Processo nº 13/2022 Data: 01.06.2022
(Autos de recurso civil e laboral)
Assuntos : Recurso.
Ónus do recorrente.
(Questão nova).
SUMÁRIO
1. Os recursos são meios destinados a submeter a uma nova apreciação jurisdicional (certas) decisões proferidas pelos Tribunais, cabendo ao recorrente o “ónus de alegar” (de forma clara e explícita) as “razões” do seu inconformismo e do que entende ser o “desacerto da decisão recorrida”, devendo, concluir, (de forma sintética), “pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”; (cfr., n.° 1 do art. 598° do C.P.C.M.).
2. Limitando-se o recorrente a repetir o que já tinha alegado em sede da sua petição inicial, e não dirigindo as suas alegações (e conclusões de recurso) à “decisão recorrida”, (imputando-lhe, concreta e objectivamente, qualquer “defeito” ou “desacerto”), acaba por não identificar nenhuma “questão” para apreciação e decisão, nada havendo a decidir.
3. Em sede de um recurso também não se podem suscitar “questões novas”, pois que, como se referiu, o recurso visa possibilitar a reapreciação de questões de facto e/ou de direito que no entender do recorrente foram mal decididas (ou julgadas) no Tribunal a quo, não se destinando (portanto) a conhecer e decidir questões que não tinham sido, (nem o tinham que ser, porque não suscitadas pelas partes), objecto da decisão recorrida.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 13/2022
(Autos de recurso civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), A., intentou acção ordinária contra B (乙), R., ambos com os restantes sinais dos autos.
A final, pediu que:
- fossem anuladas as compras e vendas celebradas por escrituras públicas de 20.07.2016, no [Cartório do Notário Privado(1)], a fls. XXX dos Livro n.° XX e a fls. XXX do Livro n.° XX, com o consequente cancelamento das inscrições n.° XXXXXXG e n.° XXXXXXG de 26.07.2016 da conservatória do Registo Predial de Macau; ou subsidiariamente,
- fosse a R. condenada a restituir ao A., a título de enriquecimento sem causa, os imóveis objecto das escrituras públicas de 20.07.2016, celebradas no [Cartório do Notário Privado(1)], a fls. XXX do Livro n.° XX e a fls. XXX do Livro n.° XX; ou ainda subsidiariamente,
- fosse a R. ser condenada no pagamento ao A. do valor de mercado das fracções ora em causa na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, a quantificar em incidente de liquidação ou em execução de sentença, acrescido de juros moratórios à taxa legal até integral pagamento; ou subsidiariamente,
- fosse a R. condenada no pagamento ao A. da quantia de MOP$2.884.000,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal contados desde a data da citação; (cfr., fls. 2 a 6 que como as que se vierem a referir dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, após contestação da R., (cfr., fls. 95 a 101), teve lugar a audiência de discussão e julgamento com observância do devido formalismo legal, proferindo, seguidamente, a Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base sentença onde decidiu no sentido da total improcedência da acção; (cfr., fls. 342 a 350-v).
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Inconformado, o A. recorreu e, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 23.09.2021, (Proc. n.° 1260/2019), negou-se provimento ao recurso; (cfr., fls. 669 a 691).
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Ainda não conformado, vem o A. recorrer para este Tribunal de Última Instância, insistindo na pretensão que apresentou em sede da sua petição inicial; (cfr., fls. 704 a 715).
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Adequadamente processados os autos, e com os vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos vieram à conferência.
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância foi considerada como assente a seguinte factualidade, (que por não vir impugnada nem motivos haver para alterar se tem por definitivamente adquirida):
“Da Matéria de Facto Assente:
- Autor e Réu casaram, em 6 de Junho de 2006, conforme certidão de casamento a fls. 7 dos autos (alínea A) dos factos assentes).
- O Autor e a Ré assinaram, em 24 de Maio de 2016, o documento a fls. 8 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea B) dos factos assentes).
- Em 25 de Maio de 2016, o Autor e a Ré assinaram o contrato promessa de compra e venda da fracção K19, destinada a habitação, do prédio sita na [Endereço(1)], [Edifício(1)], correspondente ao 19º andar K, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, cuja cópia consta de fls. 9 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por conveniente (alínea C) dos factos assentes).
- Na mesma data, o Autor e a Ré assinaram o contrato promessa de compra e venda, de 1/356 avos da fracção JR/C, destinada a estacionamento, do prédio sita na [Endereço(1)], [Edifício(1)], correspondente ao lugar de estacionamento JR/C, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, cuja cópia consta de fls. 10 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por conveniente (alínea D) dos factos assentes).
- A prometida compra e venda da fracção habitacional acabou por ser concretizada por escritura pública celebrada em 20 de Julho de 2016, no [Cartório do Notário Privado(1)], a fls. XXX a 136v. do Livro n.º XX (fls. 15 a 18 dos autos) (alínea E) dos factos assentes).
- Enquanto a prometida compra e venda da fracção de estacionamento acabou por se concretizada por escritura pública celebrada em 20 de Julho de 2016, no [Cartório do Notário Privado(1)], a fls. XXX a XXXv. do Livro n.º XX (fls. 20 a 23 dos autos) (alínea F) dos factos assentes).
