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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, intentou no Tribunal Judicial de Base acção declarativa de condenação com processo ordinário contra B (1.ª Ré) e C (2.ª Ré), pedindo a condenação das Rés no pagamento solidário do valor total de MOP$894.725,00, incluindo a quantia de MOP$94.725,00 a título de danos patrimoniais e a de MOP$600.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora, a taxa legal, desde a data da respectiva citação até ao integral pagamento.
Foi depois requerida a ampliação do pedido, admitida pelo Exmo. Juiz do processo, pretendendo ainda o Autor que fossem as Rés condenadas a pagar a quantia de MOP$500.000,00, para ressarcir especificamente a sua Incapacidade Permanente Parcial (I.P.P.) de 1% (fls. 289 a 294 e 300 dos autos).
A quantia total peticionada ficou a ser MOP$1.394.725,00.
A acção intentada foi julgada parcialmente procedente, sendo a B (1.ª Ré) absolvida do pedido formulado pelo Autor e a C (2.ª Ré) condenada a pagar uma indemnização no montante de MOP$95.000,00, incluindo a quantia de MOP$50.000,00 (danos patrimoniais), acrescida de juros de mora a taxa legal contados a partir da citação, a de MOP$15.000,00 (danos morais) e a de MOP$30.000,00 (indeminização por I.P.P.), acrescidas de juros de mora a taxa legal contados a partir da data de sentença, até ao integral e efectivo pagamento.
Inconformados com a decisão, recorreram o Autor e a 2.ª Ré para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu indeferir o recurso interposto pela 2.ª Ré e conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Autor, condenando as duas Rés a pagar solidariamente ao Autor MOP140.300,00 (sem prejuízo do limite máximo fixado no contrato de seguro celebrado entre a DSEJ e a 2.ª Ré), acrescido de juros de mora à taxa legal a partir da citação no que se refere à quantia de MOP95.300,00 e a contar da data de sentença de primeira instância em relação à quantia de MOP45.000,00, até integral e efectivo pagamento.
Vem agora o Autor A recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
1. O Recorrente recorre do acórdão do T.S.I. unicamente a respeito dos segmentos relativos à indemnização por “danos não patrimoniais” e por “incapacidade permanente parcial” (doravante I.P.P.).
2. Todos os circunstancialismos descritos na matéria de facto ocorreram ou derivaram de um facto para o qual o recorrente, em nada, contribuiu ou concorreu.
3. O recorrente era um rapaz menor, de apenas 17 anos à data dos factos e foi no contexto de um menor, tendo aulas na sua escola, que ocorreu um acidente que foi totalmente imputado a um terceiro (um funcionário da escola).
4. A sequência de eventos desagradáveis, dolorosos e profundamente indesejáveis que se seguiram na vida de um menor de apenas 17 anos não está suficiente nem adequadamente ressarcida por uma indemnização meramente simbólica de apenas 15 mil MOP por danos morais e de apenas 30 mil MOP pela I.P.P.
5. O recorrente passou por 2 cirurgias, dolorosas e com anestesia geral, em que lhe colocaram, na primeira, 6 parafusos, vivendo com estes no seu pé por mais de 1 ano, até que, na segunda cirurgia, os retiraram, sempre fazendo ao mesmo tempo fisioterapia.
6. Em simultâneo, impossibilitado de frequentar a escola, chumbou o ano lectivo.
7. O que se seguiu ao acidente retirou alegria à pessoa do recorrente face à concentração num pequeno hiato temporal de tantos eventos negativos na cabeça e na visão de vida de um jovem de apenas 17 anos.
8. As dores, injustas e imerecidas, os inconvenientes e, sobretudo, a perda de alegria numa fase charneira e decisiva da vida de um jovem de apenas 17 anos – que teria todas as razões para ser alegre e confiante no seu futuro – mereceriam ser reequilibradas através da atribuição de um valor que lhe permitisse encarar a vida com algum maior optimismo.
9. Ou que, igualmente, lhe permitisse encarar a sociedade e as regras de convivência e organização social de um modo menos céptico e mais reconciliado com “aquilo-que-deve-ser” pois mal se percebe que um jovem de apenas 17 anos que em nada contribuiu para um evento na base de tanto infortúnio causado abruptamente à sua vida veja a “sociedade” – leia-se: todas as instituições, desde seguradoras, escola, mesmo os entes jurisdicionais – fazerem equivaler o peso desse seu infortúnio a umas meras e irreparadoras três dezenas de milhares de patacas.
