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Proc. nº 514/2022
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 13 de Outubro de 2022

ASSUNTOS:
- Prescrição do direito de indemnização
- Responsabilidade civil extracontratual

SUMÁRIO:
- Tendo o Autor enviado em 07/02/2013 por fax uma carta ao Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, impugnando a violação do seu direito como autor do projecto das “Instalações do Grande Prémio de Macau” sobre a abertura do concurso público para adjudicação da empreitada designada «Obras de Demolições e de Fundações para a Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio de Macau», bem como a última resposta da Administração, em 26/07/2013, no sentido de que a empreitada em causa é parte integrante da reconstrução do edifício que não se trata de uma alteração do projecto originário, mas da reconstrução de todo o edifício que teria que obedecer a trabalhos faseados, por forma a permitir a realização anual do Grande Prémio, o alegado direito de indemnização pela omissão de consulta prévia dos Réus já se encontra prescrito à data da interposição da acção em 03/11/2016, nos termos dos art.ºs 491.º, n.º 3 do C.C. e 6.º, n.º 1 do D.L. n.º 28/91/M, de 22 de Abril, alterado pelo D.L. n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro.
- A propriedade da obra arquitectónica (ou melhor dizendo, os desenhos dos projectos de arquitectura da obra associada às “Instalações do Grande Prémio de Macau) era sempre da RAEM, pelo que o uso dos desenhos do projecto não carece da autorização, nunca poderia gerar o enriquecimento da Ré.
- A RAEM ao permitir a utilização da obra arquitectónica pela CGPM ou pela DSSOPT na elaboração do novo projecto de arquitectura sobre “Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio”, não estava a facultar ao terceiro – tanto uma entidade como outra são serviços ou entes públicos que integram a estrutura da Administração da RAEM (a CGPM, com a natureza de equipa de projecto que funcionava na dependência e sob a orientação do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura conforme o Despacho do Chefe do Executivo n.º 292/2003, e a DSSOPT, fica na dependência hierárquica do Secretário para os Transportes e Obras Públicas).
O Relator,
Ho Wai Neng







Proc. nº 514/2022
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 13 de Outubro de 2022
Recorrente: A (Autor)
Recorridos: Região Administrativa Especial de Macau (1ª Ré)
B (2º Réu)
C (3º Réu)
D (4º Réu)
E (5º Réu)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho saneador de 30/05/2019, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou procedente a excepção peremptória da prescrição do direito de indemnização invocado pelos Réus.
Dessa decisão, vem o Autor A, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O objecto do presente recurso cinge-se à específica parte do despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo nos presentes Autos (constante de fls. 939 e seguintes dos mesmos, para cujo teor respeitosamente se remete V. Exas., por forma a evitar repetições desnecessárias) em que a alegada excepção peremptória da prescrição do direito de indemnização invocada pelos Réus é julgada procedente.
2. O n.º 1 do artigo 491.º do Código Civil dispõe que: “o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.
3. Por seu turno, consagra o Regime do Direito de Autor e Direitos Conexos, no n.º 2 do seu artigo 144.º, que: “O dono de obra construída ou executada segundo projecto da autoria de outrem é livre de, quer durante a construção ou execução, quer após a sua conclusão, introduzir nela as alterações que desejar, mas deve consultar previamente o autor do projecto, sob pena de indemnização por perdas e danos”.
4. O Código de Procedimento Administrativo (“CPA”) consagra os princípios da legalidade e da boa-fé como princípios que devem enformar e nortear toda a actuação por parte da Administração (artigos 3.º e 8.º do CPA, respectivamente).
5. O conhecimento do direito que competia ao Recorrente foi inquinado pelo facto de os responsáveis da Administração em apreço nos presentes Autos terem informado o Recorrente (e inclusivamente o público em geral, através dos meios de comunicação social) de que não se tratava de qualquer obra de modificação, mas sim de uma demolição total do edifício e de construção de uma obra inteiramente nova - vejam-se os documentos constantes de fls. 196 e 198-198v. dos Autos, a título meramente exemplificativo -, bem como pelo facto de o Recorrente ter sido impedido de consultar o Processo n.º 11/AP/2012/L da D.S.S.O.P.T., situação esta que apenas se veio a alterar através do despacho proferido pelo Chefe do Departamento de Urbanização, de 19 de Fevereiro de 2014.
6. O Recorrente consultou o processo administrativo n.º 11/AP/2012/L da D.S.S.O.P.T., em 20 de Maio de 2014, data em que efectivamente tomou conhecimento dos reais objectivos com a obra a realizar, bem como de cariz e extensão das modificações perpetradas na obra da qual é autor.
7. Ainda que se entenda, algo que por mero dever de patrocínio se cogita que para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 491.º do Código Civil, e Recorrente deveria ter tido conhecimento do direito que lhe competia nê. data em que a obra obteve a sua exteriorização e foi revelada ao público (ou seja, na data da sua inauguração, em 7 de Novembro de 2013), ter-se-á igualmente de concluir que, na data de propositura da presente acção (3 de Novembro de 2016), o direito do Recorrente a indemnização por falta de consulta prévia devida pela modificação ou alteração da obra de arquitectura em apreço nos presentes Autos não se encontrava prescrito.
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Os Rés D e E responderam à motivação do recurso do Autor nos termos constantes a fls. 1037 a 1045 e fls.1046 a 1054 dos autos, respectivamente, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Por sentença de 25/03/2022, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou improcedente o recurso contencioso interposto pelo Autor.
Dessa decisão, vem o Autor, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O objecto do presente recurso é o teor da Sentença proferida no âmbito dos presentes autos, a qual concluiu (de forma errada, no entendimento do Recorrente) pela improcedência da acção proposta pelo ora Recorrente, tendo, em consequência, absolvido a Recorrida R.A.E.M. do pedido de condenação ao pagamento de uma indemnização pelo enriquecimento sem causa que se formou no uso não autorizado dos desenhos do projecto original da obra de arquitectura da autoria do Recorrente denominada “Novas Instalações do Grande Prémio de Macau”.
2. O Recorrente é o autor dos projectos de arquitectura da obra associada às “Novas Instalações do Grande Prémio de Macau” - Facto Assente N);
3. Por ofício de 14 de Dezembro de 2012, cuja cópia se encontra junta a fls. 208 dos presentes autos, no seguimento de uma reunião tida entre o Coordenador da Comissão do Grande Prémio de Macau (CGPM) e o Director da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) em 21 de Novembro de 2012, o Coordenador da CGPM dirigiu à DSSOPT um projecto de fundações e do estudo prévio de arquitectura respeitante à Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio, solicitando a emissão do parecer sobre o projecto, com a apresentação dos três desenhos de sobreposição cuja cópia a cores se encontra junta a fls. 980 a 982 dos presentes autos, em que as partes a demolir são assinaladas a tinta amarela, as partes conservadas, a tinta preta, e as partes novas a construir, a tinta vermelha - resposta ao Quesito n.º 1.
4. Nos desenhos a fls. 980 a 982 dos presentes autos, as partes assinaladas a tinta amarela e a tinta preta foram produzidas com base nos dados retirados dos desenhos dos projectos de arquitectura da obra associada às “Instalações do Grande Prémio de Macau”, referidos na alínea N) dos Factos Assentes - resposta aos Quesitos n.º 2 e 3.
5. Nos termos do parágrafo 8.2 do Caderno de Encargos, tipo para a Contratação de Projectos, versão de 1988, vigente ao tempo da celebração do contrato referido na alínea M) dos Factos Assentes, cuja cópia se encontra junta a fls. 1132 a 1146 dos presentes autos, “8.2. Fica vedado à Administração facultar a terceiros a utilização, reprodução ou a comunicação do projecto, sem prévia autorização ou acordo do autor do projecto” - resposta ao Quesito n.º 4.
6. O Recorrente nunca deu à CGPM, à DSSOPT ou a qualquer organismo da RAEM, a autorização a que se refere o parágrafo 8.2 do Caderno de Encargos - resposta ao Quesito n.º 5.
7. Sem os dados retirados dos desenhos dos projectos de arquitectura da obra associada às “Instalações do Grande Prémio de Macau”, referidos na alínea N) dos Factos Assentes, o arquitecto responsável pela elaboração dos desenhos de sobreposição a fls. 980 a 982 dos presentes autos teria de ter procedido ao levantamento das instalações do Grande Prémio de Macau, com o objectivo de obter uma representação precisa da construção existente incluindo as partes a i demolir a as a conservar - resposta aos Quesitos n.º 6 e 7.
