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Processo n.º 72/2022
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Secretário para a Segurança
Recorrida: A
Data da conferência: 6 de Julho de 2022
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Suspensão de eficácia de actos administrativos
- Prejuízo de difícil reparação

SUMÁRIO
1. Para efeitos de suspensão de eficácia de actos administrativos, é de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.
2. Cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, não sendo bastante a mera utilização de expressões vagas e genéricas.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, requereu, junto do Tribunal de Segunda Instância e ao abrigo do disposto do art.º 120.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo Contencioso, o procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto do Senhor Secretário para a Segurança, de 14 de Março de 2022, que confirmou no recurso hierárquico o despacho proferido pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), que lhe revogou a autorização de permanência na RAEM na qualidade da trabalhadora não residente.
Por acórdão proferido em 28 de Abril de 2022 no Processo n.º 248/2022, o Tribunal de Segunda Instância decidiu deferir o pedido, decretando a suspensão de eficácia do acto administrativo.
Inconformado, vem o Senhor Secretário para a Segurança recorrer para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. O acórdão recorrido viola e faz uma errada aplicação da lei, constituindo esse o fundamento do recurso, nos termos do artigo 639º do CPC.
B. O referido aresto erra na aplicação da alínea a) do nº1 do art.121º do CPAC.
C. No presente caso, e ao contrário do ali decidido, tal requisito não se encontra preenchido, na medida em que as circunstâncias e o contexto apontados pelo acórdão que justificaram a decisão ali adoptada, não se verificam.
D. Ademais, os prejuízos alegados pela ora Recorrida não resultam directa, imediata e necessariamente do acto cuja inexecução se pretende obter.
E. Recorde-se que o sentido proeminente deste tipo de providência é o de acautelar a ocorrência de uma situação danosa, prevenindo-a prontamente ou neutralizando-a.
F. Ora, ao contrário do que o acórdão recorrido afirmou (na senda do alegado pela ora Recorrida), existem actualmente várias soluções para os cidadãos das Filipinas, como é o caso da ora Recorrida, regressarem ao seu país.
G. Os cidadãos de nacionalidade filipina dispõe, presentemente, de vários meios para regressarem ao seu país.
H. Desde logo através da viagem organizada pelo Consulado das Filipinas em Macau onde é agendado em cada mês um voo de repatriamento (ou mais, caso o número de registo de cidadãos filipinos assim o exija), estando previsto o próximo para o dia 26 de Maio.
I. Pelo que a ora Recorrida, enquanto cidadã filipina, poderá recorrer, de imediato, aos serviços de repatriamento fornecidos por aquele Consulado, uma vez que, pela leitura da referida comunicação oficial fornecida pelo Consulado preenche todas as necessárias condições.
J. Além disso, segundo ainda a referida comunicação, os cidadãos filipinos que queiram regressar ao seu país podem, ainda, optar por viajar em voos comerciais, designadamente, os disponibilizados na companhia aérea “X Airlines”, com partida de Macau e destino Manila (Filipinas), com trânsito em Singapura.
K. Na actual conjuntura os alegados prejuízos da ora Recorrida não resultam directa, imediata e necessariamente do acto cuja inexecução se pretende obter, já que poderá regressar, a todo o momento, às Filipinas e retomar lá a sua actividade profissional.
L. Em todo o caso, sempre teria de existir um nexo de causa/efeito entre a execução do acto e os prejuízos a sofrer pela ora Recorrida, pois, só relevam os prejuízos que resultem directa, imediata e necessariamente do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados os prejuízos conjunturais ou eventuais.
M. E, assim sendo, no caso presente é notório que o acto suspendendo não é gerador de prejuízos de difícil reparação para a ora Recorrida, pois esta, ao contrário do que alegou, não está impedida de regressar ao seu país e aí prosseguir a sua actividade profissional assegurando o seu sustento.
N. Por outro lado, as afirmações supra transcritas do acórdão recorrido não são verdadeiras.
O. Sejamos claros: não é verdade, como defende o aresto aqui em crise, que as medidas restritivas à circulação e à entrada e saída da Região e as dificuldades de viagem se mantêm em vigor, em especial as respeitantes às dos cidadãos filipinos que queiram regressar ao seu país.
P. Não é verdade que a ora Recorrida está obrigada a permanecer em Macau por um período de tempo mais ou menos longo, pois, como vimos, dispõe, actualmente, de várias soluções para regressar às Filipinas.
Q. Também não é verdade que a ora Recorrida se encontra impedida de prover ao seu sustento em virtude de, por via da execução do acto de cancelamento da autorização de permanência na RAEM, não poder trabalhar, pois que poderá voltar ao mercado de trabalho no seu país.
R. O discurso fundamentador constante do aresto recorrido assenta em pressupostos factuais que não correspondem à realidade.
S. O acórdão recorrido viola e faz uma errada aplicação da lei, quando, com base nesses pressupostos – recorde-se inexistentes –, considera preenchido o requisito previsto na alínea a) do nº1 do art.121º CPAC e, como tal, por não poder manter-se, terá de ser anulado.

