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Processo nº 17/2022
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 28 de Setembro de 2022

ASSUNTO:
- Renovação de autorização de residência
- Residência habitual

SUMÁRIO:
1. A norma do artigo 30.º do Código Civil, sendo embora uma norma de conflitos, fornece um importante contributo no sentido do que seja a residência habitual: «considera-se residência habitual o lugar onde o indivíduo tem o centro efectivo e estável da sua vida pessoal». A residência habitual é o centro em torno do qual gravitam as ligações existenciais de uma determinada pessoa;
2. Uma vez assente que o Recorrente não tem residência habitual em Macau e que a mesma é um pressuposto da manutenção e da renovação da autorização de residência, não resta à Administração senão indeferir o pedido de renovação pelas mesmas razões que a vinculariam a declarar a caducidade do acto autorizativo.

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Rui Pereira Ribeiro


Processo nº 17/2022
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 28 de Setembro de 2022
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do despacho proferido pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 12 de Novembro de 2021 que indeferiu o pedido de renovação de autorização de residência temporária da sua filha B, formulando as seguintes conclusões:
1. O acto administrativo recorrido é a decisão da entidade recorrida de indeferir o pedido de renovação (da autorização de residência estendida à filha) apresentado pelo recorrente, da qual este último foi notificado em 29 de Novembro de 2021.
2. No que tange aos pressupostos processuais, compete ao Tribunal de Segunda Instância conhecer do presente recurso contencioso; o recurso foi oportunamente interposto; o acto administrativo em causa é recorrível; a entidade recorrida tem legitimidade passiva; o recorrente tem legitimidade e interesse em agir; e não existe no caso em apreço contra-interessado.
3. Vem o presente recurso interposto com fundamento no vício de violação da lei.
4. Apesar de a entidade recorrida, tendo como fundamento o disposto no artigo 9.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2003, subsidiariamente aplicável por força do artigo 23.º do RA n.º 3/2005, considerar a residência habitual na RAEM como condição da manutenção da autorização de residência, convém salientar que a Lei n.º 4/2003 estabelece os princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência, sendo por isso lei geral, ao passo que e o RA n.º 3/2005 é lei especial reguladora do regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados. Não obstante o artigo 23.º desta lei especial prever expressamente a aplicação subsidiária das disposições da Lei n.º 4/2003, importa sublinhar que a aplicação subsidiária da lei geral apenas tem lugar quando se verifique a omissão da lei especial relativamente às “situações específicas”. Ou seja, as normas da lei geral não são aplicáveis se a lei especial já tiver regulado implicitamente as “situações específicas” e o modo como estas serão tratadas. Trata-se dum princípio jurídico fundamental: a lei especial prevalece sobre a lei geral. Portanto, de acordo com o falado princípio, o artigo 9.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2003 não devia ter sido aplicado subsidiariamente no caso sub judice.
5. Por a conduta do aqui recorrente e sua descendente B preencher as exigências do RA n.º 3/2005 relativamente ao pedido de autorização de residência temporária e à sua renovação, o facto de a referida descendente não ter residido na RAEM de modo habitual e permanente não afecta a autorização de residência temporária que já lhe foi concedida.
