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Processo n.º 287/2022
(Autos de recurso cível)

Data: 15/Setembro/2022

Recorrente:
- A (2ª ré) e B (3ª ré)

Recorrido
- C, S.A. (autor)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformadas com a sentença que julgou parcialmente procedente a acção intentada pelo autor C S.A., recorreram as rés A e B, todos melhor identificados nos autos, jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
     “A. Na sentença recorrida foi feita uma apreciação errada da matéria de facto, em função da prova produzida, bem como uma incorrecta indagação, interpretação e aplicação das regras de direito ao caso concreto.
     B. Os factos perguntados nos quesitos 58º e 62º da base instrutória foram infirmados ou tornados duvidosos pela prova/contraprova documental (fls. 377 a 378, 494 a 523v, 428 e 697 a 711) e testemunhal produzida, designadamente as passagens dos depoimentos da A, da D e da E reproduzidos no corpo destas alegações máxime as passagens as que se referem os seguintes minutos da gravação da audiência de julgamento:
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     C. A resposta dada aos quesitos 58º e 62º da Base Instrutória violam, portanto, as regras de direito probatório material previstas nos art.ºs 342º, 339º, 335º, n.º 1, todos do Código Civil e nos art.ºs 437º e 558º, n.º 2 do CPC, impondo-se a sua alteração e, em consequência, a revogação da sentença recorrida ou a sua anulação por se mostrar indispensável a ampliação da matéria de facto nos termos do disposto no art.º 629º, n.º 4 do CPC, para fundamentar a decisão de direito.
     D. Os factos perguntados nos quesitos 57º e 61º e 63º e 64º da base instrutória foram infirmados ou tornados duvidosos pela prova/contraprova documental (fls. 377 a 378, 494 a 523v, 428 e 697 a 711) e testemunhal produzida, designadamente as passagens dos depoimentos da D e da E reproduzidos no corpo destas alegações.
     E. A decisão sobre a matéria de facto perguntada nos quesitos 57º e 61º e 63º e 64º mostra-se assim incorrecta porque pressupõe a alegação e prova dos factos concretos demonstrativos que o Réu tinha, em 27.10.216, a “plena consciência” do prejuízo resultante dos factos demonstrativos da insuficiência do valor do património líquido de todos os co-devedores responsáveis pelo cumprimento das obrigações da XXX identificados na resposta ao quesito 52º da base instrutória, o que não foi feito.
     F. Acresce que tal consciência tinha que ter sido aferida no momento da celebração do negócio especificada na alínea H) dos Factos Assentes e à sua ulterior presunção obsta:
     - tanto a contraprova resultante da acta de fls. 377 a 378, donde se retira que a venda da fracção G38 à filha comum do casal foi uma das condições que viabilizou o acordo relativo à casa de morada de família;
     - como a convicção do 1º Réu de que conseguiria cobrar os créditos referidos na resposta ao quesito 67º da base instrutória, máxime o crédito de MOP$18.009.832,81 (acrescido dos juros legais) referido a fls. 496v da sentença de fls. 494 a 523v e o crédito de MOP56.800.000,00 referido na carta de fls. 694 a 695, à qual se refere o email do Autor de fls. 428.
     G. As respostas dadas aos quesitos 57º e 61º e 63º e 64º da Base Instrutória violam, portanto, as regras de direito probatório material previstas nos art.ºs 342º, 339º 335º, n.º 1 todos do Código Civil e nos art.ºs 437º e 558º, n.º 2 do CPC.
     H. Tal impõe a alteração da resposta a estes quesitos para “Não Provado” com a consequente a revogação da sentença recorrida ou a sua anulação por se mostra indispensável a ampliação da matéria de facto nos termos do disposto no art.º 629º, n.º 4 do CPC, para fundamentar a decisão de direito.
     I. Os factos perguntados nos quesitos 68º e 69º da base instrutória foram objecto de prova “prima facie” ou de primeira aparência (fls. 81-83v e 91-93v, 496v, 694 a 695 e 428), à qual não foi oposta contraprova pelo Autor a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos.
     J. A resposta a estes quesitos só poderia, pois, ter sido negativa se o Autor tivesse alegado e provado que que a XXX não cumprira os seus deveres contratuais para com as empresas identificadas na resposta ao quesito 67º da BI – o que não sucedeu.
     K. Tal opção do Autor não podia ter sido suprida pelo Tribunal recorrido.
     L. As respostas dadas aos quesitos 68º e 69º da Base Instrutória violam, portanto, as regras de direito probatório material previstas nos art.ºs 342º, 339º, 335º, n.º 1 todos do Código Civil e nos art.ºs 437º e 558º, n.º 2 do CPC.
     M. Tal impõe a sua alteração destas respostas para “Provado”, com a consequente a revogação da sentença recorrida ou a sua anulação por se mostrar indispensável a ampliação da matéria de facto nos termos do disposto no art.º 629º, n.º 4 do CPC, para fundamentar a decisão de direito.
     N. Os factos perguntados no quesito 70º da base instrutória foram objecto de prova “prima facie” ou de primeira aparência (fls. 696 a fls. 711), à qual não foi oposta contraprova pelo Autor a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos.
     O. Tal opção do Autor não podia ter sido suprida pelo Tribunal recorrido, o que impõe a alteração da resposta a este quesito para “Provado” por força do disposto no art.º 339º, a contrario, do CC, com a consequente a revogação da sentença recorrida ou a sua anulação por se mostrar indispensável a ampliação da matéria de facto nos termos do disposto no art.º 629, n.º 4 do CPC, para fundamentar a decisão de direito.
     P. Os factos perguntados no quesito 71º da base instrutória foram objecto de prova “prima facie” ou de primeira aparência (fls. 696 a fls. 711), à qual não foi oposta contraprova pelo Autor a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos.
     Q. A resposta ao quesito 71º da Base Instrutória só poderá, pois, ter sido negativa se o Autor tivesse alegado e provado os factos demonstrativos:
     - da sua adesão ao resultado lesivo, o que sempre seria impossível no caso sub judice por força do disposto no art.º 1733º, n.º 1, ex vi do art.º 112º, ambos do Código Civil;
     - da situação de insuficiência da garantia patrimonial aferida pelo conjunto dos patrimónios da XXX e de todos os fiadores, no momento da celebração do negócio especificado na alínea H) dos Factos Assentes, de modo que se pudesse concluir pela verificação da consciência do prejuízo, o que não sucedeu.
     R. A resposta ao quesito 71º da base instrutória sem que se tivessem provado os factos supra-referidos violou as regras de direito probatório previstas nos art.ºs 335º, n.º 1 do Cód. Civil e do art.º 437º do CPC e, por conseguinte, o disposto nos art.ºs 607º, n.º 2 do Cód. Civil,
     S. o que impõe a sua alteração para “Provado” com a consequente a revogação da sentença recorrida ou a sua anulação por se mostrar indispensável a ampliação da matéria de facto nos termos do disposto no art.º 629º, n.º 4 do CPC, para fundamentar a decisão de direito.
     T. Quanto ao quesito 73º, o Tribunal recorrido respondeu, na parte ora impugnada, que a 2ª Ré revelou estar ciente dos negócios da XXX nas reuniões de renegociação da dívida realizadas nos dias 6 de Setembro de 2016, 23 de Março de 2017 e 19 Junho de 2017.
     U. Não podia, no entanto, ter incluído na sua resposta o juízo conclusivo de que a 2ª Ré revelou estar ciente dos negócios da XXX.
     V. Isto por não ter ficado provado nenhum facto simples e concreto disso demonstrativo e a 2º Ré ter feito a contraprova que lhe competia no depoimento de parte e através das declarações das testemunhas que arrolou para o efeito.
     W. A resposta ao quesito 73º da base instrutória nos termos em que foi dada e sem que se tivessem provado quantos e quais os negócios da XXX que a 2ª Ré teria revelado estar ciente, violou as regras de direito probatório previstas nos art.ºs 335º, n.º 1 do Cód. Civil e do art.º 437º do CPC,
     X. o que impõe a eliminação do seu último período: «nas quais revelou estar ciente dos negócios da XXX.» ou a anulação da sentença por se mostrar indispensável a ampliação da matéria de facto nos termos do disposto no art.º 629º, n.º 4 do CPC, para fundamentar a decisão de direito.
     Y. Por outro lado, o Tribunal recorrido partiu de uma premissa errónea quanto aos devedores do crédito do A., quando este é credor não só da XXX e do 1º R. (na qualidade de garante) como dos demais garantes.
     Z. Tribunal recorrido avaliou – mal – a inexistência de bens penhoráveis de igual ao maior que o crédito do A. alicerçada no regime da solidariedade das obrigações entre a devedora principal e os garantes.
     AA. O STJ já refutou o argumento da analogia entre o regime da solidariedade entre devedores, como sucede entre devedor principal e avalistas, e o regime da subsidiariedade entre devedores, como sucede no caso da fiança.
     BB. Vem provado, nos pontos 17, 23 e 30, respostas aos quesitos 11º, 17º e 24º, respectivamente, que F e G se constituíram fiadores e principais pagadores perante o Autor.
     CC. A fiança, como decorre do art.º 630º do CC, tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.
     DD. A assunção pessoal e solidária das obrigações e responsabilidades que pelos fiadores tem como consequência a solidariedade entre os garantes, mas não entre estes a devedora principal (a XXX), pois da fiança com benefício à excussão prévia resulta a responsabilidade pessoal dos fiadores pelas obrigações daquela.
     EE. A impossibilidade da satisfação do crédito do A., ou o seu agravamento, deveria ter sido aferido, em conjunto, pelos patrimónios da devedora principal bem como dos fiadores, designadamente os referidos F e G.
     FF. Não se encontrando preenchido o segundo requisito da impugnação paulina, a sentença viola o disposto no art.º 605º, alínea b) do Código Civil.
     GG. A solução adoptada no actual Código Civil português (que em é em tudo igual ao Código Civil de Macau) não permite considerar que os casos de negligência inconsciente se integrem no conceito de má-fé adoptado.
     HH. Se a solução legal não exige ao devedor um dever acessório de indagação e certificação da sua situação patrimonial antes da alienação do bem, muito menos a exigência há-de ser reclamada do terceiro adquirente.
     II. Porque a caracterização da consciência do prejuízo pressupõe uma adesão ao resultado, por definição um menor não tem consciência do prejuízo e não pode presumir-se o seu estado o subjectivo, pois a sua condição jurídica não o permite.
     JJ. O suprimento da incapacidade dos menores pelos titulares do poder paternal ou pelos tutores configura uma representação legal especial, distinta da representação voluntária ou da representação orgânica, pois não decorrem de um mero acto de vontade do representado, mas sim do poder-dever de representação dos menores, previsto no art.º 1733º, n.º 1 do Código Civil, visando o seu superior interesse.
     KK. A consciência do prejuízo da 3ª Ré não podia ser aferida pela consciência do prejuízo dos seus pais.
     LL. Não vindo demonstrada má fé da 3ª Ré, não se verifica outro dos requisitos da impugnação pauliana, pelo que a sentença recorrida também violou o disposto no art.º 607º, n.º 1, primeira parte, do Código Civil.
     MM. Da resposta negativa aos quesitos 68º e 69º da BI o Tribunal recorrido não podia extrair que a XXX não cumpriu os seus deveres contratuais para com os seus credores, o que só era possível de acontecer se tal houvesse sido dado como provado (pela positiva) – o que não sucede.
     NN. As Recorrentes não tiveram qualquer intervenção nos pedidos de crédito feitos pela XXX ao banco Autor e na discussão das condições de concessão desses créditos.
     OO. O A. concedeu durante vários anos, créditos de elevados montantes, sem garantias reais – respostas aos quesitos 7º, 11º, 13º e 17º da BI.
     PP. A actuação descuidada do Autor, anos antes da alteração da situação financeira da XXX, fez com que emprestasse dinheiro à XXX sem as garantias patrimoniais adequadas, designadamente garantias reais, conformando-se com meras garantias pessoais.
     QQ. Da conjugação da matéria provada com as regras da experiência, o direito exercido pelo A. por via da presente acção é ilegítimo, porque excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico desse direito, nos termos do art.º 326º do CC – disposição violada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.
     Termos em que, por errado julgamento da prova produzida, errada subsunção dos factos ao Direito e violação dos dipositivos legais identificados nas conclusões, a sentença deverá ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a acção, com as legais consequências, assim se fazendo V. Exas. a habitual JUSTIÇA.”

