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Processo n.º 145/2021
Recurso Civil
Recorrente: A
Recorrida: Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico
Data da conferência: 27 de Maio de 2022
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Patente
- Requisição de técnicos (art.º 280.º do RJIP)
- Relatório de exame

SUMÁRIO
1. Decorre directamente do disposto no art.º 280.º do RJPI três ideias fundamentais, a saber: i) o técnico a requisitar é da DSEDT que elabora o parecer em que se tenha fundado a decisão recorrida, e não outros indivíduos, mesmo profissionais; ii) a requisição de técnico faz-se no caso de o recurso suscitar um problema técnico que requeira melhor informação ou quando o tribunal o entender conveniente; e iii) a requisição de técnicos visa prestar ao juiz os esclarecimentos que este achar necessário.
2. Não está em causa um meio de prova, muito menos de natureza igual ou similar à prova pericial.
3. Não resulta da norma contida no art.º 280.º do RJPI qualquer prerrogativa das partes, mas sim uma faculdade atribuída por lei ao Tribunal.
4. É ao tribunal que cabe avaliar da necessidade de requisição de técnico para obter esclarecimentos sobre um determinado problema técnico, não podendo a parte substituir-se-lhe e impor o seu próprio critério sobre tal necessidade.
5. Por Aviso do Chefe do Executivo n.º 7/2004 foi publicado o «Acordo de Cooperação entre a Direcção Nacional da Propriedade Intelectual e a Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau na Área dos Direitos de Propriedade Intelectual», através do qual a DNPI e DSE (actual DSEDT) da RAEM acordaram desenvolver, na base de princípios de igualdade e de benefício mútuo, cooperação na área da protecção da propriedade intelectual, passando aquela entidade a ser uma das entidades examinadoras de patente designada nos termos do RJPI da RAEM.
6. E nessa qualidade da entidade examinadora designada, a DNPI presta à DSEDT “apoio técnico na elaboração de relatório de exame ou seja relatório de busca cm parecer para efeitos da decisão dos pedidos de patente de invenção e de patente de utilidade apresentados na RAEM” (art.º 3.º do Acordo).
7. Na ausência de outros elementos de prova e factos, e considerando a dificuldade da aferição da actividade inventiva, não merece censura a posição do Tribunal recorrido que aceita as conclusões constantes do relatório de exame e adopta o entendimento proposto pelo único parecer constante dos autos elaborado por perito.
8. Nos termos do art.º 61.º do RJPI, as invenções são patenteáveis desde que sejam novas, impliquem actividade inventiva e sejam susceptíveis de aplicação industrial, que são requisitos necessários de patenteabilidade de invenções.
9. Faltando um dos requisitos necessários e cumulativos (de criatividade), não é patenteável a invenção para a qual a recorrente pediu o registo de patente.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, interpôs junto ao Tribunal Judicial de Base recurso judicial da decisão da então Direcção dos Serviços de Economia, que determinou a recusa do pedido de registo da patente de invenção I/XXXX.
Por sentença proferido em 4 de Dezembro de 2020, nos autos sob n.º CV1-20-0073-CRJ, o Exmo. Juiz titular do processo julgou improcedente o recurso, mantendo-se a decisão tomada pela DSE.
Inconformada com a decisão, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, que por sua vez decidiu negar provimento ao recurso Processo n.º 239/2021.
Ainda inconformada, vem agora A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. O Tribunal a quo mais uma vez, não conheceu dos fados e questões suscitadas pela Recorrente – tanto na fase administrativa, como nas duas instâncias judiciais – e que se lhe impunha analisar e decidir.
B. O Acórdão proferido faz tábua rasa de toda a factualidade carreada para os autos sem aferir do seu conteúdo, valor probatório ou relevância para a fundamentação da decisão proferida.
C. O Tribunal a quo ao não considerar a argumentação produzida, incorre em omissão de pronúncia, consubstanciado em erro notório na apreciação da prova, com consequente errada aplicação do direito ao caso, conforme adiante se irá demonstrar.
D. O Tribunal a quo determinou bem que se trata de omissão de pronúncia a ausência de decisão ou apreciação do requerimento da Recorrente para audição de peritos, com vista à elucidação do Tribunal a quo para fundamentar a decisão a proferir.
E. Há um vício nuclear e transversal que acompanhou todas as decisões até agora proferidas (pela DSEDT num primeiro momento e, posteriormente, pelo Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância): não se verificou uma efectiva ponderação e análise dos argumentos e prova constantes dos autos.
F. Todas as decisões proferidas seguiram o mesmo comportamento viciado: acompanhar a fundamentação e aderir sucessivamente à decisão proferida pelo DNPI, desconsiderando todos os factos e argumentos aduzidos pela Recorrente.
G. A única pretensão da Recorrente nos autos prende-se com o efectivo julgamento de todas as características inerentes ao pedido de patente, para análise do critério da actividade inventiva – julgamento ao qual se esquivaram as instâncias anteriores, com manifesta omissão de pronúncia e total desconhecimento da matéria técnica sobre as quais a eram instadas a apreciar.
H. A função dos peritos é a percepção, a apreciação ou valoração de factos de especial natureza, ou seja, acima do espectro do comum do observador médio – e de que os Tribunais em questão não dispunham.
I. A Recorrente defende unicamente que a actividade inventiva tem que ser apreciada e decidida de forma objectiva, por referência a critérios objectivos e pré-existentes.
J. O requisito de actividade inventiva tem previsão legal no artigo 66.º do RJPI “Considera-se que uma invenção implica actividade inventiva se, para um profissional do sector, não resultar de uma maneira evidente do estado da técnica.”
K. A letra da lei estatui que a actividade inventiva é determinada por alguém com conhecimentos técnicos (“o profissional do sector”), o qual analisa o estado da técnica (definido no artigo 65.º do RJPI) para aferir se a invenção resulta, ou não, de maneira evidente, do estado da técnica.
L. O profissional do sector exigido por lei nunca compareceu nem esteve presente nestes autos, nem sequer na sua parte administrativa (como bem se conclui pelo sucinto e raquítico relatório de exame).
M. Lendo o Acórdão proferido, é possível constatar que nunca é feito um exame das características tecnológicas invocadas pela Recorrente e existentes na patente invocada – em boa verdade, não poderia o Tribunal a quo fazê-lo por não possuir os conhecimentos técnicos para o efeito, não sendo sequer exigível que os tivesse ...