- As aquisições das fracções autónomas foram registadas a favor da Ré em 26 de Julho de 2016 pelas inscrições n.º XXXXXXG e n.º XXXXXXG (fls. 24 a 87) (alínea G) dos factos assentes).
- Os bens imóveis identificados nas alíneas C. e D., foram adquiridos pelo Autor antes do seu casamento com a Ré (cfr. fls. 35 e 83 dos autos) (alínea H) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória:
- Em data não apurada, o Autor e a Ré acordaram divorciar-se por mútuo consentimento (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- Mais acordaram que, depois do divórcio, o Autor transmitiria à Ré uma fracção autónoma destinada a habitação e uma fracção autónoma destinada a estacionamento, sem qualquer contrapartida financeira (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- O Autor e a Ré assinaram, em 24 de Maio de 2016, o documento a fls. 8 dos autos, em que acordavam, para além de outros pontos, na transmissão, após o divórcio, das fracções autónomas em causa (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- Procedeu-se no dia seguinte, a assinatura dos contratos-promessa de compra e venda referidos em C) e D) dos factos assentes (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- Pese embora das escrituras públicas conste que o Autor havia recebido os preços das compras e vendas e dos quais chegou a dar quitação, tal nunca aconteceu (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
- O Autor transmitiu o direito de propriedade sobre os identificados imóveis à Ré porque as partes tinham acordado divorciar-se por mútuo consentimento e porque o Autor estava convencido de que o divórcio se concretizaria (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
- Até à presente data, as partes ainda se encontram casadas (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
- O Autor nunca teria transmitido à Ré, como era do conhecimento desta, o direito de propriedade sobre os imóveis caso não se concretizasse o divórcio por mútuo consentimento (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
- A Ré sabia que acordou com o Autor nos termos referidos na resposta aos quesitos 1º e 2 (resposta ao quesito 15º da base instrutória)”; (cfr., fls. 343 a 344-v e 677 a 677-v).
Do direito
3. Vem o A. recorrer do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado que negou provimento ao seu anterior recurso da sentença do Tribunal Judicial de Base que, por sua vez, julgou improcedente a acção que aí propôs contra a R..
Porém, da análise e reflexão que sobre o “decidido” e pelo recorrente “alegado” pudemos efectuar, cremos que o presente recurso trazido a esta Instância não pode prosperar.
Passa-se a tentar expor o “porque” deste nosso ponto de vista.
Vejamos.
Antes de mais, vale a pena aqui ter presente que o Tribunal de Segunda Instância aderiu e adoptou como sua (toda) a “fundamentação de direito” explanada na sentença do Tribunal Judicial de Base e que tinha o seguinte teor:
“III – Fundamentos:
Pretende o Autor que as vendas fracção autónoma designada por “K19” do 19º andar K, destinada a habitação, e de 1/356 avos da fracção JR/C, destinada a estacionamento, ambos do prédio sito na [Endereço(1)], [Edifício(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXXX, por si feitas à Ré, em 20 de Julho de 2016, sejam declaradas nulas; ou que seja a Ré condenada a restituir ao Autor os imóveis referidos acimas ou a pagar ao Autor do valor dos imóveis acrescido de juros legais.
Para o efeito alega que o Autor, casado com a Ré e pretendendo dissolver o casamento entre ambos, propôs o divórcio à Ré; que esta aceitou o pedido com a condição de aquele lhe transmitir os dois imóveis acima referidos sem qualquer contrapartida financeira; que as partes acordaram, então, proceder à transmissão nesses termos depois do divórcio; que, entretanto, a Ré exigiu que o Autor procedesse à transmissão antes sob pena de não haver lugar ao divórcio pretendido pelo Autor; que, nessas circunstâncias, o Autor transmitiu os citados imóveis à Ré celebrando as respectivas escritura públicas de compra e venda; que, depois da transmissão, a Ré recusou-se divorciar; que o Autor apenas transmitiu os identificados imóveis à Ré porque esta tinha aceitado divorciar-se logo após a transmissão e porque estava convencido que a Ré concretizaria o combinado; que o Autor nunca teria transmitido à Ré os imóveis caso não se concretizasse o divórcio por mútuo consentimento, facto este do conhecimento da Ré; que a Ré sabia que a transmissão dos imóveis tinha como pressuposto o divórcio por mútuo consentimento e tal era a condição de o Autor concretizar a compra e venda.
Conforme o Autor, o mesmo incorrera em erro quando declarou vender os imóveis à Ré porque pensava que esta iria cumprir o acordo divorciando-se de si e, caso não tivesse tido esta falsa representação, nunca teria transmitido os imóveis à Ré, razão por que as compras e vendas são anuláveis. Além disso, por o divórcio em vista do qual foi feita a transmissão nunca se concretizara, a Ré enriqueceu-se à custa do Autor razão por que lhe devia restituir os imóveis ou o valor dos mesmos.
Contestando a acção, a Ré refuta o alegado pelo Autor afirmando que nunca impôs qualquer condição ao acordo de divórcio por mútuo consentimento entre as partes destinando-se a transmissão impugnada tão-só a proceder à partilha dos bens e a garantir que a Ré e o filho das partes pudessem continuar a habitar na casa de morada de família. Mas defende que nunca recusou divorciar por mútuo consentimento.