Ao recurso respondeu o autor nos seguintes termos conclusivos:
     “A. As Recorrentes não indicaram, de forma apropriada, os concretos meios de prova gravada existentes no processo que pudessem demonstrar ou permitir a valoração, pelo Tribunal ad quem, de qualquer erro na apreciação dos factos que o Tribunal a quo deu por provados ou não provados.
     B. As Recorrentes identificam erradamente os sujeitos processuais aquando da sua intervenção, fazendo uma confusão sistemática se é o Ilustre Magistrado do Tribunal a quo, se é um dos mandatários ou se é uma testemunha a intervir; (ii) omitem texto relevante; (iii) transcrevem texto que não foi dito; e além disso, (iv) o tempo a que se referem certas transcrições não é o correcto, e por conseguinte, não cumprem o ónus que lhes incumbe de identificar correctamente as passagem da gravação em que se baseiam.
     C. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 599º do Código de Processo Civil, quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida, e nos termos do n.º 2 do mesmo normativo legal, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda, sob pena de rejeição do recurso.
     D. As Recorrentes incumpriram o ónus constante da aludida norma legal, razão pela qual o presente recurso da decisão de facto, qualificado como tal pelas Recorrentes deve ser rejeitado pelo Tribunal ad quem, o que se requer.
     E. Do depoimento das testemunhas arroladas pelas RR. A e H, para serem ouvidas por carta rogatória na China Continental, não resultou qualquer matéria probatória para os factos em discussão nestes autos.
     F. O Tribunal a quo, não atribuiu relevância probatória ao depoimento das testemunhas arroladas pelas RR. I e J, desde logo porque, (i) o seu depoimento não pode ser visto isoladamente, de per si, mas sim tendo em consideração o circunstancialismo factual que envolveu a escritura de compra e venda da fracção “G38” à filha menor dos 1º e 2º RR., circunstancialismo esse cuja prova foi produzida, e (ii) por as mesmas terem referido diversas vezes, que aquilo que estavam a relatar era o que resultava dos comentários dos colegas (“testemunhos de ouvi dizer”).
     G. As Recorrentes laboram em erro, quando misturam, aleatoriamente, os requisitos exigidos por lei para a procedência do pedido de simulação absoluta, com os necessários para a procedência da impugnação pauliana (pedido subsidiário do Recorrido), cuja ratio legis e regulamentação jurídica são sobejamente distintas, e por conseguinte, a base instrutória foi elaborada de forma a contemplar as hipóteses equacionadas e peticionadas pelo Recorrido.
     H. Não são requisitos para a procedência da impugnação pauliana: (i) a existência de conluio; (ii) a intenção de enganar; (iii) a falta de vontade para a celebração de um qualquer negócio, referidos nos quesitos 58º e 62º da BI.
     I. Não seria de esperar que a resposta “NÃO PROVADO” dada ao quesito 59º da BI onde se perguntava “(…) pela “venda” realizada o 1º Réu não recebeu qualquer preço?” tivesse impacto negativo na procedência da impugnação pauliana.
     J. Não assiste razão às Recorrentes quanto afirmam que, para que se pudesse dar como provado resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade – um dos requisitos gerais da impugnação pauliana exigidos na al. b) do artigo 605º do CC: era preciso que a resposta ao quesito 59º tivesse sido PROVADO, ou seja, teria de ter ficado provado que o 1º R. não recebeu qualquer preço, e que o obrigado soubesse que não possuía outro património de valor suficiente à satisfação do seu crédito.
     K. Não assiste razão às Recorrentes, desde logo, (i) porque o Recorrido tratou o acto que se pretende impugnar por oneroso (pelo menos em aparência, uma vez que houve preço declarado na escritura de compra e venda), nos termos e para os efeitos do estatuído na 1ª parte, do n.º 1 do artigo 607º do CC, tendo alegado e provado o requisito da má fé, ou seja, que o devedor (1º R.) e o terceiro (3ª R.), representada pelos pais, 1º e 2ª RR., agiram de má fé, e (ii) é evidente que o 1º Réu teria (ou não poderia deixar de ter) conhecimento, à data do acto impugnado, quais os bens pertencentes ao seu património.
     L. A questão que se discutiu no Tribunal a quo é se esse mesmo património estava ou não onerado e, bem assim, se é era de valor suficiente à satisfação do crédito do Autor.
     M. O 1º R. (devedor) não interveio nos autos e a 3ª R. (terceiro), representada nos autos pela progenitora (2ª R.), interessada na manutenção do acto, não cumpriram com o ónus da prova que lhes competia, pois não lograram fazer prova que o obrigado possuía bens penhoráveis de igual ou maior valor, conforme dispõe a 2ª parte do artigo 606º do CC (vide quesitos 68º, 69º e 70º da BI – NÃO PROVADOS).
     N. O alegado direito de crédito da sociedade XXX sobre as sociedades consorciadas K decorrente da execução da obra denominada “澳門輕軌-C350 氹仔巿中心段建造工程之鋼筋混凝土結構工程” era e ainda é meramente hipotético, mormente por se tratarem de créditos litigiosos desde 2015.
     O. A valoração dos factos pelo Tribunal a quo constante do Acórdão que decidiu a matéria de facto, não se fundou em mera “ilação dos factos indiciários”, tendentes a operar a presunção do artigo 342º Código Civil, conforme astuciosamente as Recorrentes pretendem fazer crer este Tribunal, porquanto baseou-se em factos provados e não provados, valorando a quem incumbe o respectivo ónus da prova.
     P. Não assiste razão às Recorrentes quanto ao teor das Conclusões I, J, L, M das Alegações, na parte em que afirmam que a resposta aos quesitos 68º (A XXX, no final de 2016, era titular de créditos sobre terceiros de valor superior a MOP100.000.000,00?) e 69º (A XXX possui créditos superiores à dívida que tem para com o autor?) só poderia “ter sido negativa se o Autor tivesse alegado e provado que a XXX não cumprira os seus deveres contratuais para com as empresas identificadas na resposta ao quesito 67º da B.I. – o que não sucedeu”, nem tão pouco tinha de suceder, desde logo porque é matéria alegada por estas (vide artigos 57º, 58º e 89º da contestação), cuja prova lhes compete em exclusivo, nos termos da regra geral atinente ao ónus da prova e ainda da especial prevista para a impugnação pauliana, n.º 1 do artigo 335º e 2ª parte do artigo 606º, ambos do CC.
     Q. A convicção do Tribunal a quo para aferir da má fé, não se baseou em juízos de mera previsibilidade do prejuízo, mas sim em factos dados por PROVADOS dos quais, resulta a plena consciência dos 1º, 2ª e 3ª RR. (esta última por intermédio dos seus pais) do prejuízo que a venda causava ao Recorrido, pelo que a Sentença na parte em que imputa má fé ao devedor e à 3ª adquirente (representada pelos detentores do poder paternal 1º e 2ª RR.), e considera preenchido o pressuposto legal previsto no artigo 607º do CC, necessário para a procedência da impugnação pauliana, não poderá merecer qualquer censura pelo Tribunal ad quem.
     R. Deve ser valorado e foi-o exemplarmente pelo Tribunal a quo, o contexto factual e os contornos em que ocorreu a venda da fracção “G38” à filha menor.
     S. As Recorrentes laboram em erro, quando imputam erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, e defendem o indefensável, quando afirmam que “a plena consciência do 1º Réu resultante dos factos demonstrativos da insuficiência do valor do património líquido de todos os co-devedores responsáveis pelo cumprimento das obrigações da XXX identificados na resposta ao quesito 52º (…)” da BI tinha de ser feita a prova e não foi.
     T. O 1º R. é um dos fiadores e principais pagadores e avalista, tendo renunciado expressamente ao benefício da execução prévia, e assim sem necessidade de tecer mais considerações, a responsabilidade que assume é solidária e resulta da vontade das partes, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 505º, 506º e 645º todos do Código Civil (mutatis mutandis, as obrigações assumidas pela XXX, pela 2ª R. e demais co-obrigados são solidárias).
     U. A procedência da impugnação pauliana, quanto ao acto de alienação da fracção “G38” por um devedor solidário (o 1º R.), o qual responde pela prestação integral, não depende da verificação da inexistência de património dos demais co-obrigados, nem a tal o Recorrido estava obrigado a alegar e a provar.
     V. Não assiste qualquer razão às Recorrentes quando alegam que houve erro no julgamento da matéria de facto, em violação do disposto no artigo 339º e 342º do CC, padecendo de fundamentação válida e atendível os pedidos de alteração da decisão sobre a matéria de facto.
     W. A Sentença recorrida não merece qualquer reparo, razão pela qual deverão improceder os pedidos de alteração da resposta aos quesitos da BI, com a consequente revogação da sentença recorrida ou a sua anulação por se mostrar indispensável a ampliação da matéria de facto nos termos do disposto no art.º 629º, n.º 4 do CPC, para fundamentar a decisão de direito, formulado diversas vezes pelas Recorrentes nas suas Alegações (vide páginas 9 a 13 das Alegações e pontos G, H, GG, HH, II, JJ, KK e LL das Conclusões; página 61 e pontos página D, F, G, H, e pontos Y, Z, AA, BB, CC, DD, EE e FF das Conclusões; página 63 e pontos I, J, K, L e M das Conclusões; página 65 e pontos N e O das Conclusões, páginas 66 e 67 e pontos P, Q, R, S, Y, Z, AA, BB, CC, DD, EE e FF das Conclusões; e página 67 fine e pontos T, U, V, W e X das Conclusões).
     X. A invocação do abuso de direito, nos termos e pelos fundamentos aí constantes é surreal, sendo, por conseguinte, inconcebível a construção que as Recorrentes sustentam, ao tentar fazer crer o Tribunal ad quem do desconhecimento da 2ª Ré quanto aos negócios e às dívidas contraídas também por ela própria, perante o Autor.
     Y. Tratando o Recorrido, a quem deve milhões de Patacas, como se fosse este o responsável pelo não ressarcimento.
     Z. O exercício do direito pelo Recorrido, por via da presente acção, é legítimo, não se verificando a excepção do abuso de direito prevista no artigo 326º do CC, contrariamente ao que alegam as Recorrentes na página 78 a 82 das Alegações e nos pontos MM a QQ das Conclusões.
     AA. Andou bem o Tribunal a quo, quando em sede de Sentença recorrida, julgou improcedente a excepção peremptória de abuso de direito invocada pelas Recorrentes, por manifesta falta de fundamentos, de facto e de direito, o que se reitera e espera do Tribunal ad quem.
     BB. O Tribunal a quo, andou igualmente bem, quando julgou verificados os pressupostos legais necessários para a procedência do pedido subsidiário de impugnação pauliana, razão pela qual a sentença recorrida não merece qualquer censura pelo Tribunal ad quem.
     Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. que se dignem: (i) rejeitar o presente recurso quando recorrem da matéria de facto, por violação dos requisitos previstos na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 599º do CPC e, em qualquer circunstância, julgar totalmente improcedente o presente recurso, mantendo-se, em consequência, a douta Decisão recorrida.
     Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
O Banco Autor exerce, entre outras, a actividade de concessão de crédito (alínea A) dos factos assentes).
Os 1.º e 2.ª Réus são sócios e administradores de uma sociedade comercial por quotas denominada Sociedade de Construção XXX, Limitada, em chinês, XX建設有限公司 e, em inglês, XXX Construction Co., Limited, com sede em Macau, XXX, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXX (alínea B) dos factos assentes).
No exercício da sua actividade, e a pedido e no interesse da XXX, por escritura pública de 21 de Junho de 2005, outorgada no Cartório da Notária Privada Maria de Lurdes Costa, o Autor concedeu à XXX uma primeira facilidade bancária geral até ao limite global, em capital, de MOP3.395.700,00 ou o seu contravalor em qualquer outra moeda (alínea C) dos factos assentes).
A Primeira Facilidade compreendia as seguintes modalidades:
Abertura de créditos documentários de importação de mercadorias “L/C”, com financiamentos para liquidação de créditos documentários de importação de mercadorias abertos através do Banco ou de operações de importação documentadas através do Banco “T/R”, a noventa dias, ou pagamento por transferência por ordem telegráfica “T/T”;
Emissão de garantias bancárias, destinadas a concurso, caução definitiva e retenção (“Bid, Performance and Retention Bonds”); e
Abertura de crédito em conta corrente “Overdraft” (alínea D) dos factos assentes).
Nos termos da referida escritura, as facilidades concedidas nas modalidades “T/R” e “Overdraft” venciam juros à taxa anual de 6,25% (seis vírgula vinte e cinco por cento), taxa essa resultante da taxa de juros preferencial para clientes privilegiados (Prime Rate) - a qual, em caso de variação, seria actualizável com efeitos imediatos -, agravada de 3% (três por cento) em caso de mora (alínea E) dos factos assentes).