8. O levantamento das instalações originais do Grande Prémio de Macau, com uma área total de fachada cerca de 1400 metros quadrados e uma área total de construção cerca de 1400 metros quadrados, implicaria à Ré custos no valor estimado de MOP154.000,00 - resposta ao Quesito n.º 8.
9. A situação descrita nos presentes autos apresenta-se como um enriquecimento sem causa por intervenção, figura jurídica que se nos apresenta quando alguém enriquece através da ingerência em bens alheios, usando-os ou fruindo-os, sem consentimento do seu titular - precisamente o que sucedeu no caso sub judice.
10. No caso do enriquecimento por intervenção (reconhecido como categoria autónoma do instituto enriquecimento sem causa), a “deslocação patrimonial” prevista no artigo 467.º do Código Civil não resulta da diminuição do património do “empobrecido”; antes é obtida à custa do “empobrecido”.
11. A concreta actuação da Recorrida é ilícita, dolosa e culposa, porém não causou um dano patrimonial na esfera do Recorrente, nem nunca o Recorrente alegou tal dano na sua Petição Inicial, nem tão-pouco na sua Réplica.
12. O uso não autorizado dos desenhos do projecto original para elaboração dos desenhos de sobreposição que instruíram o projecto denominado “Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio” acarretou um enriquecimento da Recorrida à custa do Recorrente, uma vez que, fruto dessa utilização ilícita por terceiros, a Recorrida se furtou ao pagamento do levantamento do edifício em apreço (cujo montante se apurou em MOP154.000,00), conforme provado em sede da resposta aos Quesitos n.º 5, 6, 7 e 8.
13. Assim sendo, o respaldo jurídico a conferir ao caso sub judice jamais poderia ser extraído por via da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (prevista nos artigos 477.º e seguintes do Código Civil), uma vez que ínexíste um dano na esfera jurídica do lesado decorrente do uso não autorizado dos desenhos do projecto original da autoria do Recorrente.
14. Verifica-se assim a inexistência de qualquer óbice à aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, encontrando-se manifestamente respeitada a natureza subsidiária da obrigação, ínsita no artigo 468.º do Código Civil, uma vez que a lei não faculta ao empobrecido (Recorrente) outro meio de ser indemnizado ou restituído, nem tão-pouco nega o direito à restituição ou sequer atribui outros efeitos ao enriquecimento - no mesmo sentido, a título de jurisprudência comparada, confronte-se o teor do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Português, proferido no âmbito do Processo n.º 04B4601, datado de 24 de Fevereiro de 2005.
15. O “corpus mysticum” constitui propriedade do autor da obra de arquitectura, a quem assiste o direito de “autorizar a sua utilização” (vd. al. a) do n.º 2 do artigo 7.º do RDADC), utilização essa que se circunscreve à construção da obra de arquitectura “segundo o respectivo projecto” (vd. al. 1) do n.º 3 do artigo 56.º do RDADC), presumindo-se “onerosa e de caracter não exclusivo” (vd. n.º 2 do artigo 27.º do RDADC).
16. O “corpus mechanichum” é o edifício, o qual, esse sim, constitui propriedade exclusiva do Dono da Obra (Recorrida).
17. Sendo os limites da utilização da obra de arquitectura, a construção “segundo o respectivo projecto” (vd. al. 1) do n.º 3 do artigo 56.º do RDADC), fácil é conceder que o direito de uso da Recorrida cessou com a conclusão da construção da obra de arquitectura em causa.
18. Se os mesmos desenhos forem utilizados para outra finalidade, nomeadamente para outra obra, naturalmente que tal uso se afigura suplementar ao que o Dono da Obra adquiriu e previu de início, logo dependente de autorização suplementar.
19. O Recorrente nunca cedeu à G - Centro de Projectos, S.A.R.L. direitos patrimoniais de autor que extravasassem a construção da obra de arquitectura nos precisos termos do projecto concebido e desenhado pelo Recorrente, pelo que jamais aquela os poderia ter cedido à Recorrida (uma vez que não se encontravam na sua titularidade), algo que a Recorrida bem sabe.
20. Caso assim não fosse, não se justificaria, nem faria sentido, a aplicação da Cláusula 8.2 do Caderno de Encargos ao contrato identificado no Facto Assente M), uma vez que a Recorrida não necessitaria de prévia autorização ou acordo do autor do projecto para facultar a terceiros a utilização, reprodução ou a comunicação do projecto.
21. O “terceiro” relevante para efeitos da presente discussão se encontra identificado (ao contrário do que se disse na Sentença, a fls. 1317v), tendo o mesmo assinado os desenhos de sobreposição constantes de fls. 980 a 982, a coberto de um termo de responsabilidade sobre os mesmos, por si assinado, constante de fls. 209, tendo o mesmo sido inquirido como Testemunha em sede de audiência de discussão e julgamento.
22. Pelo que dúvidas inexistem que o “terceiro” a quem a Recorrida facultou, de forma ilícita, a utilização do projecto de arquitectura ora em apreço (considerando a total ausência de prévia autorização ou acordo do autor do mesmo - o Recorrente) é o Arquitecto H.
23. A “protecção dos interesses morais e materiais” dos criadores intelectuais de obras, nomeadamente de obras protegidas como é o caso, inscreve-se no ordenamento da RAEM em sede de direito fundamental.
24. Tal protecção não pode ser afastada por legislação anterior, nem por negócios jurídicos validamente celebrados face à legislação anterior nem sequer de acordo com a norma transitória prevista no artigo 221.º do RDADC, e muito menos por actos perpetrados após o término da execução do contrato em causa, na vigência de nova legislação e ao arrepio da Lei Básica.
25. O RDADC deverá aplicar-se ao caso sub judice, e não as disposições contidas no Decreto-Lei n.º 46980, de 27 de Abril.
26. Ao decidir nos termos pugnado na Sentença ora colocada em crise, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 11.º, 467.º, 468.º (a contrario) e 473.º do Código Civil, assim como os artigos 1.º, 2.º, n.º 1 alínea 1), 7.º, n.º 2, 8.º, 27.º, n.º 2, 56.º, n.º 3 e 221.º do RDADC - caso tal se entenda ser de aplicar ao caso concreto o disposto no Decreto-Lei n.º 46980, de 27 de Abril, algo que não se concede, resulta igualmente violado o disposto no artigo 39.º do referido diploma legal.
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A Ré Região Administrativa Especial de Macau respondeu à motivação do recurso do Autor nos termos constantes a fls. 1408 a 1411 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Factos
Foi assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
- Por B.O. n.º 5, de 30/01/2013, II Série, foi publicado a autorização do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, do procedimento administrativo para a adjudicação da empreitada designada «Obras de Demolições e de Fundações para a Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio de Macau» (alínea A) dos factos assentes).
- Em 07/02/2013, o A. enviou por fax uma carta ao Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, impugnando a violação do seu direito como autor do projecto das “Instalações do Grande Prémio de Macau” sobre a abertura do concurso público para adjudicação da empreitada acima referida (alínea B) dos factos assentes).
- Através do ofício com n.º de referência: 151/B/CGPM/2013 de 05/03/2013, o 2.º R., na qualidade do Coordenador da Comissão de Grande Prémio de Macau (CGPM), deu resposta ao A. informando as razões que levaram à necessidade da decisão de demolição da Torre de Controlo para a construção de uma nova no mesmo local (alínea C) dos factos assentes).
- Através do ofício com n.º de referência: 209/B/CGPM/2013, de 25/03/2013, foi notificado ao A. pelo 2.º R., o seguinte:
   “…Acusamos a sua resposta de 6 de Março de 2013, em que, apesar de dar nota da sua compreensão pelos compromissos assumidos com a FIA, manifesta a sua discordância com as razões para a demolição, numa fase inicial, da Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio, nos termos que constam do nosso Ofício de 5 de Março de 2013.
   Não obstante o projecto de arquitectura ter sido encomendado e contratado à G Asia Consultores Limitada para quem ao tempo V. Exa. trabalhava, tivemos o ensejo de, antes de proceder à contratação de serviços para a demolição da Torre, informar e explicar a V. Exa. os motivos ponderosos que a impõem, procurando, dessa forma, obter a sua compreensão.
