Processo nº 791/2021
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 08 de Setembro de 2022
ASSUNTO:
- Imposto do Selo especial
- Resolução do contrato
SUMÁRIO:
- O sujeito passivo do Imposto do Selo previsto no artº. 5.º da Lei 6/2011 tem de ser simultaneamente o actual transmitente do bem imóvel ou direito sobre bem imóvel e o anterior adquirente do mesmo bem ou direito dentro do prazo de 2 anos.
- A resolução do contrato de promessa de compra e venda celebrado em 24/10/2013 por acordo dos contraentes em 25/11/2013 nunca pode ser vista como uma “aquisição” do direito sobre bens imóveis por parte do promitente vendedor.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 791/2021
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 08 de Setembro de 2022
Recorrentes: A e B
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
A e B, melhor identificados nos autos, vêm requerer o recurso contra o acto de indeferimento tácito do Secretário para a Economia e Finanças, concluíndo que:
1. Os Recorrentes procederam em 28 de Março de 2017, sob reserva total expressa, ao pagamento da quantia ilegalmente liquidada através do Acto Recorrido, o que, como resulta do n.º 3 do artigo 34º do CPAC, não obsta à interposição do presente recurso.
2. Vem o presente recurso do acto de indeferimento tácito - imputado, à luz do artigo 38º do CPAC, ao Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças - do recurso hierárquico necessário interposto pelos Recorrentes, em 29 de Junho de 2020, do Despacho do Director da Direcção dos Serviços de Finanças, de 6 de Maio de 2020, que indeferiu, nos termos e com os fundamentos transcritos na notificação com a referência 1728/NIS/DOI/RFM/2020, a reclamação apresentada pelos ora Recorrentes em 28 de Março de 2017, do Acto de Liquidação oficiosa de imposto do selo especial e respectivos juros compensatórios, proferido pelo Director da Direcção dos Serviços de Finanças, constante da notificação datada de 8 de Março de 2017 e plasmado na guia de pagamento de imposto do selo especial n.º 2017-08-903091-6-0.
3. Com o Acto de Liquidação, procedeu-se à cobrança da quantia global de MOP$424.248,00, correspondente à soma do imposto do selo especial alegadamente devido, no montante de MOP$325.480,00, com os juros compensatórios, no montante de MOP$98.768,00.
4. Até à presente data, os Recorrentes não foram notificados de qualquer acto administrativo expresso que decidisse o seu recurso hierárquico necessário em cumprimento do dever de decisão plasmado no artigo 11º do CPA.
5. Até à presente data, os Recorrentes não foram notificados da remessa do respectivo processo administrativo ao órgão competente para dele conhecer, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 159º do CPA.
6. Em 7 de Agosto de 2020 o recurso hierárquico tacitamente indeferido encontrava-se pendente para análise no Núcleo de Apoio Jurídico do Direcção de Serviços de Finanças e ainda não linha sido remetido ao órgão competente para o seu conhecimento.
7. Em 7 de Julho de 2021, o recurso hierárquico tacitamente indeferido encontrava-se na Direcção dos Serviços de Finanças, no Núcleo de Apoio Jurídico, em fase de instrução.
8. O acto recorrido viola o disposto no n.º 1 do artigo 2º da Lei n.º 6/2011 e os princípios da legalidade tributária e da tipicidade fiscal que emergem dos artigos 106º, n.º 2, e 71º da Lei Básica.
9. Atento o disposto no n.º 1 do artigo 2º da Lei n.º 6/2011, o imposto do selo especial incide, tão-só, sobre as transmissões (conforme definidas no artigo 4º do mesmo diploma) que ocorram no espaço de dois anos a contar da data da liquidação do imposto do selo devido pela aquisição desse mesmo bem imóvel ou direito sobre bens imóveis em nome do (agora) transmitente (sujeito passivo do dito imposto, tal como definido no artigo 5º do citado diploma).
10. Em face do âmbito de aplicação da Lei n.º 6/2011, os únicos dois factos que relevam para a determinação do período de dois anos definido no n.º 1 do seu artigo 2º, são (1) a data da liquidação do imposto do selo devido pela aquisição, por um dado sujeito, de um dado bem imóvel ou direito e (2) a data da transmissão, por esse mesmo sujeito, desse mesmo bem imóvel ou direito.