Em caução e garantia do pagamento de todos e quaisquer débitos, responsabilidades ou obrigações, que a XXX tivesse ou viesse a ter para com o Banco, decorrentes de todos os créditos concedidos com base na escritura pública, até ao montante global, em capital, de MOP3.395.700,00 ou o seu contravalor em qualquer outra moeda, dos juros convencionados e/ou de mora que fossem devidos e dos encargos e despesas, judiciais ou extrajudiciais que o Banco fizesse para segurança ou reembolso dos seus créditos:
i) O 1.º Réu constituiu uma primeira hipoteca a favor do Banco sobre a fracção autónoma “XXX” do XXX, para habitação, do prédio denominado “XXX”, em regime de propriedade horizontal, com os n.os 479 a 559 da Rua de Seng Tou e n.º 550 da Avenida de Kwong Tung, inscrito na matriz predial da freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Taipa) sob o art.º 40.813F, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 22.794-VI, a fls. 473 do Livro B106K, aí registado a seu favor pela inscrição n.º 46.937G, e com o título constitutivo da propriedade horizontal inscrito sob o n.º 11.778, a fls. 438 do Livro F40K;
ii) A XXX entregou ao Autor uma livrança, no montante de HKD3.630.000,00, por si subscrita a favor do Banco, e avalizada pelo 1.º Réu e por L, então sócio e administrador da subscritora da livrança;
iii) O 1.º Réu e L constituíram-se fiadores e principais pagadores perante o Banco relativamente a todas as importâncias que a XXX devesse ou viesse a dever por via da escritura pública e/ou das suas alterações e/ou prorrogações, renunciando, desde logo, ao benefício da excussão prévia (alínea F) dos factos assentes).
A hipoteca registada sobre a fracção G38 foi concelada (alínea G) dos factos assentes).
O primeiro réu vendeu a fracção autónoma “G38” por escritura pública de 27/10/2016, celebrada no cartório do notário privado M, a fls. 30 e 31 do Livro 60a, pelo preço declarado de MOP.6.000.000,00, que declarou ter recebido, tendo o 1.º Réu e a 2.ª ré outorgado a escritura em nome e representação da 3.ª ré, menor (alínea H) dos factos assentes).
Por aditamento de 28 de Março de 2007, cuja cópia se encontra junta a fls. 69 e 70 dos autos, a XXX requereu o aumento do limite de capital da primeira facilidade para HKD6.300.000,00, a que o Banco anuiu (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
Por aditamento 8 de Janeiro de 2008, cuja cópia se encontra junta a fls. 71 e 72 dos autos, a XXX requereu a redução do limite de capital da Primeira Facilidade, incluindo o aditamento de 28 de Março de 2007, para HKD3.000.000,00, a que o Banco também anuiu (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
Por aditamento de 30 de Novembro de 2009, cuja cópia se encontra junta a fls. 73 e 74 dos autos, a XXX voltou a solicitar o aumento do limite de capital reduzido para o limite de HKD10.000.000,00, a que o Banco deu o seu acordo (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
Por aditamento de 3 de Novembro de 2011, cuja cópia se encontra junta a fls. 75 dos autos, a XXX solicitou ao Banco que mantivesse o limite de capital em HKD10.000.000,00, mas que alterasse as modalidades e sub-limites para que o mesmo era utilizado, a que o Banco também anuiu (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
No âmbito dos aditamentos de 28 de Março de 2007 e 30 de Novembro de 2009, a XXX entregou ao Banco duas livranças, nos montantes de HKD3.300.000,00 e de HKD7.700.000,00, por si subscritas a favor deste, e avalizadas pelo 1.º Réu e pelo L (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
Até 30 de Setembro de 2016, as quantias utilizadas e não restituídas e respectivos juros, referentes à Primeira Facilidade, ascendiam a HKD2.212.752,48 (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
A pedido da XXX, por Carta-Contrato de 24 de Abril de 2012, cuja cópia se encontra junta a fls. 77 a 80 dos autos, o Banco concedeu-lhe uma segunda facilidade bancária geral até ao limite global, em capital, de MOP32.000.000,00 ou o seu contravalor em qualquer outra moeda (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
A Segunda Facilidade compreendia as seguintes modalidades:
- Abertura de créditos documentários de importação de matérias e outros acessórios “L/C”; e
- Abertura de crédito em conta corrente de fundo de maneio “Overdraft” (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
Por aditamento de 26 de Outubro de 2015, cuja cópia se encontra junta a fls. 81 a 82 dos autos, foi acordado que a XXX deveria submeter um plano de pagamento da dívida no prazo de 9 meses, e ainda, não estabelecer qualquer ónus sobre a fracção “G38” então registada a favor do 1.º Réu (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
Por aditamento de 16 de Maio de 2016, cuja cópia se encontra junta a fls. 83 o seu verso dos autos, foi acordado que a XXX deveria submeter um plano de pagamento em Abril de 2017 e um mês após a emissão da garantia bancária no valor de MOP4.088.890,03 a favor da sociedade comercial denominada YY Harbour Construction Company Limited, a depositar os pagamentos que recebesse decorrentes da execução da “Construction of New Prison of Macau, Coloane (Phase I)” pela XXX, directamente na sua conta bancária junto do Banco, mais autorizando o Banco a usar o valor de MOP2.000.000,00 para pagamento da Segunda Facilidade (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
Em caução e garantia do pagamento de todos e quaisquer débitos, responsabilidades ou obrigações, que a XXX tivesse ou viesse a ter para com o Banco, decorrentes de todos os créditos concedidos com base na Segunda Facilidade:
- a XXX entregou ao Banco uma livrança por si subscrita a favor deste, e avalizada pelos 1.º e 2.ª Réus, F, sócia e administradora daquela sociedade e G, cônjuge desta no montante de MOP35.200.000,00, cuja cópia se encontra junta a fls. 203 e verso dos autos; e
- a XXX comprometeu-se a entregar uma carta a emitir pelas sociedades K, pela qual estas se comprometem, de forma irrevogável, a efectuar todos os pagamentos decorrentes da execução da obra denominada “澳門輕軌-C350氹仔市中心段建造工程之鋼筋混凝土結構工程” pela XXX, directamente numa conta bancária titulada por esta junto do Banco; e
- a XXX constituiu penhor sobre um depósito bancário a prazo junto do Banco, em montante não inferior a MOP460.000,00; e
- os 1.º e 2.ª Réus, F, e G constituíram-se fiadores e principais pagadores perante o Autor relativamente a todas as importâncias que a XXX devesse ou viesse a dever por via da Segunda Facilidade, incluindo os dois aditamentos, renunciando, desde logo, ao benefício da excussão prévia (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
Até 30 de Setembro de 2016, as quantias utilizadas e não restituídas e respectivos juros, referentes à Segunda Facilidade, ascendiam a HKD24.782.356,00 (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
A pedido e no interesse da XXX, por Carta-Contrato de 19 de Março de 2013, cuja cópia se encontra junta a fls. 87 a 90 dos autos, o Banco concedeu-lhe uma terceira facilidade bancária geral até ao limite global, em capital, de MOP21.600.000,00 ou o seu contravalor em qualquer outra moeda (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
A Terceira Facilidade compreendia as seguintes modalidades:
- Abertura de créditos documentários de importação de matérias e outros acessórios “L/C”; e
- Abertura de crédito em conta corrente de fundo maneio “Overdraft” (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
Por aditamento de 26 de Outubro de 2015, cuja cópia se encontra junta a fls. 91 e 92 dos autos, foi acordado que a XXX deveria submeter um plano de pagamento da dívida no prazo de 9 meses, e a não estabelecer qualquer ónus sobre a fracção “G38” então registada a favor do 1.º Réu (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
Por aditamento de 16 de Maio de 2016, cuja cópia se encontra junta a fls. 93 e verso dos autos, foi acordado que a XXX deveria submeter um plano de pagamento em Abril de 2017 e um mês após a emissão da garantia bancária no valor de MOP4.088.890,03 a favor da sociedade comercial denominada YY Harbour Construction Company Limited, a depositar os pagamentos que recebesse decorrentes da execução da “Construction of New Prison of Macau, Coloane (Phase I)” pela XXX, directamente na sua conta bancária junto do Banco, mais autorizando o Banco a usar o valor de MOP2.000.000,00 para pagamento da Terceira Facilidade (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
Em caução e garantia do pagamento de todos e quaisquer débitos, responsabilidades ou obrigações que a XXX tivesse ou viesse a ter para com o Banco, decorrentes de todos os créditos concedidos com base na Terceira Facilidade:
- a XXX entregou ao Banco uma livrança por si subscrita a favor do Banco, no montante de MOP23.760.000,00, avalizada pelos 1.º e 2.ª Réus, por F, e por G, cuja cópia se encontra junta a fls. 204 e verso dos autos; e
- a XXX comprometeu-se a entregar uma carta a emitir pelas sociedades consorciadasK, pela qual se compromete, de forma irrevogável, a efectuar todos os créditos decorrentes da execução da obra denominada “澳門輕軌-C350氹仔市中心段建造工程之鋼筋混凝土結構工程” pela XXX directamente numa conta bancária titulada por esta junto do Banco; e
- a XXX constituiu penhor sobre um depósito bancário a prazo junto do Banco, em montante não inferior a MOP360.000,00; e
- os 1.º e 2.ª Réus, F, e G, constituíram-se fiadores e principais pagadores perante o Banco relativamente a todas as importâncias que a XXX devesse ou viesse a dever por via da Terceira Facilidade, incluindo os dois aditamentos, renunciando, desde logo, ao benefício da excussão prévia (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
Até 30 de Setembro de 2016, as quantias utilizadas e não restituídas e respectivos juros, referentes à Terceira Facilidade, ascendiam a HKD19.320.991,36 (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
A XXX não pagou ao Autor dos créditos concedidos ao abrigo das Segunda e Terceira Facilidades, referidos na resposta dada aos quesitos 12º e 18º (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
O Autor, através da mandatária constituída remeteu, em 12 de Agosto de 2016, carta de interpelação à XXX, através da qual solicitou o pagamento das quantias em atraso, a título de capital e juros, que com referência à data de 9 de Agosto de 2016, ascendiam a MOP464.391,87 e a MOP318.452,35, para as Segunda e Terceira Facilidades, respectivamente, num total de MOP780.844,22, sob pena de considerar os contratos relativos às Segunda e Terceira Facilidades resolvidos e lançar mão de todos os meios legais disponíveis para recuperação do seu crédito, acrescida de juros e demais despesas e encargos (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
Em 27 de Setembro de 2016, novamente através da mandatária constituída, o autor remeteu nova carta à XXX e aos garantes, ora 1.º e 2.ª Réus, F, e G, mediante a qual fez operar a resolução contratual das Segunda e Terceira Facilidades, por falta de pagamento das quantias exigíveis nos prazos acordados e no da interpelação enviada em 12 de Agosto de 2016 e referida supra, e, bem assim, da Primeira Facilidade por falta de pagamento pontual e por considerar que o incumprimento das Segunda e Terceira Facilidades põe em risco a recuperabilidade dos créditos resultantes da Primeira Facilidade (resposta ao quesito 21º da base instrutória).
Em 27.09.2016 as quantias utilizadas e não restituídas e respectivos juros ascendiam a MOP46.661.312,74, correspondendo:
- MOP2.277.691,64 à Primeira Facilidade;
- MOP25.074.865,89 à Segunda Facilidade; e
- MOP19.308.755,21 à Terceira Facilidade.
(resposta ao quesito 22º da base instrutória).
A XXX, em 30 de Setembro de 2016, procedeu ao pagamento de MOP308.400,00, ficando as quantias utilizadas e não restituídas, e os respectivos juros das facilidades a totalizar, nessa data, os montantes referidos nas respostas dadas aos quesitos 6º, 12º e 18º (resposta ao quesito 23º da base instrutória).
Em 24 de Abril de 2012, foram outorgados entre o Banco e, entre outros, a XXX, dois acordos, cuja cópia se encontra junta a fls. 108 a 113 dos autos, para emissão de garantia bancária, a favor das sociedades consorciadas K, em inglês K, nos quais a XXX figura como ordenante, e os aqui 1.º e 2.ª Réus, F e G, como fiadores, assumindo pessoal e solidariamente as obrigações e responsabilidades que daí pudessem advir (resposta ao quesito 24º da base instrutória).
No âmbito dos acordos referidos na resposta dada ao quesito 24º foram emitidas pelo Autor duas garantias bancárias à primeira solicitação a favor das referidas sociedades consorciadas, com os n.os 252/2012 e 018/2013, nos valores de MOP2.299.309,43 e de MOP4.598.619,00, respectivamente (resposta ao quesito 25º da base instrutória).