10. Deveria ter sido arbitrada pelo T.S.I. ao recorrente uma indemnização por danos não patrimoniais de MOP$600.000,00 e, ao não ter assim entendido, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 477.º, 556.º, 560.º, n.º 1, 487.º, ex vi do art.º 489.º, n.º 3, todos do Código Civil, o que se invoca para os efeitos do art.º 400.º, n.º 1, do C.P.P. e 598.º do C.P.C.
11. A I.P.P. é um dano emergente, autónomo e presente, que corresponde a uma perda de capacidade funcional, com reflexos não só ao nível da produtividade do recorrente, por exemplo do seu trabalho, mas igualmente e com idêntica dignidade e merecimento ressarcitório, ao nível da sua qualidade de vida.
12. Tais danos, por serem permanentes, nunca beneficiarão de qualquer evolução ou melhoria, para sempre acompanhando o recorrente por toda a sua vida.
13. O T.S.I. deveria ter tomado em linha de conta a idade muito jovem do recorrente – à data do acidente, com apenas 17 anos – e referenciar tal dado com a esperança média de vida em Macau (81 anos) bem como o salário médio mensal presentemente praticado em Macau (cerca de MOP$15.000,00) e a expectativa, baseada nos dados económicos de Macau – que são um facto público e notório –, do seu futuro crescimento real ao longo dos futuros anos.
14. Porque as capacidades do recorrente para realizar em toda a plenitude uma actividade física ou intelectual foram efectivamente afectadas de forma definitiva e permanente na proporção da I.P.P. de 1 %, considera este que, considerando designadamente os factores e circunstâncias atrás referidos, deveria ter sido fixada pelo T.S.I. uma indemnização no montante de MOP$500.000,00 (quinhentas mil patacas).
15. Ao não ter assim entendido, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 477.º, 556.º e 560.º, n.º 1, do Código Civil, o que se invoca para os efeitos do art.º 400.º, n.º 1, do C.P.P. e 598.º do C.P.C.

Contra-alegou a B, formulando as seguintes conclusões:
I. Vem o Recorrente insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância que, concedendo parcial provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, determinou condenar a 1ª Ré B e a 2ª Ré C a pagar solidariamente ao Autor (aqui Recorrente) MOP140.300,00 (sem prejuízo do limite fixado no contrato de seguro celebrado entre a DSEJ e a 2ª Ré), acrescidos de juros de mora à taxa legal a partir da citação no que se refere à quantia de MOP95.300,00 e a contar da data da sentença de primeira instância em relação à quantia de MOP45.000,00, até integral e efectivo pagamento.
II. O Venerando TSI pronunciou-se igualmente sobre os valores indemnizatórios, referindo que “Sinceramente, analisando o ter das suas alegacões de recurso, não se verifica que o recorrente tenha fundamentado minimamente a sua discordância quanto aos valores indemnizatórios fixados pelo Tribunal recorrido, apenas vem invocar que os valores arbitrados são extremamente reduzidos. Sem embargo, somos a entender que os valores das indemnizações são jutos e equilibrados. ”
III. O Recorrente A vem insurgir-se contra a decisão proferida invocando que não concorda com os segmentos relativos à indemnização por “danos não patrimoniais” e por “incapacidade Permanente Parcial”, requerendo, a revogação dos segmentos supra expostos da decisão recorrida, determinando-se que a aqui Recorrida seja condenada no pagamento ao Recorrente, a título de IPP na quantia de MOP500.000,00, e a título de danos não patrimoniais na quantia de MOP600.000,00, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, calculados a partir da decisão que os fixou até integral pagamento.
IV. Alegando e invocando que o Tribunal de Segunda Instância deveria ter tido em consideração a idade do recorrente, as dores fortes e intensas aquando do acidente e das duas intervenções cirúrgicas, as anestesias a que foi sujeito, duas no total, a impossibilidade em comparecer às aulas durante 3 meses, a reprovação do ano lectivo, tristeza na vida e uma incapacidade parcial permanente de 1%.