Contra-alegou a recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido.
O Digno o Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de negar provimento ao recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Os Factos Provados
O Tribunal de Segunda Instância considera assentes os seguintes factos com interesse para a decisão:
- A requerente é cidadã filipina, a quem foi concedida a autorização de permanência em Macau, enquanto trabalhadora não residente;
- Da investigação levada a cabo pela PSP, esta considera que existem fortes indícios de que a Recorrente, em Fevereiro de 2020, cedeu um quarto na casa arrendada pela sua mãe ao seu suposto namorado, de nacionalidade indiana, mediante o pagamento de uma renda de MOP$1.500,00, sem que tenha cuidado de averiguar em que condições o mesmo se encontrava em Macau;
- Por despacho do Senhor Comandante da PSP, foi-lhe revogada a autorização de permanência, por ter sido considerada autora dos factos que consubstanciam a prática de um crime de acolhimento p. e p. pelo artº 15º/1 da Lei nº 6/2004;
- E pelos mesmos factos foi acusada pelo Ministério Público de ter praticado um crime de acolhimento p. e p. pelo artº 15º/1 da Lei nº 6/2004;
- Inconformada com este despacho, a requerente interpôs dele recurso hierárquico para o Senhor Secretário para a Segurança;
- Por despacho datado de 16NOV2020, o Senhor Secretário para a Segurança indeferiu o recurso hierárquico, tendo mantido a decisão da revogação da autorização de permanência;
- Notificada em 30NOV2020 e de novo inconformada, a requerente formulou o presente requerimento, que deu entrada neste TSI em 23DEZ2020, pedindo a suspensão de eficácia desse acto do Senhor Secretário para a Segurança, que lhe determinou a revogação da autorização de permanência na RAEM, na qualidade de trabalhador; e
- Dele interpôs recurso contencioso de anulação mediante o requerimento que deu entrada na Secretaria do TSI em 04JAN2021 (segundo informações ex oficio obtidas junto da Secretaria do TSI).
- O despacho do Senhor Secretário para a Segurança tem o seguinte teor:
DESPACHO
ASSUNTO: Execução do acórdão do TSI (16.09.2021) // Decisão Sumária do TUI (27.01.2022)
RECORRENTE: A