Em 8 de Agosto de 2016, as referidas sociedades consorciadas accionaram as garantias bancárias supra referidas, tendo as mesmas sido integralmente pagas pelo Autor em 31 de Agosto de 2016, no valor global de MOP6.897.928,43 (resposta ao quesito 26º da base instrutória).
A XXX interpelada que foi pelo Autor para proceder ao pagamento da quantia assim desembolsada pelo Banco, não o fez até à presente data (resposta ao quesito 27º da base instrutória).
No aditamento à Primeira Facilidade datado de 8 de Janeiro de 2008, a XXX solicitou a redução do limite concedido, contra o cancelamento da hipoteca registada sobre a fracção “G38” (resposta ao quesito 28º da base instrutória).
A solicitação da XXX obteve a concordância do Banco (resposta ao quesito 29º da base instrutória).
Em meados de Setembro de 2015, a situação financeira e a capacidade de solvência da XXX alteraram-se (resposta ao quesito 30º da base instrutória).
A XXX utilizou as Segunda e Terceira Facilidades e não procedeu ao pagamento das prestações acordadas, que deveria ter lugar em data não apurada de 2015 (resposta ao quesito 31º da base instrutória).
Em data não apurada de 2015, face à falta de pagamento das dívidas por parte da XXX, o Banco solicitou-lhe um pagamento de MOP10.700.000,00 com vista à redução da exposição de risco da mesma, o que não foi aceite por esta (resposta ao quesito 32º da base instrutória).
A XXX por sua vez prometeu passar a liquidar uma prestação mensal de MOP1.000.000,00, para amortização parcial das Segunda e Terceira Facilidades, o que o Banco aprovou (resposta ao quesito 33º da base instrutória).
O Banco solicitou ao 1.º Réu que constituísse hipoteca a favor do Banco sobre a fracção “G38”, a qual foi negada por este, alegando que a mesma não podia ser hipotecada porquanto era um investimento para viabilizar a obtenção de título de residência da sua mulher, aqui 2.ª Ré (resposta ao quesito 34º da base instrutória).
Após a aprovação do pedido da XXX de meados de Setembro de 2015, a mesma veio informar que não tem condições de liquidar o valor mensal de MOP1.000.000,00 (resposta ao quesito 35º da base instrutória).
A XXX propôs, em princípios de Outubro de 2015, o pagamento de prestação mensal global de apenas MOP600.000,00 para as Segunda e Terceira Facilidades, o que o Banco aceitou, sujeito porém a determinadas condições, desde logo, a promessa do 1.º Réu de não onerar a aludida fracção autónoma “G38”, e que fosse dirigida carta ao consórcio K para que os pagamentos fossem depositados na conta da XXX junto do Banco, e ainda que, após o decurso de 9 meses, a XXX deveria submeter novo plano com vista a retomar o plano de pagamento anterior (resposta aos quesitos 36º e 38º da base instrutória).
As exigências do Banco, referidas na resposta dada aos quesitos 36º e 38º, foram aceites pela XXX e garantes, incluindo o 1.º Réu, conforme resulta dos aditamentos de 26 de Outubro de 2015, cuja cópia se encontra junta a fls. 81 e 82, 91 e 92 dos autos (resposta ao quesito 39º da base instrutória).
Em 4 de Maio de 2016 o Banco aprovou novo plano no sentido de aumentar a prestação mensal global de MOP600.000,00 para MOP800.000,00 (sendo MOP480.000,00 relativas à Segunda Facilidade e MOP320.000,00 à Terceira), com efeitos a partir de Agosto de 2016, atendendo a que a XXX havia manifestado a sua intenção de liquidar a dívida o mais depressa possível, tendo para o efeito assinado aditamentos às Segunda e Terceira Facilidades, ambos de 16 de Maio de 2016, cuja cópia se encontra junta a fls. 83 e verso, 93 e verso dos autos (resposta ao quesito 40º da base instrutória).
Em reunião realizada em 6 de Setembro de 2016 entre a XXX e o Banco, com a presença 2.ª Ré, aquela prometeu ao Banco depositar MOP1.000.000,00 até 9 de Setembro de 2016, e bem assim, apresentar ao Banco um plano de amortização da dívida resultante do accionamento das garantias bancárias já pagas por este (resposta ao quesito 41º da base instrutória).
Em Setembro de 2016, o Banco voltou a insistir para que o 1.º Réu constituísse hipoteca a favor do Banco sobre a fracção autónoma “G38”, o que mais uma vez não logrou obter (resposta ao quesito 42º da base instrutória).
Em Setembro de 2016, o 1.º Réu comprometeu-se a facultar informações concretas sobre imóveis de que era proprietário, sitos em Zhuhai, China, com o objectivo de os hipotecar a favor do Banco, tendo porém posteriormente informado o Banco, em finais de Setembro de 2016 que tal não era viável por as mesmas já estarem hipotecadas a favor de outro banco (resposta ao quesito 43º da base instrutória).
Em meados do mês de Outubro de 2016, o Banco tomou conhecimento que o 1.º Réu havia outorgado uma procuração a favor de uma outra instituição bancária a operar em Macau, através da qual lhe confere poderes de alienação de imóveis, mormente sobre a fracção “G38”, omitindo tal facto aquando da assinatura dos aditamentos, em 26 de Outubro de 2015 (resposta ao quesito 44º da base instrutória).
Pelo que se adensou o receio do Banco em perder a fracção “G38”, que era o único imóvel sobre o qual não incidia qualquer ónus registado do 1º Réu, conhecido pelo Banco, que a todo o tempo poderia ser alienado pelo 1º Réu ou por outrem através do instrumento acima referido (resposta ao quesito 45º da base instrutória).
Razão pela qual o Autor intentou no dia 27 de Outubro de 2016 uma providência cautelar de arresto, que corre os seus termos no 2.º Juízo, sob o Processo CV2-16-0017-CPV, em que veio a ser decretado, sem a audição dos requeridos, o arresto da fracção autónoma “G38”, e bem assim das fracções “L20”, “M20”, “N20” e “O20”, do vigésimo andar “L”, “M”, “N” e “O”, para escritório, do prédio em regime de propriedade horizontal, com os n.os 7 a 115 da Rua de Londres, n.os 8 a 116 da Rua de Roma e n.os 160 a 206 da Alameda Dr. Carlos D’Assumpção, inscrito na matriz predial da freguesia da Sé, sob o art.º 73.002, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 21936, a fls. 34 do Livro B104A, aí registado a favor de N pela inscrição n.º 109.404G, e com o título constitutivo da propriedade horizontal inscrito sob o n.º 8.574, a fls. 246 do Livro F34K, que são igualmente propriedade do 1.º Réu (resposta ao quesito 46º da base instrutória).
O Autor, no início do mês de Novembro de 2016, tomou conhecimento que em 17 de Outubro de 2016, foi apresentado à entidade competente do Interior da China o requerimento para o registo de hipoteca de três fracções autónomas (fls. 159 e 160) que o 1º Réu deu de hipoteca a favor de uma instituição bancária de Zhuhai, tendo o 1º Réu, em finais de Setembro de 2016, informado o Banco que não lhe era possível constituir hipoteca a seu favor sobre imóveis de que era proprietário, sitos em Zhuhai, China, porquanto já se encontravam oneradas (resposta ao quesito 47º da base instrutória).
Todos os imóveis do 1º Réu, sitos na cidade de Zhuhai encontram-se onerados, por hipoteca ou por penhora (resposta ao quesito 48º da base instrutória).
Sobre a fracção “N20” recaem duas hipotecas voluntárias constituídas em 9 de Abril de 2014 a favor do Bank of Communications Co., Ltd. Macau Branch registadas na referida Conservatória sob as inscrições n.os 168788C e 168887C, para garantia de MOP2.980.000,00 e MOP3.840.000,00, respectivamente (resposta ao quesito 49º da base instrutória).
E sobre as fracções “L20”, “M20” e “O20” recaem duas hipotecas voluntárias constituídas em 11 de Abril de 2016 a favor do Banco da China, Limitada, registadas na aludida Conservatória, sob as inscrições n.º 202736C e 202838C, para garantia de MOP6.500.000,00 e MOP16.500.000,00, respectivamente (resposta ao quesito 50º da base instrutória).
Das diligências probatórias requeridas no âmbito do arresto requerido, foi ainda possível confirmar a existência de uma procuração outorgada em 1 de Abril de 2014, no Cartório do Notário Privado M, pela qual o 1.º Réu outorgou procuração a favor do Banco de Guangfa da China, S.A., Sucursal de Macau, como garantia complementar da dívida de MOP10.000.000,00, conferindo-lhe vários poderes, nomeadamente, os de prometer vender ou vender a terceiro e se fazer pagar da dívida (resposta ao quesito 51º da base instrutória).
Em 29 de Novembro de 2016 o Autor instaurou a competente acção executiva (a acção principal do procedimento cautelar acima mencionado), contra os diversos devedores, nos quais se incluem a XXX, L, os aqui 1.º e 2.ª Réus, F e G, para cobrança de MOP53.887.722,53, que corre os seus termos no 2.º Juízo Cível, sob o processo n.º CV2-16-0226-CEO (resposta ao quesito 52º da base instrutória).
O Autor aquando da apresentação a registo do arresto decretado (23.11.2016) tomou conhecimento que o 1.º Réu vendeu a fracção à sua filha menor, ora 3.ª Ré (resposta ao quesito 53º da base instrutória).
O 1º Réu sabia que a venda da fracção autónoma “G38” à 3ª Ré, sendo o único bem imóvel do 1º Réu que não se encontrava onerado, prejudicava os interesses do Autor e afectava a cobrança do crédito pelo Autor concedido à XXX, garantido pessoalmente pelo próprio 1º Réu (resposta aos quesitos 57º e 61º da base instrutória).
Os 1.º e 2.ª Réus e a 3ª Ré, representada por estes, bem sabiam que a venda poderia salvar a fracção autónoma “G38”, evitando que o Autor recebesse o seu crédito através das medidas coercivas de cobrança que sobre a mesma fracção recairiam (resposta aos quesitos 58º e 62º da base instrutória).
A fracção autónoma “G38”, em finais de 2016, tinha o preço de mercado acerca de MOP14.111.000,00, sendo que o preço declarado na escritura pública da compra e venda da dita fracção, referida na al. H, foi de MOP6.000.000,00 (resposta ao quesito 60º da base instrutória).
A venda da fracção “G38” agravou a dificuldade para o Autor obter a satisfação do seu crédito concedido à XXX (resposta ao quesito 63º da base instrutória).
O 1.º Réu, enquanto vendedor e enquanto representante legal da 3.ª Ré, tinha plena consciência que a venda causava prejuízos aos interesses patrimoniais do Autor frustrando o ressarcimento dos créditos concedidos pelo mesmo (resposta ao quesito 64º da base instrutória).
Após a venda da fracção autónoma “G38”, os bens imóveis conhecidos do 1º Réu (em que se incluem os seguinte: as fracções “L20”, “M20”, “N20” e “O20” referidas na resposta dada ao quesito 46º; XXX, estão todos hipotecados ou penhorados (resposta ao quesito 65º da base instrutória).
O Autor requereu o arresto apenas contra o 1º réu e contra a XXX (resposta ao quesito 66º da base instrutória).
Em Outubro de 2015 e Maio de 2016 o Autor tinha conhecimento que era suposto a XXX ter créditos a receber da “Sociedade de Investimentos e Fomento Imobiliário XXX (Macau), Limitada” e da “YY Harbour Construction Company Limited”, e não exigiu da XXX a constituição de penhor sobre esses supostos direitos nem a cessão dos mesmos supostos créditos (resposta ao quesito 67º da base instrutória).
A 2.ª Ré assinou os documentos juntos a fls. 77 a 80, 81 a 82, 83 e verso, 87 a 90, 91 e 92, 93 e verso, 108 a 113, 203 e verso, 204 e verso dos presentes autos (resposta ao quesito 72º da base instrutória).
A 2ª Ré, visando renegociar com o Autor o pagamento da dívida da XXX, de que também é sócia, compareceu, nos dias 6 de Setembro de 2016, 23 de Março de 2017 e 19 Junho de 2017, na sede do Autor para reuniões, nas quais revelou estar ciente dos negócios da XXX (resposta ao quesito 73º da base instrutória).
Nas reuniões acima referidas, a 2ª Ré chegou a fazer propostas ao Autor relativamente aos créditos concedidos e garantias bancárias pagas por este (resposta ao quesito 74º da base instrutória).
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As recorrentes vêm impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos quesitos 57º, 58º, 61º, 62º, 63º, 64º, 68º, 69º, 70º, 71º e 73º da base instrutória, com fundamento na suposta existência de erro na apreciação da prova.
O tribunal recorrido respondeu aos quesitos da seguinte forma:
Quesito 57º - “O 1º Réu realizou a aludida “venda” com a intenção de prejudicar os interesses do Autor, engendrando um esquema de dissipação do único bem imóvel que bem sabia ainda não estar onerado, na qual sujeitou a sua filha menor a figurar como “compradora” da fracção, por um preço de MOP6.000.000,00 (seis milhões de patacas), que declarou já ter recebido?” e
Quesito 61º - “O 1º Réu apenas pretendeu criar um obstáculo à satisfação dos direitos do Autor resultante de todo o crédito concedido e por si pessoalmente garantido, procurando registar uma “venda” anterior a qualquer medida coerciva de cobrança do crédito que prejudicasse em absoluto o cumprimento desta?”, e a resposta conjunta foi: “Provado apenas que, o 1º réu sabia que a venda da fracção autónoma “G38” à 3ª ré, sendo o único bem imóvel do 1º réu que não se encontrava onerado, prejudicava os interesses do autor e afectava a cobrança do crédito pelo autor concedido à XXX, garantido pessoalmente pelo próprio 1º réu.”

