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Processo nº 561/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 27 de Outubro de 2022

ASSUNTO:
- Intepretação do teor da prova documental “Final Payment Notice”

SUMÁRIO :
- O documento designado por “Final Payment Notice”, assinado pelo Autor no último dia de trabalho aquando da desligação do serviço, só se pode considerar que o Autor recebeu os salários e compensações já liquidados no último período de trabalho, que não incluem as indemnizações ou compensações, de outra natureza, ainda não liquidadas ou mesmo não conhecidas, já que o próprio documento não mencionou, por exemplo, as compensações devidas ao trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios de outros períodos.
O Relator,
Ho Wai Neng







Processo nº 561/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 27 de Outubro de 2022
Recorrente: A (Autor)
Recorrida: B Casino, S.A. (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – RELATÓRIO
Por sentença de 18/03/2022, julgou-se a acção totalmente improcedente e em consequência absolveu-se a Ré B Casino, S.A. do pedido.
Dessa decisão vem recorrer o Autor A, alegando, em sede de conclusões, o seguinte:
1. Verça o presente Recurso sobre a douta Decisão na parte em que entendeu que "(...) o documento a fls. 155 dos autos (...) assinado pelo Autor no último dia da relação laboral (...) vale como quitação acompanhada de reconhecimento negativo de toda a dívida", razão pela qual foi julgada procedente a excepção invocada pela Ré e absolvida a mesma de todos os pedidos formulados pelo Autor na sua Petição Inicial;
2. Salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer que não se mostra correcto concluir que a declaração inserta no último recibo de pagamento do salário do Autor/Recorrente e assinada por este no último dia da sua relação de trabalho com a Ré/Recorrida, possa valer como "quitação acompanhada de reconhecimento negativo de toda a dívida", razão pela qual se impõe que a douta Decisão seja revista, porque carecida de fundamento jurídico.
Mais detalhadamente.
3. Na sua - brevíssima - fundamentação jurídica, o douto Tribunal a quo convoca duas Decisões das mais altas Instâncias Superiores de Justiça da RAEM, com vista à qualificação da declaração em causa como sendo um "recibo de quitação";
4. Salvo o devido respeito, o douto Tribunal a quo, ignora, porém, que a situação em apreciação nos presentes autos em nada se confunde e/ou em pouco se identifica com as situações anteriormente apreciadas pelo Tribunal de Última Instância e pelo Tribunal de Segunda Instância;
5. De onde, tratando-se de situações jurídicas distintas terão as mesmas de ser merecedoras de tratamento e de solução jurídica também ela distinta.
Em concreto,
6. Resulta do Sumário do Acórdão do TUI de 05/06/2013, tirado do Processo n.º 21/2013, entre outro, que: "5. A remissão de créditos do contrato de trabalho é possível após extinção das relações laborais; 6. Face ao conteúdo e aos termos em que foi dirigida, a declaração emitida pelo trabalhador, após a cessação (e não, concessão como por erro manifesto se refere) da relação laboral (...) vale como quitação acompanhada de reconhecimento negativo de toda a divida";
7. Ora, a leitura do referido Sumário é quanto baste para fazer saltar à vista que a situação apreciada pelo Tribunal de Última Instância - seja no âmbito do referido Proc. n.º 21/2013, seja em outras dezenas de processos similares - em muito se distingue da situação ajuizada pelo Tribunal a quo, quer no que respeita à matéria de facto, quer à conclusão de Direito, o que por si só faz "inquinar" a fundamentação jurídica avançada pelo Tribunal Judicial de Base;
8. Desde logo, porque, na situação apreciada pelo douto Tribunal Superior estava em causa aferir da validade de uma declaração relativa a uma relação de trabalho que havia cessado há mais de três anos; ao invés, nos presentes autos, o documento de fls. 155 foi assinado pelo Autor/Recorrente no último dia da relação de trabalho e, como tal, ainda no decurso da mesma.
