Processo nº 71/2022 Data: 27.07.2022
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Acidente de viação.
Pedido de indemnização civil.
Erro notório na apreciação da prova.
Incapacidade parcial permanente.
Perdas salariais.
Danos não patrimoniais.
Montante da indemnização.
Equidade.
SUMÁRIO
1. O “dano” é a perda – in natura – que se sofre, em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais (que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar).
Pode revestir a destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa “material” ou “incorpórea”, (dano real), ou ser mero “reflexo (do dano real) sobre a situação patrimonial do lesado”, (dano patrimonial).
2. O “dano corporal”, lesivo da saúde, (ou “dano biológico”), está na origem de outros danos, (“danos – consequência”), designadamente, aqueles que se traduzem na perda, total ou parcial, da capacidade de trabalho, e (na correspondente) “perda salarial”.
Com efeito, o denominado “dano biológico”, na sua vertente patrimonial, abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua actividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras actividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.
O dano por “perda de capacidade” ou “incapacidade”, (e que como se viu, tem a natureza de “dano patrimonial”), é distinto e autónomo do “dano não patrimonial”, que se reconduz à dor, desgosto e sofrimento de uma pessoa que se sente, e, possivelmente, para toda a vida, fisicamente diminuída.
Em sede de indemnização pela afectação da capacidade geral ou funcional, (e para além do recurso à equidade), deve-se ponderar especialmente nos seguintes factores:
(i) a idade do lesado, (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente);
(ii) o seu grau de incapacidade permanente;
(iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; e,
(iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas, (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências).
3. A “indemnização por danos não patrimoniais” tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer, visando pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, sendo também de considerar que nestas matérias, inadequados são “montantes (meramente) simbólicos ou miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.
A reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem “contabilizados em dinheiro”, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.
Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se, na sua fixação, todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sendo de se atentar, especialmente, na natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras…
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 71/2022
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão de 28.06.2019 proferido nos Autos de Processo Comum Colectivo CR4-18-0245-PCC do 4° Juízo do Tribunal Judicial de Base foi a “A”, (甲), demandada civil do pedido de indemnização aí enxertado, condenada a pagar a quantia total de MOP$862.072,00 e juros legais, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais do demandante B (乙), resultante da soma das quantias de MOP$12.072,00 + MOP$500.000,00 + MOP$350.000,00, fixadas a título de “despesas médicas”, “perdas salariais” (resultante da sua “incapacidade parcial permanente”) e “danos não patrimoniais”, respectivamente; (cfr., fls. 332 a 349 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Em sede do recurso que do assim decidido o referido demandante (B) interpôs para o Tribunal de Segunda Instância (reclamando um aumento do valor das indemnizações por “perdas salariais” e “danos não patrimoniais”) proferiu-se Acórdão de 03.03.2022, (Proc. n.° 1051/2019), onde se lhe concedeu “parcial provimento”, alterando-se o valor da indemnização por “danos não patrimoniais” para MOP$600.000,00 e mantendo-se o valor arbitrado a título das aludidas “perda salariais”; (cfr., fls. 464 a 476).
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Ainda inconformado, traz o mesmo demandante o presente recurso, insistindo no seu pedido de se fixar a indemnização por “danos não patrimoniais” em quantia não inferior a MOP$1.200.000,00, e a correspondente à sua “perda salarial” (resultante da “incapacidade parcial permanente” de MOP$500.000,00) para montante não inferior a MOP$3.778.618,00; (cfr., fls. 484 a 493-v).
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Contra-alegando, pugna a demandada civil “A” pela total improcedência do recurso; (cfr., fls. 495 a 506).
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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Tribunal Judicial de Base foram dados como “provados” os factos seguintes (que foram confirmados pelo Acórdão ora recorrido do Tribunal de Segunda Instância):
“1. Pelas 04h29 da madrugada do dia 16 de Junho de 2017, o arguido C conduziu o autocarro da [Empresa(1)], de matrícula MP-XX-XX, circulando na Ponte da Amizade (de Taipa a Macau), na faixa de rodagem do lado esquerdo.
2. Ao mesmo tempo, B (1.º ofendido, Guarda do CPSP n.º XXXXXX), em razão do exercício de funções públicas, conduziu o veículo ligeiro do Departamento de Trânsito, de matrícula MD-XX-XX, e estacionou-o na berma esquerda da faixa de rodagem esquerda da Ponta da Amizade (de Taipa a Macau), perto do posto de iluminação n.º XXXAXX, momento em que transportava o passageiro D (2.º ofendido, Guarda do CPSP n.º XXXXXX). Na altura, as luzes avisadoras do veículo ligeiro de matrícula MD-XX-XX ascenderam-se e foi colocado um reflector cônico a uma distância de cerca de 30 metros atrás do veículo para avisar os condutores que vinham atrás.