Quesito 58º - “Os 1º e 2ª Réus e a 3ª Ré, representada por estes, bem sabiam que só estavam a realizar a escritura com o objectivo de “salvarem” a fracção “G38” das acções executórias que inevitavelmente sobre a mesma recairiam?” e
Quesito 62º - “Os Réus, em conluio, não pretendiam a realização de qualquer negócio jurídico e apenas pretendiam enganar o autor e evitar que este recebesse o seu crédito?”, e a resposta conjunta foi: “Provado apenas que, os 1º e 2ª réus e a 3ª ré, representada por estes, bem sabiam que a venda poderia salvar a fracção autónoma “G38”, evitando que o autor recebesse o seu crédito através das medidas coercivas de cobrança que sobre a mesmas fracção recairiam.”

Quesito 63º - “Resulta do acto perpetrado pelos Réus, a “venda” da fracção “G38”, o agravamento da impossibilidade para o autor de obter a satisfação do seu crédito?”, e a resposta foi: “Provado apenas que, a venda da fracção “G38” agravou a dificuldade para o autor obter a satisfação do seu crédito concedido à XXX.”

Quesito 64º - “O 1º Réu, enquanto vendedor e enquanto representante legal da 3ª Ré, agiu com manifesta má-fé e com plena consciência do prejuízo que tal venda causaria aos interesses patrimoniais do Autor, na esperança de, por via da dissipação dos seus direitos sobre a fracção “G38”, frustrar o ressarcimento dos créditos do Autor?”, e a resposta foi: “Provado apenas que, o 1º réu, enquanto vendedor e enquanto representante legal da 3ª ré, tinha plena consciência que a venda causava prejuízos aos interesses patrimoniais do autor frustrando o ressarcimento dos créditos concedidos pelo mesmo.”

Quesito 68º - “A XXX, no final de 2016, era titular de créditos sobre terceiros de valor superior a MOP100.000.000,00?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Quesito 69º - “A XXX possui créditos superiores à dívida que tem para com o autor?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Quesito 70º - “O 1º Réu tem outros bens em Macau e em Zhuhai que têm um valor superior aos créditos que estão a garantir através de hipoteca?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Quesito 71º - “A 3ª Ré não tinha consciência de qualquer repercussão negativa da compra e venda impugnada na satisfação do crédito do A?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Quesito 73º - “A 2ª Ré compareceu por diversas vezes na sede do Banco Autor para reuniões, visando renegociar com este o pagamento da dívida da sociedade, de que também é sócia, e fê-lo sozinha, como sucedeu, entre outras vezes, nas reuniões tidas nos dias 23 de Março e 19 Junho de 2017, todas no âmbito de negociações extrajudiciais com o Autor, exclusivamente lideradas por esta, nas quais revelou ter o controlo da gestão da sociedade e estar completamente ciente dos seus negócios?”, e a resposta foi: “Provado apenas que, a 2º ré, visando negociar com o autor o pagamento da dívida da XXX, de que também é sócia, compareceu, nos dias 6 de Setembro de 2016, 23 de Março de 2017 e 19 de Junho de 2017, na sede do autor para reuniões, nas quais revelou estar ciente dos negócios da XXX.”

Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
A convicção do tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Assim, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova.
Analisada a prova produzida na primeira instância, entendemos não assistir razão às rés recorrentes.
É evidente que o tribunal recorrido deu como provados e não provados, respectivamente, aqueles quesitos descritos com base no depoimento das testemunhas, bem assim no depoimento da 2ª ré e na prova documental.
Todos aqueles meios de prova, salvo havendo confissão pela 2ª ré, estão sujeitos à livre apreciação do tribunal.
     No caso vertente, as rés recorrentes ao fim e ao cabo pretendem apenas sindicar a íntima convicção do tribunal recorrido formada a partir da livre apreciação e valoração global das provas produzidas nos autos.
Se atentarmos na fundamentação da matéria de facto bem elaborada pelo tribunal recorrido que a seguir se transcreve, não restam dúvidas de que nenhuma censura merece a decisão quanto à matéria de facto questionada pelas recorrentes:
“A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, no depoimento de parte da 2ª Ré, e no depoimento das testemunhas (tanto o das testemunhas ouvidas em audiência como o por via de carta rogatória), cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permitiu formar uma síntese quanto aos apontados factos.
Em especial, sobre os factos relacionados com a constituição das facilidades bancárias, os seus aditamentos, os montantes concretos que a XXX utilizou efectivamente em cada uma das facilidades bancárias (bem como o respectivo somatório de débito no que a cada uma das facilidades diz respeito), a emissão das livranças destinadas a caucionar as dívidas decorrentes das facilidades com prestação de aval dos respectivos avalistas, a assunção dos respectivos interessados como fiadores e principais pagadores das dívidas da XXX com renúncia ao benefício da excussão prévia, o accionamento das duas garantias bancárias oferecidas pelo Autor a requerimento da XXX, o pagamento das garantias efectuado pelo Autor a favor da beneficiária, as interpelações feitas pelo Autor e a resolução dos contratos comunicada por este, os documentos juntos aos autos, nomeadamente os contratos, os aditamentos a estes contratos, os extractos bancários emitidos pelo Autor (fls. 76; 84 a 86; 94 e 95), etc., complementados pelo depoimento das testemunhas, servem para a comprovação da boa parte dos factos alegados pelo Autor.
Em relação à alteração da situação financeira e a falta de cumprimento pontual das dívidas da XXX, com base no depoimento das testemunhas (nomeadamente O e P), em articulação com as provas documentais nos autos (nomeadamente as fls. 81 e 82; 91 e 92), o Tribunal dá por provado que a situação financeira e a capacidade de solvência da XXX alteraram-se em meados de Setembro de 2015. Ora, segundo as duas testemunhas acima referidas, a Segunda e a Terceira Facilidades destinavam-se ao financiamento de um projecto específico da XXX e que era suposto que as dívidas provenientes dessas duas facilidades seriam pagas com os proveitos que a XXX receberia do projecto em 2015; só que, chegada à altura em que era suposto o pagamento, a XXX não conseguiu pagar como devia ser e por causa disto, o Banco chamou o cliente para negociar um plano de liquidação e arranjar soluções, donde, após trocas de propostas, afinal, redundaram os dois aditamentos de 26 de Outubro de 2015. Conforme relatado pela testemunha O, a primeira proposta era no sentido de a XXX pagar mensalmente um milhão de patacas; contudo, depois da aceitação da proposta pelo Banco, voltou a XXX a dizer que não podia pagar um milhão por mês, sendo apenas possível o pagamento de MOP600,000.00 por mês (para ambas as Segunda e Terceira Facilidades), o que também veio a ser aceite pelo Banco e daí que foram celebrados os dois aditamentos de 26 de Outubro de 2015 (fls. 81 e 82; 91 e 92), que praticamente foram cumpridos pela XXX.
A mesma testemunha afirmou, ainda, que a constituição da hipoteca da fracção autónoma “G38” foi a primeira coisa que o Banco pediu, em 2015, logo as dívidas respeitantes à Segunda e Terceira Facilidades não foram pagas como era suposto, acrescentando que em Setembro de 2016, o Autor voltou a insistir que fosse a fracção autónoma “G38” hipotecada a seu favor. Disse a testemunha que o pedido do Banco em 2015 não foi aceite pelo devedor, e foi por esta razão que o Banco passou a exigir o dever da não oneração da fracção autónoma “G38”, como uma das condições impostas nos dois aditamentos de 26 de Outubro de 2015.
Novamente pelo depoimento das testemunhas (nomeadamente O) e pela prova documental junta aos autos, o Tribunal considera provado que, em Abril de 2016, por iniciativa do próprio cliente, foram as prestações mensais de MOP600,000.00 aumentadas para MOP800,000.00, com vista a poder liquidar mais rapidamente as dívidas, e em consequência disto foram celebrados novos aditamentos de 16 de Maio de 2016 (fls. 83 e verso; 93 e verso).
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Quanto à matéria relativa à intenção simulatória dos Réus, embora, como se passará a expor a seguir, o Tribunal entenda que os outorgantes da venda da fracção autónoma “G38” tinham perfeito conhecimento dos prejuízos que a venda causava ao Autor, não há prova suficiente e convincente que nos leva a concluir que o negócio é necessariamente falso e simulado.
De facto, para “salvar” a fracção autónoma, há duas possibilidades: 1. As partes realmente querem vender e transmitir a titularidade da fracção autónoma à filha (3ª Ré), de modo a permitir que o imóvel sai da esfera jurídica do 1º Réu (afastando assim as execuções coercivas que sobre a fracção poderia recair) e que a filha pode ter um imóvel e continuar a viver nele (sem a sua vida ficar, por isso, afectada pela alteração da situação financeira dos pais); 2. As partes nunca tiveram a vontade de comprar ou de vender, i.e., a venda é nitidamente fictícia e criada para defraudar o Autor. Em ambas as hipóteses, o objectivo de a fracção autónoma “G38” ficar a salvo de qualquer execução coerciva, é sempre alcançado. Sem provas nos autos que apontem segura e necessariamente (consigna-se que está nos autos, como contraprova, uma ordem de caixa de MOP6,000,000.00 entregue para o 1º Réu, e o registado do Banco da China indicativo de que o dinheiro entrou efectivamente na conta deste, embora foi depois transferido na sua íntegra para um terceiro – ver fls. 399, 400, 566) para o sentido de que o negócio é falso, não tendo as partes a vontade da celebração do negócio nem tendo o 1º Réu recebido o preço, o Tribunal julga não provados os factos relacionados com a alegada simulação da venda.
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Apesar disto, o Tribunal entende que os outorgantes da escritura pública da compra e venda da fracção autónoma “G38”, i.e., o 1º Réu, a 2ª Ré, e a 3ª Ré (esta, embora nascida só em 2011, por intermédio dos seus representantes legais) na altura da celebração do negócio, tinham perfeito conhecimento dos prejuízos que a venda causava aos interesses do Autor e à ressarcibilidade dos créditos concedidos por este.
Antes de mais, o 1º Réu é uma pessoa que tinha perfeito conhecimento das actividades da XXX tendo assinado todos os contratos, aditamentos e livranças passados a favor do Autor, juntos aos autos. E a 2ª Ré – não obstante negar a sua intervenção activa nas actividades da XXX – é sócia e administradora da sociedade desde 2012, tendo assinado os documentos juntos a fls. 77 a 80, 81 a 82, 83 e verso, 87 a 90, 91 e 92, 93 e verso, 108 a 113, 203 e verso, 204 e verso, e portanto, também é uma pessoa que tinha perfeito conhecimento da abertura das Segunda e Terceira Facilidades, das garantias bancárias ordenadas pela XXX a favor da XXX, bem como do facto de a situação financeira da XXX se alterar bastante em 2015.
É evidente que o 1º Réu e a 2ª Ré sabiam bem da situação financeira da XXX, sobretudo porque, por um lado, são fiadores das dívidas e avalistas das livranças tendo assinado nos documentos (embora a 2ª Ré só em relação a duas das facilidades e às duas garantias), e por outro lado, a 2ª Ré participou, tal como confirmaram as testemunhas (nomeadamente O), na reunião de 6 de Setembro de 2016 (reunião realizada na sequência e a propósito do não pagamento das dívidas provenientes das facilidades, e do pagamento das duas garantias bancárias pelo Banco a favor da beneficiária XXX; nota-se que a 2ª Ré confessou que estava presente – art. 23º da contestação), e durante a reunião, a Ré conseguiu dar propostas concretas para o Banco pensar, tendo até referido, face ao requerimento do Banco, que não era possível a hipoteca da fracção autónoma “G38” porque o seu marido (o 1º Réu) tinha assinado qualquer compromisso com um outro credor. Tudo isto revela o conhecimento da 2ª Ré quanto às dimensões das dívidas da XXX que estavam em discussão, bem como os significados da fracção autónoma “G38” na óptica do Banco.
É que, tal como confirmaram as testemunhas, o Banco, já em 2015, tentou obter a hipoteca da “G38” mas não conseguiu, porque lhe foi dito que a mesma se destinava à fixação da residência da 2ª Ré, razão porque o Banco passou a exigir nos aditamentos de 26 de Outubro de 2015 o dever da não oneração da mesma fracção. E em Setembro de 2016, o Banco pediu novamente a hipoteca, e que desta vez, foi-lhe dito pela 2ª Ré que isto não era possível porque o 1º Réu havia assinado um compromisso com um outro credor qualquer.
Ora, o conhecimento efectivo das situações financeiras da XXX e os requerimentos do Banco a fim de obter a hipoteca evidenciam que, o 1º Réu, a 2ª Ré, e a 3ª Ré (esta, por intermédio dos seus representantes legais) sabiam muito bem as implicações, influências e prejuízos que a venda da fracção autónoma “G38” (por um preço declarado de MOP6,000,000.00, inferior à metade do seu preço de mercado) causava ao Autor, fazendo com que este deixasse de poder obter satisfação dos créditos através da dita fracção autónoma, que dum modo geral, servia como a garantia principal, senão única, do Banco naquela altura, porquanto se tratava de um imóvel do 1º Réu sobre qual não incidia qualquer ónus.
Contraposto aos prejuízos causados ao Autor está a “libertação” da fracção autónoma “G38”, e é exactamente isto o que os outorgantes pretendiam.
Não se acredita que a venda da fracção autónoma à 3ª Ré era apenas uma coincidência (sendo apenas uma consequência da separação de facto do 1º Réu e a 2ª Ré, bem como do acordo entre os dois, relativamente ao destino da casa da morada da família em que viviam (e vivem)), tendo em conta o momento da sua celebração (26 de Outubro de 2016), e por isso é que não se dá muita relevância ao depoimento das testemunhas arroladas pela 2ª Ré.
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Quanto à situação patrimonial do 1º Réu, conforme os documentos juntos aos autos (fls. 141 a 160; 161 a 180; 478 a 489 verso; 529 a 543), verifica-se que todos os imóveis do 1º Réu sito na cidade de Zhuhai (em concreto, os seguintes: XXX, bem como as fracções autónomas“L20”, “M20”, “N20” e “O20” referidas no quesito 46º, encontram-se todos onerados, por hipoteca ou por penhora.
É com base nesses documentos que o Tribunal forma a sua convicção relativamente aos quesitos 48º e 65º.
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Com base nos aditamentos de 26 de Outubro de 2015, e de 16 de Maio de 2016, da que consta a referência a “Sociedade de Investimentos e Fomento Imobiliário XXX (Macau), Limitada” e a “YY Harbour Construction Company Limited”, é que o Tribunal dá por provado que o Autor tinha conhecimento que era suposto a XXX ter créditos a receber destas duas sociedades, dando-se assim parcialmente provado o quesito 67º.
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Quanto à alegação no sentido de a XXX, no final de 2016, ser titular de créditos sobre terceiros de valor superior a MOP100.000.000,00, não se considera a mesma provada. Primeiro, não obstante resultar dos aditamentos de 26 de Outubro de 2015 e de 16 de Maio de 2016 que era suposto a XXX ter créditos a receber da XXX e da YY, isto não é uma certeza, visto que os créditos só podiam tornar exigíveis e reais depois de a XXX ter efectiva e escrupulosamente cumprido os seus deveres contratuais perante tais sociedades, e nada nos autos comprova que a XXX já cumpriu os seus deveres ou que as referidas duas sociedades já aceitaram as obras da XXX ou confessaram as quantias reclamadas por esta. Bem pelo contrário, a sentença a fls. 494 a 523v (não transitada em julgado ainda porque está ainda pendente o recurso), proferida no âmbito do processo n.º CV1-15-0102-CAO, indica que XXX tem créditos superiores aos da XXX. Por outro lado, os montantes referidos na carta a fls. 694 a 695 (envidada pelo mandatário da XXX a YY) são apenas reivindicações unilaterais da XXX que não oferecem nenhuma segurança que permita concluir-se que esta tem efectivamente o direito a receber tais quantias. Assim sendo, o Tribunal dá como não provados os quesitos 68º e 69º.
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Sobre o quesito 70º, os documentos a fls. 697 a 711, impressos da Internet, visando a prova dos preços por pé quadrado de quatro dos imóveis do 1º Réu no Interior da China, são apenas estatísticas preparadas por pessoas cuja credibilidade e especialidade se desconhecem, pelo que, face à sua falibilidade, estes documentos não foram valorizados positivamente. Nesta sequência, o Tribunal, sem conseguir apurar os preços de mercados dos imóveis sitos no Interior da China e referidos a fls. 696 dos autos, nem os de outros imóveis do 1º Réu sitos em Macau ou noutros sítios, acaba por dar como não provado o quesito 70º.
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Em relação ao quesito 71º, cumpre dizer, em primeiro lugar, que a 3ª Ré nasceu em 2011 e portanto é muito provável que a própria pessoa da 3ª Ré não sabia nem sequer a existência da venda a seu favor. Mas ainda assim, afigura-se que, para aferir da consciência da 3ª Ré, é relevante o conhecimento dos seus representantes legais que intervieram também no negócio (sob pena de, não sendo assim, os menores poderem ser sempre aproveitados para intervir na compra destinada a defraudar ou prejudicar os credores, sem nunca se poder atacar a justeza do negócio por causa da falta da consciência dos menores), pelo que, o Tribunal dá por não provado o quesito, visto que, conforme referido atrás, os 1º Réu e 2ª Ré sabiam muito bem a repercussão negativa da compra e venda para os interesses do Autor.”