   Não sendo esse desiderato possível, queremos assegurar-lhe que, independentemente do repúdio que venha a fazer quanto à paternidade da obra, o nome de V. Exa. não será invocado no futuro…” (alínea D) dos factos assentes).
- Em resposta ao ofício com n.º de referência: 209/B/CGPM/2013 recebido aos 03/04/2013, o A. apresentou ao 2.º R. o seguinte requerimento:
   “…1. Em 06 de Março de 2013, pela ref. 2013-0024-p316-fx, c/ conhecimento a V. Ex.cia, o Coordenador da Comissão do Grande Prémio de Macau, o Sr. Eng. I, foi elucidado que nos termos da Convenção internacional e da lei publicada à RAEM, após a transmissão dos direitos patrimoniais de uma obra, os direitos pessoais remanescem no autor da obra e estão definidos na qualidade de independentes do direito patrimonial, inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, podendo ser exercidos, após a morte do autor, nos termos do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 43/99/M de 16 de Agosto.
   Todavia o mesmo coordenador insiste em invocar canais comerciais, privilegiando extensões de direitos extintos, em prejuízo dos que efectivamente persistem certificados, cuja violação é o bastante para colocar a RAEM nas listas negras dos observatórios internacionais.
   2. O ensejo tardio (em 05 de Março, pela ref. 151-B-CGPM-2013) que o mesmo coordenador expressou, informando sobre a transformação que moveu à obra, não se sobrepõe, muito menos afastou, a obrigação de consultar previamente o autor do projecto, nos termos do artigo 144.º do Decreto-Lei n.º 43/99/M de 16 de Agosto, sobre matéria que aquela Comissão mantém em análise desde Novembro de 2008.
   3. O mesmo dirigente não pode ter a expectativa de contar, de suscitar e de obter compreensão por parte dos residentes da RAEM de serem espoliados de direitos que a lei lhes confere e que lhes são essenciais à sua esfera pessoal e profissional, por mera consequência que resulte aleatoriamente da aptidão e da forma como as questões são conduzidas.
   4. O direito ao repúdio à paternidade da obra, que antecipadamente o coordenador da Comissão do Grande Prémio de Macau admite que o autor da obra venha fazer, só pode resultar de má consciência na medida em que nunca foi confrontado, nem vai ser confrontado com essa intenção.
   Esse direito que invocou é também apenas parte de uma norma, que tem letra no parágrafo 3.º do artigo 144.º do mesmo decreto-lei. A parte omissa da mesma norma é que, em resultado dessa medida, fica vedado ao proprietário invocar o nome do autor da obra em proveito próprio.
   Ora, o proprietário da obra, assim como os proveitos inerentes são da RAEM, não são da Comissão do Grande Prémio de Macau. Não é atribuição funcional do Coordenador da Comissão dispor de proveitos da RAEM, para que não foi mandado. Também não deve o autor do projecto retirar esses proveitos porque, no caso de uma obra pública, não é o perpetrador do acto que colhe a consequência.
   5. Não tendo o autor da obra renunciado à paternidade da mesma, mas tendo o mesmo coordenador, no mesmo ofício em título, já decidido não invocar no futuro o nome do autor da obra, tal decisão só consubstancia mais outra violação ao regime, nomeadamente da alínea b) do parágrafo 3.º do artigo 7.º do mesmo decreto-lei, que é o direito de o autor ser identificado em qualquer forma de publicidade da obra, sendo isso atribuições efectivas que competem ao mesmo coordenador assegurar, em âmbito de manutenção do acervo que organicamente lhe foi confiado, tanto no local da obra, como em qualquer foto ou maqueta que o Governo da RAEM exiba em exposição ou monografia.
   A aptidão revelada no ofício em título só vem agravar circunstâncias, nomeadamente no seguimento do que o Coordenador daquela Comissão já foi alertado em 06 de Março de 2013, pela ref. 2013-0024-p316-fx e no seguimento da minha expressão de disponibilidade em contribuir para a sanação da questão, pela ref. 2013-0031-p316-fx de 16-03-2013.
   Solicita-se a intervenção de V. Ex.cia para as providências necessárias, na medida em que:
   O órgão funcional não foi apto na condução da questão. Com isso, pôs em causa, anulando, direitos de outros e proveitos da RAEM, para os quais não está mandado para dispor; fê-lo em moldes que retiram bom nome à Região Administrativa Especial de Macau na esfera internacional; violam compromissos nacionais em matéria de negócios estrangeiros, a que Governo da República Popular da China responde directamente; a quem o signatário se vê em necessidade de enviar a questão ao cuidado, dentro do prazo administrativo de 30 dias, na falta de prossecução na RAEM, na medida em que são actos que resultam de actuação administrativa que tanto aflige autores de obra como inflige a RAEM.…” (alínea E) dos factos assentes).
- Pelo B.O. n.º 16, II Série, de 17/04/2013, foi publicado a autorização da Senhora Secretária para a Administração e Justiça do procedimento administrativo para a adjudicação da empreitada designada por «Construção da Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio de Macau» (alínea F) dos factos assentes).
- Através do ofício com n.º de referência: 562/B/CGPM/2013 de 27/06/2013, foi o A. informado o seguinte:
   “…Com referência aos nossos Ofícios 151/B/CGPM/2013 e 209/B/CGPMl2013, respectivamente de 5 de Março de 2013 e de 25 de Março de 2013 - e apesar de o Regime do Direito de Autor e Direitos Conexos, aprovado pelo DL n.º 43/99/M, de 16 de Agosto e alterado pela Lei n.º 5/2012, de 1 de Junho de 2012, não prever qualquer comunicação prévia ao autor do projecto de arquitectura em caso de demolição total do edifício - vimos informá-lo para os efeitos do disposto naquele diploma, nomeadamente no n.º 2 do artigo 144.º da necessidade de se proceder à demolição de todo o Edifício do Grande Prémio, uma vez que as actuais instalações já não dão resposta satisfatória às exigências técnicas impostas para a realização das provas internacionais que têm lugar durante o Grande Prémio de Macau, tal como consta do nosso Ofício 151/B/CGPM/2013, de 5 de Março de 2013.
   Assim, e não obstante o projecto de arquitectura ter sido encomendado e contratado à G Asia Consultores Limitada, empresa para quem V. Exa. à data trabalhava, serve a presente para, antes de procedermos à contratação de serviços para a demolição do Edifício do Grande Prémio, reiterarmos junto de V. Exa. os motivos ponderosos que a impõem.…” (alínea G) dos factos assentes).
- Por requerimento datado de 07/07/2013, o A. veio pedir junto da CGPM a documentação respeitante às especificações da Federação Internacional de Automobilismo e a recomendação à tutela sobre a necessidade de demolição integral do edifício do Grande Prémio em resultado dessas especificações e a recomendação à tutela sobre a adjudicação de serviços de projecto de um novo edifício à empresa “G Asia Consultores Limitada”, com dispensa de concurso ou consulta pública (alínea H) dos factos assentes).
- Através do ofício com n.º de referência: 647/B/CGPM/2013 de 26/07/2013, o 2.º R. deu responder ao A. o seguinte:
   “…Em resposta à V. carta de 7 de Julho de 2013, a qual nos mereceu a melhor atenção, cumpre-nos referir que, tal como havíamos informado em missivas anteriores, a ideia de reconstrução do edifício para instalação da Comissão do Grande Prémio e para apoio do maior evento desportivo de Macau, do qual fizesse parte integrante uma nova torre de controlo, com o conforto e funcionalidades exigidas pela Federação Internacional Automóvel, dada a crescente dimensão do Grande Prémio de Macau, resultado do prestígio internacional das suas provas, implicando uma maior participação de equipas, técnicos e meios de comunicação social, tornou-se possível com a fixação do traçado do metro ligeiro e das cotas altimétricas máximas permitidas para a construção de edifícios nas imediações do Farol da Guia, tendo em vista a manutenção da classificação do Centro Histórico de Macau como património da humanidade atribuída pela Unesco.
   Ademais, e tal como também previamente informado, a empreitada de reconstrução do referido edifício teria que obedecer a trabalhos faseados, por forma a permitir a realização anual do evento em causa.
   Assim, decidida a reconstrução da torre de controlo, no âmbito do projecto de reconstrução total do edifício, e não prevendo o DL n.º 43/99/M, de 16 de Agosto qualquer consulta ou comunicação prévia ao autor do projecto em caso demolição total do mesmo, repetimos, não impunha a lei, na nossa interpretação, o dever de consulta a V. Exa., como autor do projecto e da obra de arquitectura das então designadas “Novas Instalações do Grande Prémio de Macau” concluídas em 1993, por não se tratar de uma alteração do referido projecto, mas da reconstrução de todo o edifício.