3. Devido à chuva, os dois ofendidos permaneceram no aludido veículo de polícia.
4. Quando chegou ao referido local, o autocarro de matrícula MP-XX-XX conduzido pelo arguido foi embater na parte traseira do veículo ligeiro de polícia de matrícula MD-XX-XX.
5. No local não se encontrou nenhum rasto de travagem.
6. A conduta do arguido causou directa e necessariamente ao 1.º ofendido subluxação da articulação atlantoaxial, inchaço e hematoma na pálpebra do olho direito e escoriações no nariz que necessitaram de 68 dias para recuperação. Quanto às referidas lesões, cfr. perícia médico-legal a fls. 82 dos autos (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
7. A conduta do arguido causou directa e necessariamente ao 2.º ofendido contusões nos tecidos moles do pescoço e da região lombar que necessitaram de 5 dias para recuperação. Quanto às referidas lesões, cfr. perícia médico-legal a fls. 72 dos autos (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
8. Em consequência do acidente, a parte traseira, o chassi e as vigas longitudinais do veículo de polícia ficaram gravemente deformados, não podendo ser recuperados, o que causou um prejuízo no montante de MOP$163.600,00.
9. O arguido não regulou a velocidade conforme as circunstâncias especiais da via, violando o dever de condução com prudência, e em consequência, provocou o incidente.
10. Aquando do acidente, estava a chover, existia iluminação pública, o pavimento estava molhado e escorregadio e o trânsito era normal.
11. O 1.º ofendido recebeu tratamento médico no CHCSJ, sendo as despesas médicas de MOP$11.334,00.
12. O 2.º ofendido recebeu tratamento médico no CHCSJ e na [Clínica(1)], sendo as despesas médicas de MOP$80,00 e MOP$700,00, respectivamente.
13. O arguido agiu de forma consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Além disso, também foram provados os seguintes factos na audiência de julgamento:
14. Conforme o CRC, o arguido é primário.
15. O arguido declarou ser condutor de autocarro a tempo parcial, auferindo mensalmente MOP$20.000,00, tendo a seu cargo a mulher e tendo como habilitações académicas o ensino primário.
Factos dados como provados atinentes ao pedido cível
Após audiência de julgamento, para além dos factos constantes da acusação que correspondem aos factos dados como provados são considerados provados, os seguintes factos constantes do pedido de indemnização cível também são considerados provados:
16. O proprietário do autocarro em causa, de matrícula MP-XX-XX, é a [Empresa(1)].
17. Na altura da ocorrência do acidente, a companhia seguradora com que o proprietário do autocarro de matrícula MP-XX-XX, [Empresa(1)], celebrou o contrato de seguro era a A, com a apólice n.º MTV-XX-XXXXXX EO/R1 R.
18. Após o acidente de viação, o demandante civil foi transportado para o Serviço de Urgência do CHCSJ. Na altura, o demandante civil perdeu a consciência por 2 minutos, e depois, teve tontura, inchaço na pálpebra do olho direito de 3cm x 2cm, escoriações no lado direito do dorso nasal, dor no pescoço quando pressionado, fraqueza no pescoço (cfr. relatório médico a fls. 36 e 81 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
19. Após exame feito pelo CHCSJ, o demandante civil foi diagnosticado com: 1) instabilidade rotatória atlantoaxial (subluxação) 2) concussão 3) ceratite traumática do olho direito 4) hematoma no lado direito do topo da cabeça 5) múltiplas escoriações superficiais (pálpebra do olho direito, nariz, mandíbula) (cfr. fls. 78 e Doc. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
20. O demandante civil esteve internado no CHCSJ para tratamentos entre 16 de Junho de 2017 e 14 de Julho de 2017 (no total 29 dias), (cfr. fls. 78, Doc. 2 e Doc. 3, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
21. O médico do CHCSJ aplicou os seguintes meios de tratamento ao demandante civil: 1) Manobras para reposicionamento da instabilidade rotatória altantoaxial (subluxação) e colocação do colar cervical para estabilização 2) Acamamento (3 semanas), tomada de medicamentos e tratamentos sintomáticos 3) Continuação do uso do colar cervical por um período de 3 meses e consultas externas de ortopedia após a alta hospitalar (cfr. fls. 78 dos autos e Doc. 2, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