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Tendo em conta a ordem por que foram formulados os pedidos, a título principal, a anulação das compras e vendas por erros incorridos pelo Autor e, subsidiariamente, a restituição dos imóveis ou o respectivo valor com fundamento no enriquecimento sem causa, proceder-se-á, em primeiro lugar, à apreciação do problema relacionado com os vícios de vontade alegados pelo Autor. Só no caso de improcedência do pedido de anulação é que se equaciona a questão do enriquecimento sem causa.
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Erro
Pretende o Autor que as compras e vendas dos imóveis a que se referem os autos sejam anuladas com base nos seguintes vícios de vontade: erro sobre os motivos determinantes da vontade; reconhecimento mútuo da essencialidade do motivo em que se verificou o erro; e erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio.
Todos esses vícios têm por base uma errónea percepção da realidade que o declarante tem quando a declaração negocial é emitida. Em qualquer desses casos, o problema funda-se num engano cometido pelo declarante, pois, foi este quem fez uma representação inexacta da realidade.
A ser assim, a tutela do declarante não pode ir ao ponto de ignorar totalmente os interesses do declaratário que presumivelmente pretende a manutenção do negócio. É que não raras vezes, o erro é espontâneo sem que o declaratário tenha tido algo a ver com o problema ignorando não menos vezes a sua existência.
Uma vez que a invalidação de um negócio jurídico sem ter em conta os interesses do declaratário põe não apenas em causa os interesses deste como também e necessariamente a certeza e segurança jurídica, o legislador fez rodear os respectivos regimes de certos cuidados impondo uma série de requisitos sem a verificação dos quais o negócio não pode ser invalidado.
É exactamente o que foi feito com as normas constantes dos artigos 240º, 241º e 245º do CC, respectivamente no que diz respeito ao erro sobre os motivos determinantes da vontade, ao reconhecimento mútuo da essencialidade do motivo em que se verificou o erro e ao erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio acima referido.
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Tendo isso presente, segue-se a análise da situação dos autos começando por apurar se o Autor incorreu efectivamente em erro quando transmitiu os imóveis à Ré.
Só se vier a concluir que sim, é que se debruçará sobre a questão de saber se as circunstâncias em que o erro teve lugar correspondem à previsão das normas acima citadas.
Conforme Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, Reimpressão, Coimbra 1992, pág. 233, “O erro-vício consiste na ignorância (falta de representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito ...”.
O erro pressupõe, portanto, a verificação de três elementos: em primeiro lugar, há uma determinada circunstância de facto ou de direito; em segundo lugar, há uma representação dessa circunstância pelo declarante; e em terceiro lugar, há uma falta de correspondência entre a mesma circunstância e a representação tida sendo os 1º e 2º elementos os termos da comparação para daí se aferir se há ou não erro.
Procura-se, então, ver se existem esses elementos começando pelo 2º.
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Representação do Autor
No presente caso, o Autor alega ter tido uma determinada representação sobre a atitude da Ré no que concerne ao cumprimento ou não por parte desta do acordo de divórcio estabelecido entre as partes, quando vendeu os imóveis sub judice à Ré. Com efeito, o Autor afirma que, anuiu transmitir os citados bens à Ré porque acreditava que a Ré iria cumprir o acordo de divórcio participando no respectivo processo de divórcio por mútuo consentimento.
Dos factos assentes verifica-se que as partes acordaram em divorciar-se e em proceder à transmissão à Ré sem qualquer contrapartida financeira dos bens a que se referem os presentes autos, então, pertencentes ao Autor, depois de formalizado o divórcio. Apesar disso, a transmissão teve lugar antes do divórcio porque o Autor estava convencido de que o divórcio se concretizaria.
Desses factos vê-se que a representação do Autor era efectivamente no sentido de que o divórcio seria formalizado nos termos acordado entre as partes porque a Ré actuaria em conformidade com o estabelecido no acordo.
Está verificado o 2º elemento.
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Circunstância de facto ou de direito
Quanto ao 1º elemento, isto é, a circunstância de facto ou de direito em que alegadamente o Autor se enganou, ou seja, a verdadeira atitude da Ré antes ou no momento em que a transmissão foi feita, depara-se que o Autor nunca fez qualquer referência à mesma.
Pois, nunca afirmou que, antes da transmissão ou quando a transmissão teve lugar, a Ré tinha ou não intenção de cumprir o acordo divorciando do Autor por mútuo consentimento. O Autor limitou-se a referir que, antes da transmissão dos imóveis, instara a Ré para dar início ao processo de divórcio mas sem êxito (cfr. artigo 11º da petição inicial).
O Autor somente fez alusão à atitude da Ré quando ao cumprimento ou não do acordo, no artigo 18º da petição, onde o próprio Autor acusou a Ré de ter voltado com a sua palavra atrás, recusando cumprir o acordo depois de aquele lhe transmitir os bens (cfr. quesito 10º da base instrutória).
Como se pode constatar facilmente a partir da forma como esse facto vem alegado, a atitude da Ré de não cumprir o acordo era a que esta tinha depois da transmissão.