N. O Tribunal a quo, ao não lançar mão (uma vez mais e por motivos incompreensíveis) dos mecanismos legais que lhe permitem ter o apoio técnico necessário à prolação da boa decisão judicial ao caso concreto, esteve necessariamente desprovido de capacidade técnica para proferir a decisão de mérito.
O. O Tribunal a quo, tal como o Tribunal Judicial de Base, foram incapazes (por óbvia falta de conhecimentos técnicos) de fundamentar qual a falta de actividade inventiva e qual o estado da técnica nesta matéria.
P. O Tribunal a quo, tal como o Tribunal Judicial de Base, optou por apenas remeter, de formal simplista para o relatório de exame (a decisão da DSE), o qual constituiu a raiz do problema por também não conter qualquer conteúdo ou fundamentação a este respeito.
Q. Foi omitida a prática de uma diligência essencial à boa decisão dos presentes autos, nos termos do artigo 280.º do RJPI, devendo o Acórdão ser determinado nulo por omissão de pronúncia, reformando-se a decisão proferida em conformidade, nos termos do artigo 651.º, n.º 2 do CPC.
R. A actividade inventiva é determinada por alguém com conhecimentos técnicos (“o profissional do sector”), o qual analisa o estado da técnica (definido no artigo 65.º do RJPI) para aferir se a invenção resulta, ou não, de maneira evidente, do estado da técnica.
S. Dispõe o artigo 65.º n.º 2 do RJPI que o “estado da técnica é constituído por tudo o que, dentro ou fora do Território, foi tornado acessível ao público antes da data do pedido de patente, por descrição, utilização ou qualquer outro meio.”, incluindo “( ... ) o conteúdo dos pedidos de patentes requeridos, em data anterior à do pedido de patente, para produzir efeitos no Território e ainda não publicados.” (artigo 65.º n.º 3 do RJPI).
T. A análise crítica efectuada por entidades estrangeiras de todos os elementos fornecidos – incluindo a etapa inventiva, que por sua vez determinou a concessão de patente a título internacional – é essencial para aferir deste requisito pelas instituições de Macau.
U. O critério da actividade inventiva foi considerado por 3 entidades internacionais distintas.
V. A Recorrente apresentou e descreveu com detalhe as características das reivindicações descritas no pedido de registo de patente, nomeadamente, o posicionamento das câmaras, as câmaras dedicadas existentes em XXXXX (Universidade) em contraposição com o sistema de câmaras que podem seguir múltiplas áreas de jogo e apostas existente na patente sujeita a registo, o campo de visão respectivo e a possibilidade de desobstrução da imagem, etc.
W. A Recorrente expôs detalhados raciocínios e explicações que não foram objecto de análise, consideração ou apreciação pelo Tribunal a quo, tendo sido manifestamente desconsideradas e descartadas, remetendo o Acórdão recorrido, na alegada “fundamentação”, para a decisão proferida em primeira instância e parecer da DNPI – cfr. penúltimo parágrafo da página 27 do Acórdão proferido, onde se pode ler “( ... ) louvando-nos na decisão recorrida à qual reparo não há a fazer, mantendo-a nos seus precisos termos ( ... )”.
X. O Tribunal a quo – tal como a DSE e o TJB – ao não se pronunciar sobre as questões suscitadas, absteve-se de realizar a análise crítica e com o grau de detalhe que se lhe exigia na actividade jurisdicional de um Tribunal de Segunda Instância, não actuando com uma verdadeira instância de recurso e reapreciação.
Y. Tal omissão do dever de pronúncia determina a nulidade da sentença proferida, nos termos do artigo 571.º, n.º 1, al. d) do CPC.
Z. Lendo o Acórdão, ficamos sem saber o que motiva a “resposta afirmativa” na aplicação da “teoria das equivalências segundo o método alemão”, quem são os “profissionais da área” a que se refere a decisão recorrida ... sendo certo que o parecer do DNPI também não identifica nenhum nem faz qualquer citação ou referência nesse sentido.
AA. As variações das reivindicações (não) apreciadas pelo Tribunal a quo, foram consideradas relevantes para aferição da etapa inventiva, nos termos dos artigos 65.º e 66.º do RJPI, durante o exame dos pedidos estrangeiros correspondentes.
BB. O relatório de exame realizado pela DNPI é superficial e não elabora de forma concreta e compreensível porque razão as reivindicações da patente recusada não contém actividade inventiva – ou porque não sabe como ou porque, pura e simplesmente, não quis – não porque sim.
CC. Este relatório está crivado de um pré-julgamento – como se pré-determinou que as reivindicações são óbvias, não é necessário explicar porquê.
DD. O Acórdão ora em recurso padece de falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente, vício que afecta todas as decisões anteriormente proferidas.
EE. Lendo o Acórdão recorrido, é gritante a ausência de fundamentação, desligada de qualquer juízo crítico e imparcial.
FF. Será que estado da técnica é mais avançado em Macau do que nos restantes países?
GG. A jurisprudência dominante defende que através da actividade inventiva, pretende-se dar uma resposta distinta – mais célere, eficaz, menos dispendiosa – a um problema recorrente no sector ou na actividade desempenhada.
HH. A aferição do requisito ou pressuposto de patenteabilidade de actividade inventiva não é concretizada ou efectuada pelas diferenças entre a invenção patenteanda e o “estado da técnica mais próximo”, mas antes pela adopção da doutrina da abordagem problema-solução.
II. A patente I/XXXX dispõe de especificidades técnicas que se distinguem notoriamente da patente com o número US 2005/XXXXXXX A1 (XXXXX et al.), de XX/4/2005, assumindo-se como uma versão evoluída, mais completa e capaz de responder às necessidades desta actividade que requer uma atenção e controlo constantes – jogos de aposta em casino.
JJ. Estão preenchidos todos os requisitos subjectivos de patenteabilidade – novidade, actividade inventiva e aplicação industrial – impondo-se ao Tribunal a quo que proceda à alteração da decisão da DSE e conceda o registo da patente ora em apreço.

Devidamente notificada, vem a Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico (DSEDT) oferecer o merecimento dos autos.
Foram corridos os autos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Nos autos foram apurados os seguintes factos:
A) Em 27/05/2016, a A submeteu à DSE o pedido de registo de patente da invenção I/XXXX intitulado: sistema, maneira e dispositivo destinados à vigilâncias das apostas.