Na sequência do recurso contencioso de anulação interposto por A do despacho que em sede de recurso hierárquico necessário decidiu, em 16.11.2020, confirmar o acto praticado pelo CPSP que lhe revogou a autorização de permanência na qualidade de trabalhadora não residente, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) proferiu, em 16.09.2021, acórdão julgando procedente o recurso e, com base na verificação do vicio de falta de fundamentação, anulou o despacho impugnado.
Uma vez que, em 27.01.2022, por decisão sumária do Tribunal de Última Instância (TUI) foi negado provimento ao recurso jurisdicional interposto daquele aresto, cumpre, agora, executar o julgado com a prolação de novo acto (substitutivo), expurgado da violação detectada, o que se faz, nos seguintes termos:
Da análise do processo instrutor, resulta existirem fortes indícios de que a Recorrente A, em Fevereiro de 2020, terá cedido um quarto na casa arrendada pela sua mãe (onde também vive num outro quarto) ao seu suposto namorado, de nacionalidade indiana, mediante o pagamento de uma renda mensal de 1.500MOP, sem que cuidasse de averiguar em que condições este se encontrava em Macau.
Ademais, em 05.06.2020, após ter sido interceptado pela polícia, constatou-se que aquele indivíduo terá entrado no território em Março de 2019, munido de um passaporte indiano, e permanecido para lá do período legal de estadia, bem sabendo a Recorrente que tal período é muito curto e, ainda assim, permitiu que ele se instalasse na referida casa, aceitando o facto de possivelmente estar em situação de imigração ilegal conduta que, segundo a acusação (fls.45 e verso) deduzida, em 29.06.2020, pelo Ministério Público consubstancia a prática do crime de acolhimento, previsto no art.15º, nº1 da Lei nº6/2004, de 2 de Agosto.
A conduta criminosa da Recorrente ficou demonstrada na sentença proferida, em 22.10.2020, pelo 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, onde foi condenada em quatro meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, pela prática de um crime consumado de acolhimento, tendo o recurso por si interposto para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) sido julgado improcedente por acórdão de 10.03.2022.
Ponderando tal factualidade, cabe dizer que, além de ser autora material daquela actividade criminosa, a Recorrente ainda obteve vantagem patrimonial e benefício material para terceiro – no caso a sua mãe – como recompensa pela prática daquele crime, na medida em que esta recebia uma renda mensal pela cedência do referido quarto a esse imigrante ilegal.
Perante as referidas decisões judiciais e a condenação da Recorrente pela prática do crime de acolhimento, previsto e punido pelo art.15º da Lei nº6/2004, deixou de ser possível o necessário juízo de prognose favorável que constituiu o pressuposto da (anterior) autorização da sua permanência na RAEM (cfr., art.24º, nº 1 do Regulamento Administrativo nº5/2003 e art.9º, n.º 2, alínea 1) da Lei n° 4/2003).
A personalidade da Recorrente, a sua situação pessoal e as suas condições de vida, o seu anterior comportamento, o contexto fáctico que cerceou a atitude criminosa de que era suspeita e pela qual foi efectivamente condenada pelos tribunais permitem concluir pela existência de perigo para a segurança ou ordem públicas na RAEM.
Efectivamente, a permanência da Recorrente em Macau representa um perigo para a segurança ou ordem públicas, já que um juízo de prognose não permite afastar a hipótese de ela continuar a auxiliar a permanência, de forma ilegal, de sujeitos no território, até porque a disponibilidade de quartos para subarrendar na casa da sua mãe constitui uma situação potenciadora para que tal venha a suceder.
Encontra-se, hoje, confirmada a responsabilidade criminal da Recorrente e, por sua vez, as suspeitas do comportamento criminoso que estiveram na génese do acto do CPSP de 07.10.2020 e que criaram na Entidade Recorrida a convicção de que a conduta da Recorrente era passível de colocar em risco a segurança e a ordem públicas, situação enquadrável na alínea 3) do nº1 do art.11º da Lei nº6/2004, de 2 de Agosto aplicável ex vi do art.15º, nº1 do Regulamento Administrativo nº8/2010, de 19 de Abril.
Por conseguinte, se já na altura da interposição do presente recurso hierárquico, a alegada violação do princípio da presunção da inocência carecia de sentido - quer por estar em causa uma situação de fortes indícios e não de meros indícios, quer por estarmos no âmbito de um procedimento administrativo, de carácter securitário (não sancionatório) com o desígnio de garantir a segurança e estabilidade da sociedade e onde não releva a efectiva punição em sede de processo-crime - por maioria de razão, perante as referidas condenações judiciais, toda a argumentação respeitante à verificação deste vício ruiu.
Por outro lado, limitando-se a Recorrente a afirmar que não representa perigo algum para a segurança e ordem públicas, o que evidencia, desde logo, a manifesta a falta de consubstanciação do alegado vício de errada interpretação e aplicação da alínea 3) do nº1 do art.11º da Lei nº6/2004, de 2 de Agosto, convém não olvidar a dificuldade de um controlo efectivo da actividade da Recorrente, sendo certo que, a avaliação da sua personalidade e um juízo de prognose, permitem concluir que a sua permanência na RAEM constitui uma efectiva ameaça aos valores que a lei visa preservar, na medida em que o risco de continuar a adoptar o mesmo comportamento não se encontra afastado.
Assim sendo, decido, ao abrigo do disposto no nº1 do art.161º do CPA, confirmar o acto recorrido e negar provimento ao recurso hierárquico necessário apresentado em 28.10.2020.
Macau, aos 14 de Março de 2022.
O Secretario para a segurança,
Wong Sio Chak