11. A liquidação oficiosa ora Recorrida emerge de uma promessa de transmissão de um direito de aquisição sobre a Fracção Autónoma, titulada por um contrato promessa outorgado pelos Recorrentes em 6 de Janeiro de 2014, na qualidade de cedentes da posição contratual de promitentes-compradores da Fracção Autónoma.
12. A transmissão titulada pelo CP de 06/01/2014 só estaria sujeita a imposto do selo especial se os ora Recorrentes tivessem adquirido a posição contratual ora transmitida, por contrato promessa cuja liquidação do respectivo imposto de selo tivesse ocorrido dentro dos dois anos antecedentes ao dia 6 de Janeiro de 2014.
13. Os Recorrentes adquiriram a posição contratual de promitentes-compradores da Fracção Autónoma, por contrato de cessão de posição contratual datado de 7 de Dezembro de 2007 e a liquidação do imposto do selo incidente sobre esse contrato ocorreu em 17 de Dezembro de 2007.
14. A transmissão titulada pelo CP de 06/01/2014 ocorreu passados mais de seis anos da data da liquidação do imposto de selo devido pela outorga do CP de 07/12/2007, que, ademais, teve lugar antes da entrada em vigor da lei n.º 6/2011.
15. O caso em apreço não está contido no âmbito da lei n.º 6/2011.
16. Em Macau vigoram os princípios da legalidade tributária e da tipicidade fiscal, que emergem, desde logo, dos artigos 106º, n.º 2, e 71º da Lei Básica.
17. Destarte, está vedada à administração tributária a faculdade de criar, por via interpretativa ou de integração, fazendo uso de um poder discricionário que nesta matéria não tem, factos tributários que não estão expressamente previstos na lei.
18. A entidade recorrida ao tributar, a título de imposto do selo especial, a transmissão de bens imóveis ou de direitos sobre bens imóveis que ocorra no prazo de dois anos a contar da data da liquidação do imposto do selo incidente (não sobre o documento, papel ou acto que titulou a respectiva aquisição em nome do transmitente, como impõe expressamente o n.º 1 do artigo 2º do dito diploma, mas) sobre quaisquer outros documentos, papéis ou actos que titulem uma transmissão de bens imóveis para efeitos de imposto do selo, actua contra legem.
19. O facto de os Recorrentes terem prometido ceder a um terceiro, em 24 de Outubro de 2013, a posição contratual de promitentes-compradores da Fracção Autónoma que detinham no CP de 07/12/2007 - contrato promessa de cessão que posteriormente acordaram em não cumprir -, e de o respectivo imposto de selo ter sido liquidado em 25/10/2013 e, assim, há menos de dois anos à data da outorga do CP de 06/01/2014, não consubstancia qualquer facto tributário à luz da lei n.º 6/2011, porquanto a liquidação que releva para aplicação do n.º 1 do artigo 2º é a que incidiu sobre o CP de 07/12/2007.
20. Assim, sempre se dirá que o Acto Recorrido padece de ilegalidade, quer por violação da lei n.º 6/2011, em especial do seu artigo 2º, quer por violação dos princípios da legalidade tributária e da tipicidade fiscal que emergem dos artigos 106º, n.º 2, e 71º da lei Básica.
21. O Acto Recorrido é ilegal e deve, como tal, ser anulado nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 124º e 125º do CPA.
22. Os Recorrentes não estavam obrigados ao pagamento da quantia global de MOP$424.248,00, porquanto a mesma não era legalmente devida.
23. A quantia indevidamente paga, sob reserva, pelos ora Recorrentes, no montante global de MOP$424.248,00, deve ser-lhes integralmente restituída nos termos e ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e do artigo 3º, ambos do Decreto-Lei n.º 16/85/M, de 2 de Março.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 146 a 159 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Tanto os Recorrentes como a Entidade Recorrida ambas apresentaram as alegações facultativas, mantendo, no essencial, as posições já tomadas, respectivamente, na petição inicial e na contestação.
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O Mº Pº emitiu o parecer constante de fls. 198 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, fica assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. Os Recorrentes adquiriram a posição contratual de promitentes-compradores da Fracção Autónoma, por contrato de cessão de posição contratual datado de 07 de Dezembro de 2007.
2. Por contrato outorgado em 24 de Outubro de 2013, os Recorrentes prometeram ceder a um terceiro a posição contratual de promitentes-compradores da Fracção Autónoma que detinham no CP de 07/12/2007, tendo o respectivo imposto de selo sido liquidado em 25 de Outubro de 2013 e pago pelo transmissário.
