打印全文

Processo nº 281/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 28 de Setembro de 2022

ASSUNTO:
- Embargos
- Conhecimento de mérito
- Caso julgado

SUMÁRIO:
- Se os embargos de executado tiverem por fundamento questão de mérito quanto à validade do título e/ou à existência da obrigação o que nele se decidir forma caso julgado quanto àqueles sujeitos, causa de pedir e pedido.


_______________
Rui Pereira Ribeiro





Processo nº 281/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 28 de Setembro de 2022
Recorrente: Administração do Edifício X
Recorridas: A e B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

A e,
B, com os demais sinais dos autos,
vieram deduzir embargos à execução contra si instaurada pela Exequente
Administração do Edifício X, também, com os demais sinais dos autos.
   Alegam em síntese as Embargantes as causas que conduzem à nulidade ou anulabilidade da deliberação tomada na assembleia geral de condóminos do Edifício X em 11.06.2017 por entenderem que viola o disposto no nº 2 do artº 1332º do C.Civ. e em consequência pedem que:
   Requer-se ao tribunal que declare que a deliberação tomada na assembleia geral de condóminos do Ed. X em 11.06.2017 não pode servir de título executivo para a cobrança da quantia exequenda de MOP88.264,00, total de 34 prestações mensais de condomínio e fundo de serva relativas à fracção autónoma “Ar/c”, para comércio, do prédio descrito sob o n.º ... na Conservatória do Registo Predial de Macau, denominado Edf. X, do prédio de 01.04.2018 a 31.01.2021:
1. Por ser nula, já que viola o art. 1332.º, n.º 2, do C.C., que estabelece o princípio de redução das despesas com as partes comuns aos condóminos beneficiados com o seu uso, o que contraria a ordem pública e norma legal destinada à tutela do interesse público;
   Subsidiariamente,
2. Por haver sido anulada, por violar o art. 1332.º, n.º 2, do C.C., que estabelece o princípio de redução das despesas com as partes comuns aos condóminos beneficiados com o seu uso.
   Admitidos os embargos, foi notificada a Exequente e Embargada para contestar o que fez invocando a excepção do caso julgado uma vez que no processo que correu termos no Tribunal Judicial de Base sob o nº CV2-19-0004-CEO-A, em embargos deduzidos por estas mesmas Embargantes contra a mesma Embargada já foi apreciada a validade da deliberação tomada na assembleia geral de condóminos do Edifício X em 11.06.2017, tendo ali sido decidido que embora a referida enfermasse de vício que pudesse conduzir à sua anulabilidade, não tendo o mesmo sido arguido dentro do prazo para o efeito, já não pode aquela deliberação ser impugnada, tendo-se o vício por sanado. Pelo que, tendo aquela decisão força de caso julgado material, pugnou pelo indeferimento dos embargos à execução.
   Proferida decisão nos embargos decidiu-se:
   - Julgar improcedente a excepção do caso julgado invocada pela Embargada;
   - Sendo anulável a deliberação tomada na assembleia geral de condóminos do Edifício X em 11.06.2017 e podendo aquela invalidade ser arguida nestes autos de embargos, entendeu-se que o título dado à execução estava inquinado pelo que, não podia servir de título executivo e em consequência ordenou-se o arquivamento da execução.
   
