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Processo n.º 339/2022
(Autos de recurso cível)

Data: 8/Setembro/2022

Recorrente:
- A (executado e embargante)

Recorrida:
- B Corporation Limited (exequente e embargada)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Nos autos de execução movida pela exequente B Corporation Limited, melhor identificada nos autos (doravante designada por “recorrida”), contra o executado A, com sinais nos autos (doravante designada por “recorrente”), foram liminarmente indeferidos os embargos deduzidos pelo mesmo executado.
Inconformado, recorreu o recorrente (executado e embargante) jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. A citação edital do Recorrente/Embargante nos autos de Proc. n.º CV1-18-0037-CPE, os quais correrem termos pelo 1º Juízo Cível junto do Tribunal Judicial de Base, apesar de formalmente correcta, não atingiu o fim a que se destinava, simplesmente porque foi empregada indevidamente, ou seja, se se tivesse interpelado em primeiro lugar o Recorrente/Embargante na sede da devedora principal, como sucedeu com outros co-obrigados o Recorrente/Embargante teria tido oportunidade de saber que contra ela estava a decorrer uma acção especial de despejo e de apresentar defesa.
2. Como a citação edital foi indevidamente empregue, é a mesma nula de acordo com o disposto nos artigos 140º, al. a) e 141º, al. c) ambos do Código de Processo Civil.
3. O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.
4. Nos presentes autos de recurso o Recorrente/Embargante recorre do despacho de indeferimento liminar dos embargos de executado, quando somente com a sua apresentação intervêm pela primeira vez no processo.
5. O Recorrente/Embargante na Acção Especial de Despejo Proc. n.º CV1-18-0037-CPE, não praticou qualquer acto, porque não foi interpelado para o cumprimento como dispõe o art. 794º do Código Civil, na sede da devedora principal, à semelhança do que aconteceu com os outros co-obrigados, tendo sido empregada indevidamente a citação edital em relação ao Recorrente/Embargante.
6. Razão porque deverá ser dado provimento ao presente recurso revogando-se o despacho recorrido, por absoluta nulidade do título executivo (sentença) em relação ao Recorrente/Embargante.
7. Art. 3º do Código de Processo Civil versa sobre o Princípio da Iniciativa das Partes e do Contraditório diz-nos:
“1. O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e à outra seja facultada a oportunidade de deduzir oposição.
2. Só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3. O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
8. O artigo 3º do Código de Processo Civil garante o contraditório, o despacho recorrido no nosso modesto entendimento, viola o contraditório ao não admitir a primeira intervenção do Recorrente/Embargante sobre uma situação jurídica que o afecta e não teve oportunidade de se defender nos autos de proc. n.º CV1-18-0037-CPE pelos motivos já expostos.
9. O art. 147º do Código de Processo Civil, o qual estabelece as Regras Gerais sobre a Nulidade dos Actos diz-nos: “… a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da mesma.” A falta de interpelação do Recorrente/Embargante e o uso indevido da citação edital enquadram-se na previsão legal da norma ora citada, pois ambas as situações influíram na decisão proferida nos autos de proc. n.º CV1-18-0037-CPE estando esta decisão ferida de nulidade, a qual deverá ser apreciada nos julgamentos dos embargos de executado apresentados pelo Recorrente/Embargante.
10. Por outro lado, o Princípio da Igualdade estabelece que: “O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou sanções processuais.”
11. Finalmente deverá o despacho ora recorrido ser revogado por violação dos art.s 3º, 4º, 140º, 141º, 144º, 147º todos do Código de Processo Civil e art. 794º e 793º do Código Civil.
Termos em que e nos mais de Direito e com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências deverá ser dado provimento ao Recurso ora apresentado revogando-se o despacho recorrido e admitindo-se a defesa do Recorrente/Embargante por meio dos embargos de executado apresentados no autos de Proc. n.º CV1-18-0037-CPE-C.”
*
Ao recurso respondeu a recorrida nos seguintes termos conclusivos:
“A. O presente recurso do despacho que indeferiu liminarmente os embargos deduzidos pelo Recorrente carece de qualquer fundamento legal.
B. A citação edital do Recorrente nos autos principais da Acção Especial de Despejo (CV1-18-0037-CPE) não sofre de qualquer vício ou nulidade, dado que o Recorrente foi citado por via postal para a morada que este declarou à Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis, sita na República Popular da China.
C. Tendo sido devolvida, como consta de documentos nos autos (fls. 128), não restava à Recorrida outra solução senão requerer a citação edital por incerteza do lugar, nos termos do art. 194º do CPC.
D. Uma pessoa com diligência média, que tem negócios em Macau e se prontifica a prestar fiança a sociedades ou indivíduos residentes, deve empregar os esforços mínimos para receber a correspondência.
E. Por outro lado, caso o Recorrente tenha mudado de residência, é sua obrigação declarar a sua nova morada às entidades públicas em Macau.
F. Concluindo-se que a citação edital não padece de qualquer vício, sendo a falta de conhecimento da Acção Especial de Despejo da inteira responsabilidade do Recorrente.
G. Sendo lícita a citação edital do Recorrente, caiem por terra os fundamentos dos embargos à execução previstos no art. 697º do CPC.
H. Por outro lado, carece de fundamento o recurso na parte em que o Recorrente invoca a falta de interpelação para o pagamento em suposta violação da cláusula 6ª do contrato de arrendamento.
I. Não se vislumbrando na lei qualquer obrigação da Recorrida para interpelar o Recorrente neste caso, dada a excepção prevista no art. 794º, no. 2, al. a) do Código Civil, a suposta violação devia e podia ter sido invocada na acção principal de despejo, para a qual o Recorrente foi devidamente citado.
J. Nestes termos, não podendo o Recorrente opor fundamentos nos embargos à execução cujo título é uma sentença transitada em julgado, que não assumam a natureza daqueles que se encontram elencados no art. 697º do CPC, esteve bem o Tribunal a quo na decisão de indeferimento liminar dos embargos.
Termos em que deverão improceder as alegações apresentadas pelo Recorrente e, consequentemente, ser negado provimento ao presente recurso e confirmado o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, só assim se fazendo JUSTIÇA!”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Pela primeira instância foi proferida a seguinte decisão, objecto do presente recurso:
“O embargange vem deduzir o embargo à execução com fundamento de que o Autor dos autos principais da acção de despejo, exequente no apenso A e embargado no presente apenso C, não tinha interpelado para o pagamento das rendas violando a cláusula 6ª do contrato de arrendamento entre eles celebrado.
Porém, nos termos do artigo 697º do CPC a execução se basear em sentença, os embargos só podem ter algum dos fundamentos aí elencados.
Funda-se a execução como título a sentença transitada em julgado dos autos principais da acção de despejo, o embargante apenas pode opor com os seguintes fundamentos:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa, quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, iliquidez ou inexigibilidade da obrigação exequenda, não supridas na fase preliminar da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento, salvo tratando-se da prescrição do direito ou da obrigação, que pode ser provada por qualquer meio.
Não foram invocados quaisquer fundamentos acima indicados, tendo até admitido a legalidade da citação edital processada nos autos principais (cfr. artigo 28º do requerimento do presente embargo), o Tribunal não se vê como é que pode vir o embargante pedir a nulidade da citação nos termos do artigo 141º do CPC.
Assim e sem mais delongas, indefere-se liminarmente o presente embargo de execução.
Custas a cargo da embargante, fixando-se em 4UCs.
Notifique e DN.”