V. Concluindo que o Venerando TSI manteve uma decisão relativa ao quantum indemnizatório que se traduz numa indemnização “meramente simbólica”, não arbitrando os montantes peticionados,
VI. Violando, assim, o disposto nos artigos 477.º, 556.º, n.º 1, 487.º, ex vi do art.º 489.º, n.º 3, todos do Código Civil.
VII. Na realidade, a análise destes dois segmentos decisórios já foi efectuada por dois Tribunais: a primeira instância e o TSI, Tribunal a quo;
VIII. Existindo consonância e sintonia e existindo “dupla conforme” nas decisões, não existindo sequer dissonância entre o colectivo (voto de vencido).
IX. O recorrente está no seu direito em discordar dos montantes que lhe foram arbitrados nas duas instâncias, bem como (hoje) tem o Direito em colocar em causa a decisão do Tribunal a quo, invocando, em suma, que a equidade foi desajustada ao caso concreto.
X. Contudo, a mera discordância em relação aos valores arbitrados perante os montantes peticionados não significa, necessariamente, que o Tribunal a quo tenha violado a lei tal como invoca e alega o Recorrente.
XI. O Tribunal julgou equitativamente dentro dos limites que teve por provados (artigo 560.º, n.º 6 do CCM), tendo sido a indemnização fixada equitativamente, considerando, as dores sofridas pelo Autor, o diminuído grau de incapacidade permanente (apenas 1%) e a idade do Autor.
XII. Cremos crer, que não assiste razão ao Recorrente.
XIII. Contudo, não se pode conceder, e não se concede, atendendo aos factos provados e ao juízo de equidade efectuado para ser arbitrado o montante que foi determinado, que esses montantes indemnizatórios possam ser na ordem de valores tal como foram peticionados, ou seja MOP500.000,00 de IPP e MOP300.000,00 a título de danos não patrimoniais.
XIV. A serem arbitrados estes valores peticionados, os mesmos seriam extremamente exagerados, considerando toda a factualidade do caso em apreço, ainda que se atendesse aos factos invocados, tais como, a idade do Recorrente, a esperança média de vida e o salário médio na Região.
XV. Nestes termos, andou bem o Venerando Tribunal de Segunda Instância ao decidir como decidiu, o que fez em estrito cumprimento do preceituado nos artigos 477.º, 556.º, n.º 1, 487.º, ex vi do art.º 489.º, n.º 3, todos do Código Civil.
XVI. Pelo que deverá necessariamente improceder o recurso do ora Recorrente, porquanto não existe violação de lei tal como alega o Recorrente.

2. Factos
Nos autos ficaram provados os seguintes factos:
Não obstante as sucessivas comunicações posteriormente enviadas e recebidas da 1ª Ré, nunca esta fez até ao presente momento qualquer pagamento intercalar por conta da indemnização a computar a final dos tratamentos e intervenções cirúrgicas do Autor. (alínea A) dos factos assentes)
A 2ª Ré celebrou um contrato de seguro escolar com a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (cfr. doc. de fls. 197 a 207), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea B) dos factos assentes)
O contrato supra referido tem por âmbito os alunos do ensino não superior, que frequentem cursos da educação regular ou de ensino recorrente, registados naquela direcção de serviços e válidos pelo período de 1 de Setembro de 2014 a 31 de Agosto de 2016. (alínea C) dos factos assentes)
A apólice de seguro n.º LFH/PAI/2014/XXXXXX tem por cobertura as despesas médicas, a incapacidade total e permanente (por referencia à tabela anexa à apólice), indemnização por morte e as despesas de funeral. (alínea D) dos factos assentes)
Sendo que os valores máximos de seguro são os seguintes:
a) MOP$50.000,00, para as despesas médicas;
b) MOP$100.000,00, para a incapacidade total e permanente, de acordo com as situações previstas na tabela constantes do contrato;
c) MOP$100.000,00, para o dano morte, e
d) MOP$10.000,00, para as despesas com funeral. (alínea E) dos factos assentes)
Entre a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude e a B foi celebrado em 25 de Junho de 2014 contrato de seguro de acidentes pessoais, no âmbito da Apólice n.º CIM/LGP/2014/XXXXXX (cfr. doc. de fls. 219 a 222), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea F) dos factos assentes)
O qual abrangia a escola frequentada pelo ora Autor. (alínea G) dos factos assentes)
No ano lectivo 2014/2015 o Autor frequentava como aluno do 4º ano, o ensino secundário geral na [Escola Secundária], sita em Macau. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
No dia 29 de Setembro de 2014, pelas 10:00, estava a decorrer, no campo de jogos descoberto da [Escola Secundária], a aula de educação física a cargo e sob a responsabilidade do respectivo docente da disciplina, D. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