   Não se conformando com aquela decisão no que concerne à pronúncia quanto à excepção do caso julgado veio a Embargada e Exequente interpor recurso da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
․Primeiramente, a decisão do tribunal a quo está envolvida na violação de caso julgado material, com base nos motivos seguintes:
➢➢Mal entendimento ao “caso julgado formal sobre a relação processual” e ao “caso julgado (material)
1. O tribunal a quo salientou que a respectiva decisão pertencia apenas ao “caso julgado formal sobre a relação processual”, pelo que a respectiva força obrigatória estava limitada ao referido procedimento, não podendo ser alargada ao procedimento do juízo a quo. No entanto, com o devido respeito, a recorrente não concorda com esta opinião;
2. No processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A), as recorridas (ou sejam, executadas/embargantes) invocaram a nulidade ou anulação da deliberação, e o fundamento invocado por estas poderia impedir ou extinguir a dívida a ser executada, o que obviamente é uma "oposição de mérito à acção executiva" e não formal ou de requisitos de pressuposto;
3. Em relação à “oposição de mérito à acção executiva” levantada pelas recorridas no processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A), o tribunal em causa chegou a apreciar o conteúdo substancial da respectiva deliberação (ou seja, deliberação da assembleia de condóminos do Edifício X de 11 de Junho de 2017) e considerou que a deliberação era anulável;
4. De acordo com a decisão do tribunal do processo anterior, pode-se concluir que o vício da deliberação é anulável, e esse vício será sanado pelo decurso do tempo, ou seja, se a deliberação não for anulada no prazo legal pelas pessoas com legitimidade, passa a ser definitivamente válido;
5. Por outras palavras, a nível jurídico, pelo decurso do tempo, essa deliberação (ou seja, o título executivo no qual este processo e o processo anterior se baseiam) foi sanada e é uma deliberação válida, ou seja, a deliberação não tem vício para poder ser anulada;
6. Além disso, do ponto de vista da sequência lógica, ao determinar o prazo para as partes impugnarem a deliberação em questão, é necessário primeiro ouvir que tipo de vício jurídico é a deliberação relevante, ou seja, é necessário determinar se o vício na deliberação relevante é inválido ou anulável, a fim de determinar se a impugnação entre as partes foi suscitada dentro do prazo legal;
7. Por outras palavras, no processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A), o tribunal havia apreciado plena e substantivamente a deliberação em questão, tendo constatado que a deliberação continha o vício anulável, pelo que reconheceu que as embargantes não apresentaram a arguição de anulação dentro do prazo legal (a anulabilidade só pode ser arguida dentro do prazo de 60 dias a contar da data em que a deliberação foi tomada ou a partir da data em que ele teve conhecimento da deliberação, mas nunca após 1 ano sobre a data da sua tomada – nos termos do artigo 1351º do Código Civil) e rejeitou o pedido das embargantes;
8. Além disso, uma das razões pelas quais o tribunal a quo determinou que a decisão do processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A) era apenas um "caso julgado formal" é que considerou que o conhecimento do tribunal do processo anterior sobre esta deliberação foi apenas uma "… em primeiro segmento conhecido veiculou uma questão formal1", e a recorrente não pôde concordar com este ponto de vista;
9. De facto, no processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A), o tribunal realmente apreciou se a respectiva deliberação contivesse ou não o vício e considerou que a respectiva deliberação era anulável, mas porque "os factos provados revelaram que as embargantes não apresentaram a arguição após a deliberação ou depois de terem tomado conhecimento da deliberação dentro de 60 dias, por esse motivo, o vício da referida deliberação foi já sanado.";
10. Pelo que, o conhecimento do tribunal do processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A) sobre a deliberação não se deteve no conhecimento às questões processuais, mas no conhecimento do mérito da causa à deliberação envolvida no processo, e então decidiu que os motivos dos embargos e o pedido não foram estabelecidos;
11. Por último, quanto às opiniões de que o tribunal a quo entende: “No processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A) julgou-se pela exequibilidade do título executivo que também aqui é arrimo da pretensão exequenda, por conseguinte quanto a um pressuposto processual específico da execução.
Esta foi uma decisão formal, que não material, que, nas palavras de Lebre Freitas, tendo como fundamento um aspecto de natureza processual, sendo seu objecto uma pretensão de acertamento negativo da falta de pressuposto processual (específico) da acção executiva, leva a que, por isso, sendo a oposição improcedente, se reconheça a sua admissibilidade (ou, vice versa, leva a que, por isso, sendo a oposição procedente, se reconheça a sua inamissibilidade.”, salvo o devido respeito das opiniões diferentes, a recorrente também não concorda com isso;
12. Relativamente à opinião do académico português, LEBRE DE FREITAS, citada pelo tribunal a quo, esta deve ser entendida como "falta de título executivo" quando foi instaurado o processo de execução, mas existe efectivamente a doutrina de que "o título executivo" é um pressuposto específico do procedimento de execução, e os embargos baseados nisso são "oposição com fundamento processual";
13. No entanto, os embargos à relação de dívida por trás do título executivo devem, sem dúvida, ser uma "oposição de mérito", especialmente quando o fundamento para invocar é que a dívida é inerentemente viciada;
14. A esse respeito, a recorrente gostaria de considerar que o tribunal a quo não considerasse integralmente a parte restante do artigo de LEBRE DE FREITAS, afirma claramente o académico: “(…) quando tem um fundamento processual, o seu objecto é uma pretensão de acertamento negativo da falta dum pressuposto processual da acção executiva, que, por isso, sendo a oposição procedente, é reconhecida como inadmissível; quando veicula uma oposição de mérito à execução, o seu objecto é uma pretensão de acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo (judicial ou não), cujo escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva, mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal. No primeiro caso, a circunscrição da eficácia da sentença dos embargos ao processo executivo não é duvidosa, uma vez que a sentença mais não produz do que um caso julgado formal (art. 672.o CPC). O segundo caso, porém, leva a equacionar a questão da formação dum caso julgado material2”. (sublinhado e negrito colocado pela recorrente);
15. Quer no processo anterior, quer neste processo, nunca existiu uma situação de "falta de título executivo", e o título executivo (ou seja, deliberação) existe e está anexado aos autos de execução, que a questão vem sendo arguida do início ao fim, é a legalidade da relação de dívida contida no título executivo;
16. Portanto, o tribunal do processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A) decidiu que a deliberação relevante foi sanada e se tornou efectiva, e a decisão relevante é obviamente uma decisão de mérito e constitui um caso julgado material;
17. Face ao acima exposto, o tribunal a quo determinou erradamente que a decisão do tribunal do processo anterior constituía apenas um "caso julgado formal", conforme acima referido, o conhecimento do processo anterior sobre a respectiva deliberação foi um conhecimento de mérito, a decisão constitui um "caso julgado material" e, portanto, tem o “valor da sentença transitada em julgado” aludido no no. 1 do artigo 574º do Código de Processo Civil de Macau, tendo também força obrigatória dentro do presente processo de embargos (CV2-19-0004-CEO-A).
➢ Mal entendimento à causa de pedir de execução de embargos
18. O tribunal a quo entendeu que as causas de pedir no processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A) e na decisão recorrida eram diferentes, e salientou: “(…) sua causa de pedir é a invalidade da deliberação dada à execução em segmento preciso e como suporte de valor exequendo relativo a período distinto do que se discutiu naqueles primeiros embargos. Não é só, pois, a validade da deliberação de 2017 qe (sic.) está em causa.”;
19. Perante o facto de o tribunal a quo ter dividido a causa de pedir no processo de embargos de acordo com tais períodos de tempo, salvo o respeito às diferentes opiniões, a recorrente não concorda com essa interpretação do tribunal a quo;
20. Quanto à causa de pedir nos embargos à execução, sabe-se que os embargos à execução é um procedimento com natureza declarativa anexado ao procedimento executivo. Embora esteja anexado ao procedimento de execução sob a forma de apenso, é uma acção declarativa independente em essência e estrutura, e a causa de pedir no processo de embargos girará, de facto, em torno da causa de pedir na acção de execução, mas os dois não devem ser confundidos;
21. Sinceramente, como acima referido, quer no processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A) quer neste processo (CV3-21-0016-CEO-A), os embargos suscitados pelas recorridas (as embargantes) baseiam-se no facto de a fixação dos condomínios na deliberação ter violado o no. 2 do artigo 1332o do Código Civil (causa de pedir), e pediram também para declarar a mesma deliberação (ou seja, deliberação da assembleia de condóminos do Edifício X de 11 de Junho de 2017) nula ou anulável, assim rejeitar a execução da embargada;
22. No processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A) e no presente processo (CV3-21-0016-CEO-A), a causa de pedir das recorridas é factos impeditivos ou extintivos da obrigação;
23. Ou seja, o que as recorridas arguiram do início ao fim é a relação de dívida contida no mesmo título executivo, e usaram a mesma causa de pedir para pedir que a mesma deliberação fosse declarada nula ou anulável;
24. A recorrente apenas entende que o tribunal a quo dividiu a causa de pedir dos dois processos de embargos de acordo com os períodos de tempo para a execução do pedido e que salientou que as causas de pedir não eram as mesmas, tratando-se de um mal entendimento quanto ao conceito da causa de pedir de embargos à execução e quebrando as normas legais de que os vícios anuláveis ​​deviam ser arguidos dentro do prazo legal;
25. Uma vez que o processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A) levantou uma "oposição de mérito à acção executiva", e o tribunal do processo anterior proferiu uma decisão de mérito sobre o processo de embargos em causa, e o sujeito, a causa de pedir (ou seja, os factos concretos ou vícios específicos nulos ou anuláveis invocados pelas partes para obter o efeito desejado.) e o pedido do processo anterior e do presente processo são exactamente os mesmos, portanto, para o presente processo, o processo anterior já se trata de um caso julgado, tendo força obrigatória, a decisão do tribunal a quo violou o "princípio da intangibilidade do caso julgado ";
26. Como o atrás descrito, a recorrente apenas entende que os sujeitos, o pedido e a causa de pedir envolvidos no processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A) e no presente processo (CV3-21-0016-CEO-A) são os mesmos, estão também de acordo com o no. 1 do artigo 417º do Código de Processo Civil e, nos termos do artigo 375º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações, devendo, nos termos da alínea j) do artigo 413º e artigo 416º do mesmo diploma, indeferir os embargos à execução das recorridas;
Embora o tribunal a quo entendesse a causa de pedir envolvida nos dois processos de embargos ser diferente, a decisão do tribunal a quo também violou a “autoridade do caso julgado”, os motivos e fundamentos são os seguintes:
27. Como o atrás descrito, o processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A) é "caso julgado material" e sua função positiva é que quando o mesmo ou outros tribunais tomem decisão aos tais processos, o caso julgado tem força vinculativa para impedir inconsistências na decisão do mesmo ou de outros tribunais sobre a relação substantiva em litígio;
28. Sinceramente, em princípio, a limitação objectiva do caso julgado reflecte-se na identidade do pedido e da causa de pedir, mas, os meios teóricos e as jurisprudências actuais também acreditam que na "autoridade do caso julgado", embora a causa de ação seja diferente, mas a força do caso primeiramente julgado também pode ser sustentada, por exemplo, a sentença nº 6659/08. 3TBCSC.L1.S1 proferida em 28 de Março de 2019 pelo Supremo Tribunal de Portugal também mencionou que, “A autoridade do caso julgado não depende de verificação integral da tríplice identidade prescrita no artigo 581.o do CPC, mormente no plano do pedido e da causa de pedir. (…)” (sublinhado e negrito colocado pela recorrente);
29. Salienta novamente que no processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A), o que o tribunal do processo anterior realmente conheceu foi o controverso de toda a deliberação da Assembleia Geral de 11 de Junho de 2017, ou seja, em relação a toda a deliberação da assembleia geral de 11 de Junho de 2017, “por as embargantes não terem apresentado arguição anulável no prazo legal, o vício foi sanado" - ou seja, a deliberação tornou-se uma deliberação válida;
30. Qualquer situação contraditória ou incompatível com esta, seja excluída pela força do caso primeiramente julgado, o que é “autoridade do caso julgado”;
31. Face ao exposto, no enquadramento de que a deliberação da Assembleia Geral de 11 de Junho de 2017 foi sanada e finalmente transformada em deliberação válida no processo anterior, a sentença do tribunal a quo indiscutivelmente contrariou a situação que a deliberação tivesse sido estabelecida no processo anterior e violou a “autoridade do caso julgado”, ou seja, contendo o vício de violar as disposições do artigo 574º do Código de Processo Civil;