   Apesar desta interpretação, deu-se a conhecer a V. Exa. os factos que sustentaram a decisão de demolição da torre de controlo e sua reconstrução, obras estas pertencentes à primeira fase do projecto de reconstrução em curso, esclarecimentos estes que o Gabinete do Comissário Contra a Corrupção considerou cumprir o disposto no artigo 144.º, n.º 2 do Regime Jurídico do Direito de Autor.…” (alínea I) dos factos assentes).
- Por requerimento datado de 06/09/2013, o A. veio pedir junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes a consulta do processo referente às “Novas Instalações do Grande Prémio de Macau” presentemente em curso (alínea J) dos factos assentes).
- A licença de utilização da nova Torre de Controlo foi emitida em 31/10/2013 (alínea K) dos factos assentes).
- Pelo despacho do Chefe do Departamento de Urbanização da DSSOPT, de 19/02/2014, exarado sobre a informação n.º 1193/DURDEP/2014, de 18/02/2014, foi autorizado a consulta pelo A. do processo administrativo n.º 11/AP/2012/L, da Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio (alínea L) dos factos assentes).
- Foi celebrado o contrato entre o então Território de Macau e a “G – CENTRO DE PROJECTOS, S.A.R.L.”, aos 18/05/1992, para a elaboração dos projectos das “Instalações para o Grande Prémio e Silo-Auto no Novo Terminal Marítimo no Porto Exterior”, conforme o despacho de adjudicação de 02/03/1992 do Senhor Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas de Macau (alínea M) dos factos assentes).
- O A. é o autor dos projectos de arquitectura da obra associada às “Instalações do Grande Prémio de Macau” (alínea N) dos factos assentes).
- Por ofício de 14 de Dezembro de 2012, cuja cópia se encontra junta a fls. 208 dos presentes autos, no seguimento de uma reunião tida entre o Coordenador da Comissão de Grande Prémio de Macau (CGPM) e o Director da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) em 21 de Novembro de 2012, o Coordenador da CGPM dirigiu à DSSOPT um projecto de fundações e do estudo prévio de arquitectura respeitante à Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio, solicitando a emissão do parecer sobre o projecto, com a apresentação dos três desenhos de sobreposição cuja cópia a cores se encontra junta a fls. 980 a 982 dos presentes autos, em que as partes a demolir são assinaladas a tinta amarela, as partes conservadas, a tinta preta, e as partes novas a construir, a tinta vermelha (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- Nos desenhos a fls. 980 a 982 dos presentes autos, as partes assinaladas a tinta amarela e a tinta preta foram produzidas com base nos dados retirados dos desenhos dos projectos de arquitectura da obra associada às “Instalações do Grande Prémio de Macau”, referidos na al. N dos Factos Assentes (resposta ao quesito 2º e 3º da base instrutória).
- Nos termos do parágrafo 8.2. do Caderno de Encargos, tipo para a Contratação de Projectos, versão de 1988, vigente ao tempo da celebração do contrato referido na al. M dos Factos Assentes, cuja cópia se encontra junta a fls. 1132 a 1146 dos presentes autos, “8.2. Fica vedado à Administração facultar a terceiros a utilização, reprodução ou a comunicação do projecto, sem prévia autorização ou acordo do autor do projecto.” (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- O Autor nunca deu à CGPM, à DSSOPT ou a qualquer organismo da RAEM, a autorização a que se refere o parágrafo 8.2. do Caderno de Encargos (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- Sem os dados retirados dos desenhos dos projectos de arquitectura da obra associada às “Instalações do Grande Prémio de Macau”, referidos na al. N dos Factos Assentes, o arquitecto responsável pela elaboração dos desenhos de sobreposição a fls. 980 a 982 dos presentes autos teria de ter procedido ao levantamento das instalações do Grande Prémio de Macau, com o objectivo de obter uma representação precisa da construção existente incluindo as partes a demolir e as a conservar (resposta ao quesito 6º e 7º da base instrutória).
- O levantamento das instalações originais do Grande Prémio de Macau, com uma área total de fachada cerca de 1,400 metros quadrados e uma área total de construção cerca de 1,400 metros quadrados, implicaria à Ré custos no valor estimado de MOP154,000.00 (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
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III – Fundamentação
A) Do recurso interlocutório:
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
   “…
   A, ora A., melhor identificado nos autos, vem intentar a presente acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual contra a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), B, C, D e E, ora RRs, invocando a violação do seu direito de autor do projecto de arquitectura da obra associada às “Novas Instalações do Grande Prémio de Macau” pelo actos ilícitos culposamente praticados pelos RRs, designadamente, a omissão ilícita da consulta prévia do autor do projecto originário que foi alvo das obras de “modificação”, pedindo o ressarcimento dos danos patrimoniais e morais que lhe sofrerem na quantia que vier a ser apurada em sede de incidente de liquidação ou subsidiariamente, uma indemnização fixada por equidade, e a título cumulativo, uma indemnização por enriquecimento sem causa pelo uso não autorizado dos desenhos do projecto original em montante a estabelecer em sede de incidente de liquidação.
   Nas contestações apresentadas, todos os RRs requerem a absolvição dos todos os pedidos por falta de fundamento legal, sem prejuízo que o alegado direito de indemnização estar prescrito (invocados pelos 1.ª R. e 2.º R.). Aliás, os 2.º, 3.º, 4.º e 5.º RRs vêm aduzir a excepção de ilegitimidade passiva própria e o 2.º R. também suscita a falta de ilegitimidade activa do A..
   Devidamente notificado, o A. vem refutar na réplica todas as excepções deduzidas ao lado de responder às alegações dos RRs.
   Vejamos.
   Nos termos do n.º 1 do art.º 420.º do C.P.C, não pode o A. aproveitar o articulado de réplica para fazer resposta ou impugnar contra as alegações dos RRs, fora da matéria de excepção ou da reconvenção. Ainda que o A. não se concorda às opiniões expostas pelos RRs, não é de considerar alguma excepção peremptória ou para justificar a resposta ou impugnação fora do limite legal. Também não se trata, in casu, uma acção de simples apreciação negativa que o A. poderia impugnar os factos constitutivos alegados pelos RRs ou alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelos RRs.
   Pelo que, não é de considerar as alegações feitas pelo A. na réplica, designadamente, os art.ºs 1.º a 13.º da réplica.
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   Defere-se a rectificação da numeração repetida dos alegados na p.i. pela forma sugerida, dos repetidos n.ºs 133.º a 140.º para 133.º-A a 140.º-A.
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   Procede-se à análise da invocada excepção peremptória da prescrição do direito de indemnização.
   O regime da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, dos seus titulares e agentes por actos de gestão pública é estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 28/91/M, de 22 de Abril, com alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro, onde consta o seguinte:
“Artigo 6.º
(Prescrição do direito de indemnização)
   1. O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, dos titulares dos seus órgãos e dos agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo o direito de regresso, prescreve nos termos do artigo 491.º do Código Civil.
   2. Se o direito de indemnização resultar da prática de acto recorrido contenciosamente, a prescrição que, nos termos do n.º 1, devesse ocorrer em data anterior não terá lugar antes de decorridos 6 meses sobre o trânsito em julgado da respectiva decisão.”
   E estipula no art.º 491.º do Código Civil (C.C.):
“Artigo 491.º
(Prescrição)
   1. O direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
   2. Prescreve igualmente no prazo de 3 anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
   3. Se o facto ilícito constituir crime para cujo procedimento a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável; contudo, se a responsabilidade criminal ficar prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal, o direito à indemnização prescreve no prazo de 1 ano a contar da verificação dessa causa, mas não antes de decorrido o prazo referido na primeira parte do n.º 1.
   4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.”