6. Caso assim se não entenda, pede que se considere o seguinte: a descendente do recorrente tem o centro da vida em Macau, onde desenvolve a sua vida quotidiana e reside permanentemente. A mesma frequentou creche em Macau (os documentos pertinentes foram perdidos). Na verdade, a menina frequenta escola em Hong Kong porque ainda é muito jovem e precisa dos cuidados de adulto, os quais o recorrente não lhe consegue proporcionar porque está muito ocupado com o trabalho. Razão pela qual a sua mãe, ou seja, cônjuge do recorrente, pode cuidar melhor dela. No entanto, o pai do recorrente também precisa de cuidados quotidianos por causa de doença e incapacidade de se cuidar a si próprio, e a mãe do recorrente, já com idade avançada, não é a pessoa adequada para a tarefa, pelo que esta tem de ser assumida pela nora, ou seja, mulher do recorrente.
7. Portanto, a esposa do recorrente havia de deixar Macau temporariamente para cuidar dos pais do marido em Hong Kong, levando a filha consigo para também poder cuidar dela. Todavia, trata-se dum plano transitório, visto que o pai do recorrente passará a residir, num futuro próximo, em lar para idosos, e depois a menina e a sua mãe voltarão certamente a viver em Macau. Para a família do recorrente (incluindo a filha B), Macau é o centro da sua vida, onde desenvolvem a vida quotidiana e têm domicílio permanente. Acresce que, cremos que qualquer residente de Macau, permanente ou não, tem o direito de escolher onde quer estudar.
8. Além disso, o artigo 9.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2003 não define claramente “residência habitual”, nem assinala o número de dias que a interessada precisa de permanecer em Macau. Quer isto dizer que “residência habitual” é um conceito indefinido que deve ser avaliado caso a caso. Partindo da letra da expressão, sabe-se que a satisfação desta noção não pode depender unicamente dos dias de permanência, sendo antes mais importante analisar os elementos psicológicos do indivíduo, o centro da sua vida e o vínculo real dele a Macau.
9. Ora, a situação do caso em apreço é: a mulher do recorrente, C, e a outra filha D já são residentes permanentes de Macau, onde têm o centro da vida. Apesar de a esposa estar a residir temporariamente em Hong Kong para cuidar do pai do marido, ela regressará à família em Macau quando o sogro consiga encontrar um lar para idosos adequado. A partir de Janeiro de 2020, as deslocações da família do recorrente entre Macau e Hong Kong têm sido afectadas devido à pandemia da Covid-19. No entanto, B voltará certamente a estudar e viver em Macau quando as políticas de entrada e saída voltem a ser normais. O Governo da RAEM sempre dá muita importância à protecção dos interesses dos menores, aos quais devem ser garantido o direito de viver com a família para que possam crescer num ambiente estável.
10. Face ao exposto, Macau fazia parte do crescimento, vida e estudo da menor em causa, que já se adaptou perfeitamente aos hábitos daqui. Além disso, é aqui onde se encontram os seus familiares mais próximos. Sempre considera a cidade o seu único local de residência permanente, seja no passado, no presente ou no futuro. O acto administrativo recorrido causou danos irreparáveis ao recorrente e à sua família, e comprometerá as relações sociais e a vida que a sua filha estabeleceu em Macau.
11. Face ao expendido, a decisão da entidade recorrida está inquinada de erro na aplicação da lei e deve por isso ser anulada nos termos do artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do CPAC e artigos 124.º, 3.º e 5.º do CPA.