A decisão do tribunal a quo, para além de violar a força obrigatória do “caso julgado”, encontra-se mal-entendido o cálculo do prazo do direito de acção anulável, os motivos e fundamentos relevantes são os seguintes:

․Conhecimento oficioso – Caducidade do direito de ação (sic.)
32. Quanto ao vício anulável da deliberação, a lei estipula expressamente a duração do direito de acção - a anulabilidade só pode ser arguida dentro do prazo de 60 dias a contar da data em que a deliberação foi tomada ou a partir da data em que ele teve conhecimento da deliberação, mas nunca após 1 ano sobre a data da sua tomada – nos termos do artigo 1351º do Código Civil - findo o prazo, extingue-se o direito processual;
33. O Tribunal a quo invocou o artigo 1351º e no. 2 do artigo 280º do Código Civil de Macau para interpretar que o direito de acção anulável a ser exercido pelas recorridas contra a deliberação de 2017 não estava expirado. A esse respeito, deve-se destacar que a respectiva deliberação foi integralmente executada após a aprovação da deliberação, mas a relação de dívida era uma dívida de longo prazo, mas, não houve situação em que “o negócio não estiver cumprido" conforme determinado pelo tribunal a quo;
34. Por fim, antes da instauração de acção anunlável, a referida deliberação era considerada válida, não tendo sido anulada por pessoa legítima no prazo legal, tornando-se também deliberação definitiva e válida, que continuaria a ter efeito e ser executada, portanto, não existindo o facto de "contínua a violar as disposições do no. 2 do artigo 1332º do Código Civil" declarado pelo tribunal a quo, a deliberação já foi convertida em deliberação válida;
35. Quanto à deliberação de 11 de Junho de 2017, as recorridas apresentaram pedido anulável nos embargos à execução de 4 de Março de 2021, isto obviamente ultrapassou o prazo do direito de acção anulável estipulado no artigo 1351º do Código Civil de Macau;
36. De acordo com o parecer de FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA, Juiz do Supremo Tribunal de Portugal: “Os prazos processuais são típicos prazos de caducidade. Decorridos estes (e salvos os casos de justo impedimento ou de prorrogabilidade legal), nem o juiz pode abrir novo prazo para a prática do ato, nem as partes o podem convencionar. É《matéria excluída da disponibilidade das partes》. Exemplos de casos de prazos de caducidade do exercício do direito de ação (…)3” (sublinhado colocado pela recorrente);
37. De acordo com o parecer supracitado, verifica-se que o prazo de caducidade do direito de acção é matéria que exclui a disposição das partes, cabendo ao tribunal julgá-lo, de forma oficiosa, pelo que, caso o honorável tribunal de recurso não tenha concordado com os fundamentos de recurso da supracitada "violação de caso julgado material", a recorrente apenas pediu ao tribunal superior que considerasse, de forma oficiosa, o mal entendimento do tribunal a quo sobre o vício no cálculo do prazo do direito de acção anulável.
  