O jardineiro da Escola estava a regar com uma mangueira as plantas adjacentes ao campo de jogos que estava em uso durante a aula de educação física. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
Em virtude dessa acção de rega, a água derramou para o mencionado campo de jogos em uso, molhando-o e tornando-o escorregadio. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
O Autor, enquanto jogava basquetebol, escorregou no piso molhado de água. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
O Autor, por ter escorregado, caiu ao chão. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
Com a queda, o Autor partiu a fíbula do pé esquerdo. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
O Autor teve de ser transportado de urgência, para o Hospital Conde de S. Januário. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
Estando já no Hospital, o Autor, pelas 22:30 desse mesmo dia 29 Set 2014, veio a ser submetido a uma primeira intervenção cirúrgica, fruto da qual lhe foram implantados 6 parafusos no pé esquerdo. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
Após a intervenção cirúrgica, o Autor fez sessões de fisioterapia. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
À data de acção, o Autor ainda está sujeito ao tratamento de fisioterapia. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
Para preparação da segunda intervenção cirúrgica, o Autor teve de se submeter a uma série de exames e consultas preparatórias. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
O Autor foi submetido a segunda intervenção cirúrgica em 3 de Novembro de 2015 para retirar os 6 parafusos. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
No pós-operatório da segunda intervenção cirúrgica, o Autor foi acompanhado nos Serviços de Saúde. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
A 2ª Ré não pagou ao Autor qualquer quantia até à presente data. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
Cada sessão diária de fisioterapia foi cobrada a MOP$300,00. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
O Autor tinha ficado impossibilitado de comparecer às aulas durante três meses. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
Em virtude disso, o Autor contratou uma explicadora particular a fim de tentar que o mesmo ainda conseguisse recuperar e transitar de ano lectivo. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
O valor mensal das explicações foi de MOP$2.500,00 correspondendo 9 meses de explicações, no valor global de MOP$22.500,00. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
Para custeio de despesas médicas e terapêuticas, o Autor despendeu até à propositura da acção as seguintes quantias:
a) Sessões de fisioterapia, no valor de MOP$81.000,00;
b) Medicamentos chineses, no valor de MOP$13.500,00;
c) Máquina para estiramento da perna esquerda, no valor de MOP$800,00. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
Aquando do acidente, o Autor sofreu dores físicas fortes e intensas. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
Durante o seu transporte para o Hospital Conde de S. Januário, o Autor continuou a sofrer dores, que se revelaram e permaneceram cada vez mais intensas até ao momento em que foi operado, pelas 22:30. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
Após a primeira operação em que lhe foram afixados seis parafusos no pé esquerdo, o Autor sofreu dores. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
Ambas as intervenções cirúrgicas foram efectuadas com anestesia geral, situação que causou preocupação ao Autor. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
O Autor ficou com a incapacidade física permanente e parcial de 1%. (respostas aos quesitos 26º e 26º-A da base instrutória)
Em resultado do acidente o Autor chumbou o ano lectivo de 2014/2015, por deixar de ter possibilidade de frequentar, como anteriormente sempre fizera, todas as aulas. (resposta ao quesito 30º da base instrutória)
A perda desse ano lectivo causou um sofrimento moral motivado pela frustração interior do Autor de, contra a sua vontade, ver interrompido o percurso escolar. (resposta ao quesito 31º da base instrutória)
Antes do acidente, o Autor era uma pessoa alegre, à data tinha 17 anos. (resposta ao quesito 33º da base instrutória)

3. Direito
Insurge-se o recorrente contra o acórdão do T.S.I., na parte respeitante à indemnização por danos não patrimoniais e por incapacidade permanente parcial (I.P.P.).
Com o acórdão recorrido, as recorridas foram condenadas a pagar solidariamente a quantia de MOP$15.000,00 por danos não patrimoniais e a de MOP$30.000,00 por I.P.P., quantias estas que haviam sido arbitradas pelo Tribunal de 1.ª instância, apelidas pelo recorrente de “meramente simbólicas”.