22. Foi realizada a perícia médico-legal ao demandante civil que foi diagnosticado clinicamente com: subluxação da articulação altantoaxial, hematoma na pálpebra superior do olho direito e escoriações no nariz, fractura da extremidade distal do lado direito e contusões nos tecidos moles de várias partes do corpo, Ao receber o exame pericial clínico realizado em 19 de Setembro de 2017, o examinado já se recuperou mas o examinado queixou-se de dor quando vira o pescoço. As características das suas lesões correspondem às lesões causadas por objectos contundentes ou semelhantes (acidente de viação), as quais necessitaram de 68 dias para recuperação, causando-lhe ofensa simples à integridade física (cfr. fls. 82 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
23. Desde a alta hospitalar até 21 de Novembro de 2017 (no total 130 dias, entre os quais, o demandante civil pediu férias entre 27 de Julho de 2017 e 07 de Agosto de 2017, o documento comprovativo de férias será apresentado mais tarde). O médico responsável sugeriu ao demandante civil que faltasse ao serviço por doença para convalescença (Doc. 2, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
24. Depois de voltar ao trabalho em 22 de Novembro de 2017, o médico sugeriu ao demandante civil que não fosse adequado para trabalhos militares e noturnos por um período de 3 a 4 meses (cfr. Doc. 4 e 5, fls. 187 a 188 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
25. Desde 22 de Novembro de 2017, o demandante civil voltou a trabalhar no CPSP de Macau até agora, passando a desempenhar as funções como administrativo.
26. Desde a alta hospitalar até à apresentação do presente pedido de indemnização cível, o demandante civil ainda tem dor ligeira intermitente no pescoço, pelo que, ainda necessita de ser seguido nas consultas externas de ortopedia (cfr. Doc. 2, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
27. Quando ao internamento e tratamentos médicos em consequência do presente acidente de viação, as despesas médicas-medicamentosas do demandante civil até à apresentação do presente pedido de indemnização cível são, no total, de MOP$12.072,00 (cfr. Doc. 6 e Doc. 7), entre as quais, as despesas médicas-medicamentosas no montante de MOP$738,00 foram pagas pelo demandante civil e os honorários da consulta no montante de MOP$11.334,00 ainda não foram pagos (cfr. Doc. 8).
28. O demandante civil ainda tem dor ligeira intermitente no pescoço, e com a sugestão do médico do CHCSJ, o demandante civil ainda necessita de ser seguido nas consultas externas de ortopedia. (cfr. Doc. 2, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)
29. Antes do acidente de viação, o demandante civil tinha 27 anos de idade, trabalhava como agente policial no CPSP de Macau, tinha boa saúde sem qualquer limitação da capacidade de movimentos.
30. Em consequência do forte embate resultou lesões físicas ao demandante civil. Quando foi transportado para o Serviço de Urgência do CHCSJ, o demandante civil perdeu a consciência por 2 minutos, e depois, teve tontura, dor na órbita direita, no nariz, no pescoço e nas costas e fraqueza no pescoço (cfr. fls. 36 e 81 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
31. Após exame feito pelo CHCSJ, o demandante civil foi diagnosticado com: 1) instabilidade rotatória atlantoaxial (subluxação) 2) concussão 3) ceratite traumática do olho direito 4) hematoma no lado direito do topo da cabeça 5) múltiplas escoriações superficiais (pálpebra do olho direito, nariz, mandíbula) (cfr. fls. 78 e Doc. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
32. O demandante civil necessitou de internamento pelo período de 29 dias (desde 16 de Junho de 2017 até 14 de Julho de 2017) e esteve ausente do serviço por doença para convalescença pelo período de 130 dias (desde a alta hospitalar até 21 de Novembro de 2017) (cfr. fls. 78, Doc. 2 e Doc. 3 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
33. Durante o internamento hospitalar e a convalescença em casa, o demandante civil necessitou de usar o colar cervical, esteve acamado, tomou suplementos nutricionais e medicamentos para articulações e alívio da dor e recebeu tratamentos de fisioterapia. O demandante civil não teve capacidade de cuidar da sua vida diária por um período de quase de 6 meses, o que fez o demandante civil sentir-se mal, ficando com depressão (cfr. fls. 78, Doc. 2 e Doc. 7 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
34. Nomeadamente durante o acamamento, o demandante civil não pôde sair da cama para realizar actividade, necessitando da ajuda do pessoal de enfermagem ou dos familiares para tomar refeições, ir à casa de banho e lavar o corpo, o que fez o demandante civil sentir-se muito vergonhado e incomodado.