B) Passado o exame de forma, o pedido de registo em causa mostrava-se satisfazer às condições para ser aberto ao público. Nos termos do art.º 10.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, conjugado com o art.º 83.º, publicou-se o pedido de registo em XX/12/2016 na II Série do Boletim Oficial da RAEM, n.º XX.
C) Em 03/06/2019 a recorrente submeteu à DSE o pedido de exame substancial.
D) Por meio do ofício n.º XXXXX/DPI, a DSE encaminhou a documentação concernente ao pedido de registo em questão à Direcção Nacional da Propriedade Intelectual, para que passasse a servir de documentos de referência obrigatória para o efeito de elaborar o relatório de pesquisa internacional e a notificação do parecer de exame.
E) Em 18/10/2019, a DSE recebeu o relatório de pesquisa internacional e a notificação do parecer de exame relativos ao presente pedido de registo mandados de volta pela Direcção Nacional da Propriedade Intelectual. Conforme a notificação do parecer de exame, o presente pedido de registo não preenchia as condições de patenteabilidade.
F) Em 21/10/2019, por meio do ofício n.º XXXXX/DPI, a DSE encaminhou à recorrente o referenciado relatório de pesquisa internacional, a notificação do parecer de exame e os documentos de comparação, informando-a de apresentar à Direcção alegações de parecer ou modificações dentro de 3 meses desde o recebimento daquela.
G) Em 24/01/2020, a DSE recebeu as alegações de parecer em resposta à notificação do parecer de exame e as folhas de modificação das reivindicações submetidas pela recorrente. Em 17/02/2020, a DSE recebeu as folhas substitutivas das reivindicações entregues pela recorrente.
H) Por meio do ofício n.º XXXXX/DPI, a DSE encaminhou as alegações e as modificações supra mencionadas à Direcção Nacional da Propriedade Intelectual, para que passasse a servir de documentos de referência para o efeito de elaborar uma nova notificação do parecer de exame.
I) Em 10/07/2020 a DSE recebeu a notificação do parecer de reexame relativo ao presente pedido de registo mandada pela Direcção Nacional da Propriedade Intelectual.
J) Conforme a conclusão do parecer de exame pronunciada pela Direcção Nacional da Propriedade Intelectual, no tocante à reivindicação 1-96 do presente pedido de registo, embora demonstrando-se nova e susceptível de aplicação industrial, era privada de criatividade. Referindo-se correspondentemente ao disposto no Regime Jurídico da Propriedade Industrial, a dita reivindicação não implica a “actividade inventiva” prevista pelo art.º 66.º.
K) Com a sua reivindicação 1-96 de registo que não satisfaz o disposto no art.º 66.º sobre actividade inventiva, o presente pedido de registo não preenche o requisito substancial de patenteabilidade previsto pelo art.º 61.º, pelo que se lhe deve indeferir a concessão de propriedade industrial baseando-se nos motivos previstos pelo art.º 98.º e pelo art.º 9.º, n.º 1, alínea a).

3. Direito
Na tese da recorrente, o Tribunal recorrido não conheceu, mais uma vez, dos factos e questões por si suscitadas, fazendo tábua rasa de toda a factualidade carreada para os autos sem aferir do seu conteúdo, valor probatório ou relevância para a fundamentação da decisão proferida, pelo que incorre na omissão de pronúncia, consubstanciado em erro notório na apreciação da prova, com consequente errada aplicação do direito ao caso concreto.
Para a recorrente, carecendo de capacidade técnica para proferir a decisão de mérito e limitando-se a remeter para o relatório de exame que alegadamente constitui a base do problema ao não conter qualquer conteúdo ou fundamentação a este respeito, as Instâncias nunca realizaram um efectivo julgamento do critério da actividade inventiva, dado que têm total desconhecimento da matéria técnica em questão, não tendo lançado mão dos mecanismos legais que lhe permitem ter o apoio técnico necessário à prolação da boa decisão judicial ao caso concreto.
No fundo, o que se pretende é a prática de uma diligência, essencial do ponto de vista da recorrente, à boa decisão dos presentes autos, nos termos do art.º 280.º do RJPI, cuja omissão determina a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, que deve ser reformado nos termos do art.º 651.º, n.º 2 do CPC.
Alega ainda a recorrente que o relatório de exame do DNPI é superficial e não elabora de forma concreta e compreensível as razões que levaram o examinador a determinar que as reivindicações da patente recusada não continham actividade inventiva, pelo que o acórdão recorrido ao ter adoptado as conclusões daquele exame padece de falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente.
Finalmente, entende a recorrente que o pedido de patente n.º I/XXXX preenche todos os requisitos de patenteabilidade, dispondo de especificidades técnicas que se distinguem notoriamente da patente com o número US 2005/XXXXXXX A1 (XXXXX et al.), de 24/04/2005.
Vejamos se assiste razão à recorrente.


3.1. Da omissão de pronúncia (sobre a diligência requerida)
No seu recurso judicial, a recorrente havia peticionado, a final, e ao abrigo dos art.ºs 280.º do RJPI e 16.º do CPAC a intervenção dos técnicos da DSE e a audiência de um técnico-perito para “apreciação e revisão do estado da técnica” (artigos 92.º a 97.º da petição de recurso judicial) para demonstrar a existência de actividade inventiva no que concerne às reivindicações do pedido de patente que tomou o n.º I/XXXX.
Não tendo o Tribunal Judicial de Base tomado qualquer posição quanto a esse requerimento, a recorrente invocou, no seu recurso interposto da sentença desse Tribunal, o vício de omissão de pronúncia e veio o Tribunal de Segunda Instância a dizer que “não se vislumbra a razão do recurso ao art.º 16.º do CPAC”.
Ao mesmo tempo, considera ainda que:
«A assistência de técnico a que alude o art.º 280.º do RJPI destina-se a auxiliar o tribunal se estiverem em causa conhecimentos técnicos especiais de que o tribunal necessite para proferir decisão à semelhança do que se prevê no art.º 552.º do CPC.
Destarte, carece de qualquer fundamento legal o requerimento do Recorrente para que se ouvissem técnicos indicando o seu, o qual do que resulta dos autos não será da DSEDT, nem o, ou um dos, autores do parecer em que se fundou a decisão recorrida.
No entanto, haveria o juiz “a quo” de ter proferido um despacho, ainda que simples e liminar de “indeferimento por falta de fundamento legal”, o que não sucedeu.