Pretende o recorrente ser indemnizado no montante de MOP$600.000,00 por danos não patrimoniais e ressarcido no montante de MOP$500.000,00 por I.P.P..
Vejamos.

3.1. Da indemnização por danos não patrimoniais
Alega o recorrente que, ao fixar a quantia indemnizatória ora impugnada, o Tribunal recorrido violou o disposto nos art.ºs 477.º, 556.º, 560.º, n.º 1, 487.º, ex vi do art.º 489.º, n.º 3, todos do Código Civil.
Nos termos do n.º 1 do art.º 477.º, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Quanto à obrigação de indemnização, dispõem os art.ºs 556.º e 560.º, n.º 1 que a pessoa obrigada a reparar um dano “deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”; quando a reconstituição não for possível, “a indemnização é fixada em dinheiro”.
No que se concerne concretamente a danos não patrimoniais, dispõe o art.º 489.º o seguinte:
“Artigo 489.º
(Danos não patrimoniais)
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de facto e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, ao unido de facto e aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.”
Por sua vez, manda o art.º 487.º atender ao grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Ora, os danos não patrimoniais são os prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, mas que podem ser compensados com uma obrigação pecuniária imposta ao lesante, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.
A lei limita os danos não patrimoniais àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
E a reparação obedecerá ao critério de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, aos patrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, etc..1
E “de acordo com o disposto no artigo 487.º, quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que, além do mais previsto na norma, a situação económica do agente e do lesado o justifiquem”.
E na ponderação da situação económica do agente e do lesado, “a indemnização será tanto maior quanto melhor for a situação económica do agente e tanto menor quanto melhor for a situação económica do lesado”.2

No caso dos autos, decorre da factualidade assente que:
- Na data dos factos reportados nos autos, o recorrente frequentava como aluno do 4º ano da escola secundária;
- O recorrente, enquanto jogava basquetebol, escorregou no piso molhado de água e caiu ao chão;
- Com a queda, o recorrente partiu a fíbula do pé esquerdo;
- O recorrente teve de ser transportado de urgência, para o hospital;
- E no mesmo dia veio a ser submetido a uma primeira intervenção cirúrgica, fruto da qual lhe foram implantados 6 parafusos no pé esquerdo;
- Após a intervenção cirúrgica, o recorrente fez sessões de fisioterapia;
- À data de acção, o recorrente ainda está sujeito ao tratamento de fisioterapia;
- Para preparação da segunda intervenção cirúrgica, o recorrente teve de se submeter a uma série de exames e consultas preparatórias;
- E foi submetido a segunda intervenção cirúrgica para retirar os 6 parafusos;
- No pós-operatório da segunda intervenção cirúrgica, o recorrente foi acompanhado nos Serviços de Saúde;
- O recorrente tinha ficado impossibilitado de comparecer às aulas durante três meses;
- Em virtude disso, o recorrente contratou uma explicadora particular a fim de tentar que o mesmo ainda conseguisse recuperar e transitar de ano lectivo;
- Aquando do acidente, o recorrente sofreu dores físicas fortes e intensas;
- Durante o seu transporte para o hospital, o recorrente continuou a sofrer dores, que se revelaram e permaneceram cada vez mais intensas até ao momento em que foi operado;
- Após a primeira operação em que lhe foram afixados seis parafusos no pé esquerdo, o recorrente sofreu dores;
- Ambas as intervenções cirúrgicas foram efectuadas com anestesia geral, situação que causou preocupação ao recorrente;
- O recorrente ficou com a incapacidade física permanente e parcial de 1%;
- Em resultado do acidente o recorrente chumbou o ano lectivo, por deixar de ter possibilidade de frequentar, como anteriormente sempre fizera, todas as aulas;
- A perda desse ano lectivo causou um sofrimento moral motivado pela frustração interior do recorrente de, contra a sua vontade, ver interrompido o percurso escolar;
- Antes do acidente, o recorrente era uma pessoa alegre, à data tinha 17 anos.