35. Durante a recuperação, o demandante civil sofreu de ceratite traumática do olho direito, pelo que, necessitou de aplicar continuadamente o colírio na região lesada e evitar a luz intensa.
36. Apesar de ter decorrido 2 meses após a alta hospitalar, o demandante civil ainda teve inchaço e dor na região lesada da cabeça e do olho direito, fazendo com que ele não pudesse lavar o cabelo e limpar o olho direito normalmente, necessitando de manter as regiões lesadas secas para evitar inflamação.
37. Durante o período em que usou o colar cervical, devido à impossibilidade de virar o pescoço e às dores resultantes das lesões sofridas, o demandante civil não conseguiu dormir. Apesar de tomar os medicamentos prescritos para o alívio da dor, o demandante civil ainda não conseguiu dormir, o que lhe causou grande sofrimento mental.
38. Actualmente, o demandante civil ainda tem dor ligeira intermitente no pescoço e limitação dos movimentos, pelo que, ainda necessita de ser seguido nas consultas externas de ortopedia e tomar creme para o alívio da dor.
39. Durante a recuperação, as lesões sofridas pelo demandante civil causaram-lhe dores e ansiedade, afectando os seus hábitos da vida e a sua emoção.
40. Além disso, antes do incidente, o demandante civil trabalhava como agente policial da linha da frente, tendo de conduzir veículos e motociclos durante o trabalho.
41. Apesar de voltar a trabalhar em 22 de Novembro de 2017, o demandante civil tem dor no pescoço e tontura frequentemente, não podendo virar normalmente o pescoço nem suportar o peso, o que lhe causa desconforto aquando do uso de capacete e precisa de encostar à parede para descansar-se depois de conduzir veículo ligeiro ou motociclo ou trabalhar sentado por uma hora, causando muitos incômodos no seu trabalho.
42. O demandante civil nasceu em 30 de Julho de 1989 (cfr. Doc. 2), e à data do acidente (16 de Junho de 2017) tinha apenas 27 anos de idade, tendo boa saúde sem qualquer limitação da capacidade de movimentos.
43. Conforme a perícia médica, s subluxação resultante da instabilidade rotatória C1/2 causou-lhe como sequelas dor quando movimenta o pescoço, rigidez no pescoço e limitação dos movimentos do pescoço. Conforme o artigo 13.º alínea C1 (0.10 – 0.30) da tabela de incapacidade anexa ao Decreto-Lei n.º 40/95/M, a sua I.P.P. foi avaliada em 20%, apresentando dor quando movimenta o pescoço, rigidez no pescoço e limitação dos movimentos do pescoço (cfr. fls. 268 a 268 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)
44. Antes do acidente, o demandante civil trabalhava no Departamento de Trânsito do CPSP de Macau como agente policial de trânsito da linha da frente, auferindo mensalmente MOP$35.015,00, gozando 14 meses de salário por ano (o 13.º mês e o 14.º mês de salário são atribuídos respectivamente em Janeiro e Novembro de cada ano) (cfr. Doc. 3). O demandante civil deveria ser capaz de trabalhar até à idade de reforma de 65 anos (isto é, 30 de Julho de 2054).
45. Durante os tratamentos médicos, o demandante civil esperava que voltasse ao seu posto de trabalho de agente policial da linha frente após recuperação das lesões físicas.
46. Actualmente, o demandante civil só pode desempenhar as funções como administrativo de retaguarda no Departamento de Trânsito do CPSP de Macau, auferindo mensalmente MOP$37.925,00, gozando 14 meses de salário por ano (o 13.º mês e o 14.º mês de salário são atribuídos respectivamente em Janeiro e Novembro de cada ano) (cfr. Doc. 4).
Para além disso, os factos constantes da contestação civil apresentada pela demandada civil (companhia de seguro) também são considerados provados:
- A Demandada Seguradora aceite e reconhece que a responsabilidade civil pelos danos provocados pelo veículo MP-XX-XX se encontrava para si transferida nos precisos termos da apólice n.º CIM/MTV/2016/024715/EO/R1, e se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais”; (cfr., fls. 334 a 338-v e 468-v a 472, assim como 20 a 30 do Apenso).
