º 571.º, n.º 1, al. e) do CPC; e
- Não aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 282.º do CC.
Vejamos.
3.1. Da condenação no pagamento do valor que a fracção autónoma em causa tiver aquando do pagamento voluntário ou da execução da sentença
Na óptica do recorrente A, a atribuição de uma indemnização nos termos supra expostos constitui uma condenação excessiva e incompaginável com a justa compensação dos Autores no âmbito do incumprimento do contrato de mandato pelos Réus, pelo que a respectiva condenação deve ser considerada nula, por violação do art.º 571.º, n.º 1, al. e) do CPC, uma vez que, para além dos valores efectivamente pagos para aquisição do referido imóvel, não se encontram demonstrados os danos ou perdas sofridas pelos Autores recorrido, factos constitutivos de enriquecimento sem causa.
Defendem os Autores recorridos que o enriquecimento dos Réus não corresponde apenas ao valor das quantias que lhes foram entregues pelos Autores, mas também à valoração patrimonial do imóvel verificado desde a sua aquisição (que é público e notório), valor este que não entrou na esfera patrimonial dos Autores em resultado do incumprimento dos Réus.
Desde logo, é de notar que, ao mesmo tempo de arguir a nulidade do acórdão recorrido por violação da al. e) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC, alega o recorrente que “se se comprovou o pagamento total do imóvel mas não se demonstrou quais os danos e perdas sofridos pelos Autores, não poderia a douta Sentença do Tribunal a quo condenar os Réus por factos que não se encontram provados, sob pena de excesso de pronúncia” (ponto 15 das conclusões de recurso apresentadas pelo recorrente, o sublinhado é nosso).
Tratam-se das situações diferentes, não se devendo confundi-las.
Na realidade, verifica-se a nulidade da sentença prevista na al. e) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC quando o Tribunal “condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”, que representa a sanção para o caso de violação do n.º 1 do art.º 564.º do CPC, segundo o qual “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.
Simplificando, é de dizer que a sentença pode condenar em menos, as não pode condenar em mais, nem condenar numa coisa diferente do que foi pedido1, sob pena de nulidade da sentença.
Por outro lado, sendo também a causa de nulidade da sentença, o excesso de pronúncia encontra-se prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC, que prevê as situações em que o juiz não se pronuncia sobre questões que devesse apreciar ou conhece de questões de que não podia tomar conhecimento.
As nulidades referidas na al. d), que abrange omissão de pronúncia e excesso de pronúncia, “relacionam-se com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 563.º: o juiz tem de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e só se pode ocupar das questões suscitadas pelas partes, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões”.
E há excesso de pronúncia “se o juiz fundamenta a decisão com base em factos não articulados pelas partes, violando também o disposto no n.º 2 do artigo 5.º” do CPC2, que dispõe o seguinte:
“Artigo 5.º
(Princípio dispositivo)
1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.
2. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434.º e 568.º e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
3. São ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que seja dada à parte interessada a possibilidade de sobre eles se pronunciar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.”
Decorre expressamente dos n.ºs 1 e 2 do art.º 5.º que, sendo embora a regra geral que o juiz só pode servir-se de actos articulados pelas partes, “pode conhecer, ainda que não alegados pelas partes, dos factos notórios e dos factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (art.º 434.º)”.3
E nos termos do art.º 434.º do CPC, “Não carecem de alegação nem de prova os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral”; e também não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
No presente recurso, invocando a não demonstração dos danos e perdas sofridos pelos Autores, pretende o recorrente a redução da quantia indemnizatória a pagar pelo Réus aos valores efectivamente pagos pelos Autores para aquisição da fracção autónoma.
Ora, é certo que pelos Autores não foram expressamente alegados os factos respeitantes a danos e perdas por si sofridos, que demonstram ao mesmo tempo o enriquecimento sem causa por parte dos Réus.
No entanto, ao abrigo do n.º 2 do art.º 5.º do CPC, nada obsta a que o Tribunal fundamente a sua decisão nos factos notórios, para além dos factos alegados pelas partes.
No caso vertente, é consabido que, em comparação com o preço de 2005, altura em que foi comprada a fracção autónomas reportada nos autos, os prédios de Macau têm valorizado muito, que é do conhecimento geral de todos os cidadãos.
Daí que está em causa um facto notório, que não carece de alegação nem de prova e pode o Tribunal tomá-lo em consideração para tomar a decisão.
Com a referida valorização da fracção autónoma em causa, são evidentes os danos e perdas sofridos pelos Autores caso lhes seja atribuído apenas o valor efectivamente pago para aquisição do imóvel.
Assim, não se vê verificado o vício de excesso de pronúncia.