  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar apresentando as seguintes conclusões:
1. O acto praticado pela Entidade Recorrida em 12 de Novembro de 2021 que indeferiu o pedido de renovação da autorização de fixação de residência temporária extensivo ao membro do agregado familiar do Recorrente não enferma dos vícios alegados pelo Recorrente.
2. O requisito previsto no artigo 9.º n.º 3 da Lei n.º 4/2003 “Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência” que exige que o titular da autorização de fixação de residência temporária deva residir habitualmente em Macau, é aplicável ao Recorrente e ao seu membro do agregado familiar ao qual é extensiva a autorização de fixação de residência.
3. Para além de cumprir a lei especial (Regulamento Administrativo n.º 3/2005) que prevê que deve manter os pressupostos que fundamentaram a concessão da autorização de fixação de residência, o Recorrente e o seu membro do agregado familiar ao qual é extensiva a autorização de fixação de residência também devem cumprir o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau.
4. Pois o artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 “Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados” estipula expressamente que é subsidiariamente aplicável o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau que inclui a Lei n.º 4/2003 “Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência” e o Regulamento Administrativo n.º 5/2003 “Regulamento sobre a entrada, permanência e autorização de residência”
5. Ao abrigo do artigo 9.º n.º 3 da Lei n.º 4/2003 “Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência”, a residência habitual na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.
6. Nos termos do artigo 22.º n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, a renovação da autorização de fixação de residência do membro do agregado familiar do Recorrente ao qual é extensiva a autorização de fixação de residência depende de que se este satisfaz as leis e os regulamentos que estipulam os princípios gerais da fixação de residência, designadamente, no presente caso, o disposto legal acima referido que consagra que deve residir habitualmente em Macau.
7. Sendo a aplicadora da lei, a Administração deve apreciar sinteticamente os factos concretos e só depois pode determinar se os factos concretos preenchem o pressuposto previsto no disposto legal acima referido.
8. Para analisar se preenche a residência habitual, para além de considerar o lugar onde a pessoa mora, importa ainda o centro da sua vida pessoal e as relações (jurídicas) estabelecidas no lugar, e tais relações devem ser “efectivas e estáveis”.
9. Conforme os factos constantes dos autos, a referida descendente nunca residiu em Macau e, diferentemente do que alegou o Recorrente, a referida descendente não estabeleceu a relação social em Macau.
10. Apesar de o Recorrente referir, no formulário do pedido de renovação, que os motivos do pedido de autorização de fixação de residência da referida descendente são os de “gostar de Macau, reunir-se com a família”, as situações reais não correspondem ao declarado, pois o Recorrente vive sozinho em Macau, não deixou os seus familiares viver em Macau, mesmo referiu que a referida descendente pode receber cuidados mais adequados quando vive em Hong Kong (cfr. ponto 17 da petição inicial).
11. Isto demonstra que é a vontade pessoal do Recorrente que mantém o centro de vida da referida descendente em Hong Kong.
12. Os factos da referida descendente, como o número de dias de permanência em Macau, o motivo da sua ausência de Macau e o centro de vida dos seus familiares, bem como o Recorrente manifestou expressamente a sua vontade de deixar a referida descendente viver em Hong Kong, podem revelar que, em termos objectivos, o Recorrente não deixou a sua descendente à qual é extensiva a autorização de fixação de residência começar a vida pessoal em Macau nem foi estabelecida qualquer ligação efectiva e estável a Macau, pelo que, não preenche o requisito de residência habitual.
13. Nos termos do artigo 22.º n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, a renovação da autorização de fixação de residência do Recorrente depende de que se ele satisfaz as leis e os regulamentos que estipulam os princípios gerais da fixação de residência, designadamente, no presente caso, o disposto legal acima referido que consagra que deve residir habitualmente em Macau.
14. O legislador prevê expressamente os pressupostos jurídicos e as consequências, por outras palavras, nesta circunstância, está a Administração perante um acto administrativo vinculado.
15. Para manter a autorização de fixação de residência concedida, o Recorrente deve cumprir todas as disposições legais aplicáveis.
16. No caso em apreço, dado que o Recorrente não satisfez os dispostos legais, a Administração limitou-se a actuar conforme a lei sem o poder discricionário, pelo que, não violou o princípio da boa fé.
  