9. Ora, esta "grande" diferença faz necessariamente cair por terra o primeiro "fundamento" da Decisão Recorrida, porquanto, como a própria Decisão expressamente o sublinha: a remissão de créditos só é possível após a extinção da relação de trabalho em causa, o que na situação dos presentes autos se não verificou;
10. De onde se conclui que, tendo o documento junto de fls. 155 sido assinado pelo Autor/Recorrente, em 31/05/2008 e, como tal, ainda durante o período da relação de trabalho, em caso algum o mesmo poderá configurar uma "remissão" de créditos laborais, contrariamente ao que terá sido entendido pelo Tribunal Judicial de Base.
Acresce que,
11. Para além de o documento de fls. 155 ter sido assinado (ainda) no decurso do contrato de trabalho, também o seu concreto teor e amplitude em muito se aparta das "Declarações de quitação" - especialmente redigidas para o efeito, em regra, no âmbito de urna negociação com vista a pôr termo ao contrato de trabalho e/ou na sequência da cessação do mesmo - e que têm vindo a ser objecto de cuidada apreciação por parte das nossas Instâncias Superiores de Recurso;
12. Para o que ao presente Recurso mais directamente importa, resulta do documento de fls. 155 o seguinte: "Declaro que recebi todo o salário em dívida e o pagamento final do meu emprego devido a mim (...). Concorda e aceita o cálculo e declaração acima realizado";
13. Diferentemente, em regra, as Declarações de quitação que têm vindo a ser apreciadas pelo TSI e pelo TUI consagram, o seguinte: "Declaração. Eu, A, Titular do BIR n.º ____ declaro que recebi, voluntariamente, a título de prémio de serviço, a quantia de MOP$ ____ da C, referente ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a C. Mais declaro e entendo que, recebido o valor referido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a C subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à C, na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral";
14. Ora, a comparação literal da redacção - leia-se, do teor e da amplitude - das referidas declarações, deixa ver que a primeira, ao contrário da segunda, não consagra em si uma qualquer "intenção remissiva", que permita concluir que o Autor/Recorrente terá pretendido conferir ao documento de fls. 154 um efeito de "quitação total e plena" de todos os seus créditos laborais, desde logo pela ausência de indicação de qualquer expressão neste sentido, v.g., "(...) que nada mais tinha a receber do seu empregador", que "(...) se considera integralmente pago de todos os seus créditos emergentes do contrato de trabalho", ou que "(...) com a assinatura da presente declaração mais nenhum outro direito subsiste que possa vir a ser reclamado no futuro", conforme é típico nestes tipo de Declarações e tal qual tem vindo a ser pacificamente entendido pelos nossos Tribunais Superiores a respeito da mesma Questão de Direito;
15. Ao não ter procedido assim, a douta Decisão Recorrida enferma um erro de julgamento, traduzido numa errada interpretação jurídica, pelo que deve a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a excepção invocada pela Recorrida, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se invoca e requer.