Contudo, o que aqui urge apurar é a atitude da Ré antes ou no momento em que a declaração de transmissão dos imóveis feita pelo Autor foi emitida. Pois, está-se perante um vício genético que põe em causa a validade dessa declaração e os dois elementos acima mencionados, representação do Autor e circunstância de facto ou de direito, têm que se referir ao momento da emissão da declaração de vontade alegadamente inválida.
A alegação feita pelo Autor corresponde à figura de pressuposição (Voraussetzung), na esteira de Windscheid, citado por Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, Coimbra Editora, pág. 506.
Segundo Carlos Alberto da Mota Pinto, ob. cit., pág. 506 e 507, “… Podemos caracterizar a pressuposição como a convicção por parte do declarante, decisiva para a sua vontade de efectuar o negócio, de que certa circunstância se verificará no futuro ou de que se manterá um certo estado de coisas. A alteração anormal das circunstâncias pressupostas constitui, nos termos do artigo 437.º, fundamento de resolução ou modificação do contrato, quando a manutenção do conteúdo contratual contrarie a boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
Segundo o ensinamento tradicional a pressuposição refere-se ao futuro (faltará quando houver uma alteração superveniente de circunstâncias) e o erro refere-se ao presente ou ao passado. O erro consiste numa ignorância ou falsa representação, relativas a circunstâncias passadas ou presentes, isto é, à situação existente no momento da celebração do negócio. A pressuposição consiste na representação inexacta de um acontecimento ou realidade futura que se não vêm a verificar (a pressuposição, quando falha, não traduz um erro, mas uma imprevisão).” (sublinhado nosso).
Nessa sequência, por nada ter sido alegado quanto ao 1º elemento do erro, não é possível na pesquisa ora encetada concluir pela sua existência, muito menos, pela sua concreta configuração.
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Mesmo que assim não se entenda, ou seja, mesmo que se considere que, no presente caso, o citado facto alegado pelo Autor constante do quesito 10º da base instrutória (Após a venda das fracções autónomas a Ré voltou com a sua palavra atrás, recusando cumprir o acordo e divorciar-se do Autor por mútuo consentimento, pese embora as solicitações deste nesse sentido?) corresponde ao 1º elemento do erro, ainda assim, a desfecho é exactamente igual.
É que, feito o julgamento da matéria de facto, o tribunal não considerou demonstrado tal facto, com o que nada nos permite afirmar acerca da verdadeira atitude da Ré quanto ao cumprimento ou não do acordo de divórcio, ainda que tão-só no momento em que a transmissão dos imóveis tenha sido já efectuada.
Portanto, em qualquer circunstância, ignora-se qual era a verdadeira atitude da Ré relativamente ao cumprimento ou não do acordo de divórcio por mútuo consentimento, ou seja, qual era a circunstância de facto a que o 1º elemento do erro se refere.
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Falta de correspondência
Flui do acima exposto que apenas está apurada o 1º elemento do erro.
Ora, faltando o 1º elemento, elemento este indispensável para se proceder à sua comparação com o 2º elemento a fim de concluir pela existência ou não de falta de correspondência entre os mesmos, não se pode proceder à comparação destes dois elementos.
Não sendo possível estabelecer essa comparação, nunca se pode afirmar que está verificado o 3º elemento do erro e, consequentemente, que o Autor incorrera em erro quando emitiu a declaração de vontade de transmissão dos imóveis à Ré.
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Anulação dos contratos
Flui da exposição feita que o Autor não logrou demonstrar que incorrera em erro quando transmitiu os imóveis à Ré.
Assim, nunca por nunca se pode afirmar que, nas vendas impugnadas, houve erro essencial sobre os motivos determinantes da vontade do Autor, ou reconhecimento mútuo da essencialidade do motivo em que se verificou o erro do Autor; ou erro sobre as circunstâncias que constituíram a base destas vendas.
Pelo que, sem necessidade de se debruçar sobre os demais requisitos previstos nos artigos 240º, 241º e 245º do CC, é de julgar improcedente o pedido de anulação formulado pelo Autor.
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Enriquecimento sem causa
Julgado improcedente o pedido principal, urge analisar se assiste ao Autor o direito de restituição ou de pagamento por alegado enriquecimento sem causa à sua custa.
Quanto aos pedidos formulados com esse fundamento, o que o Autor defende é, no fundo, o seguinte: como a transmissão dos imóveis feita pelo Autor tinha em vista o divórcio prometido pela Ré, esta, ao recusar cumprir o acordo, fez com que o efeito pretendido pelo Autor deixasse de verificar; por isso, a deslocação patrimonial decorrente da transmissão tornou-se indevida e foi obtida pela Ré à custa do Autor.
Nos termos do artigo 467º do CC, “1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”
No plano dos factos, o que se verificou é o seguinte: as partes acordaram divorciar-se e, em virtude disto, acordaram também na transmissão que veio a concretizar-se sem que o divórcio tivesse tido lugar mantendo as partes ainda ligadas pelo casamento.
Numa primeira aproximação, a qualificação feita pelo Autor podia ser acertada visto que, conforme a matéria assente, as partes ainda estão casadas entre si. Ou seja, o efeito pretendido com a transmissão ainda não se verificou.