  As partes foram notificadas para apresentar alegações facultativas, o que apenas o Recorrente fez.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

1) Dos factos
  
  Destes autos e do processo administrativo apenso foi apurada a seguinte factualidade:
a) Por despacho de 12.11.2021 do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, com fundamento na informação nº 1377/2008/04R foi dito que: «Usando das competências que lhe foram delgadas pela Ordem Executiva n.º 3/2020 e nos termos do disposto no art.º 9.º n.º 3 da Lei n.º 4/2003 e no art.º 22.º n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, concordo com a análise da presente Informação, não autorizando o requerimento de renovação dos membros do agregado familiar para quem seja pedida a extensão da autorização de residência temporária.».
b) É o seguinte o teor da informação a que se alude no despacho recorrido e indicada na alínea anterior:
«Assunto: apreciação do requerimento de residência temporária
Director-adjunto da Divisão dos Assuntos de Fixação de Residência:
1. Os elementos de identificação do interessado:
N.º
Nome
Relação
Documento/número
Validade
Validade da autorização de residência temporária até
Data do primeiro requerimento da extensão
1
B
Descendente
BIRPHK n.º XXX
Não se aplica
14/08/2018
06/10/2011
2. Foi autorizado pela primeira vez o requerimento de autorização de residência temporária do requerente em 14 de Agosto de 2009 e foi renovada a autorização de residência temporária por sete anos em 14 de Agosto de 2016, e foi-lhe concedido o BIRPM em 23 de Agosto de 2016.
3. De acordo com os elementos dos autos, o requerente A ainda tem relação conjugal com a sua cônjuge C.
4. Para confirmar mais rigorosamente a filiação entre o requerente e a sua descendente supracitada, o requerente já apresentou os documentos complementares da filiação no terceiro requerimento da extensão.
5. Foi autorizado o requerimento de renovação de autorização de residência do requerente (requerimento n.º 1377/2008/03R) com fundamento de ser contratado pela XXX Grand Paradise S.A. como “Assistant director of Facilities Management”, com o salário de base mensal de MOP$65.100,00, de acordo com o documento, por despacho do Secretário para a Economia e Finanças em 12 de Agosto de 2016, foi admitida a modificação da situação jurídica do requerente de ser contratado pela XXX Grand Paradise S.A. como “Director of Facilities Management”, com o salário de base mensal de MOP$78.000,00 (vide fls. 86).
6. Para efeitos da renovação, o requerente apresentou o documento comprovativo do contrato de trabalho e os respectivos documentos, com as seguintes informações (vide fls. 12 a 36):
Entidade patronal: Director of Facilities Management - Operations (vide fls. 13)
Salário de base mensal: MOP$ 92.100,00 (vide fls. 13)
Data de contratação: a partir de 28 de Outubro de 2009, no contrato sem termo (vide fls. 13)
7. De acordo com a apreciação dos documentos de renovação desta vez, verifica-se que o requerente ainda é contratado pela antiga entidade. De acordo com o documento comprovativo emitido pela entidade patronal, para unificar a denominação de cargo, alterou a designação “Director of Facilities Management” para “Director of Facilities Management-Operations”, de facto, o cargo e o conteúdo de trabalho não foram alterados (vide fls. 13), e o salário de base mensal foi aumentado de MOP$78.000,00 para MOP$92.100,00, sendo mais alto do que a retribuição média de quadros dirigentes do exterior no sector hoteleiro na 3ª semestre do ano de 2020, no valor de MOP$47.630,00, o requerente tem contrato sem termo e já declarou/pagou o imposto profissional nos termos legais.
Período
Número de permanência em Macau do requerente
01/01/2016 – 31/12/2016
236
01/01/2017 – 31/12/2017
253
01/01/2018 – 31/12/2018
283
01/01/2019 – 31/12/2019
282
01/01/2020 – 29/02/2020
55
8. Este Instituto solicitou ao CPSP os registos de entrada e saída do requerente e dos membros do agregado familiar através dos ofícios n.ºs 05648/DJFR/2018, 03967/DJFR/2019 e 01176/DJFR/2020 em 1 de Novembro de 2018, 23 de Julho de 2019 e 11 de Março de 2020 respectivamente (fls. 40 a 78):
Período