Porém, essa omissão em nada influenciou a decisão da causa, até porque, aquela (a decisão) acompanhou os pareceres da DSEDT e resulta da fundamentação da sentença recorrida, à qual o Mmº Juiz “a quo” aderiu e comentou, que não se lhe suscitaram dúvidas quanto ao conteúdo e conclusões do parecer que esteve subjacente à recusa de registo da patente.
Destarte, ainda que a omissão de indeferimento do requerido constitua uma preterição de formalidade essencial, não tendo influído na decisão da causa face ao disposto no artº 147º nenhum efeito se lhe pode assacar, menos ainda a realização de um julgamento que a lei nem prevê como pretende o Recorrente.
Por fim, “ex abundantia”, ainda que assim não fosse, reconhecendo-se que houve omissão de pronúncia por banda do tribunal “a quo”, cabendo a este tribunal conhecer desta questão nos termos do artº 630º do CPC “ex vi” artº 282º do RJPI, sempre seria agora de negar provimento ao recurso nesta parte uma vez que, como se explicou acima a audição de peritos requerida pelo Recorrente não cabe no âmbito do disposto no artº 280º do RJPI e em face dos elementos existentes nos autos o tribunal entende não haver esclarecimentos a pedir.
Pelo que, sempre será de negar provimento ao recurso com este fundamento.»
Dessa decisão veio a recorrente interpor recurso para o TUI, insistindo em imputar o vício de omissão de pronúncia, alegando que o carácter inventivo teria de ser analisado por um perito ao abrigo do art.º 280.º do RJPI, não sendo exigível que o Tribunal tivesse esses conhecimentos para decidir a questão de fundo destes autos, e que teria sido omitida uma diligência essencial à boa decisão dos presentes autos.
Salvo o devido respeito por opinião diversa, e na concordância com o entendimento exposto pelo Tribunal recorrido, afigura-se-nos não assistir razão à recorrente.
Em primeiro lugar, é necessário compreender correctamente a figura do técnico previsto no art.º 280.º do RJPI, uma vez que a recorrente parece confundir o auxílio prestado pelos técnicos com um meio de prova propriamente dito, designadamente a prova pericial (artigo 17.º das suas alegações de recurso), o que é manifestamente incorrecto.
Ora, dispõe o art.º 280.º do RJPI o seguinte:
Artigo 280.º
(Requisição de técnicos)
Quando o recurso suscitar um problema técnico que requeira melhor informação ou quando o tribunal o entender conveniente, pode este, em qualquer momento, requisitar a comparência, em dia e hora por ele designados, do técnico ou técnicos da DSE em cujo parecer se tenha fundado a decisão recorrida, a fim de que lhe prestem oralmente os esclarecimentos de que necessitar.
Decorre directamente dessa norma três ideias fundamentais, a saber: i) o técnico a requisitar é da DSE (actual DSEDT) que elabora o parecer em que se tenha fundado a decisão recorrida, e não outros indivíduos, mesmo profissionais; ii) a requisição de técnico faz-se no caso de o recurso suscitar um problema técnico que requeira melhor informação ou quando o tribunal o entender conveniente; e iii) a requisição de técnicos visa prestar ao juiz os esclarecimentos que este achar necessário.
O mais essencial é ainda que, em bom rigor e ao contrário do que sustenta a recorrente, não está em causa um meio de prova, muito menos de natureza igual ou similar à prova pericial.
Encontra-se no art.º 552.º do Código de Processo Civil uma figura semelhante.
Artigo 552.º
(Designação de técnico)
1. Quando a matéria de facto suscite dificuldades de natureza técnica cuja solução dependa de conhecimentos especiais que o juiz não possua, pode este designar pessoa dotada de preparação especial que assista à audiência de discussão e julgamento e aí preste os esclarecimentos necessários; a designação deve ser feita no despacho que marque dia para a audiência.
2. À designação do técnico é aplicável o regime dos obstáculos à nomeação dos peritos, com as necessárias adaptações.
3. Ao técnico são pagas adiantadamente as despesas de deslocação.
Dessa norma legal ressalta ainda mais a ideia de que não se trata dum meio de prova, nomeadamente prova pericial, até porque a lei diz claramente que “À designação do técnico é aplicável o regime dos obstáculos à nomeação dos peritos, com as necessárias adaptações”.
Como esclarece José Alberto dos Reis1, acerca do papel ou perfil processual do assessor técnico: “(…) É mero auxiliar do juiz; ajuda-o a observar e interpretar os factos (…) O perito, no arbitramento, funciona como agente de prova, é ele que capta e aprecia os factos; pelo contrário o técnico (…) não é agente de prova, é mero auxiliar do verdadeiro agente, que é o juiz. Quem observa e aprecia os factos é o magistrado; o técnico, quando intervenha, apenas presta esclarecimentos ao juiz, como lhos prestam as partes. (…) A função que ele exerce é fundamentalmente a mesma, auxiliar e esclarece o tribunal quanto ao exame e interpretação de factos que pela sua natureza técnica demandam conhecimentos especiais”.
A jurisprudência também entende que “o papel desses técnicos é distinto da função dos meios de prova” e “a intervenção do técnico, seja ela ora, como será as mais das vezes, ou objecto de um relatório escrito, como poderá perfeitamente suceder, não tem a natureza nem o valor de meio de prova”.2
E “Diversamente do que sucede na prova pericial, onde o perito funciona como agente de prova sem ele que capta aprecia os factos, o técnico que presta esclarecimento, ao juiz, a seu pedido, não é agente de prova, mas mero auxílio do juiz no seu papel de observação e apreciação dos factos”.3
Vistas tais considerações, afigura-se que o idêntico entendimento vale também para a norma constante do art.º 280.º do RJPI, visto que o seu escopo é semelhante ao do art.º 552.º do CPC, sendo de salientar que os técnicos requisitados ao abrigo daquela norma serão, em princípio, os que elaboraram um parecer no processo administrativo (o que reforça, se dúvidas houvesse, o entendimento segundo o qual não está em causa um meio de prova).
Acrescentando, estamos perante um recurso, de decisão administrativa, com características de plena jurisdição (e não de mera legalidade, como é regra nos recursos contenciosos), em que o tribunal não se limita a anular a decisão administrativa ou a mantê-la, podendo também alterar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, sendo que a sentença substitui essa decisão nos precisos termos em que for proferida (n.º 3.º do art.º 279.º do RJPI)4, pelo que são aplicáveis as regras previstas no RJPI e no Código de Processo Civil e não, como procurou sustentar a Recorrente, as normas do CPAC.