Depois,
16. Num segundo momento, a douta Decisão Recorrida convoca um excerto do douto Acórdão do TSI, Proe. n." 154/2020, por forma a justificar que "(...) no momento da cessação da relação laboral, na medida em que a relação laboral vai extinguir já em muito breve (...) a remissão da dívida laboral ou o seu reconhecimento negativo declarada por parte do trabalhador é legalmente admissível (...)";
17. Ignora, porém, uma vez mais o douto TJB que, também aqui, a situação que foi apreciada pelo douto Tribunal de Recurso em muito se distingue da questão em apreciação nos presentes autos, o que por si só inquina todo o raciocínio e juízo decisório levado a cabo pelo douto Tribunal a quo;
18. É que, no Ac. do TSI, Proc. n.º 154/2020, estava em causa uma situação em que a iniciativa de pôr termo ao contrato de trabalho partiu da própria trabalhadora - mediante comunicação escrita produzida com mais de um mês e meio de antecedência - tendo a declaração em causa sido preparada pela Entidade Patronal uma semana antes da extinção da relação do trabalho;
19. Ao invés, nos presentes autos, a iniciativa de pôr fim ao contrato de trabalho partiu exclusivamente da Ré/Recorrida, mediante comunicação ao Autor/Recorrente no próprio dia, isto é, no último e derradeiro dia dó termo da relação de trabalho, dia 31/05/2008, o que levou a Ré/Recorrida a pagar ao Autor/Recorrente a quantia devida a título de "aviso prévio em falta" ("Payment in lieu of notice");
20. Ora, também aqui, tal diferença será, quanto baste, para se-concluir que a situação apreciada pelo douto Tribunal de Recurso em muito se distingue da presente, na medida em que naquela, no momento da cessação da relação de trabalho a trabalhadora já sabia que a mesma relação iria extinguir-se em "muito breve", razão porque se compreende que o douto Tribunal a quo tenha ali afirmado que: "(...) a eventual necessidade de sujeição do trabalhador à entidade patronal deixa(ria) (em breve) de subsistir" e, neste particular, que iria qualquer eventual temor reverencial que a trabalhadora pudesse ter, a partir do momento em que a própria decidiu pôr termo ao contrato de trabalho que a unia à sua então empregadora;
21. Tratam-se, pois, de situações díspares, que partem de uma diferente premissa o que, por si só, justifica uma diferente solução jurídica, ao invés do que terá sido concluído pelo Tribunal a quo.
Sem prescindir,
22. Ora, a respeito de uma situação que se acredita similar à presente, resulta do Ac. do TSI, Proc. n.º 210/2013, O seguinte: "Estando perante uma situação, a dos autos, em que não se mostra finda a relação laboral, o trabalhador não pode renunciar previamente à sua retribuição ou a parte dela, o que resulta de razões de ordem pública, na própria subordinação, que impede o trabalhador de ser verdadeiramente livre na sua decisão, na constância da relação laboral e na imprescritibilidade dos créditos remuneratórios (...). Na pendência de uma relação laboral não é válida a declaração do trabalhador que renuncia ao percebimento de determinadas quantias que lhe são devidas por trabalho prestado e que não foram pagas ou que foram insuficientemente pagas, o que viola o princípio da efectividade mínima, segundo o qual a retribuição deve ser concretizada mediante a entrega do seu valor real ao trabalhador" ;
23. Na mesma linha decisória, também no Ac. do TSI, Proc. n.º 763/2014, se deixou dito que: "(...) A Autora, em 19.12.2006, subscreveu a declaração de quitação de todas as quantias que lhe eram devidas pela Ré em decorrência da relação laboral, desobrigando a Ré, de qualquer pagamento adicional, nomeadamente a título de "subsídios". Esta declaração produzirá o efeito jurídico da remissão de dívida tal como é pretendido pela Ré? A resposta, para nós, não deixa de ser negativa, na medida em que aquela declaração foi assinada na constância da relação laboral (...). O artº 33º do DL nº 24/89/M proíbe de forma expressa a cedência, a qualquer título,' de créditos resultantes da prestação de trabalho por parte do trabalhador (...). No caso sub justice, a declaração de quitação não foi feita após a extinção da relação laboral, mas sim na constância da relação laboral". Assim sendo, (...) não pode produzir o efeito jurídico da remissão de dívida, sob pena de violar o artº 33º do DL nº 24/89/M.