Considerando o acima exposto e reapreciada a prova constante dos autos, julgamos, a nosso ver, não enfermar de qualquer erro manifesto a valoração da prova efectuada pelo tribunal recorrido, sabendo que, apesar de algumas testemunhas terem referido que tinham assistido a discussões entre o casal, ora 1º réu e 2ª ré, sobre o destino da fracção sub judice, tal não era suficiente para demonstrar que aqueles réus pretendiam celebrar efectivamente a compra e venda do imóvel, em vez de pretenderem salvar a fracção evitando que o autor recebesse o seu crédito através de medidas coercivas.
Embora não se lograsse a prova dos factos de conluio e intuito de enganar o autor, que são requisitos da simulação, mas a prova produzida nos autos, nomeadamente valorando o depoimento da testemunha O, funcionário do banco que esteve presente nas reuniões e que demonostrou estar ciente dos factos, é suficiente para demonstrar que as partes outorgantes do contrato de compra e venda do imóvel pretendiam celebrar o contrato com vista a impedir a satisfação do crédito do autor, bem sabendo aqueles que a fracção autónoma em causa era o único bem imóvel susceptível de satisfazer os créditos do autor.
Ademais, a prova produzida é também suficiente para comprovar que as partes outorgantes (sendo a compradora ora 3ª ré representada pelos seus pais ora 1º réu e 2ª ré) estavam cientes da situação financeira da sociedade XXX, bem sabendo que eram fiadores e principais pagadores perante o autor, relativamente às dívidas da sociedade XXX. Por outro lado, dúvidas de maior não restam de que os 1º e 2ª réus estiveram presentes na reunião do dia 6 de Setembro de 2016 (a poucos dias da venda da fracção autónoma “G38”, em 27.10.2016), com o propósito de discutir o não pagamento das dívidas anteriormente assumidas, e durante a reuninão o autor voltou a solicitar (a primeira vez foi em 2015) a constituição da hipoteca sobre aquele único bem conhecido, ou seja, a fracção “G38”, mas foi o pedido recusado. Ao invés de dar em garantia o imóvel, no dia 6 de Setembro de 2016 os réus celebraram um contrato de compra e venda da referida fracção, passando a mesma a ser registada e possuída em nome da 3ª ré, filha menor dos 1º e 2ª réus.
Tudo isto demonstra a plena consciência dos 1º, 2ª e 3ª réus (esta última por intermédio dos pais, por ser ainda menor de idade) do prejuízo que a venda causava ao autor.
No que se refere à consciência da 3ª ré, menor de idade, atento o facto de a declaração negocial ter sido emitida pelos seus pais, ora 1º e 2ª réus, andou bem o tribunal recorrido ao decidir que a tal consciência tinha que ser aferida na pessoa dos seus representantes legais, e não na própria menor, caso contrário não faria qualquer sentido.
No tocante à questão de saber se o 1º réu ou XXX tinham bens ou créditos sobre terceiros superiores à dívida que tinha para com o autor, é bom de ver que se trata de matéria cujo ónus da prova cabe aos réus. De facto, cabe aos réus demonstrar que, à data da alienação da fracção em causa, o 1º réu possuía bens suficientes para liquidar ou garantir a satisfação dos créditos do autor, mas os mesmos não lograram fazer prova dessa situação. Pois, não bastava às recorrentes invocar um direito de crédito hipotético da sociedade XXX sobre outra sociedade, antes era necessário demonstrar que esse direito existia efectivamente, o que não foi o caso. Também não bastava invocar que o 1º réu era proprietário de determinados bens, sendo necessário alegar e demonstrar que os valores desses bens fossem suficientes para liquidar ou garantir a satisfação dos créditos do autor, o que também não lograram êxito.
Isto posto, e face à prova produzida nos autos, não vislumbramos qualquer erro grosseiro e manifesto por parte do tribunal recorrido na análise da prova nem na apreciação da matéria de facto controvertida, sendo que os elementos trazidos aos autos permitam chegar à mesma conclusão a que o tribunal a quo chegou, daí que, por que nenhum reparo merece a convicção formada pelo tribunal recorrido, esta parte do recurso tem, forçosamente, de improceder.