Destarte, sempre seria inaplicável a norma do art.º 16.º do CPAC, segundo a qual “Quando num processo se devam resolver questões que exijam conhecimentos especializados, pode o tribunal, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, determinar a intervenção de técnico por ele designado, que tem, para o efeito, vista no processo e é ouvido na respectiva discussão quando esta se efectue em conferência ou em tribunal colectivo.”
Pelo exposto, era desde logo ilegal o pedido formulado pela recorrente ao abrigo do art.º 16.º do CPAC no sentido de ser convocado o Sr. B para prestar “esclarecimentos técnicos” e, muito menos, para rever e apreciar o carácter inventivo do pedido de patente em questão.
Por outro lado, não resulta da norma contida no art.º 280.º do RJPI qualquer prerrogativa das partes, mas sim uma faculdade atribuída por lei ao Tribunal, tal como acontece no caso previsto no art.º 552.º do CPC.
Daqui se retira claramente que não merece censura o acórdão recorrido ao afirmar que “carece de qualquer fundamento legal o requerimento da recorrente para que se ouvissem técnicos indicando o seu, o qual do que resulta dos autos não será da DSEDT, nem o, ou um dos, autores do parecer em que se fundou a decisão recorrida”.
Em suma, bem andou o TSI quando considerou que a omissão de um despacho de indeferimento do requerimento formulado pela recorrente na sua petição de recurso não influenciou a decisão da causa, pelo que a irregularidade cometida não teria como efeito a nulidade dos actos subsequentes ao abrigo do art.º 147.º do CPC.
Outra questão diferente suscitada pela recorrente prende-se com a suposta necessidade de utilização do mecanismo previsto no art.º 280.º do RJPI para as Instâncias estarem aptas a proferir a decisão.
No fundo, o que a recorrente defende é que as Instâncias deveriam ter feito uso da faculdade conferida pelo art.º 280.º do RJPI, invocando a sua necessidade.
Recorde-se, quanto a isto, que o TSI entendeu que “essa omissão em nada influenciou a decisão da causa, até porque, aquela (a decisão) acompanhou os pareceres da DSEDT e resulta da fundamentação da sentença recorrida, à qual o Mm.º Juiz “a quo” aderiu e comentou, que não se lhe suscitaram dúvidas quanto ao conteúdo e conclusões do parecer que esteve subjacente à recusa de registo da patente” e que “em face dos elementos existentes nos autos o tribunal entende não haver esclarecimentos a pedir.” (o sublinhado é nosso).
Do exposto resulta que o TSI considerou que, em face dos elementos constantes dos autos, não havia necessidade de pedir esclarecimentos ao abrigo do art.º 280.º do RJPI, entendimento este que também é do Tribunal Judicial de Base, uma vez que não utilizou a faculdade legalmente conferida pela norma em causa.
O importante é que o tribunal entende necessária a “diligência”, caso em que se pode exercer a faculdade concedida.
Evidentemente, é ao tribunal que cabe avaliar da necessidade da “diligência” para obter esclarecimentos sobre um determinado problema técnico, não podendo a parte substituir-se-lhe e impor o seu próprio critério sobre tal necessidade.
Ora, face aos elementos contantes dos autos, nomeadamente o relatório de exame da invenção efectuado pela entidade designada nos termos do art.º 85.º do RJPI, que se encontra no processo administrativo, do qual consta que para um profissional do sector a patente (em rigor, a matéria reivindicada) resulta de uma maneira evidente do estado da técnica, está fora de qualquer censura o entendimento das Instâncias sobre a desnecessidade de pedir esclarecimento ao abrigo do art.º 280.º do RJPI.
Improcede o recurso, nesta parte.


3.2. Da omissão de pronúncia (por falta de exame crítico)
Na óptica da recorrente, ao não conhecer dos factos e questões por si suscitadas nem considerar a argumentação por si produzida, limitando-se a remeter para a decisão tomada pelo TJB e para o parecer da DNPI, o Tribunal recorrido não operou como uma verdadeira instância de recurso e reapreciação, pelo que se verifica uma omissão do dever de pronúncia, o que implica a nulidade do acórdão ao abrigo do art.º 571.º, n.º 1, al. d) do CPC.
Nos termos da referida norma, é nula a sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
Quanto às questões a resolver na sentença, dispõe o art.º 563.º do CPC o seguinte:
“Artigo 563.º
(Questões a resolver e ordem do julgamento)
1. Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 230.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões que possam conduzir à absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
2. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
3. O juiz ocupa-se apenas das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Daí decorre que o juiz deve resolver todas as questões suscitadas pelas partes, devendo ocupar-se apenas dessas questões, salvo questões de conhecimento oficioso.
E só a omissão de pronúncia sobre questões que o juiz tem a obrigação de conhecer determina a nulidade da sua sentença.
Por questões entendem-se “(…) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes”.5
Cumpre notar, no entanto, que “A obrigatoriedade de o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não significa que o juiz tenha, necessariamente, de apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para fundamentarem a resolução de uma questão.” 6
É também esse o entendimento do Tribunal de Última Instância da RAEM: “E só a omissão de pronúncia sobre questões, e não sobre os fundamentos, considerações ou razões deduzidas pelas partes, que o juiz tem a obrigação de conhecer determina a nulidade da sentença.” 7
Da mera leitura das alegações de recurso da recorrente, afigura-se-nos claro que o Tribunal recorrido se pronunciou sobre todas as questões colocadas em recurso pela recorrente, não obstante esta considerar que tal apreciação foi superficial ou por remissão para o relatório de exame.
Destarte, não se afigura verificada a imputada omissão de pronúncia.
Como se verá, não há qualquer vício no facto de os Tribunais (à míngua de quaisquer outros elementos) se apoiarem num relatório de exame para resolver a complexa questão de saber se uma invenção contém actividade inventiva, visto que está em causa um parecer prestado por um perito.

3.3. Do erro de julgamento
Aqui volta a recorrente a defender que o Tribunal recorrido não efectuou uma real apreciação quanto ao carácter inventivo das reivindicações, limitando-se a aderir ao relatório de exame sem fundamentar, verdadeiramente, as conclusões de que as reivindicações são “óbvias”, não havendo assim qualquer elaboração ou fundamentação relativamente à suposta falta de actividade inventiva.
Aponta ainda que o relatório de exame do DNPI é claramente superficial e não fundamenta, de forma concreta e compreensível, as razões que levam à conclusão de que as reivindicações da patente recusada não contêm actividade inventiva.