Número de permanência em Macau da descendente do requerente
01/01/2016 – 31/12/2016
8
01/01/2017 – 31/12/2017
11
01/01/2018 – 31/12/2018
20
01/01/2019 – 31/12/2019
5
01/01/2020 – 29/02/2020
0
De acordo com os elementos do número de dias de permanência em Macau do requerente e o documento comprovativo da relação de trabalho apresentado pelo requerente, o requerente cumpriu efectivamente o seu contrato de trabalho na constância da autorização de residência temporária da sua descendente, mantendo a situação juridicamente relevante no momento da sua concessão.
Aliás, de acordo com os registos de entrada e saída da descendente do requerente, não é bastante provar que a mesma tem em Macau o centro de vida, portanto, nos termos do art.º 9.º n.º 3 da Lei n.º 4/2003, subsidiariamente aplicável por força do disposto no art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a descendente do requerente deixa de satisfazer as condições da manutenção da autorização de residência temporária.
9. A situação supracitada não é favorável ao requerimento da renovação da autorização de residência temporária da descendente do requerente desta vez, pelo que este Instituto procedeu ao processo de audiência escrita da interessada (vide fls. 87), em seguida, o requerente apresentou o parecer da resposta, com o seguinte teor principal (vide fls. 89 a 102):
(1) O requerente alegou que a descendente B tem em Macau o centro de vida, desenvolveu os assuntos diários e tem aí a residência permanente, uma vez que B tinha frequentado o jardim de infância em Macau, por enquanto a mãe do requerente que vive em Hong Kong é idosa e o seu pai está doente e incapaz de cuidar de si próprio, pelo que o encargo de cuidar do seu pai só pode ser suportado pela sua cônjuge, C, daí, a descendente, B, reside e frequenta a escola temporariamente em Hong Kong com a sua mãe C. Mas a referida situação é meramente temporária, pois prevê que no final deste ano o seu pai tenha uma pessoa idónea para cuidá-lo, a descendente B irá regressar imediatamente com a sua mãe para Macau.
(2) Adiantou o requerente que independentemente de ser residente permanente ou não, tem direito a escolher o local da escola, além disso, o art.º 9.º n.º 3 da Lei n.º 4/2003 não prevê a definição de “residência habitual”, nem o número necessário de permanência em Macau do interessado, isto é, a “residência habitual” é um conceito indeterminado, devendo ser analisado concretamente, pelo que ele entende que não devem considerar apenas o “número de dias de permanência em Macau” como critério de juízo, mas devem analisar o elemento psicológico do destinatário, a trajectória de vida objectiva e a ligação efectiva com Macau.
(3) O requerente afirmou que ele, a sua cônjuge C e outro descendente D já obtiveram o estatuto de residente permanente de Macau através da autorização de residência temporária e têm em Macau o centro de vida, mesmo que a cônjuge viva temporariamente em Hong Kong para cuidar o pai do requerente, irá regressar para Macau para a reunião familiar depois de achar o indivíduo idóneo para cuidar do pai do requerente e a descendente também irá regressar para Macau para estudar e viver.
(4) O requerente avançou que o Governo de Macau prestou sempre muita atenção aos interesses dos menores, o ambiente para que os menores cresçam é muito importante e a vida com os seus familiares deve ser protegida. A decisão sobre o requerimento da renovação da autorização de residência temporária desfavorável à descendente trará prejuízos irreparáveis ao requerente e aos seus familiares e também destruirá a relação social e a vida da descendente B.
Com a seguinte análise do parecer da resposta do requerente:
(1) Nos termos do art.º 4.º n.º 4 da Lei n.º 8/1999, para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente: 1) O motivo, período e frequência das ausências; 2) Se tem residência habitual em Macau; 3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; 4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.