   Contra-alegando vieram as Embargantes e Executadas, ora Recorridas, apresentar as seguintes conclusões:
I. O presente recurso tem que se limitar a ter por fundamento o caso julgado, pois sendo o valor dos embargos igual ao da execução de MOP$88,264.00, o mesmo é inferior à alçada do tribunal de primeira instância e o recurso só foi aceite por a Recorrente ter declarado que o mesmo tinha esse fundamento - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos art.s 583.º, do CPC e 18.º da Lei de Bases da Organização Judiciária.
II. Nesta execução o título executivo que incorpora a dívida exequenda é compósito, pois tem por base a acta de onde consta a deliberação da aprovação do orçamento anual que fixa os encargos de condomínio e de fundo de reserva a cargo dos condóminos, mas o efectivo título executivo é a cópia das facturas das prestações mensais de condomínio e fundo de reserva apresentadas ao condómino no momento próprio pela administração, em momento posterior ao momento dessa deliberação e em sua execução, de uma forma periódica e continuada - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação do art. 18.º da Lei n.º 14/2017.
III. A acta de onde consta a deliberação que as aprova, não é mais que um acto legitimador destas futuras prestações, aliás à semelhança do que se prevê no artigo 681.º do CPC, que exara poderem servir de base à execução os documentos exarados ou autenticados por notário, nos quais se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras, desde que se prove por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes, ou sendo eles omissos, por documento revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.
IV. A acta que contém a deliberação aprovada que fixa as prestações com os encargos recorrentes do condomínio, que-serve de acto legitimador à factura que contém a dívida exequenda, diz respeito a uma reunião da assembleia geral de condóminos do Edf. X realizada em 11 de Junho de 2017 (sendo suposto vigorar só até Janeiro de 2018, mês em que deve ser realizada nova assembleia geral ordinária de condóminos, que tem na sua ordem de trabalhos, por matéria obrigatória, a aprovação do orçamento para o ano em curso e a fixação das prestações de condomínio), e a factura que integra o título executivo é uma factura junta à petição inicial de execução (que deu entrada no tribunal em 25.01.2021), ora em causa, datada de Janeiro de 2021, que interpela ao pagamento de 34 prestações mensais de condomínio e fundo de reserva, relativas ao período de Abril de 2018 a Janeiro de 2021, num total de MOP$88,264.00.
V. O que foi posto em causa nos Embargos à Execução interpostos pelas Recorridas é se essa deliberação, materialmente inválida, por contrariar o disposto no revogado art. 1332.º, n.º 2, do C. Civil então em vigor (e continuar a contrariar o disposto no art. 8.º, n.º 2, da Lei n.º 14/2017, que lhe sucedeu), poder ainda ser acto legitimador da emissão da factura que constitui a dívida exequenda e que respeita a prestações mensais de condomínio e de fundo de reserva do período de Abril de 2018 a Janeiro de 2021, é que se o não for inexiste título executivo, e tal é o pedido formulado nos embargos, que tal deliberação não pode servir de título executivo às 34 prestações mensais de condomínio e fundo de reserva, da fracção autónoma “Ar/c” do Ef. X, e respeitantes ao período de 01.04.2018 a 31.01.2021, por a mesma padecer de nulidade absoluta ou relativa.
VI. As Recorridas estão em tempo de arguir a nulidade relativa ou anulabilidade, por não haverem votado a favor de tal deliberação e por a mesma estar ainda a ser executada - sendo a execução a que os embargos foram opostos, manifestação disso -, caso em que inexiste prazo para a sua arguição - entendimento diverso faria indevida interpretação do art. 1351.º do C.C., que excepcionava dos prazos de caducidade aí previstos a impugnação por anulabi1idade de deliberação que carecesse de cumprimento / execução, nos termos do art. 280.º, n.º 2, do C. C., aplicável em geral à anulabilidade dos actos, e que foi expressamente positivado, de forma cabal e completa, no art. 35.º, n.º 3, da Lei n.º 14/2017.
VII. Na decisão recorrida o Mmo. Juiz “a quo”, entende e bem, que o que se julgou em anteriores embargos a outra execução CV2-19-0004-CEO-A, cuja decisão a Recorrente alega haver formado “caso julgado” em relação a estes Embargos, foi a exequibilidade do título, e que, sendo o título executivo um pressuposto processual específico da execução, a decisão é formal e não de mérito, por respeitar a aspecto processual, pois tem por objecto uma pretensão (um pedido) de acertamento negativo de falta de pressuposto processual (específico) da acção executiva e, que, assim, só produz força de caso julgado dentro do processo CV2-19-0004-CEO, conforme disposto no art. 575.º do CPC.
VIII. A decisão recorrida, decidiu e bem, que ainda que se não entenda o título executivo como pressuposto processual específico da execução, ainda assim, a decisão que se invoca, como “caso julgado” porque só decide da improcedência do pedido de embargos com fundamento num obstáculo formal, qual seja a caducidade do direito da acção de impugnação por anulabilidade da deliberação, não incorpora uma decisão de mérito, porque não decide o pedido com fundamento na causa de pedir.
IX. Segundo a teoria da substanciação, a causa de pedir no processo civil é composta pelos factos e pelos fundamentos jurídicos do pedido, sendo, portanto, exigida a cumulação da narrativa desses dois eventos (factos + fundamentos) e o fundamento jurídico do pedido não se refere à indicação da norma jurídica aplicável à espécie (do direito), mas sim à narrativa da causa de pedir, devendo a parte, portanto, fazer narrativa tanto da causa de pedir remota, como da próxima, pois só com a identidade desses dois elementos da causa de pedir e do pedido, é-que se pode comparar uma pretensão à outra, e concluir pela identidade de acções que é pressuposto do instituto de caso julgado (já que o outro elemento da tríplice identidade necessária, os sujeitos, não está em causa, nestes autos e é o de mais fácil verificação).
X. Que as causas de pedir e os pedidos dos embargos dos autos CV2-19-0004-CEO-A e estes são diferentes, é facto de fácil verificação, pelo que, o eventual efeito positivo de um “caso julgado material” não impederia o julgamento de mérito destes segundos embargos.
XI. O que estaria assim por verificar - a entender que a decisão dos anteriores embargos era de mérito, o que não se aceita - era se a forma como a questão da caducidade do direito de impugnação por anulabilidade da deliberação que forma o título executivo foi decidida pelo tribunal dos primeiros embargos, se impõe neste processo - o designado efeito positivo do caso julgado - precludindo sua nova apreciação de mérito e verifica-se que não, porque o “quadro fático” é diverso, a deliberação continua a ser executada e o legislador permite, nos termos do art. 280.º, n.º 2, do Código Civil, arguir a todo o tempo a anulabilidade, tanto por via de acção, como de excepção, perante novo acto de execução.
  