   Segundo as disposições citadas, susta avançar à análise da seguinte factualidade resulta provada dos documentos juntos:
   1.º - Por B.O. n.º 5, de 30/01/2013, II Série, foi publicado a autorização do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, do procedimento administrativo para a adjudicação da empreitada designada «Obras de Demolições e de Fundações para a Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio de Macau» (vide fls. 171 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
   2.º - Em 07/02/2013, o A. enviou por fax uma carta ao Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, impugnando a violação do seu direito como autor do projecto das “Instalações do Grande Prémio de Macau” sobre a abertura do concurso público para adjudicação da empreitada acima referida (vide fls. 172 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
   3.º - Através do ofício com n.º de referência: 151/B/CGPM/2013 de 05/03/2013, o 2.º R., na qualidade do Coordenador da Comissão de Grande Prémio de Macau (CGPM), deu resposta ao A. explicando as razões que levaram à necessidade da decisão de demolição da Torre de Controlo para a construção de uma nova no mesmo local (vide fls. 186 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
   4.º - Através do ofício com n.º de referência: 209/B/CGPM/2013, de 25/03/2013, foi notificado ao A. pelo 2.º R., o seguinte:
   “…Acusamos a sua resposta de 6 de Março de 2013, em que, apesar de dar nota da sua compreensão pelos compromissos assumidos com a FIA, manifesta a sua discordância com as razões para a demolição, numa fase inicial, da Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio, nos termos que constam do nosso Ofício de 5 de Março de 2013.
   Não obstante o projecto de arquitectura ter sido encomendado e contratado à G Asia Consultores Limitada para quem ao tempo V. Exa. trabalhava, tivemos o ensejo de, antes de proceder à contratação de serviços para a demolição da Torre, informar e explicar a V. Exa. os motivos ponderosos que a impõem, procurando, dessa forma, obter a sua compreensão.
   Não sendo esse desiderato possível, queremos assegurar-lhe que, independentemente do repúdio que venha a fazer quanto à paternidade da obra, o nome de V. Exa. não será invocado no futuro…” (vide fls. 188 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
   5.º - Em resposta ao ofício com n.º de referência: 209/B/CGPM/2013 recebido aos 03/04/2013, o A. apresentou ao 2.º R. o seguinte requerimento:
   “…1. Em 06 de Março de 2013, pela ref. 2013-0024-p316-fx, c/ conhecimento a V. Ex.cia, o Coordenador da Comissão do Grande Prémio de Macau, o Sr. Eng. I, foi elucidado que nos termos da Convenção internacional e da lei publicada à RAEM, após a transmissão dos direitos patrimoniais de uma obra, os direitos pessoais remanescem no autor da obra e estão definidos na qualidade de independentes do direito patrimonial, inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, podendo ser exercidos, após a morte do autor, nos termos do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 43/99/M de 16 de Agosto.
   Todavia o mesmo coordenador insiste em invocar canais comerciais, privilegiando extensões de direitos extintos, em prejuízo dos que efectivamente persistem certificados, cuja violação é o bastante para colocar a RAEM nas listas negras dos observatórios internacionais.
   2. O ensejo tardio (em 05 de Março, pela ref. 151-B-CGPM-2013) que o mesmo coordenador expressou, informando sobre a transformação que moveu à obra, não se sobrepõe, muito menos afastou, a obrigação de consultar previamente o autor do projecto, nos termos do artigo 144.º do Decreto-Lei n.º 43/99/M de 16 de Agosto, sobre matéria que aquela Comissão mantém em análise desde Novembro de 2008.
   3. O mesmo dirigente não pode ter a expectativa de contar, de suscitar e de obter compreensão por parte dos residentes da RAEM de serem espoliados de direitos que a lei lhes confere e que lhes são essenciais à sua esfera pessoal e profissional, por mera consequência que resulte aleatoriamente da aptidão e da forma como as questões são conduzidas.
   4. O direito ao repúdio à paternidade da obra, que antecipadamente o coordenador da Comissão do Grande Prémio de Macau admite que o autor da obra venha fazer, só pode resultar de má consciência na medida em que nunca foi confrontado, nem vai ser confrontado com essa intenção.
   Esse direito que invocou é também apenas parte de uma norma, que tem letra no parágrafo 3.º do artigo 144.º do mesmo decreto-lei. A parte omissa da mesma norma é que, em resultado dessa medida, fica vedado ao proprietário invocar o nome do autor da obra em proveito próprio.
   Ora, o proprietário da obra, assim como os proveitos inerentes são da RAEM, não são da Comissão do Grande Prémio de Macau. Não é atribuição funcional do Coordenador da Comissão dispor de proveitos da RAEM, para que não foi mandado. Também não deve o autor do projecto retirar esses proveitos porque, no caso de uma obra pública, não é o perpetrador do acto que colhe a consequência.
   5. Não tendo o autor da obra renunciado à paternidade da mesma, mas tendo o mesmo coordenador, no mesmo ofício em título, já decidido não invocar no futuro o nome do autor da obra, tal decisão só consubstancia mais outra violação ao regime, nomeadamente da alínea b) do parágrafo 3.º do artigo 7.º do mesmo decreto-lei, que é o direito de o autor ser identificado em qualquer forma de publicidade da obra, sendo isso atribuições efectivas que competem ao mesmo coordenador assegurar, em âmbito de manutenção do acervo que organicamente lhe foi confiado, tanto no local da obra, como em qualquer foto ou maqueta que o Governo da RAEM exiba em exposição ou monografia.
   A aptidão revelada no ofício em título só vem agravar circunstâncias, nomeadamente no seguimento do que o Coordenador daquela Comissão já foi alertado em 06 de Março de 2013, pela ref. 2013-0024-p316-fx e no seguimento da minha expressão de disponibilidade em contribuir para a sanação da questão, pela ref. 2013-0031-p316-fx de 16-03-2013.
   Solicita-se a intervenção de V. Ex.cia para as providências necessárias, na medida em que:
   O órgão funcional não foi apto na condução da questão. Com isso, pôs em causa, anulando, direitos de outros e proveitos da RAEM, para os quais não está mandado para dispor; fê-lo em moldes que retiram bom nome à Região Administrativa Especial de Macau na esfera internacional; violam compromissos nacionais em matéria de negócios estrangeiros, a que Governo da República Popular da China responde directamente; a quem o signatário se vê em necessidade de enviar a questão ao cuidado, dentro do prazo administrativo de 30 dias, na falta de prossecução na RAEM, na medida em que são actos que resultam de actuação administrativa que tanto aflige autores de obra como inflige a RAEM.…” (vide fls. 189 a 190 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
   6.º - Pelo B.O. n.º 16, II Série, de 17/04/2013, foi publicado a autorização da Senhora Secretária para a Administração e Justiça do procedimento administrativo para a adjudicação da empreitada designada por «Construção da Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio de Macau» (vide fls. 194 a 195 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
   7.º - Através do ofício com n.º de referência: 562/B/CGPM/2013 de 27/06/2013, foi o A. informado o seguinte:
   “…Com referência aos nossos Ofícios 151/B/CGPM/2013 e 209/B/CGPMl2013, respectivamente de 5 de Março de 2013 e de 25 de Março de 2013 - e apesar de o Regime do Direito de Autor e Direitos Conexos, aprovado pelo DL n.º 43/99/M, de 16 de Agosto e alterado pela Lei n.º 5/2012, de 1 de Junho de 2012, não prever qualquer comunicação prévia ao autor do projecto de arquitectura em caso de demolição total do edifício - vimos informá-lo para os efeitos do disposto naquele diploma, nomeadamente no n.º 2 do artigo 144.º da necessidade de se proceder à demolição de todo o Edifício do Grande Prémio, uma vez que as actuais instalações já não dão resposta satisfatória às exigências técnicas impostas para a realização das provas internacionais que têm lugar durante o Grande Prémio de Macau, tal como consta do nosso Ofício 151/B/CGPM/2013, de 5 de Março de 2013.
   Assim, e não obstante o projecto de arquitectura ter sido encomendado e contratado à G Asia Consultores Limitada, empresa para quem V. Exa. à data trabalhava, serve a presente para, antes de procedermos à contratação de serviços para a demolição do Edifício do Grande Prémio, reiterarmos junto de V. Exa. os motivos ponderosos que a impõem.…”(vide fls. 196 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito)
   8.º - Por requerimento datado de 07/07/2013, o A. veio pedir junto da CGPM a documentação respeitante às especificações da Federação Internacional de Automobilismo e a recomendação à tutela sobre a necessidade de demolição integral do edifício do Grande Prémio em resultado dessas especificações e a recomendação à tutela sobre a adjudicação de serviços de projecto de um novo edifício à empresa “G Asia Consultores Limitada”, com dispensa de concurso ou consulta pública (vide fls. 197 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
   9.º - Através do ofício com n.º de referência: 647/B/CGPM/2013 de 26/07/2013, o 2.º R. deu responder ao A. o seguinte:
   “…Em resposta à V. carta de 7 de Julho de 2013, a qual nos mereceu a melhor atenção, cumpre-nos referir que, tal como havíamos informado em missivas anteriores, a ideia de reconstrução do edifício para instalação da Comissão do Grande Prémio e para apoio do maior evento desportivo de Macau, do qual fizesse parte integrante uma nova torre de controlo, com o conforto e funcionalidades exigidas pela Federação Internacional Automóvel, dada a crescente dimensão do Grande Prémio de Macau, resultado do prestígio internacional das suas provas, implicando uma maior participação de equipas, técnicos e meios de comunicação social, tornou-se possível com a fixação do traçado do metro ligeiro e das cotas altimétricas máximas permitidas para a construção de edifícios nas imediações do Farol da Guia, tendo em vista a manutenção da classificação do Centro Histórico de Macau como património da humanidade atribuída pela Unesco.