24. A leitura das referidas Decisões permite, pois, concluir que o documento de fls. 154 - assinado pelo Autor/Recorrente em 31/05/2008, isto é, no último dia da relação de trabalho - em caso algum pode ser entendido como sendo um documento de "remissão de dívida" e/ou de "quitação acompanhada de reconhecimento negativo de toda a dívida", porquanto se trata de uma declaração assinada ainda na constância da relação laboral, sabido que a remissão de créditos resultantes da prestação de trabalho apenas se torna possível após a extinção da respectiva relação laboral;
25. Ao não entender assim, a douta Decisão Recorrida mostra-se em manifesta oposição com o disposto no art. 33.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, e, neste sentido, inquinada por uma errada aplicação de Lei, que deverá conduzir à sua nulidade, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se invoca e requer;
26. De resto, salvo o devido respeito, ao aceitar que o Autor/Recorrente fosse "livre" de dispor dos seus "créditos laborais" apenas porque estava "para breve" o momento da cessação do contrato de trabalho, o TJB estará, antes de mais, a recuar um nível na protecção legal que o legislador de Macau quis expressamente dispensar a quem se acredita ser a "parte mais fraca" da relação ...;
27. Dito de outro modo, concluir que o Autor/Recorrente fosse "livre" de dispor dos seus "créditos laborais" apenas porque estava "para breve" o momento da cessação do respectivo contrato, será fazer uma leitura enviesada de uma norma destinada à protecção do trabalhador, em sentido menos favorável àquele, o que por si só se mostra violador dos mais elementares Princípios que regem e dão suporte a todo o Direito do Trabalho;
28. Num sentido que se acredita ainda possível, sempre se dirá que ao aceitar que: "(...) no momento da cessação da relação laboral (...) a remissão da dívida ou o seu reconhecimento negativo é legalmente admissível", a douta Decisão deixa antever que, afinal de contas, os "créditos laborais" a que se refere o art. 33.º do DL 24/89/M, de 3 de Abril apenas são objecto de protecção legal até ao penúltimo dia da relação de trabalho, porquanto, depois desse momento, "a necessidade de sujeição do trabalhador à entidade-patronal deixa de subsistir", passando o trabalhador a ser "livre" para renunciar e/ ou ceder todos os seus créditos ...
29. Trata-se, porém, salvo o devido respeito, de uma conclusão que se mostra em gritante oposição com o conteúdo literal, histórico, racional e teleológico da referida disposição jurídica e, como tal, em caso algum poderá ser aceite como correcta, justa ou admissível;
30. Pelo exposto, deve a douta Decisão Recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a excepção alegada pela Ré/Recorrida, condenando a mesma a pagar ao Autor/Recorrente as quantias por este reclamadas em sede de Petição Inicial, atento o concreto teor da matéria de facto provada sob os pontos 1 a 15, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se invoca e requer.
Ex abundandis,
31. É sabido que a questão em apreciação nos presentes autos não é desconhecida da doutrina e Jurisprudência portuguesas, em termos que se acredita de especial relevância e utilidade para a sua clarificação;
32. Entre outros, convoca-se, a este respeito e a título de direito comparado, o Acórdão do STJ, de 20/01/2010, tirado do Proc. n.º 2059/07.0TTLSB.L1.S1, nos termos do qual se refere o seguinte: "(…) a quitação é um documento em que o credor declara ter recebido a prestação que lhe é devida, constituindo uma simples declaração de ciência certificativa do facto de que a prestação foi cumprida pelo devedor e recebida pelo credor", ao passo que "a remissão é a renúncia do credor ao direito de exigir a prestação feita com aquiescência da contraparte, e provoca a extinção das obrigações visadas, resultando assim, do acordo entre os dois titulares da relação creditória;