Neste sentido, ao invés de uma omissão de pronúncia, o acórdão recorrido padece de falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente, vício que também afecta todas as decisões anteriores.
Sustenta ainda a recorrente que a patente I/XXXX dispõe de especificidades técnicas que se distinguem notoriamente da patente com o número US 2005/XXXXXXX A1 (XXXXX et al.), assumindo-se como uma versão mais evoluída, mais completa e capaz de responder às necessidades desta actividade, pelo que estão preenchidos os requisitos de patenteabilidade e a patente em causa deveria ser concedida.
Ora, quanto à imputada falta de fundamentação, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art. 668.º. (…)”8
E importa esclarecer que “a nulidade da alínea b) (quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão) só se verifica na ausência total de fundamentação.
Se a fundamentação é deficiente ou incompleta, não há nulidade. A sentença será então, ilegal ou injusta, podendo da mesma ser interposto recurso, nos termos gerais.”9
Sobre a questão ora em causa, este Tribunal de Última Instância tem reiterado o seu entendido no sentido de que a insuficiência de fundamentação não gera a nulidade da sentença mas sim pode redundar em erro de julgamento10 e que “apenas a total omissão de fundamentos constitui a falada nulidade de sentença e não já a deficiente fundamentação”.11
E “não se deve confundir a falta de fundamentação da sentença, que só no caso de falta absoluta se pode conduzir à sua nulidade, com a escassez ou insuficiência da fundamentação ou o seu erro jurídico, consubstanciado no erro de julgamento, em que se baseia a discordância de recorrente”.12
Posto isto e face aos motivos exposta pelo Tribunal recorrido no seu acórdão para fundamentar a decisão, facilmente se deve concluir que não se verifica no presente caso o vício imputado.
O que pretende a recorrente é atacar o mérito do acórdão recorrido, nomeadamente no que diz respeito à inexistência de actividade inventiva nas reivindicações 1 a 96 do pedido de patente em apreço.
Aqui chegados, cabe afirmar desde já que o juízo de determinação de actividade inventiva é uma questão de direito que cabe, por isso, no âmbito dos poderes de cognição do Tribunal de Última Instância.
É o que refere Pedro Sousa e Silva “(…) a actividade inventiva (tal como os restantes requisitos)13 não deixa de ser matéria de Direito”.14
No mesmo sentido, “As decisões dos examinadores e dos juízes em sede de determinação da actividade inventiva, precisamente porque são tomadas à luz de uma margem de livre apreciação, constituem um momento do processo decisório da constituição do direito de patente extremamente delicado. Não ocorre propriamente uma margem de livre escolha entre várias alternativas possíveis postas à análise dos examinadores dos institutos de patentes ou dos juízes, mas, sobretudo, um juízo de valor sobre se a invenção merece ser protegida, em atenção às finalidades do subsistema do direito de patente e do específico sector onde poderá ser inicialmente aplicada, circunstância que confere um importante poder discricionário ao decisor, embora possa ser reapreciado em via de recurso jurisdicional, mesmo (sempre que possível) junto do Supremo Tribunal de Justiça, posto que constitui matéria de direito”.15
A actividade inventiva é exigida porque assim se “assegura que somente seja garantida a protecção às invenções providas de algum mérito ou contributo técnico, que não às que se limitam a não integrar o estado da técnica. Com efeito, se o direito de patente fosse concedido a uma qualquer invenção que não estivesse compreendida no normal estado da técnica, daqui decorreria um potencial e enorme risco de coartar desproporcionadamente a liberdade de iniciativa económica privada.”16
É, no entanto, “(…) um requisito eivado de grande dose de subjectividade. O célebre juiz norte-americano LEARNED HAND escreveu um dia que a actividade inventiva é um dos fantasmas mais fugidios, impalpáveis, caprichosos e vagos que existem em toda a parafernália dos conceitos jurídicos. Até porque os peritos não são todos iguais pelo que aquilo que é evidente para um perito inteligente, já não o será para outro menos sagaz. Note-se que, quando a lei refere um “perito na especialidade”, pressupõe naturalmente um especialista (ou equipa de especialistas) no ramo, ou seja, alguém devidamente qualificado na área de conhecimento a que respeita o invento. Mas não se exige alguém excepcionalmente dotado ou acima da média, bastando um técnico competente, adequadamente experiente e actualizado.
Embora não faltem tentativas de definição deste conceito etéreo de “actividade inventiva”, não é fácil determinar aquilo que é, ou não, “evidente”, à luz do acervo de conhecimentos anterior. Exige-se ao inventor uma certa dose de criatividade ou imaginação, pois a invenção é algo mais do que mera dedução. É necessário que a ideia inventiva, além de nova, não pudesse ter sido logicamente deduzida por um perito mediano que tivesse tentado resolver o problema em apreço. Essa ideia deve ter algo de inesperado. Se a solução encontrada for algo a que um técnico normal – confrontado com o problema a resolver – tivesse previsivelmente chegado usando os conhecimentos disponíveis, não há actividade inventiva. Ao inventor não chega a “transpiração”: exige-se alguma dose de “inspiração”.”17
Na verdade, segundo a doutrina, a determinação de actividade inventiva é “o requisito cuja sindicação é mais complexa; (…)
Assim, peritos razoáveis na especialidade e juízes ponderados e equilibrados tiram, amiúde, decisões diferentes relativas à mesma invenção. Circunstâncias, estas, cuja insegurança jurídica delas decorrentes tornam, em alguns casos, muito difícil (e imprevisível) a tarefa de avaliação mercadológica dos direitos de patentes para efeitos das múltiplas vicissitudes a que estes direitos podem estar sujeitos (maxime, a transmissão e a licença).
Uma outra consequência desta conatural insegurança jurídica é a percentagem relativamente elevada da improcedência dos recursos de apelação das decisões dos tribunais de 1.ª instância, cujo objecto recursório incida na falta ou presença de actividade inventiva, já que os tribunais de 2.ª instância ficam assim mais relutantes em revogar as decisões dos tribunais de 1.ª instância. (…)”18
Sem prejuízo do que se acaba de dizer, cabe reconhecer que apesar da determinação da actividade inventiva consubstanciar matéria de direito, “Já constitui, pelo contrário, matéria de facto a questão da determinação do estado da técnica, dos conhecimentos imputáveis e exigíveis ao perito na especialidade, bem como a comparação da solução técnica reivindicada com o estado da técnica coetâneo da data do pedido ou da data da prioridade.”19 (o sublinhado é nosso)
Voltando ao caso vertente, o problema suscita-se em relação à inexistência de matéria de facto ou quaisquer outros pareceres técnicos que contrariem fundadamente as conclusões do relatório de exame proferido pela Direcção Nacional da Propriedade Intelectual da RPC.