   Ademais, e tal como também previamente informado, a empreitada de reconstrução do referido edifício teria que obedecer a trabalhos faseados, por forma a permitir a realização anual do evento em causa.
   Assim, decidida a reconstrução da torre de controlo, no âmbito do projecto de reconstrução total do edifício, e não prevendo o DL n.º 43/99/M, de 16 de Agosto qualquer consulta ou comunicação prévia ao autor do projecto em caso demolição total do mesmo, repetimos, não impunha a lei, na nossa interpretação, o dever de consulta a V. Exa., como autor do projecto e da obra de arquitectura das então designadas “Novas Instalações do Grande Prémio de Macau” concluídas em 1993, por não se tratar de uma alteração do referido projecto, mas da reconstrução de todo o edifício.
   Apesar desta interpretação, deu-se a conhecer a V. Exa. os factos que sustentaram a decisão de demolição da torre de controlo e sua reconstrução, obras estas pertencentes à primeira fase do projecto de reconstrução em curso, esclarecimentos estes que o Gabinete do Comissário Contra a Corrupção considerou cumprir o disposto no artigo 144.º, n.º 2 do Regime Jurídico do Direito de Autor.…” (vide fls. 198 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
   10.º - Por requerimento datado de 06/09/2013, o A. veio pedir junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes a consulta do processo referente às “Novas Instalações do Grande Prémio de Macau” presentemente em curso (vide fls. 199 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
   11.º - A licença de utilização da nova Torre de Controlo foi emitida em 31/10/2013 (vide fls. 669 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
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   No entender do A., não deve ser levada em conta as comunicações, anúncios de concurso público e notícias de jornal para a contagem do respectivo prazo de prescrição, tendo as alterações introduzidas à obra de arquitectura não se encontravam cristalizadas até a inauguração em 07/11/2013, data em que só podia ter conhecimento do direito que lhe assistia.
   Não é questionável que a construção respeitante à nova Torre de Controlo é visível apenas ao “público” após da emissão da licença de utilização, todavia, não é de relevar como ponto temporal decisivo para dar início à contagem do prazo de prescrição do alegado direito de indemnização, pelos actos ou omissões ilícitos dos agentes públicos intervenientes no caso vertente.
   Efectivamente, desde que o A. tomou conhecimento da adjudicação da empreitada designada «Obras de Demolições e de Fundações para a Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio de Macau» através do B.O. publicado, escreveu ao Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura queixando sobre a violação do seu direito como autor do projecto das “Instalações do Grande Prémio de Macau”.
   Nas várias missivas dirigidas posteriormente ao A., designadamente, a carta com n.º de referência: 562/B/CGPM/2013 datada de 27/06/2013, o 2.º R. reiterou a expor os motivos que levaram à necessidade da nova obra que foi uma demolição total de Edifício de Grande Prémio e no caso deste, não necessitou a consulta ao autor do projecto, manifestando já a negação da imputada violação do direito de autor do A..
   Na sequência do requerimento de documentação relativa ao novo projecto, o 2.º R. forneceu mais dados ao A., através do ofício com n.º de referência: 647/B/CGPM/2013 de 26/07/2013, sobretudo, fazer referir que a empreitada é parte integrante da reconstrução do edifício que não se trata de uma alteração do projecto originário, mas da reconstrução de todo o edifício que teria que obedecer a trabalhos faseados, por forma a permitir a realização anual do Grande Prémio.
   Desde já, independentemente que seja o enquadramento adequado da empreitada da obra a realizar, que o A. insiste sempre ser uma modificação ou alteração ao projecto original, o 2.º R., na qualidade do responsável do novo projecto de obra, já afirmou por duas vezes a desnecessidade de obter a consulta ao A.. Pelo que, o A., no momento em que acusou a recepção do ofício como n.º de referência: 209/B/CGPM/2013 aos 03/04/2013, ou pelo menos, após de ter recebido o ofício com n.º de referência: 647/B/CGPM/2013 de 26/07/2013, devia estar consciente da alegada em falta ou omitida consulta prévia que lhe prejudicou como titular da autoria do projecto original.
   Acresce que, como se alega na p.i., o A. é arquitecto em exercício de funções em Macau por mais de 20 anos, com conhecimento técnico e de procedimento administrativo vasto que um destinatário normal a nível de homem médio não se pode equiparar, não é difícil de identificar os responsáveis, pois, por via de várias correspondências trocadas, se manteve em contacto com o 2.º R. para obter informações sobre a obra a realizar no Edifício de Grande Prémio.
   Aliás, como se demonstra no corte de jornal, de 03/04/2013, apresentado pelo A. a fls. 191 dos autos, não deixa dúvida que a Torre de Controlo veio a ser demolida, na medida que o A. se queixou pela violação da sua titularidade de autor do projecto.
   Pelas considerações acima expostas, é de decidir à data da interposição da presente acção em 03/11/2016, o prazo de prescrição dos três anos do alegado direito de indemnização pela omissão de consulta prévia dos RRs fica já prescrita, e julgar procedente a invocada excepção peremptória da prescrição do direito de indemnização, ao abrigo dos art.ºs 491.º, n.º 3 do C.C. e 6.º, n.º 1 do D.L. n.º 28/91/M, de 22 de Abril, alterado pelo D.L. n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro, absolvendo os RRs deste pedido de indemnização, nos termos dos art.ºs 412.º, n.º 3, e 429.º, n.º 1, alínea b) do C.P.C., ex vi do art.º 99.º n.º 1 do C.P.A.C..
   Custas pelo A. com taxa de justiça de 2UC.
   ...”.
Trata-se duma decisão ajuizada e correcta, pelo que é de louvar a decisão recorrida, e ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, ex vi do artº 1º do CPAC, é de negar provimento ao recurso com os fundamentos constantes na decisão impugnada.
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B) Do recurso final:
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
   “…
   Pelo que se reitera nas alegações (veja-se os artigos 355.º a 357.º da petição inicial), a Ré (através da Comissão do Grande Prémio de Macau) ao permitir que o terceiro utilizasse e manipulasse os desenhos de projecto constantes das bases digitais do Autor, sem para tal estar devidamente autorizada, locupletou-se indevidamente com uma quantia monetária.
   Como se vê, trata-se aqui de um fundamento concorrente da responsabilidade civil extracontratual em que se funda a pretensão condenatória, de que nos ocuparemos, na medida em que foi julgada improcedente a acção quanto a este fundamento em virtude da prescrição da obrigação de indemnizar pelo decurso do prazo previsto no artigo 491.º, n.º 1 do CCM, conforme consta do despacho a fls. 939 a 945 dos autos.
   E nos termos previstos no n.º 4 da dita norma, a prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de restituição por enriquecimento sem causa. Neste caso, uma vez que a lei não “facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído”, não se deve afastar à partida, com base na natureza subsidiária da obrigação de restituir nos termos do artigo 468.º do CCM, a aplicabilidade do instituto de enriquecimento sem causa.
   Apesar de ser este um instituto jurídico que costumava ser fundamentado pela doutrina civilista num princípio de proibição do enriquecimento injusto, tem-se entendido que como um princípio geral do direito, um enriquecimento sem causa constitui também fonte de obrigações da Administração Pública, tendo perfeita aplicação no direito administrativo. Como salienta Alexandra Leitão, “existem situações no âmbito das relações jurídico-administrativas, em que o único meio de repor o equilíbrio patrimonial quando se verifica o empobrecimento de um particular em prol da Administração é o recurso à figura do enriquecimento sem causa” (cfr. O Enriquecimento Sem Causa da Administração Pública, pp. 61 a 62).