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Porém, não se pode esquecer que a tutela facultada pelo instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária nos termos do artigo 468º do CC.
Sobre isso, ensina o João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 485 a 486 “Num grande número de casos em que a deslocação patrimonial carece de causa justificativa, a lei faculta aos interessados meios específicos de reacção contra a situação.
… ...
Outras vezes, é a resolução ou a revogação do contrato que sana a irregularidade, como sucede quando, nos contratos bilaterais onerosos, uma das prestações se torna impossível por causa imputável ao devedor (art. 801.º, 2) e a outra parte decide, com esse fundamento, resolver o negócio. Permitindo ao contraente não culpado, que já tenha efectuado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro, o artigo 801.º, 2, afasta-se decididamente, nesse caso, dos termos mitigados em que funciona, como princípio, a restituição fundada no enriquecimento injustificado.” (sublinhado nosso).
Ora, conforme a matéria assente, a deslocação patrimonial resultou do acordo de divórcio de que a transmissão dos bens fazia parte e, segundo o Autor, a Ré enriqueceu-se à sua custa porque, depois de adquirir os imóveis, voltou com a sua palavra atrás, recusando formalizar o divórcio com o Autor.
Trata-se, como é bom de ver, de uma mera questão de incumprimento contratual disciplinada pelas regras relativas à falta de cumprimento e mora do devedor.
Assim, dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, os pedidos formulados com base neste regime não podem deixar de ser julgado improcedentes com o que fica precludida a necessidade de se debruçar sobre a verificação ou não dos demais pressupostos previstos para o instituto.
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Mesmo que não se entenda que o carácter subsidiário do instituto do enriquecimento sem causa deva ser entendido nos termos acima sufragados, ainda assim, a pretensão do Autor continua a não poder proceder.
É que, nos presentes autos, não estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 467º, nº 2, do CC.
Em primeiro lugar, os dois imóveis não foram transmitidos indevidamente porque a transmissão foi feita em virtude do acordo de divórcio estabelecido entre as partes.
Em segundo lugar, o acordo de divórcio é a causa da respectiva deslocação patrimonial, acordo este ainda em vigor porque nunca foi extinto, designadamente por resolução ou revogação.
A propósito da resolução, salienta-se que não está demonstrado que, depois da transmissão, a Ré voltara com a sua palavra atrás e recusou cumprir o acordo, como foi já referido. Se não tivesse sido o caso, a pretensão do Autor de ver resolvido o contrato1 poderia eventualmente proceder. Contudo, mesmo nesse cenário, o pedido de restituição com fundamento no enriquecimento sem causa não procederia porque a restituição seria processada nos termos do artigo 790º do CC.
Em terceiro lugar, apesar de ainda não se ter verificado o divórcio por mútuo consentimento em vista do qual a transmissão foi feita, o certo é que nenhum facto permite concluir que jamais poderia formalizar-se este divórcio. Uma vez que não foi estabelecido qualquer prazo para a sua concretização e não está demonstrado que alguma das partes se recusa a cumprir o acordo, 2 as mesmas podem sempre tratar das formalidades respectivas para obter o divórcio.
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Por força do expendido, nenhuma razão há para considerar indevida a prestação feita pelo Autor em virtude do acordo de divórcio estabelecido entre as partes ou sem causa a respectiva deslocação patrimonial.
Assim, também não pode proceder o pedido de restituição dos imóveis com fundamento no enriquecimento sem causa.
(…)”; (cfr., fls. 344-v a 350-v).
E, insurgindo-se contra o assim decidido, em sede das suas alegações e “conclusões” de recurso veio o A. ora recorrente afirmar que:
“1. O Recorrente, A (甲), e a Recorrida, B (乙), casaram em 6 de Junho de 2006.
2. Em 2010, no processo n.º CR1-XX-XXXX-PCC, a Recorrida foi condenada, pelo Juízo Criminal, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pela alínea a) do n.º 4 do art.º 211º, em conjugação com a alínea b) do art.º 196º do Código Penal de Macau, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, cujo acórdão transitou em julgado em 14 de Janeiro de 2014.
3. Do acórdão recorreu a Recorrida para o TSI que, enfim, passou a ser condenada, pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo n.º 3 do art.º 211º do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva.
4. A Recorrida foi condenada despois do casamento, pelo que o Recorrente teve conhecimento do cometimento do crime de burla pela Recorrida.
5. Em 2016, o Recorrente pretendia divorciar-se da Recorrida por mútuo consentimento.
6. A Recorrida aceitou o pedido de divórcio, mas fixou os pressupostos, exigindo que o Recorrente lhe transmitisse uma fracção habitacional, sita [Endereço(1)], 19º andar K, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX (doravante designada simplesmente por “fracção K19”) e um lugar de estacionamento, sito [Endereço(1)], do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX (doravante designado simplesmente por “lugar de estacionamento JR/C”), servindo de residência da família da Recorrida e de seu filho, C (丙), caso contrário, o divórcio seria realizado de forma litigiosa.
7. Visando divorciar-se da Recorrida com maior brevidade, o Recorrente aceitou transferir a fracção habitacional K19 e o lugar de estacionamento JR/C para a Recorrida.