Do direito
3. Como se vê do que se deixou relatado, insurge-se o (1°) ofendido, demandante, e ora recorrente, (B), insistindo no seu pedido de indemnização em montante não inferior a MOP$3.778.618,00 a título de “perda salarial (por incapacidade parcial permanente)” e em quantum não inferior a MOP$1.200.000,00 pelos seus “danos não patrimoniais”.
Percorrendo as suas “conclusões” de recurso – que como se sabe identificam as “questões” a decidir – verifica-se que o mesmo recorrente considera que o Acórdão recorrido padece de “erro notório na apreciação da prova” e de “erro na aplicação do direito”.
Importa assim – como é lógico – começar pelo assacado “erro”.
–– Do “erro notório”.
É firme e pacífico que o “erro notório na apreciação da prova” apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
O mesmo “erro” também existe quando se violam as “regras sobre o valor da prova vinculada”, as “regras de experiência” ou as “legis artis”, devendo ser um “erro ostensivo” e de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
De facto, não se pode olvidar que é na audiência de julgamento que se produzem e avaliam (todas) as provas, (cfr. art. 336° do C.P.P.M.), sendo da análise (global) do seu conjunto e no uso dos seus poderes de “livre apreciação da prova” conjugados com as regras da experiência, (cfr. art. 114° do mesmo código), que os julgadores adquirem a “convicção” sobre os factos objecto do processo.
Assim, visto estando que o “erro notório na apreciação da prova” nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que o Tribunal devia ter dado relevância a determinado meio de prova – sem “especial valor probatório” – para formar a sua convicção (e assim dar como assente determinados factos), visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da “livre apreciação da prova” e de “livre convicção” do Tribunal.
Com efeito, “erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade.
Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa leitura “possível”, (aceitável ou razoável), da prova produzida, adequado se apresentando assim de considerar que sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção – razoavelmente – possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
Na verdade, não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de “erro notório na apreciação da prova”.
De facto, o “princípio da livre apreciação da prova” significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam (ou hierarquizam) o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” e “lógica” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo consagra-se um modo não (estritamente) vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante, pautado pela “razão”, pela “lógica” e pelos ensinamentos que se colhem da “experiência comum”, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da “legalidade da prova” e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção, e, de acordo com ela, determina os factos que considera “provados” e “não provados”.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado elemento ou conjunto de provas, em detrimento de outro ou outras, às quais não reconheça (nomeadamente) credibilidade.
O “acto de julgar”, é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Esta operação intelectual não é uma mera “opção voluntarista” sobre a certeza de um facto e contra a dúvida, (nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade), mas a conformação intelectual do conhecimento do facto – dado objectivo – com a certeza da verdade alcançada, (dados não objectiváveis).
Para a dita operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao “princípio in dubio pro reo”).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção.
O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos “traços do depoimento”, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza, ou sua falta, (que se revelam v.g., por gestos, comoções e emoções, voz etc…).
Por sua vez, importa ainda ter em conta que quando a atribuição de credibilidade, (ou falta de credibilidade), a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na “imediação” e na “oralidade”, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica sendo inadmissível face às regras da experiência comum, pois que, a censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, estar-se-ia a substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão…; (cfr., v.g., entre outros, o Ac. deste T.U.I. de 11.03.2022, Proc. n.° 12/2022).
In casu, tendo presente o teor da decisão do Tribunal Judicial de Base, em especial, a fundamentação exposta em sede da exposição dos motivos de convicção no que toca à “decisão da matéria de facto”, (cfr., fls. 338-v a 339-v), e ponderando, igualmente, no que pelo recorrente vem alegado, evidente se nos apresenta que incorre o mesmo em manifesto equívoco pois que o seu “inconformismo” em relação ao decidido em nada tem a ver com o “vício” em questão, nem tão pouco dizendo respeito à “decisão da matéria de facto” (propriamente dita), mas, em bom rigor, (tão só e apenas), ao seu “enquadramento jurídico” e à sua “valoração” para efeitos de fixação dos valores das indemnizações arbitradas, necessárias não se apresentado assim mais considerações sobre esta parte do recurso.
–– Do “erro de direito”.
Confirmada a “decisão da matéria de facto” por verificado não estar o apontado “erro”, (ou qualquer outro vício de conhecimento oficioso), passemos para o invocado “erro de direito”, (outro dos motivos do inconformismo do ora recorrente).
Aqui, e como se deixou explicitado, dois são os “aspectos” a apreciar e decidir, e que tem exactamente a ver com o acerto do quantum arbitrado a título de “indemnização por danos não patrimoniais” e por “perdas salariais”.