São duas as questões colocadas neste recurso:
- se foi indevidamente empregue a citação edital no âmbito do acção principal; e
- se a falta de interpelação do recorrente para pagar constitui fundamento para os embargos à execução.

Comecemos pela questão de citação.
Entende o recorrente que há falta de citação, alegando que na acção principal de despejo foi indevidamente empregue a citação edital.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, julgamos sem razão.
Na verdade, a falta ou a nulidade de citação para a acção declarativa constitui um dos fundamentos dos embargos à execução baseada em sentença (cfr. artigo 697.º, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC))
Citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (artigo 175.º, n.º 1, alínea a) do CPC).
Não sendo possível efectuar a citação pessoal, por o citando estar ausente em parte incerta, tem lugar a citação edital (artigo 180.º, n.º 6 do CPC).
No caso vertente, para levar a cabo à citação, foi enviada carta registada com aviso de recepção para a morada que o recorrente declarou junto da Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis.
Uma vez que o recorrente, na qualidade de réu na acção principal, não reclamou a carta, foi considerada frustrada a citação por via postal.
Por não ter conhecimento de outros meios de contacto do recorrente, a autora na acção principal, ora recorrida, requereu a citação edital do réu, ora recorrente, tendo esta sido efectuada segundo as formalidades legais.
Face às circunstâncias descritas, somos a entender que tanto a tentativa de citação pessoal como a tentativa de citação edital foram realizadas segundo os preceitos legais, não se vislumbra, assim, qualquer nulidade ou irregularidade verificada na citação do recorrente.
Na medida em que a citação foi devidamente efectuada, cabe, ao invés, ao recorrente alegar e demonstrar que não houve culpa no não recebimento da carta de citação, mas não logrou êxito.
Improcedem, pois, as razões aduzidas pelo recorrente quanto à falta de citação.
*
Invoca ainda o recorrente que ele não foi interpelado para cumprimento da obrigação, mais precisamente, para pagamento das rendas em falta na acção principal de despejo.
Estabelece-se na alínea g) do artigo 697.º do CPC que “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração” também pode constituir fundamento dos embargos.
Ora bem, independentemente da questão de saber se a interpelação para pagamento das rendas em falta seria necessária, a suposta violação invocada pelo recorrente teria que ser invocada na própria acção de despejo, para a qual o recorrente foi devidamente citado.
Em boa verdade, pretendendo o embargante, já na acção executiva, deduzir os embargos com fundamento em qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, esse facto tem que ser posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração, o que não é o caso.
Isto posto, por não se verificar qualquer um dos fundamentos elencados no artigo 697.º do CPC, andou bem o juiz a quo ao indeferir liminarmente os embargos.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo deste TSI acorda em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo recorrente A, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 8 de Setembro de 2022

(Relator)
Tong Hio Fong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro

(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong



Recurso Cível 339/2022 Página 9