No concernente à questão de mérito, pela primeira instância foi proferida a seguinte decisão:
“Cumpre analisar a matéria que vem alegada, os factos provados e aplicar o direito.
Conforme relatado mais pormenorizadamente na primeira parte (relatório) da presente Sentença, o Autor, arrogando-se credor de uma sociedade comercial denominada XXX, vem, na presente acção, questionar a legalidade da alienação da fracção autónoma “G38” em discussão, realizada pelo 1º Réu – sócio administrador da dita sociedade bem como garante dos créditos concedidos pelo Autor a favor da mesma sociedade – a favor da sua filha, ora 3ª Ré.
4.1. Questões a resolver
A resolução do caso presente consiste na análise das questões seguintes:
- A questão de simulação absoluta.
- Na improcedência da questão antecedente, a título subsidiário, a impugnação pauliana invocada pelo Autor.
- Em ambos os casos, a questão de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, invocada pela 2ª Ré e 3ª Ré, fundada na tese de que foi o próprio Autor que contribuiu fortemente para a situação de inexistência de garantias patrimoniais dos seus créditos sobre a XXX.
- A alegada litigância de má-fé da 2ª Ré.
Vejamos então.
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4.2. Da simulação
O pedido principal do Autor consiste na declaração de nulidade da compra e venda da fracção autónoma “G38” celebrada entre o 1º Réu e a 3ª Ré, tendo em conta a alegada simulação absoluta deste negócio jurídico.
Nos termos do disposto no art. 232º do Código Civil: “1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. 2. O negócio simulado é nulo.”
Decorre da norma citada que a simulação supõe a alegação e prova de factos que integrem:
- Existência de uma declaração negocial;
- Um acordo entre declarante e declaratário, com intuito de enganar terceiros;
- Existência de divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
No caso vertente, feito o julgamento, a matéria de facto relativa à alegada simulação absoluta, nomeadamente a relativa à existência do acordo simulatório entre os outorgantes (1º Réu e 3ª Ré), acabou por ser julgada não provada.
Deste modo, na falta de verificação de um dos requisitos indispensáveis para a demonstração de simulação absoluta, é de julgar improcedentes o pedido de declaração de nulidade do negócio bem como o cancelamento da respectiva inscrição do direito da adquirente no registo predial.
Passemos a conhecer do pedido subsidiário do Autor.
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4.3. Da impugnação pauliana:
O Autor encara a venda da fracção autónoma “G38” como um negócio jurídico que diminuiu a garantia patrimonial do seu crédito e por isso é que é a mesma atacável por via de impugnação pauliana segundo os artigos 605º a 607º do Código Civil. Na óptica do Autor, o 1º Réu, enquanto vendedor e enquanto representante legal da 3ª Ré (tendo assim uma evidente confusão entre os sujeitos do negócio jurídico) no acto, agiu com manifesta má-fé e com plena consciência do prejuízo que tal venda causaria aos interesses patrimoniais do Autor, na esperança de, por via da dissipação da fracção autónoma “G38”, frustrar o ressarcimento dos créditos do Autor.
O art. 605º do Código Civil estatui que,
“Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.”
Como é sabido, a impugnação pauliana é um meio de conservação da garantia patrimonial através do qual ao credor é conferida a possibilidade de reagir contra actos praticados pelo devedor, que diminuam o activo ou aumentem o passivo do património.
Flui da norma transcrita que a impugnação pauliana só tem lugar quando estiverem verificados os seguintes requisitos:
“1. ser o crédito anterior ao acto, ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
2. Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.
3. Tratando-se de acto oneroso, exige ainda a má fé do devedor e do terceiro. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor (artº 607º do C.C.).”
Serão estes requisitos analisados separadamente.
4.3.1. Do crédito do Autor e da sua anterioridade ao acto impugnado
Antes de mais, dos Factos Provados resulta efectivamente o crédito do Autor, sendo devedores, entre outros, a XXX, o 1º Réu e a 2ª Ré.
Por um lado, dos Factos Provados 3º, 12º, 13º, 18º, 19º, 24º, 25º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º e 33, decorre que o Autor é credor da XXX, por causa das quantias que esta utilizou ao abrigo das três Facilidades Bancárias e do pagamento de duas garantias bancárias feito pelo Autor a favor das respectivas beneficiárias.
Por outro lado, dos Factos Provados 6º, 17º, 23º e 30º resulta que:
- o 1º Réu é um dos fiadores e principais pagadores perante o Autor, com a renúncia ao benefício da excussão prévia, relativamente a todas as importâncias que a XXX vinha utilizar ao abrigo da Primeira Facilidade, da Segunda Facilidade (sendo a 2ª Ré também fiador e principal pagador relativamente à Segunda Facilidade), e da Terceira Facilidade (sendo a 2ª Ré também fiador e principal pagador relativamente à Terceira Facilidade);
- Relativamente às duas garantias bancárias, o 1º Réu e a 2ª Ré, entre outras pessoas, são fiadores, assumindo pessoal e solidariamente as obrigações e responsabilidades que daí pudessem advir das mesmas.
O negócio jurídico impugnado pelo Autor nos presentes autos foi praticado em 27 de Outubro de 2016 (ver Factos Provados 8º), ou seja, posterior ao crédito do Banco.
Está, pois, preenchido o 1º requisito (a existência do crédito e a sua anterioridade ao acto impugnado), acima elencado, para a procedência da impugnação pauliana.
4.3.2. Da impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade
Na óptica do Autor, este viu diminuída a garantia patrimonial do seu crédito, na medida em que, consumado o acto impugnado, nada mais resta do património do 1º Réu que esteja desonerado e que pudesse responder pelas suas dívidas.
As 2ª e 3ª Rés, por sua vez, refutaram a tese do Autor tendo dito que a XXX, no final de 2016, ainda era titular de créditos sobre terceiros de valor superior a MOP100.000.000,00 possuindo assim activos muito superiores à dívida que o Autor reclama (cfr. art. 57º, 58º e 89º da sua contestação), e que, por outra banda, o 1º Réu tem outros bens em Macau e em Zhuhai passíveis de ser penhorados e que, independentemente de estarem hipotecados, têm um valor superior aos créditos que as penhoras e hipotecas prioritárias estão a garantir (cfr. art. 91º da contestação). Com base nestes fundamentos entendem as Rés que não se verifica, desde logo, um dos requisitos para a procedência da impugnação: a impossibilidade para o Autor da satisfação integral do seu crédito ou o agravamento desse impossibilidade, segundo o art. 605º al. b) do Código Civil.
Vejamos.
Sobre o requisito sob análise, recordamos aqui as doutas opiniões de Pires de Lima e Antunes Varela que afirmaram que: “É necessário que resulte do acto a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade. É a situação que no Código de 1867 se traduzia por insolvência do devedor, expressão que se aboliu, por se ter entendido que a simples impossibilidade (prática) de obter a satisfação do crédito - troca, por exemplo, de um prédio por dinheiro – deve justificar o exercício da impugnação (vide Vaz Serra, Responsabilidade patrimonial, n.º 48; Bol., n.º 75, e Rev. de Leg. e de Jur., ano 66.º, pág. 344).
Conforme se decidiu no acórdão do S. T. J., de 19 de Dezembro de 1972 (B. M. J., n.º 222, págs. 386 e segs.),《é à data do acto impugnado que se deve atender para determinar se dele resulta a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade; por isso, se, nessa data, o obrigado ainda possuía bens de valor bastante superior ao montante do crédito, a impugnação deve ser julgada improcedente》.”
Já quanto à repartição do ónus de prova, o art. 606º do Código Civil é claro estatuindo que “Incumbe ao credor a prova do montante das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.”
Ora, quanto ao montante das dívidas, como já vimos, em 27 de Outubro de 2016 (data da celebração do acto impugnado), a XXX devia ao Autor pelo menos as quantias referidas nos Factos Provados 12º, 18º, 24º e 32º, no valor global superior a HKD53.214.028,27, tendo o Autor, em 29 de Novembro de 2016, instaurado uma acção executiva contra a XXX, os aqui 1.º e 2.ª Réus, e outros, para a cobrança de MOP53.887.722,53 (ver Factos Provados 56º), não tendo os aqui 1.º e 2.ª Réus deduzidos embargos à execução.
Demonstrado está que o Autor é credor da XXX e do 1º Réu (na qualidade de garante) pelas dívidas no valor superior a HKD53.887.722,53, há-de, analisar-se, a seguir, se os obrigados possuíam bens penhoráveis de igual ou maior valor do que o crédito do Autor, nos termos do art. 606º do Código Civil.
Antes de mais, cabe salientar, tal como o que a jurisprudência inculca, que “No caso de existirem devedores solidários, apenas importa a situação em que ficou o património no qual se integrava o bem sobre o qual recai o acto impugnado, pois é característica da solidariedade a existência de várias garantias patrimoniais autónomas, respondendo cada um dos devedores pela prestação integral. O credor pode atacar com a impugnação pauliana os actos praticados sobre qualquer um dos patrimónios garantes e que ponham em risco a possibilidade de obter a satisfação do seu crédito pelos bens desse património, independentemente da situação dos restantes.”
No caso em apreço, quanto à suficiência de garantia patrimonial, independentemente de a mesma dever ser aferida sob o ponto de vista da XXX, ou do 1º Réu, não está demonstrada a suficiência de bens penhoráveis para a garantia do crédito do Autor.
Ora, relativamente à XXX, feito o julgamento, não ficou provado que a mesma tinha, no final de 2016, patrimónios que fossem suficientes para a liquidação das suas dívidas perante o Autor (vejam-se, a propósito, os quesitos 68º e 69º os quais foram dados por não provados).
No concernente ao 1º Réu, também não ficou provado que o mesmo possuía, à altura da alienação da fracção autónoma “G38”, bens suficientes para liquidar ou garantir a satisfação do crédito do Autor (veja-se o quesito 70º que foi dado por não provado). Pese embora o facto de o 1º Réu ser proprietário dos imóveis mencionados em Factos Provados 63º, todos hipotecados ou penhorados, não se logrou provar que os valores líquidos dos referidos imóveis (ou seja, os valores remanescentes após o desconto das dívidas que as respectivas hipotecas ou penhoras prioritárias garantem) eram ou são suficientes para a satisfação integral do crédito do Autor, e assim sendo, conforme a regra de repartição de ónus de prova consagrada no art. 606º do Código Civil, há-que julgar-se em desfavor dos Réus, i.e., no sentido de o 1º Réu não possuir, à data da celebração do negócio impugnado, bens penhoráveis de igual ou maior valor do que o crédito do Autor.
O negócio impugnado deve ser entendido como uma transacção que impossibilitou ou pelo menos agravou a impossibilidade de satisfação integral do crédito do Autor, por duas razões: 1. O negócio impugnado é uma troca de um imóvel por dinheiro, e o dinheiro (MOP6.000.000,00) que o 1º Réu recebeu é muito mais fácil a sua dissipação ou ocultação, cuja localização e penhora são, pelo contrário, mais difíceis para o respectivo credor; 2. Ainda que nenhuma atenção se dê para o paradeiro dos MOP6.000.000,00, é muito evidente que a venda de um imóvel, que tinha o preço de mercado acerca de MOP14.111.000,00 (ver Factos Provados 60º), por apenas MOP6.000.000,00, causou imediata e inevitavelmente uma diminuição no património do 1º Réu, fazendo com que este, possuindo originalmente um bem que valia MOP14.111.000,00, passasse a ter apenas MOP6.000.000,00, e a diminuição que ocorreu no património do 1º Réu é o mesmo de uma diminuição de garantia geral dos créditos do Autor.
Pelo exposto, está também preenchido o segundo requisito.
4.3.3. Má-fé do 1º Réu e da 3ª Ré
Nos termos do art. 612º n.º 1º do Código Civil, “O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé.”
No caso vertente, tratando-se o acto impugnado de um acto oneroso, é ainda exigida a má fé do devedor e do terceiro para que se julgue a impugnação paulina procedente.
Segundo o art. 607º n.º 2 do Código Civil, “entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.”
No caso vertente, salienta-se que a fracção autónoma foi o único bem imóvel do 1º Réu que não se encontrava onerado (ver Factos Provados 58º e 63º).
Para além disso, ficou provado, após o julgamento, que “Os 1.º e 2.ª Réus e a 3ª Ré, representada por estes, bem sabiam que a venda poderia salvar a fracção autónoma “G38”, evitando que o Autor recebesse o seu crédito através das medidas coercivas de cobrança que sobre a mesma fracção recairiam.” (ver Factos Provados 58º, 59º e 62º).
O facto de ser o imóvel o único não onerado do 1º Réu, em conjugação com a consciência dos Réus e o facto de o imóvel ter sido vendido num preço inferior à metade do seu preço do mercado, é capaz de revelar a má-fé do 1º Réu e da 3ª Ré.
Estão, pois, verificados todos os requisitos para a impugnação pauliana.”

Louvamos a acertada e perspicaz decisão que antecede, com a qual concordamos e que nela foi dada a melhor solução ao caso, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos ao abrigo do disposto o artigo 631.º, n.º 5 do CPC e, em consequência, improcede o recurso nesta parte.

Finalmente, insistiram as rés, ora recorrentes, na existência do abuso de direito por parte do autor.
Por uma razão de economia e celeridade, transcrevemos aqui parte da sentença recorrida, com a qual também concordamos inteiramente, para valer nos termos do artigo 631.º, n.º 5 do Código de Processo Civil:
“4.4. O abuso de direito por parte do Autor
A tese das Rés consiste em que foi o próprio Autor que contribuiu fortemente para a situação de inexistência de garantias patrimoniais dos seus créditos sobre a XXX, uma vez que o Autor, tendo conhecimento que a XXX detinha ou iria deter, créditos sobre terceiros, não pediu a constituição do penhor sobre esses direitos nem a cessação desses direitos a seu favor.
Nos termos do 326º do Código Civil “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Adianta-se que não assiste razão nenhuma às Rés.
Por um lado, em termos da matéria de facto, embora esteja provado que “Em Outubro de 2015 e Maio de 2016 o Autor tinha conhecimento que era suposto a XXX ter créditos a receber da “Sociedade de Investimentos e Fomento Imobiliário XXX (Macau), Limitada” e da “YY Harbour Construction Company Limited”, e não exigiu da XXX a constituição de penhor sobre esses supostos direitos nem a cessão dos mesmos supostos créditos.” (ver Factos Provados 65º), em momento algum está provado que a XXX tinha cumprido efectiva e escrupulosamente os seus deveres contratuais perante tais sociedades, tendo tornado efectivas as respectivas contraprestações (ver os quesitos 68º e 69º que foram dados por não provados). Significa isto que, ainda que o Autor tivesse exigido e mesmo conseguido a constituição de penhor ou a cessão dos créditos, nunca ninguém podia garantir que os mesmos créditos pudessem tornar efectivos (porque isto é algo dependente dos esforços da XXX, sem esquecer que o quesito 68º ficou não provado) de modo a serem cobrados pelo Autor.
Por outro lado, para que se possa qualificar a presente acção como venire contra factum proprium, é imprescindível, pelo menos, a prova de que o Autor praticou, antes da interposição da presente acção, actos que em si mesmo são incompatíveis com a interposição da presente acção, tendo o Autor, com a prática deste tipo de actos, depositado confiança nos Réus no sentido de que o mesmo não intentaria uma acção judicial (nomeadamente contra os garantes) com vista à cobrança das dívidas contraídas pela XXX.
O facto de não ter o Autor exigido (em 2015 ou 2016) da XXX a constituição de penhor ou a cessão dos créditos que a XXX era suposta receber nunca pode ser interpretado como manifestação de vontade do Autor no sentido de jamais querer recuperar os créditos concedidos, nem muito menos que foi o próprio Autor que contribuiu para a situação de inexistência de garantias patrimoniais dos seus créditos sobre a XXX, uma vez que, a diminuição de garantia patrimonial que o Autor invocou tem exactamente a sua origem na venda entre o 1º Réu e a 3ª Ré que é justamente algo alheio à vontade do Autor.
Pelo que, falece a razão a excepção das Rés.”

Em boa verdade, qualquer obrigação nasce para ser cumprida pelo(s) seu(s) devedor(es), e em momento algum manifestou o autor a vontade de prescindir da garantia dos seus créditos, muito menos, conforme dito na sentença recorrida, depositou confiança nos réus de que não iria intentar qualquer acção judicial para cobrança das dívidas.
Improcedem, pois, as razões aduzidas pelas recorrentes nesta parte.
Por tudo quanto deixou exposto, o recurso interposto pelas rés, ora recorrentes, tem que soçobrar.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelas rés A e B, confirmando a sentença recorrida.
Custas, nesta instância, pelas duas recorrentes.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 15 de Setembro de 2022
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong



Recurso cível 287/2022 Página 38