Comecemos por estas últimas, (ou seja pelas referidas “perdas salariais”).
Em sede da secção respeitante à “Responsabilidade Civil”, e mais concretamente, relativamente à “Responsabilidade por Factos Ilícitos”, estatui-se no art. 477° do C.C.M. o seguinte princípio geral:
“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
E como já se decidiu no Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 25.04.2007, Proc. n.° 20/2007, “A perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente parcial ou total é indemnizável, ainda que o lesado mantenha o mesmo salário que auferia antes da lesão”, consignando-se aí igualmente que “No cômputo da indemnização por perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente parcial, o tribunal deve atender ao disposto no n.º 5 do art. 560.º do Código Civil, bem como recorrer à equidade, nos termos do n.º 6 do art. 560.º do mesmo Código”; (sobre a matéria pode-se ainda ver, v.g., os Acs. de 31.10.2018, Proc. n.° 76/2018 e de 30.04.2019, Proc. n.° 31/2019).
Mostrando-se de manter inteiramente o assim considerado que temos como bom, adequado se apresenta porém de aqui tecer umas notas sobre a matéria.
Pois bem, o “dano” é a perda – in natura – que se sofre, em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais (que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar).
Pode revestir “a destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, “material” ou “incorpórea”, (dano real), ou ser mero “reflexo (do dano real) sobre a situação patrimonial do lesado” (dano patrimonial); (cfr., v.g., A. Varela in, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pág. 598).
Dentro do “dano patrimonial” cabem e são indemnizáveis o dano “emergente” – o prejuízo causado nos bens ou nos direitos “existentes” na titularidade do lesado – e os “lucros cessantes” – que correspondem aos benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito e a que “ainda não tinha direito na data da lesão”.
Nos termos do n.° 2 do art. 558° do C.C.M. estatui-se também que na fixação da indemnização pode o tribunal atender ainda aos “danos futuros”, desde que previsíveis.
E dispõe igualmente o art. 556° do mesmo C.C.M. – onde se consagra o “princípio da restauração natural” – que a indemnização deve reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Não sendo possível essa “reconstituição natural” – como não o é em casos como o dos autos, em que não se pode devolver ao lesado ora recorrente a “capacidade” e “integridade física” que tinha antes do acidente – a indemnização deve ser fixada em dinheiro, (cfr., art. 560°, n.° 1), e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos; (cfr., art. 560°, n.° 5).
Ora, o “dano corporal”, lesivo da saúde, (ou “dano biológico”), está na origem de outros danos, (“danos – consequência”), designadamente, aqueles que se traduzem na perda, total ou parcial, da capacidade de trabalho, e (na correspondente) “perda salarial”.
Com efeito, o denominado “dano biológico”, na sua vertente patrimonial, abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua actividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras actividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos e limitações ou de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.
Como se decidiu no Acórdão do S.T.J. de Portugal de 19.02.2015, Proc. n.° 99/12, (aqui citado como mera referência), “O dano biológico consubstancia uma violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa, com tradução médico-legal, sendo que, estando em causa a incapacidade para o trabalho, o mesmo existe haja ou não perda efectiva de proventos laborais”, afirmando-se aí também que: “(…) havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dela resultará uma afetação da dimensão anatomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo.
E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização”.
Seja como for, o certo é que o dano por “perda de capacidade” ou “incapacidade”, (e que como se viu, tem a natureza de “dano patrimonial”), é distinto e autónomo do “dano não patrimonial”, (nos presentes autos também reclamado), que se reconduz à dor, desgosto e sofrimento de uma pessoa que se sente, e, possivelmente, para toda a vida, fisicamente diminuída; (sobre esta “distinção” e “autonomia”, vd., também v.g., os Acs. do S.T.J. de 03.03.2016, Proc. n.° 4931/11, de 07.04.2016, Proc. n.° 237/13 e de 24.03.2021, Proc. n.° 268/17; e, Sinde Monteiro in, “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, pág. 248).
Tratando de questão relacionada com a aqui em causa também já considerou este Tribunal de Última Instância que “Na fixação da quantia indemnizatória por perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente, o tribunal deve atender ao disposto no n.º 5 do art.º 560.º do Código Civil, bem como recorrer à equidade, nos termos do n.º 6 do art.º 560.º do mesmo Código.
Deve-se ainda atender a outros factos provados pertinentes, como a idade da vítima, o seu estado físico antes da lesão, o seu salário actual e o seu emprego, as suas habilitações académicas, as suas perspectivas profissionais, etc.”; (cfr., v.g., os Acs. atrás citados, podendo-se também ver o de 11.07.2018, Proc. n.° 39/2018).