   Foram colhidos os vistos legais.
   
   Cumpre assim apreciar e decidir.
   
II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos Factos

Na decisão recorrida foi dada por assente a seguinte factualidade:
1. As Requerentes são contitulares do direito de propriedade, na proporção de um meio (1/2) para cada uma, da fracção autónoma designada por “Ar/c”, do rés-do-chão “A”, para comércio, com entrada pelo n.º … da Av. …, do prédio, em regime de propriedade horizontal, denominado Edf. X, n.ºs … da Estrada… e … da Av. …, descrito sob o n.º ..., a fls. … do Livro …, com a constituição do regime de propriedade horizontal registada pela inscrição n.º … do Livro …, estando a aquisição registada a seu favor pela inscrição n.º …, do Livro …. (artº1º do embargos)
2. A fracção autónoma tem o valor percentual relativo de 4.8%, conforme pode ser verificado da inscrição de constituição da propriedade horizontal (artº3 dos embargos).
3. O título executivo para a cobrança das 34 prestações mensais de condomínio e fundo de reserva relativa à fracção autónoma “Ar/c”, do período de 01.04.2018 a 31.01.2018, no total de MOP$88.264,00m, que é a quantia exequenda, é a acta da assembleia geral de condóminos do Edf. X de 11.06.2017, onde foi deliberado aprovar proposta de fixação da prestação mensal de condomínio e fundo de reserva da fracção “Ar/c” em MOP$2.596,00 (artº7 dos embargos).
4. Em 11.07.2017, realizou-se a “Assembleia Geral dos Condóminos do Edf. X”, foi deliberado eleger 7 membros da administração (C, D, E, F, G, H e I) para constituir a Administração do condomínio do Edf. X (ou seja, a exequente), sendo a duração do mandato de dois anos (de 01.07.2017 a 30.06.2019) (artº2 da p.i da execução).
5. Na Assembleia Geral do Condomínio do Edf. X, realizada em 11.06.2017, foram aprovados os pagamentos devidos de fundo comum de reserva de despesas de condomínio, para cada fracção autónoma do Edf. X, entre os quais, as despesas de condomínio mensais da fracção A/RC de MOP$2.360,00 e o fundo comum de reserva de MOP$236,00. (vide documento 1 – Plano 2 da Deliberação 3 da Acta da Reunião da Assembleia Geral do Condomínio do Edf. X, realizada em 11.06.2017) (artº12 da p.i. da execução).
6. Embora na Assembleia Geral dos Condomínios do Edf. X, realizada em 17.11.2019, tenha sido aprovado o ajustamento do valor de fundo de reparação e de despesas de condomínio da fracção A/RC de MOP$2.791,00 (MOP$291,00 + MOP$2.500,00), as duas executadas intentaram a acção ordinária declarativa (autos n.º CV3-20-0006-CAO) contra esta deliberação da exequente exigindo a indemnização (artº14 da p.i. da execução).
7. Porém, posteriormente, foi anulada, parcialmente, a aludida deliberação, da Assembleia Geral dos Condomínio do Edf. X, realizada em 2020. (artº15º da p.i. da execução).
8. Na decisão proferida no processo CV2-19-0004-CEO-A, não obstante se considerando anulável a deliberação ora em crise por violação do disposto no artº1332 nº2 do CC e por estar em causa fracção cuja entrada e saída se faz directamente pela via pública – (artº17 da p.i. de embargos), decidiu-se pela validade do título por se ter esgotado o prazo para impugnação daquela deliberação.
  