33. No caso dos autos, não só não se provou a existência de qualquer negociação prévia, como o teor do texto que o trabalhador assinou não sugere, nem alerta, para qualquer remissão abdicativa: a própria letra do documento, significativamente intitulado "declaração de quitação; pagamento de direitos" - refere que o trabalhador "declara ter recebido o pagamento" - e não que renuncia, perdoa, remite - "de todos os direitos emergentes da presente relação laboral, pelo que nada mais tem a reclamar ou exigir a esta empresa";
34. Em sentido próximo, do Ac. do STJ, tirado do Proc. n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1, pode ler-se que: " [a] declaração de "nada ter a receber" do empregador "seja a que título for" constante de um "acordo", assinado pelo trabalhador no dia em que cessou o contrato a termo que vigorava, não consubstancia uma remissão abdicativa se o trabalhador ao efetuá-la apenas estava a receber as quantias legalmente devidas na perspetiva do contrato a termo que vigorara, pois não tendo havido negociações prévias (...) não se pode depreender da declaração do trabalhador que fosse sua vontade renunciar à faculdade de impugnar a validade do termo do contrato, tanto mais que nenhuma quantia lhe era paga para o compensar, minimamente que fosse, da renúncia a esse direito". Não está, pois, demonstrada a existência de uma qualquer genuína vontade de remitir por parte do trabalhador. E, em bom rigor, nem ela resultado documento assinado pelo trabalhador";
35. Ora, a leitura das referidas Decisões permite, uma vez mais, concluir que também nos presentes autos, face ao conteúdo e aos termos em que foi redigida a declaração de fls. 147, tendo a mesma sido assinada pelo Autor/Recorrente no dia em que cessou o seu contrato, em caso algum lhe pode ser atribuído um cariz "liberatório";
36. Ao assinar o Autor/Recorrente limitou-se a afirmar que estava a receber as quantias salariais constante do documento ("Declaro que recebi todo o meu salário em dívida e apagamento final do meu emprego devido a mim (...)", mas sem que tenham existido quaisquer negociações prévias, e sem que o Autor tivesse declarado ser sua vontade "renunciar" a todos os "créditos laborais" que lhe fossem devidos;
37. Nem tal, sequer, se encontra reflectido minimamente na letra do documento, visto que em lugar nenhum se afirma, v.g., "(...) que se declara ter recebido o pagamento e que deste modo renuncia, perdoa, remite todos os direitos emergentes da relação laboral, pelo que nada mais tem a reclamar ou exigir a esta empresa", contrariamente ao que terá sido entendido pelo douto Tribunal Judicial de Base na Decisão Recorrida.
Uma última nota:
38. Impõe o art. 228.º do Código Civil que a declaração constante de fls. 155 deva ser interpretada com o sentido que um "declaratário normal" poderia deduzir do comportamento do "declarante" (leia-se, do Autor/Recorrente) no momento da sua assinatura, em 31/05/2008, sem que se possa descurar o contexto concreto em que a mesma foi emitida, bem sabido que a posição do "real declaratário" (leia-se, da Ré/Recorrida) não é de uma mera desconhecida, mas antes de alguém que conhece ser devedora, entre outros, dos "créditos laborais" que resultam da matéria vertida sob os pontos 8 a 15 dos Factos Assentes;
39. Acresce que, em momento nenhum o Autor/Recorrente foi "alertado" para todo o conjunto "de direitos" a que estaria - pretensamente - a "renunciar", pelo que não se crê que um "declaratário normal", agindo de boa fé, pudesse deduzir a existência de uma "remissão" com a assinatura do seu último recibo de vencimento, sabido que "pagamento de salário" e "remissão" são causas bem distintas de extinção das obrigações;
40. Ora, em face do que se deixou dito, em caso algum se poderá razoavelmente aceitar que ao assinar a declaração constante de fls. 155 o ora Recorrente estaria na verdade a "remitir" ou, se se preferir, dar "quitação, acompanhada de um reconhecimento negativo de toda a dívida" relativamente à totalidade de "créditos laborais" que lhe fossem devidos pela da Ré/Recorrida, pelo que, também por aqui, se impõe que a douta Decisão Recorrida seja revogada, o que para os devidos e legais efeitos se invoca e requer.