3. O Direito
Na óptica da entidade recorrente, o acórdão recorrido viola e faz uma errada aplicação da lei, quando considera preenchido o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC.
Vejamos.

O regime de suspensão de eficácia dos actos administrativos é previsto nos art.ºs 120.º e segs. do CPAC.
Regula o art.º 121.º a legitimidade e os requisitos para a suspensão de eficácia:
“A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Como se sabe, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4.
É claro que o caso vertente não se integra em nenhuma das situações dos n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 121.º, daí que se exige a verificação de todos os requisitos do n.º 1.

No presente caso, discute-se apenas o preenchimento, ou não, do requisito indicado na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º, que se refere ao prejuízo de difícil reparação, a causar pela execução do acto administrativo.
Tendo aderido à argumentação do Digno Magistrado do Ministério Público, deduzida no seu douto parecer, o Tribunal recorrido entende verificado o referido requisito, tendo em consideração as dificuldades de viagem por causa da situação pandémica e a perda de trabalho e rendimento por parte da recorrida, por via da execução do acto de cancelamento da autorização de permanência, fincando assim a recorrida impedida de prover ao seu sustento.
Já na tese da entidade recorrente, os prejuízos alegados pela recorrida não resultam directa, imediata e necessariamente do acto cuja inexecução se pretende obter e, ao contrário do que o acórdão recorrido afirmou, os cidadãos de nacionalidade filipina, como é a recorrida, dispõe de vários meios para regressarem ao seu país, incluindo a viagem organizada pelo Consulado das Filipinas em Macau (voo directo de repatriamento) e a viagem indirecta (com partida de Macau e destino Manila, com trânsito em Singapura), pelo que é notório que o acto suspendendo não é gerador de prejuízos de difícil reparação para a recorrida, que não está impedida de regressar ao seu país e aí prosseguir a sua actividade profissional assegurando o seu sustento.
Ora, não obstante a nossa muita compreensão para com as considerações expostas no acórdão e a situação da recorrida, afigura-se-nos não se encontrar preenchido o requisito ora em discussão.
Desde logo, há que ver em que consiste o previsível prejuízo de difícil reparação, exigido na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, tendo em conta o caso concreto em questão.
Ora, tal como tem entendido este Tribunal de Última Instância, o dano susceptível de quantificação pecuniária pode ser considerado de difícil reparação para o requerente, sendo de considerar ainda como tal os casos “em que a avaliação dos danos e a sua reparação, não sendo de todo em todo impossíveis, podiam tornar-se muito difíceis” bem como o prejuízo “consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares”.1
E “a dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo de prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência (em execução) de uma eventual sentença de anulação.”2
Por outro lado, as jurisprudências têm entendido que cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos, não bastando alegar a existência de prejuízos, não ficando tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente.
No caso concreto, e para fundamentar o invocado prejuízo de difícil reparação, a causar pela execução da decisão administrativa, alega a requerente (ora recorrida) no requerimento de suspensão de eficácia que a executoriedade imediata do despacho suspendendo conduzirá à impossibilidade prática de satisfação das suas necessidades alimentares básicas e elementares, uma vez que “não é titular de qualquer património” e “não tem poupanças, senão o valor que ainda lhe resta de 880.00 patacas”, tendo como único rendimento o seu salário, que é a única fonte de sustento.
No entanto, não se afigura bastante a alegação, sendo ainda necessário provar os factos alegados, fazendo-o por forma concreta e especificada a demonstrar a existência de prejuízos previsíveis de difícil reparação decorrentes da execução do acto administrativo em causa.