2. Do Direito
  
   Considerando que o valor da acção é inferior à alçada do Tribunal de primeira instância – nº 1 do artº 18º da Lei nº 9/1999 na redacção introduzida pelo artº 1º da Lei nº 4/2019 – o recurso foi admitido e apenas pode prosseguir quanto ao fundamento invocado da ofensa do caso julgado de acordo com o disposto na al. a) do nº 2 do artº 583º do CPC, sendo assim, irrelevantes as conclusões apresentadas quanto ao mérito da decisão em tudo o mais.
   É o seguinte o teor da decisão quanto à excepção do caso julgado e objecto deste recurso:
   «Invoca-se o caso julgado, alegando-se que a questão objecto destes autos já foi julgado noutro processo.
   De facto, no âmbito de embargos de executado em relação a uma outra acção executiva (CV2-19-0004-CEO), teve-se por objecto a mesma questão que ora surge nestes autos (invalidade da deliberação tomada na assembleia geral de condóminos do Ed. X de 11.06.2017). Todavia nesse processo não se conheceu de mérito da questão por se entender que a reacção perante a deliberação que se executava era extemporânea.
   Também ali, como aqui, se defendeu a falta de título por ser inválida a deliberação dada à execução na parte que releva para titular a quantia exequenda daquele processo.
   Todavia o que se decidiu naqueles autos de embargos, sendo as mesmas as partes, igual o pedido, tendo como objecto a mesma causa pedir, visou reagir a pedido exequendo distinto do dos autos de execução de que este processo é apenso.
   A causa de pedir dos embargos corresponde aos factos reportáveis à invalidade assinalada4, mas deve conjugar-se com o que é objecto da execução e constitui sua causa de pedir.
   A causa da pedir da execução, como sabemos, não é o título executivo como o defendia Alberto dos Reis e Lopes Cardoso5. A causa de pedir, na linha da teoria da substanciação subjacente à redacção do artº417ºnº4 do CPC, é a ocorrência da vida, real ou espiritual, com relevo jurídico: serão os factos constitutivos da obrigação exequenda reflectidos, porém, no título.6
   Ora estes factos são os valores devidos pelas embargantes, estribados na deliberação dada à execução, mas referentes prestações do condomínio distintas daquelas que foram objecto da execução que correu termos no 2º Juízo (CV2-19-0004-CEO).
   Na «nossa» execução os valores em causa são referentes às prestações de 01.04.2018 a 31.01.2018. Naquele processo são referentes às prestações de 01-07.2017 a 31.03.2018.
   De facto o que se discute nestes embargos e é sua causa de pedir é a invalidade da deliberação dada à execução em segmento preciso e como suporte de valor exequendo relativo a período distinto do que se discutiu naqueles primeiros embargos. Não é só, pois, a validade da deliberação de 2017 que está em causa. É a sua validade como requisito essencial para sustentar a pretensão exequenda, ou seja, valores concretos que nunca antes foram pedidos em sede de execução.
   A propósito do alcance do caso julgado (material), expressa a lei que a sentença constitui caso julgado nos limites e termos em que julga (artigo artº576 nº1 do CPC).
   O segmento limites e termos em que julga significa que a extensão objectiva do caso julgado se afere, em regra, face às normas substantivas relativas à natureza da situação que ele define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e dos pedidos formulados na acção.
   No processo anterior (CV2-19-0004-CEO-A) julgou-se pela exequibilidade do título executivo que também aqui é arrimo da pretensão exequenda, por conseguinte quanto a um pressuposto processual específico da execução 7.
   Esta foi uma decisão formal, que não material, que, nas palavras de Lebre Freitas, tendo como fundamento um aspecto de natureza processual, sendo seu objecto uma pretensão de acertamento negativo da falta de pressuposto processual (específico) da acção executiva8, leva a que, por isso, sendo a oposição improcedente, se reconheça a sua admissibilidade 9 (ou, vice versa, leva a que, por isso, sendo a oposição procedente, se reconheça a sua inadmissibilidade).
   Por ser assim a força do caso julgado produz apenas efeitos no processo CV2-19-0004-CEO-A (artº575 do CPC).
   Mas ainda que se considere que o título não é um pressuposto processual específico da execução, importa relevar que nos embargos que são chamados como fundamento obstáculo para o prosseguimento dos presentes autos apenas se verificou uma pronúncia formal e por não se terem tirado consequências do que de substantivo ali se concluiu: vislumbrou-se um obstáculo formal que teve que ver com o prazo para se impugnar a deliberação em crise e apesar de se reconhecer que do ponto de vista substantivo as embargantes, como aqui se decidirá, tinham razão.
   Porque tal decisão não incorpora uma decisão de mérito10, porque se decidiu uma oposição que em primeiro segmento conhecido veiculou uma questão formal (prazo de impugnação da deliberação), refere Lebre de Freitas11 que a circunscrição da eficácia da sentença dos embargos ao processo executivo mais não produz do que um caso julgado formal (artº575 do CPCM), desta sorte só tendo eficácia dentro do processo12.
   Mas mesmo que a decisão daqueles embargos fosse de mérito a conclusão seria sempre a mesma, tudo como se afirma na nota 9 supra referenciada.
   Certo que Lebre Freitas acaba, no entanto, por admitir, a eficácia extraprocessual da decisão de mérito dos embargos13.
   Todavia fá-lo no pressuposto de que (como entende em relação ao direito português e por afirmar inconstitucional a norma que impede a réplica ((ou resposta)) no âmbito dos embargos de executado) se reconheça totalmente assegurado o princípio do contraditório no quadro dos embargos de executado14.
   Não é o que se passa no sistema de Macau por nunca se ter equacionado a recusa, por via da sua inconstitucionalidade, do disposto no artº700 nº2 do CPC ao estabelecer que, após à contestação, não existem mais articulados.
   Tem, pois, a excepção suscitada e em apreciação de naufragar.
   De resto, mal se entenderia que o direito, que se quer justo, permitisse que a ditadura da maioria dos condóminos, teimando em não conformar nova deliberação (portanto impugnável nos prazos legais) para suportar e actualizar os valores devidos pelos condóminos a título de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns (e fundo comum de reserva), apoiados numa deliberação antiga de 2017, viessem sistematicamente executar as embargantes em relação a valores que, anualmente, se vão vencendo.
   Improcede, pois, a excepção de caso julgado invocado pela embargada.».
   