   Ainda em termos processuais, não obstante não ter sido incluída na previsão no artigo 97.º do CPAC como uma das acções administrativas tipificadas, entende-se ser possível ao particular lançar mão da acção atípica de enriquecimento sem causa, a fim de obter o ressarcimento do valor a restituir pelo enriquecido (cfr. Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso anotado, p. 297).
  Resta saber aqui se a acção procederá com base no enriquecimento sem causa.
   Consoante o entendimento corrente, a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa postula, na tipificação delineada no artigo 467.º, n.º 1 do CCM, a cumulação dos três requisitos: 1) o enriquecimento de alguém sujeito passivo da restituição, 2) sem causa justificativa, e 3) à custa de outrem, titular do direito à restituição.
   No que respeita ao primeiro requisito, o enriquecimento consiste num proveito patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, tanto pode derivar do aumento do activo patrimonial, através da aquisição de um novo direito como do acréscimo do valor de um direito que já lhe pertencia (e.g. a propriedade de um objecto, a titularidade de um crédito, a mais-valia trazida a um prédio por trabalhos neles efectuados), como pode também decorrer da evitação da diminuição do passivo (e.g. o pagamento da dívida por alguém que não esteja obrigado, ou a poupança de uma despesa necessária). E a vantagem em que o enriquecimento consiste, nas diferentes perspectivas doutrinárias, pode corresponder ao “enriquecimento real” (o concretamente obtido) ou ao “enriquecimento hipotético” (no sentido de comparação entre a situação patrimonial real em que se encontra o enriquecido e a situação hipotética em que se encontraria sem o facto gerador do enriquecimento).
   No caso dos autos em apreço, apontou-se o Autor para a verificação do enriquecimento por causa da Ré, na elaboração dos três desenhos de sobreposição para “Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio”, ter recorrido ao projecto originário do Autor sem a autorização do mesmo e em violação da norma 8.2. do Caderno de Encargos. Nesta linha, entendeu o mesmo que a Ré se enriqueceu por ter evitado a ocorrência de uma despesa no valor de MOP 154,000.00 que seria inevitável, em caso de ter procedido ao levantamento das instalações do Grande Prémio de Macau, o que se apresentava como única hipótese alternativa que restaria (conforme as respostas dadas aos quesitos 1º e 5º a 8º da base instrutória). É de realçar desde logo que com isso parece o mesmo ter introduzido uma causa de pedir diferente daquela que anteriormente fundamenta a pretensão indemnizatória - a omissão ilícita da consulta prévia ao autor do projecto originário.
   O que não seria admissível, em bom rigor, pela natureza subsidiária da obrigação de restituir conforme previsto no artigo 468.º do CCM - deveria o Autor ter fundado, em primeiro lugar, a sua pretensão no uso não autorizado dos desenhos do projecto original, mediante a invocação do instituto da responsabilidade civil extracontratual, o meio facultado por lei para se obter o ressarcimento dos danos sofridos. Não o fez, limitando-se a estruturar prioritariamente a causa de pedir consubstanciada em omissão ilícita da consulta prévia ao autor, e cumulando nesse pedido tal pedido de restituição com base no enriquecimento sem causa. Andou mal, já que os dois pedidos cumulados de indemnização e de restituição se relacionam antes entre si numa lógica de subsidiariedade – conforme sucede na situação típica em que “de um facto fonte de obrigação de indemnizar derive um enriquecimento para o seu autor à custa do lesado e que o direito de indemnização pelos danos resultantes desse facto prescreva em momento anterior àquele em que prescreve a acção de restituição por enriquecimento sem causa.”
   E diríamos, independentemente disso, que a pretensão de restituir do Autor se encontra baseada numa argumentação falaciosa, porquanto não se podia ter por verificado, na realidade, o enriquecimento por parte da Ré, por várias razões que passaremos a expor no seguinte.
   Em primeiro lugar, porque está em causa uma obra arquitectónica cuja propriedade desde início pertencia à Ré.
   Como se vê, o que foi invocado é o direito de autor relativamente à obra protegida nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea l) do DL n.º 43/99/M, de 16 de Agosto, que aprova o regime do direito de autor e direitos conexos (“...Os projectos, esboços e obras plásticas respeitantes à arquitectura, à geografia ou às outras ciências;..”). Entretanto, sendo o direito que emergiu no quadro do contrato celebrado entre o então Território de Macau e a “G – CENTRO DE PROJECTOS, S.A.R.L.”, aos 18/05/1992 (conforme a alínea M) do facto assente), importa para além de aplicar a protecção concedida pelo referido DL às obras que não tenham caducado à entrada em vigor do mesmo diploma, ainda atender aos “negócios jurídicos validamente celebrados face à legislação anterior”, de acordo com a norma transitória prevista no artigo 221.º do referido DL.
   A este respeito, se tal Caderno de Encargos tipo junto a fls. 1132 a 1146, é aquele que efectivamente se aplicou na concreta contratação do projecto de “Instalações para o Grande Prémio e Silo-Auto no Novo Terminal Marítimo no Porto Exterior”, adjudicado pelo despacho de 02/03/1992, as cláusulas aí estipuladas deveriam ter integrado no contrato celebrado entre o então Território de Macau (leia-se “RAEM”) e a “G – CENTRO DE PROJECTOS, S.A.R.L.”, aos 18/05/1992 (conforme se demonstra na alínea M) dos Factos Assentes e na resposta ao quesito 4.º da base instrutória).
   Em matéria da propriedade intelectual, a cláusula 8.ª do dito Caderno de Encargos prevê o seguinte:
   “8.1. Após o pagamento dos honorários correspondentes às diferentes fases do projecto, todos os documentos elaborados pelos autores dos projectos para a execução do contrato são propriedade do Governo, ficando reservados para aqueles apenas os direitos de natureza pessoal, com ao alcance definidos no Código do direito do autor.
   8.2. Fica vedado à Administração facultar a terceiros a utilização, reprodução ou a comunicação do projecto, sem prévia autorização ou acordo do autor do projecto.
   8.3. O autor do projecto não poderá revelar a terceiros, total ou parcialmente o conteúdo do trabalho e documentos fornecidos pela Administração, sem autorização desta, prestada por escrito, quaisquer que sejam os fins para que pretenda tal utilização.”
   É de referir que o Caderno de Encargos na parte citada, mais do que proibir à Administração a cedência da utilização do projecto ao terceiro no seu parágrafo 8.2, determinou no parágrafo 8.1 que “todos os documentos elaborados pelos autores dos projectos para a execução do contrato são propriedade do Governo” e “ficando reservados para aqueles apenas os direitos de natureza pessoal, com o alcance definidos no Código do Direito de Autor”.
   A cláusula essa considera-se válida por estar conforme com o disposto do DL n.º 46980, de 27 de Abril de 1966, estendido a Macau pela Portaria n.º 679/71, de 7 de Dezembro, vigente anteriormente ao DL n.º 43/99/M, o que permitia afastar mediante a convenção expressa entre as partes, o direito de autor do criador intelectual da obra, em favor “da entidade que custear a obra ou a publicar”, no caso de se tratar da obra feita por encomenda, nos termos dos artigos 8.º e 9.º do mesmo DL.
   Portanto, é incontroverso que se pretendia fazer prevalecer a dita cláusula contratual, teria que se aceitar também que por força desta, a propriedade da obra da arquitectura em causa fica com a RAEM. Se assim é, ainda que os desenhos de sobreposição elaborados para o novo programa (Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio) tenham comprovadamente aproveitado os elementos constantes do projecto originário, conforme constante das respostas aos quesitos 1º a 3º da base instrutória, o que temos não se passaria de uma conduta da Ré de tirar proveito de um bem que já era o seu, não geradora do enriquecimento, ao contrário do que sucede numa das situações paradigmáticas do enriquecimento sem causa – e.g. enriquecimento por intervenção, “quando alguém enriquece em virtude da sua ilegítima intromissão no património de um direito (geralmente absoluto), que para ele resulta do esquema jurídico-social de ordenamento dos bens”.
   Em nosso entender, a questão nunca deveria ter sido colocada nestes termos, o que poderia questionar é se o exercício desse direito de propriedade por parte do seu titular Ré contende ou não com os limites legalmente impostos em protecção do direito pessoal do autor da obra que permanece na titularidade do Autor.