(2) De acordo com os elementos do número de permanência em Macau da descendente do requerente B, durante o período da constância autorização de residência temporária nos anos de 2016 a 2019, a descendente entrou em Macau por 2, 3, 4 e 1 vezes respectivamente, e permaneceu em Macau por período não superior a 6 dias em cada vez, o número de permanência em Macau por ano não é superior a 20 dias, nomeadamente, no ano de 2019 o número de permanência em Macau é meramente de 5 dias, analisando o período e o número de entrada em Macau da descendente B, é difícil demonstrar que ela tem residência habitual em Macau.
(3) No parecer da resposta, o requerente confessou que a sua cônjuge C mora em Hong Kong para cuidar do pai do requerente incapaz de cuidar de si mesmo e, ao mesmo tempo, para facilitar o cuidado da sua descendente B, B tem que viver e estudar em Hong Kong com a sua mãe (vide fls. 90 a 91). Todavia, o requerente não pode apresentar provas complementares para provar que a sua cônjuge é o único cuidador do seu ascendente, não podendo demonstrar a necessidade de tal situação.
(4) No parecer escrito da resposta, o requerente afirmou que a descendente B tem em Macau o centro de vida e desenvolveu os assuntos diários em Macau, e tem aí a residência permanente, e adiantou que a descendente tinha frequentado o jardim de infância em Macau, mas não apresentou as provas complementares. Pelo contrário, de acordo com as tabelas dos membros do agregado familiar apresentadas pelo requerente no requerimento da extensão da terceira vez e nos requerimentos de renovação da segunda, terceira e desta vez, bem como os boletins escolares apresentados na audiência, a descendente B frequentava em Hong Kong desde jardim de infância até ao 3º ano do ensino primário (vide fls. 5, 94, 103 a 105), o que não reflecte que os seus assuntos diários foram desenvolvidos em torno de Macau e ela tem em Macau o centro de vida.
(5) É de indicar que à descendente do requerente foi concedida a autorização de residência temporária em 16 de Dezembro de 2011, a partir daí ela já tem condições de residência e estudo em Macau, mas o requerente e a sua cônjuge levaram a interessada a viver e estudar em Hong Kong, apesar de ter direito de escolher o local de estudo, a respectiva escolha foi feita à sua vontade, sem força maior. Além disso, até ao ano de 2020, não se verifica o indício manifesto de o requerente mudar o centro de vida da descendente B para Macau, assim, podemos ver que a vontade de permanecer em Macau não é alta.
(6) Conforme os requerimentos apresentados pelo requerente e o conteúdo do parecer escrito da resposta (vide fls. 90, 92 e 106), a sua cônjuge C e os dois descendentes (incluindo a interessada deste requerimento B) residem em Hong Kong, actualmente apenas o requerente trabalha em Macau, assim, de acordo com a análise da localização dos principais membros familiares, também é difícil demonstrar que a interessada tem em Macau o centro de vida familiar.
(7) Analisando sinteticamente o número de permanência da descendente B em Macau e os diversos indícios supracitados, a descendente B nunca residia em Macau, pelo que não existe a alegação do requerente de que a não autorização da renovação de residência temporária da descendente B prejudicará as relações sociais e a vida de B em Macau.
(8) Através do processo da audiência, não se verifica outra causa justa conducente a não residir em Macau da descendente do requerente, sendo assim, a descendente do requerente não tem residência habitual na RAEM.
10. Face ao exposto, dado que a residência habitual na RAEM é a condição da manutenção da autorização de residência da interessada, conforme os elementos de entrada e saída do CPSP, na maioria do tempo a descendente do requerente não se encontrava em Macau. Através do processo da audiência e considerando sinteticamente as diversas circunstâncias previstas no art.º 4.º n.º 4 da Lei n.º 8/1999, a descendente do requerente não tem em Macau o centro de vida no período da autorização de residência temporária e nem tem em Macau a residência habitual, pelo que nos termos do disposto no art.º 9.º n.º 3 da Lei n.º 4/2003 e no art.º 22.º n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, sugere-se que não autorize o requerimento de renovação da autorização de residência temporária da descendente do requerente B.».