   Vejamos então:
   
   A decisão proferida no processo de embargos que correu termos no Tribunal Judicial de Base sob o nº CV2-19-0004-CEO-A e dada por reproduzida no nº 8 da factualidade apurada consta de fls. 71 a 74 destes autos e aqui se dá por integralmente reproduzida.
   Daquela decisão consta:
   «Na decisão do processo n.º CV2-19-0004-CEO-A consignou-se, sobretudo: “(…) no presente caso, a deliberação da embargada que fez o cálculo da proporção de comparticipação não se trata de uma deliberação nula prevista na dita lei, quanto muito pode ser considerada como vício da irregularidade, devendo ser qualificada como deliberação anulável prevista na dita lei.
   Então, já que tal deliberação padece de vício, pergunta-se, como sendo proprietários da loja A, as embargantes podem ou não arguir tal deliberação? Caso positivo, quando podem arguir?
   Nos termos do artigo 1351.º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do C.C., a anulabilidade só pode ser arguida dentro do prazo de 60 dias a contar da data em que a deliberação foi tomada. Tratando-se de condómino que não foi convocado regularmente para a reunião da assembleia, ou não tendo a deliberação sido devidamente publicitada, o prazo só começa a correr a partir da data em que ele teve conhecimento da deliberação, mas nunca após a ano sobre a data da sua tomada.
   Por força do artigo 1351.º do C.C., as embargantes, em princípio, podem arguir a deliberação desde que fosse feita a arguição dentro do prazo de 60 dias ou do prazo a partir da data em que elas tiveram conhecimento da deliberação, mas nunca após 1 ano sobre a data da sua tomada nos termos da dita disposição legal.
   Dos factos provados resulta que as embargantes não fizeram a arguição dentro do prazo de 60 dias a contar da data em que a deliberação foi tomada ou da data em que elas tiveram conhecimento da deliberação, para tanto, já foi sanado o vício de que padece a deliberação em causa.
   Face ao exposto, não obstante a deliberação da embargada padecer do vício de proporção indevida de comparticipação das despesas de partes comuns do edifício, tal vício foi sanado por os embargantes não terem arguido a anulabilidade no prazo legalmente fixado.
   Assim, improcedem os fundamentos e pedidos de embargos, apresentados pelas embargantes, devendo ser os mesmos indeferidos”».
   Nestes autos pede-se que:
   «Requer-se ao tribunal que declare que a deliberação tomada na assembleia geral de condóminos do Ed. Fong Yiu em 11.06.2017 não pode servir de título executivo para a cobrança da quantia exequenda de MOP88.264,00, total de 34 prestações mensais de condomínio e fundo de serva relativas à fracção autónoma “Ar/c”, para comércio, do prédio descrito sob o n.º ... na Conservatória do Registo Predial de Macau, denominado Edf. X, do prédio de 01.04.2018 a 31.01.2021:
1. Por ser nula, já que viola o art. 1332.º, n.º 2, do C.C., que estabelece o princípio de redução das despesas com as partes comuns aos condóminos beneficiados com o seu uso, o que contraria a ordem pública e norma legal destinada à tutela do interesse público;
   Subsidiariamente,
2. Por haver sido anulada, por violar o art. 1332.º, n.º 2, do C.C., que estabelece o princípio de redução das despesas com as partes comuns aos condóminos beneficiados com o seu uso.»
   A decisão sob recurso um dos pressupostos em que assenta, consiste em considerar que «De facto o que se discute nestes embargos e é sua causa de pedir é a invalidade da deliberação dada à execução em segmento preciso e como suporte de valor exequendo relativo a período distinto do que se discutiu naqueles primeiros embargos. Não é só, pois, a validade da deliberação de 2017 que está em causa. É a sua validade como requisito essencial para sustentar a pretensão exequenda, ou seja, valores concretos que nunca antes foram pedidos em sede de execução», com base no que, entendeu que poderia agora voltar a apreciar da possibilidade da impugnabilidade da deliberação de 2017.
   
   Com todo o respeito pela posição doutamente sustentada não concordamos.
   Poderiamos até acompanhar a decisão recorrida se acaso estive em causa a validade da deliberação para determinado período mas já não para outro.
   Porém, não é essa a situação dos autos.
   Em ambos os processos pedem contra a mesma embargada que o tribunal declare a nulidade ou subsidiariamente anule a deliberação em causa por violação da mesma norma jurídica.
   Nos termos do nº 1 do artº 282º do C.Civ. tanto a nulidade como a anulabilidade têm efeitos retroactivos, ou seja, declarada a nulidade ou anulada a deliberação ela deixa de produzir efeitos desde que foi tomada havendo que ser restituído tudo o que houver sido prestado.
   Destarte, considerando o fundamento invocado – de que a deliberação não podia ter sido tomada no sentido em que o foi por violar o disposto no nº 2 do artº 1332º do C.Civ. – a anulação da deliberação aqui impugnada teria sempre como efeito a sua ineficácia para poder servir de título executivo para todo o tempo.
   Aliás, tal é o que resulta das duas decisões proferidas – a do Processo CV2-19-0004-CEO-A e a agora recorrida – em que se decide apenas da validade da mesma enquanto título executivo nada se dizendo quanto ao período para que serve como tal ou não.
   Concluindo, tendo em consideração o que se pede ao tribunal em sede de embargos – a declaração de nulidade ou a anulação da deliberação que serve de título executivo -, bem como o decidido em ambas as acções, irrelevante é a questão do período relativamente ao qual se reporta a quantia exequenda reclamada na execução.
   