Os factos acima descritos demonstram que de certeza o recorrente teve sofrimento, não só físico por dores físicas fortes e intensas aquando e após o acidente, com as duas intervenções cirúrgicas para afixar e retirar os 6 parafusos, com o tratamento de fisioterapia que fez durante determinado período, mas também moral motivado por preocupação com a anestesia geral, com a impossibilidade de comparecer às aulas durante três meses e ainda por frustração interior de interromper, contra a sua vontade e o esforço que tinha feito, o percurso escolar, chumbando o ano lectivo.
Por outras palavras, o acidente reportado nos autos provocou ao recorrente danos não patrimoniais que, por sua gravidade, merecessem a tutela do direito.
Foi fixada uma indemnização apenas no montante de MOP$15.000,00.
Salvo o muito respeito por entendimento diverso, e atenta a factualidade assente, que revela a intensidade do sofrimento, físico e psíquico, do recorrente, afigura-se-nos razoável e ajustada fixar em MOP$60.000,00 a quantia indemnizatória, tendo em consideração a idade do recorrente, as lesões e as dores por si sofridas, o seu estado físico e psíquico após o acidente.
Repetindo, é de salientar que o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal.
Assim sendo, é de julgar procedente o recurso, nesta parte, alterando para MOP$60.000,00 a quantia arbitrada pelo Tribunal recorrido a título de indemnização por danos não patrimoniais.

3.2. Da indemnização por incapacidade permanente parcial
Decorre da factualidade assente que o recorrente ficou com a incapacidade física permanente e parcial de 1%.
Invocando a sua idade muito jovem, a esperança média de vida em Macau (81 anos), o salário médio mensal e a expectativa, “baseada nos dados económicos de Macau – que são um facto público e notório –, do seu futuro crescimento real ao longo dos futuros anos”, pretende o recorrente uma indemnização no montante de MOP$500.000,00.
Para o recorrente, a I.P.P. “corresponde a uma perda de capacidade funcional, com reflexos não só ao nível da produtividade do recorrente, por exemplo do seu trabalho, mas igualmente e com idêntica dignidade e merecimento ressarcitório, ao nível da sua qualidade de vida”.
Desde logo, nos autos não se demonstram elementos reveladores de a qualidade de vida do recorrente ficar afectada por um período prolongado no tempo.
Por outro lado, a I.P.P. do recorrente foi atribuída a seu requerimento e segundo a Tabela das Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doença Profissionais, anexa ao DL. n.º 40/95/M (fls. 269 a 271 e 283 dos autos).
Nesse diploma, a incapacidade permanente é definida como incapacidade que priva o trabalhador definitivamente da integralidade da sua capacidade de trabalho ou de ganho, sendo a incapacidade absoluta se as lesões ou a doença o impossibilitam completamente de trabalhar ou ganhar, enquanto parcial “se o trabalhador, apesar de ter sofrido uma redução definitiva na capacidade de trabalho ou de ganho, de acordo com a tabela de desvalorizações anexa a este diploma, pode, contudo, continuar a prestar alguns serviços” – al. g) do art.º 3.º do diploma.
Assim, é de dizer que a I.P.P. se refere à perda de capacidade de trabalho ou de ganho.
Mesmo sendo uma percentagem muito pequena, apenas de 1%, a I.P.P. atribuída ao recorrente não deixa de ser ponderada na fixação de quantia indemnizatória, por perda de capacidade de trabalho ou de ganho.
Nos termos do art.º 558.º, n.º 1 do Código Civil, “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”.
Como se sabe, distingue-se o dano emergente do lucro cessante.
Nos presentes autos, estão em causa danos presentes.
Nos casos em que se discute também a questão de indemnização por perda da capacidade de ganho3, o Tribunal de Última Instância disse o seguinte:
«O lesado já sofreu um prejuízo. Não se trata de danos futuros, mas de danos presentes. O lesado ficou com a sua capacidade de ganho diminuída a partir do momento em que teve alta médica. Está definitiva e irremediavelmente incapacitado para o trabalho, no futuro, …. Trata-se de um dano actual e não futuro. O que pode constituir um dano futuro é a diferença de rendimentos do trabalho que pode vir a sofrer se passar a auferir um salário inferior ao actual ou mesmo se deixar de auferir qualquer rendimento do trabalho por força da sua incapacidade. Como bem referiu a recorrente, apenas a perda de ganho é um dano futuro. A perda da capacidade de ganho é um prejuízo sofrido (já existente) e verificável.