Nos termos do art.º 85.º n.ºs 1 e 2 do RJPI, o relatório de exame da invenção é efectuado por uma das entidades designadas, que “são o Instituto Europeu de Patentes e as demais que forem especificadas através de despacho do Chefe do Executivo, a publicar no Boletim Oficial”.
É de reparar que, por Aviso do Chefe do Executivo n.º 7/2004 foi publicado o «Acordo de Cooperação entre a Direcção Nacional da Propriedade Intelectual e a Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau na Área dos Direitos de Propriedade Intelectual», através do qual a DNPI e DSE (actual DSEDT) da RAEM acordaram desenvolver, na base de princípios de igualdade e de benefício mútuo, cooperação na área da protecção da propriedade intelectual, passando aquela entidade a ser uma das entidades examinadoras de patente designada nos termos do RJPI da RAEM.
E nessa qualidade da entidade examinadora designada, a DNPI presta à DSE (actual DSEDT) “apoio técnico na elaboração de relatório de exame ou seja relatório de busca cm parecer para efeitos da decisão dos pedidos de patente de invenção e de patente de utilidade apresentados na RAEM” (art.º 3.º do Acordo).
O relatório de exame constante dos presentes autos foi precisamente proferido pela DNPI.
Ora, não obstante a insistência da recorrente, não é de elevada relevância alegar que noutras jurisdições se decidiu de modo diferente porque como se viu supra – não obstante tal ser indesejável – é da própria natureza deste critério que dificilmente se possa efectuar um “exame totalmente livre de condicionamentos subjectivos e das naturais e inevitáveis pré-compreensões”, o que leva a que peritos da especialidade tirem conclusões diversas quanto à mesma invenção.20
Além disso, não se pode tão-pouco perder de vista a possibilidade desse requisito ser aplicado com maior benevolência noutras jurisdições: “(…) a forma benevolente como este requisito tem vindo a ser aplicado na prática do INPI e do IEP implica que um invento que goze de novidade só excepcionalmente deixará de ser qualificado como inventivo. O que pode levar a que, na prática das repartições de patentes, “novidade” e “actividade inventiva” se tornem quase sinónimos.”21
Por outro lado, no interior da China, o padrão quanto à actividade inventiva pode ser ligeiramente superior, por exemplo, ao padrão exigido pelos Estados Unidos da América.22
Assim, “a determinação da actividade inventiva está dependente da alegação e prova de um conjunto de ocorrências da vida real (factos) que somente são percepcionáveis e avaliáveis por peritos ou especialistas na matéria (desde logo, pelos examinadores dos institutos de propriedade industrial), cujos contornos fáctico-jurídicos estão condicionados pelos documentos juntos aos autos e pelas concretas alegações do requerente ou das partes, aqui onde, não raro, os factos complementadores ou concretizadores da causa de pedir (os quais são factos essenciais ou principais), bem como os factos instrumentais podem apresentar variáveis técnicas cujas qualificações jurídicas não uniformes geram, não raro, decisões administrativas e jurisdicionais diferentes para a mesma invenção ou grupo de invenções (ligadas pelo mesmo conceito inventivo) nos vários territórios estaduais onde as patentes produzem efeitos.”23 (o sublinhado é nosso)
Como já foi referido, ao abrigo do artigo 3.º do referido Acordo assinado, é a DNPI designada que vai efectuar o relatório de exame da invenção, tendo “por objectivo especificar os elementos do estado da técnica que devem ser levados em consideração para apreciar a novidade da invenção, bem como para apreciar a actividade inventiva” (art.º 85.º n.º 1 do RJPI).
Isto significa que a apreciação da actividade inventiva vai, naturalmente, ser feita de acordo com os critérios seguidos pela entidade designada (e de forma coerente com as normas legais da RAEM, por exemplo, o art.º 65.º do RJPI que define o estado da técnica).
Os examinadores da DNPI ao apreciarem a actividade inventiva seguem um “método de três passos” (semelhante ao teste problema/solução, teste tripartido do Instituto Europeu de Patentes24) que se desenrola da seguinte forma:
1) Num primeiro momento, é feita a identificação do estado da técnica;
2) Posteriormente, procede-se à identificação (a) da(s) característica(s) técnica(s) que distingue(m) a reivindicação em causa do estado da técnica e (b) do(s) problema(s) técnico(s) a ser(em) resolvido(s) pela(s) característica(s) técnica(s) distintiva(s); e,
3) Finalmente, é feita uma apreciação no sentido de determinar se a inclusão da(s) característica(s) técnica(s) distintiva(s) é evidente em face (a) da divulgação de outro documento contido no estado da técnica ou (b) do conhecimento geral comum.25
Neste terceiro momento, averigua-se se “um perito da especialidade deveria estar tecnicamente motivado para alcançar a solução técnica reivindicada e descrita.”26 e, nesse caso, a invenção seria óbvia.
Dito isto, a nosso ver, a recorrente não apresentou quaisquer elementos de prova documental, testemunhal ou pericial (o que não se confunde com o art.º 280.º do RJPI), que directamente infirmassem as conclusões do relatório de exame efectuado pela DNPI, os conhecimentos imputáveis e exigíveis a um perito ou a “obviedade” da invenção para um profissional do sector (não basta afirmar que noutra jurisdição, sobre reivindicação semelhante, se decidiu de outro modo pelas razões já expostas) nem tão-pouco ofereceu quaisquer pareceres técnicos que pudessem apoiar uma leitura diferente quanto à existência de actividade inventiva em absolutamente todas as reivindicações (1 a 96) do pedido de patente em causa27.
A recorrente limitou-se a defender o seu ponto de vista quanto à actividade inventiva das referidas reivindicações (recorrendo também, é certo, a comparações com relatórios de exame elaborados noutras jurisdições sobre reivindicações “semelhantes”, elemento de pouco valor em face do princípio da territorialidade e do que acima já se deixou dito), pelo que não se afigura censurável que, na ausência de outros elementos e factos, e considerando a dificuldade da aferição da actividade inventiva, as Instâncias aceitem as conclusões constantes do relatório de exame, tendo sido adoptado o entendimento proposto pelo único parecer constante dos autos elaborado por perito – o relatório de exame.