O mesmo se deve afirmar em relação à invocada nulidade do acórdão nos termos da al. e) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC.
No que concerne à condenação no pagamento do valor que o imóvel tiver aquando do pagamento voluntário ou da execução da sentença, constata-se na sentença de primeira instância o seguinte:
«…, não se pode deixar de articular essa parte dos pedidos subsidiários, sem ter obviamente em conta a parte relativa aos impostos, honorários e emolumentos tidos com a aquisição do imóvel, e a do pedido de condenação dos Réus no pagamento do valor correspondente à valorização do imóvel a liquidar em execução da presente sentença.
Da articulação desses pedidos resulta claro que o que os Autores pedem é a condenação dos Réus no pagamento do valor do imóvel, valor este não apenas correspondente ao da aquisição em 2005, aquando da execução do mandato, mas também ao valor acrescido que o imóvel poder ter quando os Autores são pagos.
Quanto a essa pretensão não se deve olvidar que o seu fundamento é o incumprimento do dever de transferência para os Autores dos direitos adquiridos em execução do mandato nos termos previstos no artigo 1107º, nº 1, do CC.
Nos termos do artigo 787º do CC “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”
Por outro lado, dispõe o artigo 556º do CC que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
Tendo a obrigação de indemnizar sub judice como pressuposto o direito de os Autores de ter o imóvel na sua esfera jurídica, o prejuízo de não ver este bem entrar no seu património é inequivocamente o seu valor, valor este apenas concretizável no momento em que os Autores são pagos ou executam o património dos Réus, pois só nessa altura é que se fará entrar no seu património o respectivo valor.
Nestes termos, relativamente aos pedidos de condenação no pagamento do preço do imóvel e do valor acrescido do mesmo, é de condenar os Réus a pagar aos Autores o valor que o imóvel tiver aquando do pagamento voluntário por parte dos Réus ou da execução da presente sentença.» (fls. 203v a 204 dos autos)
Ora, é verdade que, tal como se pode ler na petição inicial apresentada pelos Autores, para além dos pedidos principais, forma formulados os seguintes pedidos subsidiários:
«(i) devolver aos AA. todas as quantias que lhes foram por estes entregues, supra descriminadas, correspondentes ao preço do identificado imóvel, e demais encargos com pagamentos de impostos, honorários e emolumentos, designadamente notariais, e, bem assim, a quantia correspondente ao depósito caução,
(ii) acrescidas dos respectivos juros à taxa bancária máxima praticada na RAEM para os depósitos a prazo, e, ainda,
(iii) do valor correspondente à valorização do imóvel em questão, desde a data da celebração do contrato-promessa de compra e venda até efectivo e integral pagamento,
(iv) tudo a liquidar em execução de sentença e, ainda, acrescidas dos respectivos juros vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.» (fls. 61 a 63 dos autos)
Daí resulta claramente que os Autores pretendem não só a devolução por parte dos Réus de todas as quantias correspondentes ao preço do imóvel e ao depósito caução, mas também a condenação dos Réus no pagamento do valor “correspondente à valorização do imóvel em questão, desde a data da celebração do contrato-promessa de compra e venda até efectivo e integral pagamento”, “tudo a liquidar em execução de sentença”.
Assim sendo, não se pode afirmar que, com a condenação ora posta em causa, o Tribunal a quo tomou decisão “em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.
É evidente a sem razão do recorrente, ao imputar o vício de nulidade do acórdão recorrido.
3.2. Da condenação no pagamento da quantia de USD48.000,00
No acórdão ora recorrido, o TSI decidiu conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos Autores, condenando os Réus a pagar aos Autores a quantia de USD48.000,00, tendo fundamentado a sua decisão de seguinte forma:
«Pedem ainda os Autores ora recorrentes a condenação dos Réus no pagamento da quantia de USD48.000,00, referente à caução para a aquisição de residência em Macau.
Ora bem, salvo o devido respeito, julgamos assistir razão aos Autores nesta parte.
Os factos indicam que os Autores, o Réu A e sua falecida mulher D fizeram inserir no mandato cláusulas segundo as quais o Réu A e D aproveitariam a aparência de ser esta a adquirente do respectivo bem imóvel para pedirem a fixação de residência em Macau, comprometendo-se a fazer com que o imóvel voltasse a ficar em nome dos Autores no futuro.
Conforme decidido pelo Tribunal recorrido, e bem, trata-se de um acordo manifestamente contrária à lei, em especial, ao regime de fixação de residência na RAEM previsto no Regulamento Administrativo n.º 3/2005, na medida em que o Réu A e sua falecida mulher D não eram os verdadeiros adquirentes do bem imóvel em causa, daí que as cláusulas relativas à fixação de residência na RAEM não podem deixar de ser nulas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 273.º do Código Civil.