Trata-se, portanto, de um dano emergente e não de um lucro cessante.

Indiscutivelmente que o dano sofrido pelo lesado é ressarcível. Embora o seu salário se mantenha, a sua capacidade para o trabalho ficou afectada. Ora, nada obsta a que qualquer pessoa – salvo incompatibilidades legais – possa efectuar outro trabalho, para além da sua ocupação habitual, e usufruir os respectivos rendimentos. Esta possibilidade ficou afectada substancialmente no que toca ao lesado.
Da mesma maneira, mesmo que alguém não exerça um trabalho – por conta própria ou alheia – seja porque tem rendimentos de outra natureza, como de propriedade fundiária ou intelectual ou de capitais – seja porque não tem quaisquer rendimentos e vive a cargo de outrem, sempre terá direito a ser indemnizado pela incapacidade permanente parcial para o trabalho em geral, porque a sua capacidade para trabalhar, para realizar uma actividade física ou espiritual, foi afectada de forma definitiva e permanente. Foi um activo de que ficou privado para sempre e de que deve ser indemnizado nos termos gerais.
É neste sentido para que tem propendido a doutrina.4»
Ora, já não é possível a reconstituição natural da situação que existiria se não ocorresse o acidente de viação, pelo que a indemnização deve ser fixada em dinheiro (art.º 560.º, n.º 1 do Código Civil).
De acordo com o n.º 5 do art.º 560.º do Código Civil, “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.
E ao abrigo do disposto do n.º 6 do art.º 560.º, “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Mais uma vez chama-se aqui colação ao critério da equidade na determinação da quantia indemnizatória, “sem prejuízo de se atenderem aos outros factos provados pertinentes, como a idade da vítima, o seu estado físico antes da lesão, o seu salário actual e o seu emprego, as suas habilitações académicas, as suas perspectivas profissionais antes e depois da lesão”.5
No presente caso, o recorrente tinha 17 anos de idade na altura do acidente, sendo um aluno da escola secundária alegre e tendo com certeza a expectativa profissional.
Tendo em conta a idade normal de 22 anos com que, depois de tirar um curso superior, os jovens começam a trabalhar, a idade de 65 anos que também é a normal prevista para a reforma, o salário mensal médio que os cidadãos de Macau ganham, de MOP$20.000,00, segundo os elementos publicados pelo Governo da RAEM no ano de 2021, bem como o crescimento salarial no futuro, afigura-se-nos ajustada a fixação equitativa de uma indemnização no valor de MOP$100.000,00 por I.P.P. de 1% atribuída ao recorrente.
É de conceder parcial provimento ao recurso, também nesta parte.

Concluindo, fixa-se a indemnização, por danos não patrimoniais e por I.P.P., no valor global de MOP$160.000,00.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso, nos termos acima consignados, fixando o valor global de MOP$160.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais e por incapacidade permanente parcial, revogando o acórdão recorrido na parte respeitante.
Custas pelo recorrente e pelas recorridas, na proporção dos seus decaimentos.

                Macau, 27 de Julho de 2022
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

1 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almeida, 10.ª edição, revista e actualizada, vol. I, p. 600 e seguintes.
2 Cfr. Acórdão deste Tribunal de Última Instância, de 17 de Dezembro de 2009, Proc. n.º 32/2009.
3 Cfr. Ac.s do TUI, de 25 de Abril de 2007 e de 7 de Novembro de 2012, Proc.s n.ºs 20/2007 e 62/2012, entre outros.
4 AMÉRICO MARCELINO, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, Lisboa, Livraria Petrony, 6.ª edição, p. 453 e seg. E não falte mesmo quem defenda, como é caso da mais alta instância judicial italiana, o Tribunal de Cassação, em decisão de 6 de Junho de 1981, que “O dano dito biológico, enquanto lesivo do direito à saúde, que por explícito ditame constitucional é direito fundamental do indivíduo, deve ser ressarcível mesmo que não incidindo sobre a capacidade de produzir ganhos e mesmo independentemente desta última”. Citado por J.A. ÁLVARO DIAS, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Coimbra, Almedina, 2001, p. 131, nota 278.
5 Cfr. Ac.s do TUI já citados, Proc.s n.ºs 20/2007 e 62/2012.
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25
Processo n.º 113/2019