Como se sabe, o relatório de exame é um parecer técnico elaborado por um perito na especialidade, “qual perfil abstracto de uma pessoa ou um grupo de pessoas tecnicamente qualificadas – é o profissional tecnicamente preparado no sector tecnológico relevante, ao qual é suposto ser predicado um acervo de conhecimentos e aptidões para conhecer e compreender os conhecimentos gerais pre-existentes nesse sector tecnológico (e em sectores vizinhos) na data da prioridade.” 28
Por isso, não obstante estar em causa uma questão de direito, claro está que as Instâncias adoptaram o entendimento proposto pelo único parecer constante dos autos elaborado por perito – o relatório de exame – sendo que nenhum outro facto ou elemento permitia concluir que o pedido de patente em causa não resultava de forma evidente para um profissional do sector, não se podendo assim censurar a conclusão seguida pelos Tribunais (e pela DSEDT).
Acrescentando, constata-se no relatório de exame efectuado pela DNPI que esta entidade fez a devida avaliação sobre as reivindicações apresentadas pela recorrente, tendo concluído que as mesmas são novas e susceptíveis de aplicação industrial, mas não criativas, conclusão esta que se baseou designadamente na comparação com US 2005/XXXXXXX A1 (28.04.2005).
Tal como se nota no acórdão ora recorrido, a decisão do TJB “para além de reprodução do parecer da DNPI faz uma análise crítica do mesmo”, acabando por acolher a conclusão do mesmo parecer.
Por outro lado, o TSI também fez a sua apreciação quanto à questão de “criatividade” ou “actividade inventiva”, tendo chegado à mesma conclusão (cfr. fls. 222 a 226 dos autos).
E nos termos do art.º 61.º do RJPI, as invenções são patenteáveis desde que sejam novas, impliquem actividade inventiva e sejam susceptíveis de aplicação industrial, que são requisitos necessários de patenteabilidade de invenções.
Faltando um dos requisitos necessários e cumulativos (de criatividade), não é patenteável a invenção para a qual a recorrente pediu o registo de patente.
Tudo ponderado, não se vê o vício de erro de julgamento invocado pela recorrente.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 12 UCs.

                Macau, 27 de Maio de 2022
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

1 Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág.s 318, 319 e 507.
2 Cfr. Ac.s do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Abril de 2015, Proc. n.º 163/15.0YRLSB.L1-2 e do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Novembro de 2012, Proc. n.º 6439/07.3TBMTS.P1, citados a título de direito comparado.
3 Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 22.ª Edição Actualizada, 2009, pág. 873, anotação ao art.º 649.º, semelhante ao art.º 552.º do CPC de Macau, com citação do Ac. RC, de 11.11.2003; CJ, 2003, 5.º-19.
4 Ac.do TUI, de 23 de Outubro de 2015, Proc. n.º 64/2015.
5 A. Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122.º, pág. 112.
6 Viriato de Lima, Manual de Direito Processual Civil – Acção Declarativa Comum, 3.ª Edição, pág. 536.
7 Ac. do TUI de 20 de Fevereiro de 2019, Proc. n.º 102/2018, entre outros.
8 Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 140.
9 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, 3.ª edição, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2018, p. 568.
10 Cfr. Ac. do TUI, de 15 de Fevereiro de 2012, Proc. n.º 1/2012.
11 Cfr. Ac. do TUI, de 14 de Julho de 2004, Proc. n.º 21/2004.
12 Cfr. Ac. do TUI, de 16 de Janeiro de 2008, Proc. n.º 5/2007.
13 Já em 1982 tinha o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal entendido que “Considera-se questão de direito o saber se uma invenção é, ou não, carecida de novidade para efeito do disposto no n. 7 do artigo 4 do Código da Propriedade Industrial; mas só é possível chegar a uma conclusão a tal respeito após a análise das características da invenção que se pretende patentear, no sentido de saber se ela contém elementos capazes de integrar o conceito jurídico de ‘novidade’.” (Acórdão proferido no Processo n.º 070249)
14 Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, Noções Fundamentais, 2.ª Edição, pág. 62, nota 120.
15 Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação por Luís Couto Gonçalves, anotação de J.P. Remédio Marques, pág. 294.
16 Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação por Luís Couto Gonçalves, anotação de J.P. Remédio Marques, pág. 286.
17 Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, Noções Fundamentais, 2.ª Edição, pág.s 61 e 62.
18 Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação por Luís Couto Gonçalves, anotação de J.P. Remédio Marques, pág. 285.
19 Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação por Luís Couto Gonçalves, anotação de J.P. Remédio Marques, pág. 294, nota 422.
20 Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação por Luís Couto Gonçalves, anotação de J.P. Remédio Marques, pág.s 285 e 295.
21 Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, Noções Fundamentais, 2.ª Edição, pág. 63.
22 Cfr. o texto publicado por Shuo Liu, The Inventive Step in Chinese Patent Law Compared with the U.S. Non-Obviousness Standard, disponível na internet.
23 Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação por Luís Couto Gonçalves, anotação de J.P. Remédio Marques, pág. 285.
24 A este respeito, veja-se o Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação por Luís Couto Gonçalves, anotação de J.P. Remédio Marques, págs. 288 e seguintes e, também, https://www.epo.org/law-practice/legal-texts/html/guidelinespct/e/g_vii_5.htm.
25 Cfr. Orientações para o Exame de Patentes, publicadas no website do DNPI.
26 Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação por Luís Couto Gonçalves, anotação de J.P. Remédio Marques, pág. 291. No mesmo sentido, com respeito ao exame levado a cabo pela DNPI, veja-se o artigo de Shuo Liu, The Inventive Step in Chinese Patent Law Compared with the U.S. Non-Obviousness Standard, já citado.
27 Em sentido semelhante, cfr. o Ac. do TSI, Proc. n.º 597/2020, onde se deixou sumariado que “o relatório da CNIPA concluiu pela falta de novidade, conclusão esta que não foi contrariada nesta sede de recurso mediante novo relatório, nem se verifica erro na apreciação dos elementos submetido à apreciação por parte do Tribunal recorrido, é de manter a decisão recorrida.”
28 Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação por Luís Couto Gonçalves, anotação de J.P. Remédio Marques, pág.s 287 e 288.
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Processo n.º 145/2021