2) Do Direito.
  
  Relativamente à matéria dos autos o Douto Parecer elaborado pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público tem o seguinte teor:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso do acto do Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM) da sua filha B, pedindo a respectiva anulação.
  A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
  2.
  Está em causa no presente recurso contencioso o acto de indeferimento do pedido formulado pelo Recorrente de renovação da autorização de residência na RAEM da sua filha menor.
  Baseou-se tal indeferimento na aplicação subsidiária da norma do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, em vigor à data da prática do acto, por a Administração ter considerado que a dita menor não tem, nem teve no período compreendido entre os anos de 2016 e 2020, residência habitual na RAEM.
  O Recorrente, na petição inicial, começou por imputar ao indeferimento tácito recorrido o vício de violação de lei.
  Em seu entender, o deferimento do pedido de renovação da autorização de residência temporária na RAEM não depende da residência habitual na RAEM prevista no n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003.
  Além disso, o Recorrente também considera que a ausência temporária da sua filha não significa que a mesma tenha deixado de residir habitualmente em Macau.
  Salvo o devido respeito, parece-nos que nenhum dos fundamentos do presente recurso contencioso está em condições de proceder. Procuraremos, de modo breve, justificar esta asserção.
  (i)
  A residência habitual na RAEM é um pressuposto da renovação da autorização de residência. É isso o que resulta das normas constante do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003 e da alínea 2) do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, diplomas entretanto revogados, mas aplicáveis à situação em apreço, em virtude da norma remissiva constante do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005. Com efeito, se a residência habitual constitui pressuposto da manutenção da autorização de residência, tal não pode deixar de significar que a mesma constitui pressuposto da respectiva renovação (o Tribunal de Última Instância vem, de modo reiterado, decidindo no sentido de que a falta de residência habitual em Macau é causa do cancelamento da autorização de residência, ainda que a mesma tenha sido concedida ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005: cfr., por exemplo, o acórdão tirado no processo n.º 182/2020).
  Deste modo se demonstra, a nosso modesto ver, a improcedência do primeiro dos fundamentos do presente recurso.
  (ii)
  (iia)
  Cuidemos agora do segundo fundamento que sustenta a pretensão impugnatória aqui deduzida.
  Para o Recorrente a ausência temporária da sua filha não significa, contrariamente ao que foi decidido pela Administração, que a mesma tenha deixado de residir habitualmente em Macau.
  Vejamos.
  De acordo com a jurisprudência prevalecente entre nós e à qual aderimos, o conceito de residência habitual, apesar de se tratar de um conceito jurídico indeterminado, não confere à Administração margem de livre apreciação no respectivo preenchimento interpretativo, o qual, desse modo se encontra sujeito ao pleno controlo jurisdicional.
  A questão é, pois, a de saber se a filha do Recorrente manteve ou não na RAEM a sua residência habitual no período temporal relevante, de modo a aferir da legalidade da decisão impugnada.
  A norma do artigo 30.º do Código Civil, sendo embora uma norma de conflitos, fornece um importante contributo no sentido de uma densificação judicativamente relevante do que seja a residência habitual: «considera-se residência habitual o lugar onde o indivíduo tem o centro efectivo e estável da sua vida pessoal».
  A residência habitual é o centro em torno do qual gravitam as ligações existenciais de uma determinada pessoa. Por isso se pode dizer, pela negativa, que não constitui lugar da residência habitual aquele que serve de mera passagem, ou aquele no qual uma pessoa está por curtos períodos de tempo, pois que aí se não encontra a estabilidade indispensável a radicar um centro existencial a partir do qual se possa fundar a formação paulatina, mas consistente, de um vínculo de pertença à comunidade que constitui o substrato pessoal da Região e que, a final, vá culminar na aquisição do estatuto de residente permanente (como sabemos, tal aquisição, de acordo com o artigo 24.º da Lei Básica pressupõe, justamente, a residência habitual em Macau).
  (iib)
  Face aos elementos de facto que fluem dos autos e que constituíram os pressupostos de facto do acto recorrido pode concluir-se, como a Administração concluiu, a filha do Recorrente não tem residência habitual em Macau.
  Com efeito, nos anos de 2016 a 2019 a filha do Recorrente, praticamente não permaneceu em Macau, nunca tendo permanecido em cada um desses anos mais de 20 dias, sendo que, no ano de 2019, foi apenas de cinco o número de dias de permanência na Região. Ora, como bem se compreende, uma tão escassa permanência em Macau, tendo em conta a caracterização do conceito indeterminado da residência habitual que antes fizemos, está longe de ser suficiente para poder suportar a conclusão de que a filha do Recorrente aqui tem a sua residência habitual.
  Não se contesta que, como refere o Recorrente, a residência habitual não implica nem pressupõe uma presença contínua ou constante em Macau. Implica, no entanto, estamos em crer, um substrato presencial mínimo que permita vislumbrar a manutenção dos tais laços pessoais de ligação à Região. No caso, isso não ocorre.
  Deste modo, cremos justificada a conclusão da Administração no sentido de que faltava um pressuposto indispensável à renovação da autorização de residência da filha do Recorrente, qual seja a sua residência habitual em Macau, não se verificando, pois, o invocado vício de violação de lei.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.».
  
  Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, supra reproduzido, à qual aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que o Recorrente lhe assaca, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.

IV. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se o acto impugnado.
  
  Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5UC´s.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 28 de Setembro de 2022
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong
  
  Mai Man Ieng

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