Dito isto, e sendo-se de se ter como adequado e correcto o entendimento que se deixou explanado sobre o dano relativo à “perda de capacidade de ganho”, importa agora ter presente que se tem igualmente entendido que, quando o “cálculo da indemnização” haja assentado – decisivamente – em “juízos de equidade”, (cfr., art. 3° do C.C.M.), não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos “limites” e “pressupostos” dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade, tendo em conta o “caso concreto”.
Na verdade, a equidade é a “expressão da justiça no caso concreto”, assentando nas particularidades da situação actual do caso em concreto, pelo que deve, em princípio, esse juízo ser mantido, a menos que, atendendo a uma interpretação actualista, fiquem nomeadamente em causa a “segurança jurídica” e o “princípio da igualdade”.
Com efeito, constitui entendimento que se nos mostra de aderir que a aplicação de puros juízos de equidade não se traduz, em bom rigor, na resolução de uma “questão de direito”, e que em sede de pronúncia sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, esta não deve incidir na determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas, tão somente, ou principalmente, na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto; (cfr., v.g., os Acs. do S.T.J. de 05.11.2009, Proc. n.° 381, de 10.10.2013, Proc. n.° 643, de 20.11.2014, Proc. n.° 5572, de 06.04.2021, Proc. n.° 2908/18 e de 03.02.2022, Proc. n.° 24267/15, in “www.dgsi.pt”).
Isto dito, vejamos qual a situação dos presentes autos.
Ora, o Tribunal Judicial de Base fixou a indemnização de MOP$500.000,00 pelos danos agora em questão, montante este que foi objecto de confirmação pelo Tribunal de Segunda Instância com o Acórdão agora recorrido.
Para tal decisão, assim ponderou (essencialmente) o Tribunal de Segunda Instância:
“(…)
O lesado tem direito à indemnização pela perda da capacidade de ganho, devendo a mesma ser enquadrada na indemnização por danos patrimoniais.
Porém, o corpo humano não pode simplesmente ser avaliado em dinheiro, pelo que, a indemnização deve ser arbitrada equitativamente conforme as situações concretas do caso.
No caso em apreço, o recorrente nasceu em 30 de Julho de 1989 e tinha 27 anos de idade em 16 de Junho de 2017 (data da ocorrência do acidente de viação). O recorrente auferia mensalmente cerca de $35.015,00 à data do acidente e sofre de deficiência de 20% após o acidente. O recorrente também passou a desempenhar as funções como administrativo.
Ao fixar a perda da capacidade de ganho futuro, tendo em conta que a taxa de deficiência sofrida pelo recorrente em consequência do acidente em causa foi avaliada em 20%, e em conjugação com o rendimento que o recorrente auferia antes do acidente e a idade dele, este Tribunal entende que o valor da indemnização por incapacidade permanente parcial a pagar pela companhia seguradora ao recorrente equitativamente arbitrado pelo Tribunal a quo no montante de MOP$500.000,00 é adequado, sem necessidade de alteração.
(…)”; (cfr., fls. 475-v e 42 a 43 do Apenso).
Que dizer?
Desde já que, em sede de indemnização pela afectação da capacidade geral ou funcional, e para além do recurso à equidade, deve-se ponderar especialmente nos seguintes factores:
(i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente);
(ii) o seu grau de incapacidade geral permanente;
(iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; e,
(iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências); (neste sentido, cfr., também o Ac. do S.T.J. de 11.04.2019, Proc. n.° 465/11 e de 24.02.2022, Proc. n.° 1082/19).
Ora, como se viu, (e da matéria de facto provada assim resulta), para a decisão a proferir, e como que em aditamento ao já considerado pelo Tribunal de Segunda Instância, importa (especialmente) ponderar (também) que o demandante, (ofendido), é “guarda do C.P.S.P.”, (trabalhando no “Departamento de Trânsito”, sendo que o acidente ocorreu por “motivos de serviço”), e que, se na altura do acidente, (em 16.06.2017), com 27 anos de idade, auferia MOP$35.015,00, em Dezembro de 2018 passou a auferir MOP$37.925,00, (cfr., factos provados n°s 44 e 45 e documentos de fls. 282 a 284 pelo próprio recorrente juntos), certo sendo ainda que continua a trabalhar na dita Corporação, (embora, desempenhando agora “funções administrativas”), e que, encontrando-se integrado num “Serviço” da “Administração Pública da R.A.E.M.” em “nomeação definitiva”, goza, certamente, de (uma sólida) “estabilidade profissional”, assim como de outros direitos, nomeadamente, de progressão na carreira com os respectivos aumentos salariais (e de possível aposentação ou previdência).