Sucede que, salvo o devido respeito, as provas apresentadas pela ora recorrida (uma fotografia de cama, reveladora da sua condição de alojamento, e uma fotografia das notas que totalizam 880.00 patacas) não são susceptíveis de demonstrar cabalmente e permitir ao tribunal conhecer a situação económica da recorrida, de modo a formar um juízo de prognose relativo a danos alegados.
É de salientar que a recorrida não chegou a juntar fotocópias da caderneta bancária através da qual é pago o seu salário nem alegar que o salário é lhe entregue por numerário, e não se sabe ainda se ela precisa de mandar todos os meses dinheiro, e quanto dinheiro, à sua terra para o sustento da família, etc..
Daí que não se pode tirar conclusão sobre se a perda do emprego irá gerar uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares, tal como foi alegado.
É verdade que a perda do emprego determinará um agravamento das condições de vida da recorrida.
Tal não significa, porém, que a actividade exercida em Macau é o único que a recorrida consegue arranjar, sendo certo que nem ela alegou que não conseguiria qualquer emprego na sua terra ou em outros locais do mundo.
É ainda de reparar que a situação económica alegada pela recorrida não foi dada como provada pelo Tribunal recorrido.
Assim sendo, entende-se que a recorrida não logrou provar que a execução do acto administrativo causaria previsivelmente prejuízo de difícil reparação para si ou para os interesses que ele defenda ou venha a defender no recurso.
Por outro lado, e relativamente às dificuldades de viagem por causa da situação pandémica, é de dizer que, apesar de prolongamento de tal situação, certo é que a deslocação entre Macau e Filipinas não é, actualmente, tão difícil, tal como pretende demonstrar a entidade recorrente nas suas alegações do recurso, com apresentação dos documentos.
Na óptica da recorrida, trata-se duma pretensão de introduzir nesta fase e sede uma nova “matéria de facto”, que deverá ser recusada “atenta a sua ilegalidade”.
Ora, não se trata da nova matéria de facto, pois constata-se já na contestação deduzida pela ora entidade recorrente que esta chegou a alegar que “os cidadãos de nacionalidade filipina dispõe, presentemente, de vários meios para regressar ao seu país”, podendo escolher a viagem organizada pelo Consulado das Filipinas em Macau onde, mensalmente, em média, é agendado um voo ou optar por viajar num voo comercial [X (Airlines)] que parte de Macau, via Singapura, para Manila (fls. 64 e 65 dos autos).
Na realidade, é de conhecimento comum a organização de viagem pelo Consulado das Filipinas em Macau, que divulgou a notícia através das comunicações sociais locais, e os voos da X (Airlines) podem ser encontrados no website da companhia aérea.
Trata-se do facto de conhecimento comum, que até pode ser considerado como “notório” (art.º 434.º do CPC).
Ora, tendo ónus de alegar e demonstrar a existência do prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto, para que a suspensão de eficácia seja concedida, a recorrida não logrou a prova dessa irreparabilidade ou de difícil reparação dos prejuízos.
Concluindo, não está preenchido o pressuposto elencado na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, pelo que deve ser indeferido o pedido de suspensão de eficácia.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrida, com a taxa de justiça fixada em 4 UC.

Macau, 6 de Julho de 2022


Juízes: Song Man Lei (Relatora)


Sam Hou Fai


José Maria Dias Azedo

[Notando, apenas, que, atenta a “natureza” e – em especial – os “efeitos” do acto que revogou a antes concedida autorização de permanência da recorrente como “trabalhadora não residente” relativamente à sua “situação laboral” e “económico-financeira” em Macau, adequado nos parece que devia o Tribunal de Segunda Instância incluir na sua decisão uma expressa pronúncia sobre a matéria de facto respeitante a tal “situação” pela recorrente oportunamente alegada no pedido de suspensão de eficácia que aí deduziu.]


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

1 Ac. do TUI, de 25-4-2001, Proc.º 6/2001.
2 José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 176.
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