8. Em 24 de Maio de 2016, o Recorrente outorgou o Acordo sobre Partilha de Bens em Divórcio, e, em 25 de Maio de 2016, as partes celebraram um contrato-promessa de compra e venda de imóvel.
9. A Recorrida é a titular das empresas [Empresa(1)], com a licença de mediador imobiliário n.º MI-XXXXXXXX-X.
10. O contrato provisório de compra e venda de imóvel foi celebrado na empresa [Empresa(1)], tratando-se da transferência da fracção K19 e do lugar de estacionamento JR/C.
11. A Recorrida é a titular das empresas [Empresa(1)], com a licença de mediador imobiliário n.º MI-XXXXXXXX-X.
12. O contrato provisório de compra e venda de imóvel foi celebrado na empresa [Empresa(1)], tratando-se da transferência dos imóveis.
13. A cláusula 1ª do contrato provisório de compra e venda de imóvel celebrado na empresa [Empresa(1)]: O preço da venda da fracção K19 e do lugar de estacionamento JR/C estava escrito por extenso: quatro milhões de dólares de Hong Kong; e por algarismo: HK$4.500.000,00. Contudo, não havia pagamento e recepção de dinheiro entre as partes.
14. De acordo com o contrato-promessa de compra e venda de imóvel celebrado no escritório de advogados, o preço da venda da fracção K19 era de dois milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HK$2.500.000,00).
15. De acordo com o contrato-promessa de compra e venda de imóvel celebrado no escritório de advogados, o preço da venda do lugar de estacionamento JR/C era de trezentos mil dólares de Hong Kong (HK$300.000,00).
16. Quanto a esses três documentos, o contrato-promessa de compra e venda de imóvel foi celebrado no escritório de advogados depois de ter sido celebrado o contrato provisório de compra e venda de imóvel, em 25 de Maio de 2016, na empresa [Empresa(1)], porém, existia uma grande diferença entre os preços descritos nos referidos documentos, o que demonstra a falsidade dos conteúdos dos contratos e a verificação de transacção simulada.
17. No Acordo sobre Partilha de Bens em Divórcio, o Recorrente assinalou que “(…) após o divórcio. (…) O presente acordo e o acordo de divórcio produzem, simultaneamente, efeitos após serem assinados (…) abrangendo: II. Partilha de bens e pensão alimentícia”.
18. Antes do divórcio, a Recorrida procedeu antecipadamente à disposição de bens por divórcio.
19. Em 15 de Setembro de 2017, o Recorrente intentou uma acção de divórcio litigioso.
20. Tanto na sentença proferida pelo TJB no processo n.º FM1-XX-XXXX-CDL como no acórdão proferido pelo TSI no recurso n.º XXX/2019, não foi provada a separação de facto existente entre as partes, pelo que não se concretizou a vontade de divórcio na aludida causa.
21. Daí se resulta uma questão, a Recorrida alegou várias vezes que pretendia o divórcio, mas, depois da aquisição da fracção K19 e do lugar de estacionamento JR/C, deixou a pretensão do divórcio?
22. O Recorrente continuou a aceitar o pedido da Recorrida por pretender o divórcio.
23. Em 26 de Julho de 2016, a fracção K19 foi hipotecada pela Recorrida com o objectivo de liquidar o empréstimo hipotecário contraído junto do [Banco], ficando o novo empréstimo a pagar pelo Recorrente.
24. Em 27 de Março de 2017, o lugar de estacionamento JR/C foi hipotecado pela Recorrida, cujo dinheiro foi adquirido pela mesma.
25. Em 2019, a Recorrida obteve a autorização de emigração para o Canadá, comprando imóvel no Canadá com o dinheiro adquirido por hipoteca do lugar de estacionamento JR/C.
26. Em 19 de Novembro de 2021, a Recorrida colocou, em nome da empresa [Empresa(1)], a fracção K19 e o lugar de estacionamento JR/C à venda no portal imobiliário “XXX”.
27. No início, o Recorrente aceitou a celebração do Acordo sobre Partilha de Bens em Divórcio e do contrato-promessa de compra e venda de imóvel, com o objectivo de se divorciar da Recorrida com maior brevidade.
28. Tendo adquirido a fracção K19 e o lugar de estacionamento JR/C, a Recorrida começou a pedir auxílio ao Recorrente para tratar do procedimento de emigração da mesma para o Canadá.
29. É de salientar que, na generalidade dos casos de divórcio, as questões dos bens só são tratadas depois do divórcio, porém, a Recorrida já finalizou o tratamento dos bens antes do divórcio.
30. Da colocação da fracção K19 e do lugar de estacionamento JR/C à venda pela Recorrida se vislumbra que a Recorrida planeou a transmissão dos bens do Recorrente.
31. Nos termos dos artigos 240º, 241º e 245º do Código Civil de Macau, a Recorrida tem dito ao Recorrente que iria realizar, o mais rápido possível, o divórcio por mútuo consentimento, razão pela qual, o Recorrente várias vezes praticou negócios jurídicos. Se ele soubesse a verdade, não iria praticar os negócios jurídicos em apreço.