*
A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 490 a 506, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. Entre 12/04/2006 a 31/05/2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
2. Entre 12/04/2006 a 30/06/2006, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$7,500.00, a título de salário de base mensal. (B)
3. Entre 01/07/2006 a 30/06/2007 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$8,700.00, a título de salário de base mensal. (C)
4. Entre 01/07/2007 a 31/05/2008 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$8,850.00, a título de salário de base mensal. (D)
5. Durante o período da relação de trabalho o Autor gozou de 16 dias de férias por cada ano. (E)
6. Entre 01/01/2008 a 31/05/2008, por ordem da Ré, o Autor prestou a sua actividade nos dias de feriados obrigatórios (1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias) e 1 de Maio), no total de 5 dias.(1.º)
7. Pelo trabalho prestado em dia de feriado, a Ré pagou ao Autor um acréscimo salarial ao dobro da retribuição normal. (2.º e 25.º)
8. Durante o período da relação de trabalho, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo aí permanecido às ordens e sob as instruções dos seus superiores hierárquicos. (3.º)
9. Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho, mediante a indicação do seu concreto posto de trabalho para o referido turno. (4.º)
10. Entre 12/04/2006 a 30/06/2006, o Autor compareceu com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos relativamente ao início dos 69 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo aí permanecido às ordens e sob as instruções dos seus superiores hierárquicos. (5.º)
11. Entre 01/07/2006 a 30/06/2007, o Autor compareceu com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos relativamente ao início dos 300 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo aí permanecido às ordens e sob as instruções dos seus superiores hierárquicos. (6.º)
12. Entre 01/07/2007 a 31/05/2008, o Autor compareceu com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos relativamente ao início dos 275 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo aí permanecido às ordens e sob as instruções dos seus superiores hierárquicos. (7.º)
13. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecediam o início de cada turno. (8.º)
14. Entre 12/04/2006 a 31/05/2008, o Autor prestou trabalho para a Ré ao sétimo dia, após a prestação pelo Autor de seis dias de trabalho consecutivo. (10.º a 12.º)
15. Entre 12/04/2006 a 31/05/2008, a Ré nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial, nem concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório, pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação pelo Autor de seis dias de trabalho consecutivo. (13.º e 14.º)
16. Durante o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a Ré num regime de 3 turnos rotativos por dia (N, E, D):
Turno Noite (Night): (das 00h às 8h)
Turno tarde (Evening): (das 16h às 00h)
Turno Dia: (Day): das 8h às 16h). (15.º e 16.º)
17. Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (N-E)-(D-N)-(E-D). (17.º)
18. Os turnos mudam na passagem de um dia para o outro, ou seja, às 00h. (18.º)
19. No dia 31/05/2008, o Autor assinou o documento a fls. 155 dos autos onde declarou: “I hereby declare that I have received all of the outstanding salary and final payment relating to my employment due to me and understand that with the separation of the Company, I am solely responsible for discharging any outstanding personal tax whatsoever due with respect to my employment with the Company whether imposed by Macau or other relevant jurisdiction.”.
E a Ré já pagou ao Autor a quantia referida no mesmo documento. (26.º a 29.º)
20. O termo do contrato ocorreu por iniciativa e vontade da Ré. (30.º)
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
Sobre as questões suscitadas no presente recurso, este Tribunal já tem oportunidade de se pronunciar sobre as mesmas no processo nº 562/2022, a saber:
“…
  A acção foi julgada improcedente com base no documento de fls. 159, assinado pelo Autor aquando da cessão da relação laboral.
  O documento em causa contém vários dados, nomeadamente os respeitantes ao salário e às demais quantias a que o Autor tinha direito, depois contém a seguinte frase:
  “(No dia 31/05/2008, o Autor assinou o documento a fls. 159 dos autos onde declarou - Facto assente no. 19): “I hereby declare that I have received all of the outstanding salary and final payment relating to my employment due to me and understand that with the separation of the Company, I am solely responsible for discharging any outstanding personal tax whatsoever due with respect to my employment with the Company whether imposed by Macau or other relevant jurisdiction. Accepted and agreed to the above calculation and declaration”. (Facto assente no. 19).
  O entendimento deste documento não é uniforme no Tribunal de 1ª instância, pois, houve decisão em que se seguiu a seguinte interpretação:
  “(citada no Proc. nº 732/2021, cujo acórdão foi proferido em 06/01/2022) O “Final Payment Notice” (fls. 159) assinado pelo Autor aquando da desligação do serviço só se pode considerar que o Autor recebeu todos os salários e compensações já liquidados aquando da desligação do serviço, os quais não podem incluir as indemnizações ou compensações ainda não liquidadas ou mesmo não conhecidas, pelo que, afigura-se-nos que o quesito 19.º não foi provado.”