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   Como já vimos, apesar da transferência da propriedade à RAEM, encontravam-se reservados, por força do negócio convencional, aos autores do projecto os direitos de natureza pessoal e intransmissível, com alcance legalmente definido. E além disso, o titular da propriedade não podia “facultar a terceiros a utilização, reprodução ou a comunicação do projecto, sem prévia autorização ou acordo do autor do projecto.” conforme a supradita cláusula.
   Em termos mais precisos, a RAEM ao permitir a utilização da obra arquitectónica pela CGPM ou pela DSSOPT na elaboração do novo projecto de arquitectura sobre “Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio”, não estava a facultar ao terceiro – tanto uma entidade como outra são serviços ou entes públicos que integram a estrutura da Administração da RAEM (a CGPM, com a natureza de equipa de projecto que funcionava na dependência e sob a orientação do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura conforme o Despacho do Chefe do Executivo n.º 292/2003, e a DSSOPT, fica na dependência hierárquica do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, e encontra-se incluída no Anexo VI do Regulamento Administrativo n.º 6/1999) Aliás, o próprio Autor referiu à actuação alegadamente enriquecedora da Ré como através da Comissão de Grande Prémio de Macau no artigo 355.º da petição inicial, implicitamente admitiu que esta não era o terceiro visado.
   Assim, pese embora terem sido comprovados os factos de que “Nos desenhos a fls. 980 a 982 dos presentes autos, as partes assinaladas a tinta amarela e a tinta preta foram produzidas com base nos dados retirados dos desenhos dos projectos de arquitectura da obra associada às “Instalações do Grande Prémio de Macau”, referidos na al. N dos Factos Assentes” (resposta ao quesito 2° e 3° da base instrutória) e que “O Autor nunca deu à CGPM, à DSSOPT ou a qualquer organismo da RAEM, a autorização a que se refere o parágrafo 8.2. do Caderno de Encargos” (resposta ao quesito 5° da base instrutória), isso é sem mínima relevância para sustentar a existência da violação da dita norma do parágrafo 8.2. do Caderno de Encargos, sendo certo que não se encontra sequer identificado tal “terceiro”.
   Aliás, não sendo o Autor aquele que contratava com o dono de obra, mas sim a “G – CENTRO DE PROJECTOS, S.A.R.L.”, o mesmo não é “autor do projecto” para efeito da aplicação das cláusulas contratuais ínsitas no Caderno de Encargos segundo a cláusula 3.1 da Caderno dos Encargos (onde se referiu “o autor do projecto, entendido como empresa, técnico ou grupo de técnicos que contrata com o dono da obra a elaboração do projecto, responsabiliza-se pela constituição da equipa técnica para elaboração do projecto e assistência técnica, devendo indicar na proposta a sua constituição nominal.”), e por conseguinte, nem tinha legitimidade para opor à RAEM os limites convencionais resultantes do dito parágrafo 8.2, que só se reconhece à “G – CENTRO DE PROJECTOS, S.A.R.L.”.
   De todo o modo, inexiste nenhuma comprovada actuação de facultar a utilização do projecto por terceiro em violação da referida norma do Caderno de Encargos, que aliás não é configurável como uma causa de enriquecimento conforme se adiantará.
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   A nosso ver, a única infracção que se poderia quando muito verificar nas actuações da RAEM, conforme se alega, seria a omissão da consulta prévia em violação do artigo 144.º, n.º 2 do DL n.º 43/99/M. Como já referimos, se esta fosse causa constitutiva da obrigação de indemnizar já julgada prescrita, deveria ser a mesma que fundamenta a obrigação de restituir.
   Sendo o Autor “o autor dos projectos de arquitectura da obra associada às “Instalações do Grande Prémio de Macau”“ (conforme a alínea N) dos factos assentes), portanto, “independentemente dos direitos de carácter patrimonial”, “ainda que tenha alienado estes direitos, goza durante toda a sua vida do direito de reivindicar a paternidade da sua obra e de assegurar a integridade desta, opondo-se a toda e qualquer deformação, mutilação ou outra modificação da mesma e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue nos seus propósitos e possa afectar a honra e reputação do autor como tal”, conforme previsto no artigo 55.º do DL n.º 46980.
   Do que se trata aqui é do direito pessoal de autor na vertente do direito à integridade da obra, que se encontra actualmente protegido pela norma do artigo 7.º, n.º 3, alínea d) do DL n.º 43/99/M, com uma redacção substancialmente idêntica (“Assegurar a genuinidade e integridade da obra e opor-se a qualquer mutilação ou deformação e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue e possa afectar a honra ou reputação do autor.”).
   A propósito do direito à integridade das obras de arquitectura, estabelece-se ainda um regime excepcional, no artigo 144.º do DL n.º 43/99/M em que se prevê no n.º 2 o seguinte: “O dono de obra construída ou executada segundo projecto da autoria de outrem é livre de, quer durante a construção ou execução, quer após a sua conclusão, introduzir nela as alterações que desejar, mas deve consultar previamente o autor do projecto, sob pena de indemnização por perdas e danos.” A protecção concedida neste diploma em face da norma transitória do artigo 221.º, n.º 1 do referido DL, deve-se aplicar à obra aqui em causa.
   Ora bem, certo é que não temos nenhuma base factual que permita concluir pela ocorrência da omissão da consulta prévia exigida na dita norma do artigo 144.º, n.º 2. Contudo, mesmo que se tivesse provado a conduta omissiva por parte da Ré, alegadamente lesiva do direito pessoal de autor do Autor, o que teríamos são apenas os danos, designadamente morais, emergentes da conduta ilícita, que seriam indemnizáveis em sede da acção de responsabilidade civil, mas julgada improcedente por ocorrência da prescrição. Não há nenhum enriquecimento que pudesse fundamentar a obrigação de restituir numa acção de enriquecimento sem causa.
   A que acresce que se a omissão da consulta prévia constituísse o facto gerador do enriquecimento, então a fim de obter o valor de “enriquecimento hipotético”, a comparação adequada deveria ser feita entre a situação patrimonial real do enriquecido e a sua situação hipotética em caso de ter procedido à consulta prévia do autor do projecto. Contudo, nenhum valor foi apurado nem alegado neste sentido, para além de que a presença do enriquecimento entendido nestes termos seria sempre pouco verossímil, ao que nos parece.
   Por sua vez, o montante do proveito económico no valor de MOP 154,000.00 apurado na resposta ao quesito 8º da base instrutória é resultante alegadamente do uso não autorizado dos desenhos do projecto original. Pois, o que se fala aí são as despesas que a Ré supostamente pouparia e teria gastado “sem os dados retirados dos desenhos dos projectos de arquitectura da obra associada às “Instalações do Grande Prémio de Macau”, referidos na al. N dos Factos Assentes,” se recorrendo-se à única alternativa que lhe restaria – o levantamento das instalações do Grande Prémio de Macau, “com o objectivo de obter uma representação precisa da construção existente incluindo as partes a demolir e as a conservar” (veja-se a resposta ao quesito 6° e 7° da base instrutória).
   Mas, como já referimos, a propriedade da obra arquitectónica (ou melhor dizendo, os desenhos dos projectos de arquitectura da obra associada às “Instalações do Grande Prémio de Macau) era sempre da RAEM, e as supostas despesas nunca seriam necessárias. Neste sentido, o uso dos desenhos do projecto não carece da autorização, nunca poderia gerar o enriquecimento da Ré naquele quantitativo.
   Aqui chegado, pela inexistência do enriquecimento, elemento constitutivo da obrigação de restituir da Ré, não resta senão improceder a acção e absolver a mesma dos pedidos.
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   IV-Decisão:
   Assim, pelo exposto, decide-se:
   Julgar improcedente a acção e em consequência, absolver a Ré REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU do pedido formulado pelo Autor A.
   …”.
Trata-se duma decisão ajuizada e correcta, pelo que é de louvar a sentença recorrida, e ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, ex vi do artº 1º do CPAC, é de negar provimento ao recurso com os fundamentos constantes na decisão impugnada.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- julgar improvido o recurso interlocutório, mantendo o despacho recorrido; e
- julgar improvido o recurso final, mantendo a sentença recorrida.
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Custas do recurso interlocutório e do recurso final pelo Autor, com taxa de justiça de 4UC respectivamente.
 Notifique e D.N..
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RAEM, aos 13 de Outubro de 2022.
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro



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514/2022