3. Em 25 de Novembro de 2013 acordaram as partes em não celebrar o contrato prometido, tendo os Recorrentes pago ao ali promitente-comprador/cessionário, designadamente, quantia equivalente ao dobro do sinal prestado.
4. Em 06 de Janeiro de 2014 foi celebrado novo contrato-promessa referente ao mesmo lugar de estacionamento entre os Recorrentes na qualidade de transmitentes e C na qualidade de adquirente.
5. No dia 14 de Janeiro de 2014 foi submetida perante a Administração Fiscal para liquidação do imposto do selo, a declaração Modelo M/1 a que foi dado o nº 2014/08/300031/5, o imposto devido no montante de MOP$17.088,00 foi pago por C no dia 21 de Janeiro de 2014 através da guia de pagamento com o nº 2014-08-900756-7-0.
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IV – Fundamentação
Sobre as questões suscitadas no presente recurso contencioso, o Mº Pº emitiu o seguinte parecer:
“…
Na petição inicial e nas suas alegações, os recorrentes solicitaram a anulação do indeferimento tácito do recurso hierárquico necessário por eles interpostos junto do Exmo. Sr. SEF, as sacando a violação do disposto no art.2.º da Lei n.º6/2011 e dos princípios da legalidade tributária e da tipicidade fiscal contemplados nos arts.106.º/2 e 71.º da Lei Básica.
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Analisando a petição, a contestação e as duas alegações, colhemos que a única questão submetida ao douto TSI consiste em saber se estiver sujeito ao imposto de selo especial o documento titulado "Provisional Agreement For Sales and Purchase" (doc. de fls.59 a 60 dos autos)?
Ora bem, a Administração Fiscal entende que sim, em virtude de que o referido "Provisional Agreement For Sales and Purchase" foi celebrado em 06/01/2014 e, assim, fica dentro do prazo de dois anos contados desde 25/10/2013 data da liquidação do imposto de selo derivado do contrato promessa da cessão da posição contratual dos dois recorrentes como transmitentes (cfr. arts.10.º a 13.º da contestação), e ambos os documentos incidem no mesmo parque de estacionamento (docs. de fls.59 a 60 e 66 a 67 dos autos).
O que evidencia que para Administração Fiscal, a liquidação do imposto de selo em 25/10/2013 é relevante para efeitos previstos no n.º1 do art.2.º da Lei n.º6/2011, na redacção dada pela Lei n.º15/2012, pese embora os dois recorrentes fossem transmitentes nesta cessão.
Este n.º1 dispõe (sublinha nossa): A transmissão temporária ou definitiva de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis, no prazo de dois anos a contar da data da liquidação, que tem lugar após a entrada em vigor da presente lei, do imposto do selo incidente sobre o documento, papel ou acto que titulou a respectiva aquisição, está sujeita ao imposto do selo especial.
Significa isto que a anterior liquidação tem de recair no imposto do selo incidente na aquisição, daí o sujeito passivo prescrito no art.5.º desta Lei tem de ser o actual transmitente do bem imóvel ou direito sobre bem imóvel e o anterior adquirente do mesmo bem ou direito.
Nesta linha de vista e com todo o respeito pela melhor opinião em sentido contrário, inclinamos a entender que a liquidação do imposto de selo em 25/10/2013 é irrelevante, e a liquidação do imposto de selo especial processada pela DSF infringe o n.º1 do art.2.º da Lei n.º6/2011, na redacção introduzida pela Lei n.º15/2012, pelo que é anulável.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do presente recurso contencioso.
…”.
Trata-se duma posição com a qual concordamos na sua íntegra.
Assim e em nome do princípio da economia, fazemos, com a devida vénia, como nossos fundamentos para julgar procedente o presente recurso contencioso.
Na verdade, prevê o artº 427º do C.C. que “Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico…”.
Por sua vez, o nº 1 do artº 282º do C.C. consagra que “Tanto a declaração da nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.
Face às disposições legais acima transcritas, a resolução do contrato de promessa de compra e venda celebrado em 24/10/2013 por acordo dos contraentes em 25/11/2013 nunca pode ser vista como uma “aquisição” do direito sobre bens imóveis por parte dos Recorrentes.
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V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar procedente o presente recurso contencioso, anulando o acto recorrido.
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Sem custas, por a Entidade Recorrida gozar da isenção subjectiva.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 08 de Setembro de 2022.
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Rui Pereira Ribeiro
Mai Man Ieng
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791/2021