32. De acordo com o TSI, foi negado o provimento ao recurso interposto pelo Recorrente por existência do factor de erro. Face a isso, embora o Recorrente e a Recorrida tenham celebrado o contrato-promessa de compra e venda de imóvel em conformidade com a formalidade legal, a celebração desse contrato foi feita com base no Acordo sobre Partilha de Bens em Divórcio, onde as partes acordaram que o divórcio por mútuo consentimento serviria de pressupostos da transmissão de bens.
33. Até o presente momento, as partes não realizaram o divórcio por mútuo consentimento de acordo com o conteúdo do Acordo sobre Partilha de Bens em Divórcio, deste modo, é indevida a transmissão da fracção K19 e do lugar de estacionamento JR/C por insatisfação dos pressupostos de divórcio.
34. Graça à averiguação efectuada na causa, pela conduta da Recorrida, o Recorrente verificou que a Recorrida não tinha a intenção de realizar o divórcio por mútuo consentimento.
35. Dos factos acima expostos se demonstra que a outorga do Acordo sobre Partilha de Bens em Divórcio pela Recorrida consiste num erro na declaração da aceitação do divórcio por mútuo, o que levou o Recorrente a praticar os negócios jurídicos em causa, nomeadamente a celebração do Acordo sobre Partilha de Bens em Divórcio e do contrato-promessa de compra e venda de imóvel, por entender erradamente que a Recorrida iria aceitar o divórcio por mútuo consentimento.
36. Ora, pelo comportamento da Recorrida, verifica-se a existência da reserva mental, por conseguinte, nos termos do art.º 237º do Código Civil de Macau, conjugado com o art.º 232º do mesmo Código, devem ser nulos todos os negócios jurídicos por serem simulados”; (cfr., fls. 704 a 715 e 20 a 43 do Apenso).
Aqui chegados, e como se deixou relatado, verifica-se que o Tribunal Judicial de Base negou provimento à acção pelo ora recorrente proposta, dado que, em face da “matéria de facto” considerada provada, entendeu que não se verificavam os (pelo recorrente) invocados motivos para a peticionada declaração de “nulidade das duas escrituras de compra e venda” com a R. (ora recorrida) celebradas, o mesmo sucedendo com o pedido de condenação desta no pagamento da(s) quantia(s) reclamada(s); (cfr., p.i. a fls. 2 a 6, e cujo pedido se deixou transcrito a fls. 2 deste aresto).
Para tanto, entendeu a Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base que, a “matéria de facto dada como provada” não permitia considerar como adquirido o “erro” que o ora recorrente alegava ter incorrido para a venda dos imóveis em questão à R., ora recorrida, e que verificados igualmente não estavam os pressupostos legais do invocado “enriquecimento sem causa” desta; (cfr., o aludido pedido e a sentença a fls. 344-v a 350-v).
Nesta conformidade, e tendo o Tribunal de Segunda Instância confirmado – integralmente – o assim entendido, verifica-se, porém, que com as alegações e conclusões pelo ora recorrente apresentadas em sede do presente recurso, não se impugna (concretamente) nada do que decidido foi, voltando (tão só) o recorrente a repetir o que na sua petição inicial então apresentada no Tribunal Judicial de Base já tinha alegado (para o pedido, aí, a final deduzido), invocando, também, agora, uma (alegada) “reserva metal” que imputa a R. ora recorrida, (sendo caso para se dizer que as suas “alegações e conclusões de recurso” para esta Instância apresentadas mais parecem uma “petição inicial”).
Ora, sob a epígrafe “Ónus de alegar e formular conclusões” prescreve o art. 598° do C.P.C.M. que:
“1. Ao recorrente cabe apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3. Na falta de alegação, o recurso é logo julgado deserto.
4. Quando as conclusões faltem, sejam deficientes ou obscuras, ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2, o recorrente é convidado a apresentá-las, completá-las ou esclarecê-las, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.
5. A parte contrária é notificada da apresentação do aditamento ou esclarecimento pelo recorrente, podendo responder-lhe no prazo de 10 dias.
6. O disposto nos n.os 1 a 4 deste artigo não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei”.
Pronunciando-se sobre idêntico preceito do C.P.C. português e relativamente à mesma matéria considera J. Aveiro Pereira que:
“Interposto um recurso em processo civil, o recorrente fica automaticamente sujeito a dois ónus, se quiser prosseguir com a impugnação de forma regular e ter êxito a final. O primeiro é o ónus de alegar, no cumprimento do qual se espera que o interessado analise e critique a decisão recorrida, refute as incorrecções ou omissões de que, na sua óptica, ela enferma, argumentando e postulando circunstanciadamente as razões de direito e de facto da sua divergência em relação ao julgado. O segundo ónus é o de finalizar essa peça, denominada alegações, com a formulação sintética de conclusões, em que o recorrente resuma os fundamentos que desenvolveu no corpo alegatório e pelos quais pretende que o tribunal de recurso altere ou anule a decisão posta em causa. Além destes, existe ainda um ónus de especificação de cada um dos pomos da discórdia do recorrente com a decisão recorrida, seja quanto às normas jurídicas e à sua interpretação, seja a respeito dos factos que considera incorrectamente julgados e dos meios de prova que impunham uma decisão diferente”; (in “O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil”).