  Esta posição é manifestamente contrária à seguida pelo colega de 1ª instância que proferiu a decisão acima citada, objecto deste recurso.
  Quid Juris?
  Ora, salvo o melhor respeito, do teor do documento em causa não se pode resultar a ideia de remissão de todas dívidas que a Ré tinha e tem para com o Autor, nem as circunstâncias objectivas que permitissem que o Autor assim declarava aquando da cessação da relação laboral com a Ré.
  O documento em causa diz respeito especificadamente ao último período (mês) que o Autor tinha direito a receber naquele momento, o que não afasta a possibilidade de este vir a reclamar outros direitos que, no seu entender, tem direito, foi o que ele fez ao propor a presente acção.
  Numa situação semelhante (Ac. do TSI, Proc. n.º 763/201) julgada por este TSI, afirmou-se:
   “(...) A Autora, em 19.12.2006, subscreveu a declaração de quitação de todas as quantias que lhe eram devidas pela Ré em decorrência da relação laboral, desobrigando a Ré, de qualquer pagamento adicional, nomeadamente a título de "subsídios". Esta declaração produzirá o efeito jurídico da remissão de dívida tal como é pretendido pela Ré? A resposta, para nós, não deixa de ser negativa, na medida em que aquela declaração foi assinada na constância da relação laboral (...). O artº 33° do DL nº 24/89/M proíbe de forma expressa a cedência, a qualquer título, de créditos resultantes da prestação de trabalho por parte do trabalhador (...). No caso sub justice, a declaração de quitação não foi feita após a extinção da relação laboral, mas sim na constância da relação laboral". Assim sendo, (...) não pode produzir o efeito jurídico da remissão de dívida, sob pena de violar o artº 33º do DL nº 24/89/M.”
  Esta ideia vale, mutatis mudantis, para o caso em apreço.
  Pelo que, há erro na apreciação da prova (cfr. artigo 599º/1-a) do CPC), o que impõe à revogação da decisão recorrida e mandar proferir nova decisão em conformidade com os dados assentes constantes dos autos pelo Tribunal de 1ª instância, assim é que se assegura a possibilidade de a parte vencida de recorrer, pelo menos, uma vez para o Tribunal de alta instância.
  Julga-se assim procedente o recurso interposto pelo Autor.
*
  Síntese conclusiva:
  O documento designado por “Final Payment Notice”, assinado pelo Autor no último dia de trabalho aquando da desligação do serviço, só se pode considerar que o Autor recebeu os salários e compensações já liquidados no último período de trabalho, que não incluem as indemnizações ou compensações, de outra natureza, ainda não liquidadas ou mesmo não conhecidas, já que o próprio documento não mencionou, por exemplo, as compensações devidas ao trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios de outros períodos (que agora o Autor veio a reclamar), verifica-se assim um erro na apreciação de prova (cfr. artigo 599º/1-a) do CPC) quando o Tribunal recorrido concluiu que o Autor já recebeu todas remunerações e compensações e não tem mais créditos sobre a entidade patronal, o que é razão bastante para revogar a decisão recorrida que julgou procedente a excepção peremptória.
*
Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
  V ‒ DECISÃO
  Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se que seja proferida nova decisão pelo Tribunal recorrido tendo em conta os factos assentes constantes dos autos, caso inexista outro obstáculo legal.
  …”.
Por ora, não se vê qualquer razão plausível para alterar a posição já assumida.
Nesta conformidade, o recurso não deixará de ser julgado provido.
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se que seja proferida nova decisão pelo Tribunal recorrido tendo em conta os factos assentes constantes dos autos, caso inexista outro obstáculo legal.
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Custas do recurso pela Ré.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 27 de Outubro de 2022.
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Rui Pereira Ribeiro






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561/2022