E, nesta conformidade, sem prejuízo de se reconhecer que a incapacidade parcial permanente que sofre constituiu, certamente, um “dano indemnizável” e merecedor de “justa compensação”, cremos que, em face das referidas circunstâncias e critérios a adoptar, viável não se apresenta o montante peticionado, (não inferior a MOP$3.778.618,00), que se considera “manifestamente excessivo”, mostrando-se, porém, mais adequado o de MOP$650.000,00, nesta parte concedendo-se assim parcial provimento ao recurso.
–– Passemos para o montante arbitrado em sede de indemnização pelos “danos não patrimoniais” do ora recorrente.
Desde já, e antes de mais, adequado parece de considerar que a “indemnização por danos não patrimoniais” tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer, visando pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, sendo também de considerar que nestas matérias, inadequados são “montantes (meramente) simbólicos ou miserabilistas”, (vd., M. Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, III, pág. 755, onde se afirma que “há que perder a timidez quanto às cifras…”), não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.
Na verdade, a reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem “contabilizados em dinheiro”, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.
Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se, na sua fixação, todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida.
Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais”, confiando ao Tribunal a tarefa de os apreciar no quadro das várias situações concretas e atento o estatuído nos seus art°s 489° e 487°, sendo de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras…
Nos temos do n.° 3 do art. 489° do dito C.C.M.: “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; (…)”.
Outrossim, prescreve o art. 487° deste mesmo Código que: “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Aqui chegados, e (cremos nós), clarificada a natureza, sentido e alcance dos “danos não patrimoniais” assim como das razões para a sua “indemnização”, importa ter ainda em conta que se mostra de considerar que quando o cálculo da indemnização assente em “juízos de equidade”, não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o caso concreto.
Não se pode pois olvidar que (na ausência de uma definição legal) o “julgamento pela equidade” é sempre o produto de uma “decisão humana”, que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, distinguindo-se, do puro “julgamento jurídico”, por apresentar menos preocupações sistemáticas e maior empirismo e intuição; (cfr., v.g., M. Cordeiro in, “O Direito”, pág. 272).
Por sua vez, importa ponderar que na fixação da compensação por danos não patrimoniais, há que ter presentes os valores habitualmente atribuídos pela jurisprudência e em especial os atribuídos a situações de gravidade próxima nas decisões mais recentes e paradigmáticas, de forma a harmonizar os valores a arbitrar com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, vêm sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis; (sobre idêntica questão, cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 01.07.2020, Proc. n.° 9/2020, de 31.07.2020, Proc. n.° 45/2020 e de 18.12.2020, Proc. n.° 187/2020).
In casu, o Tribunal Judicial de Base fixou a indemnização pelos danos ora em questão em MOP$350.000,00, e no seu Acórdão agora recorrido entendeu-se que a indemnização se devia situar nas MOP$600.000,00, insistindo o recorrente no seu pedido no sentido de se lhe arbitrar o montante de MOP$1.200.000,00.
Pois bem, em face de todo o exposto, ponderando que o acidente foi causado por “culpa exclusiva” do arguido, (que embateu com o veículo que conduzia – um autocarro de passageiros – na traseira do veículo imobilizado do ora recorrente), tendo presente as “lesões” que este sofreu como consequência do acidente, (que lhe demandaram 29 dias de internamento hospitalar, tendo permanecido posteriormente ausente do serviço por doença para convalescença por 130 dias), nas dores, angústias, e inconvenientes que sofreu no tratamento das lesões sofridas, e não se perdendo de vista que padece da atrás referida “incapacidade parcial permanente de 20%”, e nos desgostos que em virtude desta “situação” tem, e terá, no futuro, (pelas “limitações” que esta lhe causa), afigura-se-nos que mais adequado é o quantum de MOP$750.000,00.
Nesta conformidade, e apreciadas estando todas as questões colocadas, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam conceder parcial provimento ao recurso, alterando-se o montante da indemnização a título de “incapacidade parcial permanente” do recorrente para MOP$650.000,00, e a fixada pelos seus “danos não patrimoniais” para MOP$750.000,00.
Custas pelo recorrente e recorrida (seguradora) na proporção dos seus decaimentos.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 27 de Julho de 2022
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
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