Nos termos do n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil: “Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”
Ora, sendo nula a parte do acordo relativa à fixação de residência, o depósito-caução entregue pelos Autores ao Réu A e sua falecida D, para efeito da aquisição da residência na RAEM, no montante de USD48.000,00, deve ser restituído aos Autores, por força do disposto no n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil.
A nosso ver, embora se desconheça o motivo por que os Autores fizeram a transferência daquela quantia a favor do Réu A e sua falecida D, mas nada impede que o Tribunal ordene a restituição daquela quantia aos Autores, por ser urna consequência decorrente da lei, e se havendo alguma causa justificativa de não restituição, por exemplo a quantia em causa consubstancia a contrapartida de um contrato de mandato sem representação ou uma liberalidade a favor do Réu A e sua falecida D, compete aos Réus alegar e demonstrar tal factualidade, por serem matéria de excepção.
Assim sendo, procede o recurso nesta parte, sendo os Réus condenados a restituir aos Autores a quantia de USD48.000,00, convertível em patacas de acordo com a respectiva taxa de câmbio, acrescida de juros legais a contar de citação.» (fls. 391 a 392 dos autos)
Salvo o devido respeito, acompanhamos a decisão transcrita.
Da factualidade assente resulta que:
- No ano de 2005 e para investimento imobiliário, os Autores compraram a fracção autónoma em causa, tendo feito a compra em nome de D;
- Por opção dos Autores, do ora recorrente e de D, a compra foi feita em nome de D para que esta e o recorrente pudessem adquirir a residência de Macau, como pretendiam e conseguiram por via de tal compra;
- O preço da aludida compra foi integralmente pago pelos Autores, que pagaram também o respectivo imposto de selo;
- Igualmente, o depósito-caução para o efeito da aquisição da residência por parte do recorrente e da sua falecida esposa D foi facultado pelos Autores, através de transferência bancária internacional no montante de USD48.000,00; e
- Após o falecimento de D, perante insistentes interpelações dos Autores, o recorrente recusa-se a promover ou a praticar quaisquer actos para colocar o imóvel em nome daqueles, ao invés do que se havia comprometido juntamente com a falecida.
Alega o recorrente que, “não sendo possível afirmar que a quantia de USD48.000,00 foi apenas facultada em vista da parte do acordo cuja nulidade foi decretada pelo TJB, também não se aplicará sem mais o disposto no artigo 282.º, n.º 1 do CC, cabendo antes o ónus da prova de tais factos aos Autores, nos termos do artigo 335.º do mesmo diploma legal”. E não se acompanha o entendimento do Tribunal a quo quanto à necessidade dos Réus alegarem e demonstrarem factualidade que consubstancie uma excepção ao regime do art.º 282.º, n.º 1 do CC.
Desde logo, é de reparar que o recorrente não impugna a declaração, nos termos do art.º 273.º do CC, de nulidade do acordo entre os Autores, o recorrente e a sua mulher D sobre a fixação de residência em Macau, por ser manifestamente contrário ao Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que estabelece o regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados, dado que o recorrente e D não eram os verdadeiros adquirentes do bem imóvel em causa.
E decorre da factualidade assente que o depósito-caução, no montante de USD48.000,00, foi facultado pelos Autores para o efeito da aquisição da residência por parte do recorrente e da sua falecida esposa D. Daí que se mostra a origem e o motivo de entrega da quantia em causa.
Ora, sendo a quantia de depósito-caução entregue pelos Autores para que o recorrente e a sua esposa D pudessem fixar a residência na RAEM, a nulidade do referido acordo relativo à aquisição de residência determina a restituição da mesma quantia, ao abrigo do n.º 1 do art.º 282.º do CC, que atribui efeito retroactivo à declaração de nulidade ou de anulação do negócio.
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 335.º do CC, “Àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, enquanto “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.
Na verdade, uma vez declarada a nulidade do acordo relativo à aquisição de residência e ficou provada a origem e o motivo que levou à entrega da quantia de depósito-caução, que justifica a restituição da quantia, cumpriram os Autores o seu ónus de prova; e cabe aos Réus alegar e apresentar prova dos factos susceptíveis de impedir tal restituição, tal como entende o Tribunal recorrido.
Assim, improcede o argumento do recorrente.
4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.
Macau, 27 de Julho de 2022
Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, Acção Declarativa Comum, 3.ª Edição, pag.s 537 a 539.
2 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, Acção Declarativa Comum, 3.ª Edição, pag. 569.
3 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, Acção Declarativa Comum, 3.ª Edição, pag. 8.
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Processo n.º 46/2019