Por sua vez, especificamente quanto ao “recurso para o Tribunal de Última Instância”, (e sob a epígrafe “Fundamento do recurso”), prescreve o art. 639° do dito C.P.C.M. que:
“Salvo no caso previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 583.º, o recurso para o Tribunal de Última Instância pode ter por fundamento a violação ou a errada aplicação da lei substantiva ou da lei de processo, bem como a nulidade do acórdão recorrido”; (cabendo referir que a dita al. c) do n.° 2 do art. 583° se refere à admissibilidade de recurso, independentemente de valor, de “decisão proferida contra jurisprudência obrigaria”; “2. O recurso é sempre admissível, independentemente do valor: c) Se a decisão tiver sido proferida contra jurisprudência obrigatória”).
Todavia, in casu, não obstante o que se deixou consignado, e como se referiu, verifica-se que nas suas (alegações e) “conclusões” apresentadas em sede do presente recurso, omite o ora recorrente – total e completamente – qualquer “indicação da(s) norma(s) jurídica(s) violada(s)”, não se referindo, igualmente, a qualquer “erro na identificação ou aplicação da lei substantiva ou de processo”…
Com efeito, limita-se o ora recorrente a fazer uma “exposição” – que como já se consignou, se apresenta mais própria de uma “petição inicial” – alegando o que, em sua opinião, ocorreu no seu “relacionamento com a R.”, e que, nesta conformidade, devia ser entendido e decidido.
Ora, e como todo o respeito o dizemos, não se mostra adequado o assim referido e invocado em sede de “alegações e conclusões de recurso”.
Como se nos apresenta evidente, um “recurso”, (como é o presente), visa a “apreciação de uma decisão judicial” – como nota V. Lima, “os recursos são meios destinados a submeter a uma nova apreciação jurisdicional certas decisões proferidas pelos tribunais”, in “Manual de Direito Processual Civil”, pág. 659 – cabendo ao recorrente o “ónus de alegar” (de forma clara, objectiva e explícita) as “razões” e motivos do seu inconformismo e do que entende ser o “desacerto da decisão recorrida”, devendo, concluir, (de forma sintética), “pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”; (cfr., n.° 1 do art. 598° do C.P.C.M.).
Se não o faz – inobservando o aludido ónus – natural e imperativo é então concluir-se que “nenhuma questão” coloca ao Tribunal ad quem, e que, então, nada há a decidir…
In casu, é – exactamente – o que sucede.
Repetindo o recorrente o que já tinha alegado em sede da sua petição inicial, e não dirigindo as suas alegações (e conclusões de recurso) à “decisão recorrida”, imputando-lhe, concreta e objectivamente, qualquer “defeito” ou “desacerto”, acaba por não identificar nenhuma “questão” para apreciação e decisão deste Tribunal.
E, assim, vista cremos estar a solução para o presente recurso, pois que, a – tão só agora – alegada “reserva mental” da R., ora recorrida, (cfr., concl. 36), constitui “matéria nova” sobre a qual não pode (nem deve) esta Instância emitir qualquer pronúncia.
Na verdade, (e como cremos ser firme e pacífico na doutrina sobre a matéria), os recursos visam possibilitar a reapreciação de questões de facto e/ou de direito que no entender do recorrente foram mal decididas (ou julgadas) no Tribunal a quo, não se destinando (portanto) a conhecer e decidir “questões novas”, ou seja, de questões que não tinham sido, (nem o tinham que ser, porque não suscitadas pelas partes), objecto da decisão recorrida; (cfr., v.g., João de Castro Mendes in, “Recursos”, 1980, pág. 27 e segs.; Lopes do Rego in, “Comentários ao C.P.C.”, Vol. I , 2ª ed., pág. 566; Amâncio Ferreira in, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª ed., pág. 153 a 158; Armindo Ribeiro Mendes in, “Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007”, 2009, pág. 81; e António Abrantes Geraldes in, “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2010, pág. 103 e segs., no mesmo sentido, o citado Ac. deste T.U.I. de 03.04.2020, onde em sumário se consignou que “O recurso (“ordinário”), como é o caso, é de “reponderação”, visando a reapreciação de uma decisão proferida atento os condicionalismos e elementos (até aí) disponíveis nos autos, não sendo o meio processual próprio para se colocar “questões novas”, não submetidas à apreciação do Tribunal recorrido”, podendo-se, também ver, mais recentemente, o Ac. de 24.02.2021, Proc. n.° 206/2020, de 18.06.2021, Proc. n.° 62/2021 e de 18.05.2022, Proc. n.° 38/2022).
Dest’arte, e em conformidade com tudo o que deixou expendido, evidente se nos apresenta a improcedência do presente recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo A. recorrente com taxa de justiça de 10 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 01 de Junho de 2022
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
1 Formulado apenas nas alegações de direito mas não admitido por este tribunal por despacho proferido a fls 327v a 328.
2 Novamente, no caso de isso se verificar, continuam a ser aplicáveis as regras dos artigos 779º e seguintes do CC, relativas ao não cumprimento.
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Proc. 13/2022 Pág. 12
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