   Muita é a Doutrina citada na decisão recorrida e em sede de alegações de recurso.
   De relevante é, a posição de José Lebre de Freitas, em A Acção Executiva, 4ª Ed. pág. 193 a 195:
   «Mas, em direito, a pura lógica deve ceder à consideração dos interesses em jogo, quando estes imponham uma solução diversa da daquela e por isso era defendida, nas anteriores edições desta obra, a formação de caso julgado na acção de embargos de executado. Esta posição tinha como pressuposto que, ao estatuir que a oposição do executado desse lugar a uma acção declarativa que, a partir dos articulados, seguia a forma de processo ordinário ou sumário, consoante o valor, a lei processual vigente até à reforma da acção executiva estabelecia para os embargos de executado uma forma quase tão solene como a do processo comum. Uma vez que o princípio do contraditório nela é plenamente assegurado, não se justificaria admitir posteriormente outra acção com a mesma causa de pedir em que se pudesse voltar a pôr em causa a existência da obrigação exequenda. Era assim possível concluir que, no caso de oposição de mérito, a procedência dos embargos não se limitava a ilidir a presunção estabelecida a partir do título e, embora sempre nos limites objectivos definidos pelo pedido executivo, gozava de eficácia extraprocessual nos termos gerais, como definidora da situação jurídica de direito substantivo reinante entre as partes (no caso, por exemplo, do pagamento de dívida constante do título, a sentença não declara tanto que a execução não é já possível com base nesse título como que a obrigação exequenda está extinta pelo facto do pagamento, só indirectamente daí resultando a ineficácia do título). A sentença proferida sobre uma oposição de mérito era, pois, dotada da força geral do caso julgado, sem prejuízo de, quando fosse de improcedência, os seus efeitos se circunscreverem, nos termos gerais, pela causa de pedir invocada (negação dum fundamento da pretensão executiva ou excepção peremptória contra ela), não impedindo nova acção de apreciação baseada em outra causa de pedir.
   Esta solução é, porém, hoje questionável, dado que a acção de oposição à execução passou, com a reforma, a seguir sempre, após os articulados, os termos do processo sumário(…)».
   A razão que levou o citado Autor a questionar o efeito do caso julgado no embargos de executado resultou – como se transcreveu – da alteração legislativa em Portugal da qual resultou passar esta forma de processo a seguir sempre os termos do processo sumário, situação que não ocorre em Macau, onde os embargos seguem os termos do processo ordinário ou sumário de declaração conforme o valor nos termos do 2 do artº 700º do CPC.
   Desnecessário se torna acrescentar mais à citação supra.
   Se o fundamento dos embargos for de mérito quanto à existência da obrigação exequenda o que nele se decidir forma caso julgado quanto aos sujeitos naquela acção.
   Ora, como já se referiu em ambas as acções aqui objecto de análise o que se pedia era a nulidade ou anulação da deliberação da assembleia de condóminos que serve de título executivo, pelo que, tendo já sido decidido que, pese embora se entendesse que era anulável, a mesma já não é impugnável, e tendo esta decisão transitado em julgado, não se pode agora, noutra acção entre as mesmas partes vir pedir nova pronúncia sobre a mesma questão, sob pena, de ocorrer aquilo que aconteceu – e que o nº 2 do artº 416º do CPC pretende evitar - que é haver pronúncias do tribunal contraditórias quanto à mesma questão, tendo-se decidido numa acção que a deliberação já não era impugnável e noutra decidido que era impugnável e anulável.
   Assim, sendo evidente que nas acções aqui objecto de análise há identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido, verificados estão os requisitos do artº 417º do CPC, impondo-se concluir pela procedência da invocada excepção do caso julgado.
   A excepção do caso julgado é dilatória – artº 413º do CPC – a qual obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa dando lugar à absolvição da instância nos termos do nº 2 do artº 412º do CPC.
   Termos em que, concluindo pela procedência da mesma deve a Embargada ser absolvida da instância.
   
III. DECISÃO
  
   Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo provimento ao recurso revoga-se o despacho recorrido julgando procedente a excepção do caso julgado e absolvendo a Embargada e Exequente da instância de embargos, com as legais consequências.
   
   Custas a cargo das Embargantes/Recorridas em ambas as instâncias.
   
   Registe e Notifique.
   
   RAEM, 28 de Setembro de 2022
   Rui Pereira Ribeiro
   Lai Kin Hong
   Fong Man Chong
  
  
   
   



1 Quanto a esta parte, o texto original da sentença do tribunal a quo tem a seguinte redação: “Porque tal decisão não incorpora uma decisão de mérito, porque se decidiu uma oposição que em primeiro segmento conhecido veiculou uma questão formal (prazo de impugnação de deliberação) (…)”
2 Vide. FREITAS, José Lebre de, Acção Executiva e Caso Julgado, ROA 53/III (1993), págs. 228 e 229
3 Vide. ALMEIDA, Francisco Manuel Lucas Ferreira de, Direito Processual Civil, Vol II, Almedina, 2015, pág. 45.
4 No excerto declarativo de embargos de executado, o embargante pede que não se reconheça força executiva ao título. Nesse quadro, para concretizar a sustentação da sua pretensão, aquele sujeito tem que invocar aprioristicamente factos susceptíveis de abalar a vis executiva do documento dado à execução.
5 Alberto dos Reis, Comentário, I, pág. 98 / Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3.ª ed., reimp., Almedina, Coimbra, 1992, p. 13/ Ac. do STJ de 24-11-83, BMJ 331/469.
6 Ac. do STJ de 4.3.1997, in sumários de Ac. do STJ, nº9, 1997: “A causa de pedir são os factos, embora no caso da acção executiva devam ser reflectidos no título”.
7 Como refere Remédio Marques, o título executivo é uma condição processual de procedência (específica), porém de carácter formal, condicionando a exequibilidade extrínseca da pretensão: é o invólucro em relação ao qual a lei parte para fazer presumir o direito violado. – In Curso de Processo Executivo à face do Código Revisto, Almedina, p.49
8 Cfr. nota anterior.
9 Acção Executiva e o Caso Julgado, p.228, in https://portal.oa.pt/upl/%7Bd7d8c8e7-0470-4607-9c33-4fea041db89f%7D.pdf
10 Para Castro Mendes, apesar de entender que a decisão da oposição (embargos), sendo de mérito, produz eficácia de caso julgado material, adiante no entanto que a eficácia extraprocessual da sentença de embargos se reflecte apenas na absolvição do executado que obtenha vencimento da própria instância executiva – Acção Executiva, p.60 e 68.
11 Op. Cit., p.229
12 Refere a fls.230/231 da op. cit: «Mas, estruturalmente autónomo, o processo de embargos de executado está ligado funcionalmente ao processo executivo e o acertamento que nele se faz, quer seja um acertamento de mérito, quer seja um acertamento sobre pressupostos processuais da acção executiva, serve as finalidades desta acção. Está na lógica desta construção circunscrever o seu efeito à acção executiva e defender que uma eficácia extra-processual só seria de admitir se, no próprio processo executivo, tivesse lugar uma decisão dotada de força de caso julgado, mas então por força de outra decisão e não como consequência directa da decisão de embargos.»
13 E existe jurisprudência abundante que, mesmo sem esse asseguramento, ou pelo menos sem o referir, admiti o caso julgado material. Vide, por ex. Ac do STl de 19.03.2019, in DGSI
14 Op. cit. pag. 232

---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------


281/2022 CÍVEL 1