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Processo n.º 523/2022
(Autos de recurso laboral)

Data: 27/Outubro/2022

Assuntos:
- Prestação do trabalho ao sétimo dia e descanso no oitavo dia
- Compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal

SUMÁRIO
Não obstante o trabalhador ora autor ter prestado o trabalho ao sétimo dia e gozado o descanso no oitavo dia, não se vislumbra que entre ele e a entidade patronal ora ré houve acordo quanto a esse aspecto.
E também não se diga que a natureza da actividade da ré tornava inviável a concessão de descanso semanal no sétimo dia. Na verdade, a ré não logrou alegar e demonstrar por que razão não podia conceder aos seus trabalhadores descanso semanal no sétimo dia, pelo que, na falta de prova dessa pretensa inviabilidade, como sendo entidade patronal a ré violou o direito ao repouso semanal do autor, este teria direito à compensação pelo trabalho prestado no sétimo dia.
Determina a alínea 1) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 7/2008 que a prestação de trabalho em dia de descanso semanal confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório e auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal.
Tendo o autor gozado repouso no oitavo dia, esse dia de descanso remunerado no oitavo dia após a prestação de sete dias consecutivos de trabalho deve ser entendido como dia de descanso compensatório.
De resto, considerando que durante a vigência da relação laboral, a ré nunca pagou ao autor qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, o autor tem direito a receber a respectiva compensação pecuniária (acréscimo de um dia) prevista nos termos da alínea 1) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 7/2008.
       
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 523/2022
(Autos de recurso laboral)

Data: 27/Outubro/2022

Recorrente:
- A (autor)

Recorrida:
- B, anteriormente designada por C (ré)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A (autor) intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da C (ré) no pagamento do montante de MOP509.209,57, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, foi a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP142.354,85, acrescida de juros legais a contar da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformado, interpôs o autor recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (C) na compensação devida ao Autor, ora Recorrente, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho) à luz da Lei n.º 7/2008.
     2. In casu, impõe-se apreciar a interpretação que o Tribunal a quo levou a cabo a respeito do n.º 2 do art. 42º da Lei n.º 7/2008, e que conduziu à condenação da Ré (C) numa quantia muito inferior à reclamada pelo Autor em sede de Petição Inicial.
     Mais detalhadamente.
     3. Resulta da matéria de facto assente que:
     - Desde 07/11/2009 a 31/12/2020, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (C) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos (14º).
     - A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia. (15º)
     - Entre 07/11/2009 a 31/12/2020, a Ré (C) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias, (…). (16º)
     - Entre 07/11/2009 a 31/12/2020 a Ré (C) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho (17º).
     4. Não obstante a referida matéria de facto provada, com vista a apurar o valor que o Autor tinha a receber relativamente ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, o tribunal a quo seguiu o seguinte raciocínio: dividiu o número dos dias de trabalho prestados pelo Autor e descontou os dias em que o Autor havia descansado ao 8º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença entre os dias.
     5. E, a ser assim, salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer existir um erro de julgamento traduzido, entre outro, no facto de se acreditar que a douta Decisão não ter factos para se poder chegar a tal resultado, nem os mesmos constavam da Base Instrutória.
     6. Ou melhor, o que impunha apurar era os dias de trabalho em que o Autor prestou trabalho para a Ré em cada 7º dia, após 6 dias consecutivos de trabalho e não apurar a diferença entre o trabalho prestado ao 7º dia com os dias de não trabalho que o Autor gozou no 8º dia após 7 dias de trabalho consecutivo, e consequentemente nada havia a descontar aquando do apuramento do montante indemnizatório, a tal respeito.
     7. De onde, salvo melhor opinião, deve a Recorrida (C) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$171.869,00, a título de falta de marcação e gozo de descanso semanal – e não apenas MOP$21.552,11, conforme parece resultar da douta Sentença que, salvo o devido respeito, nesta parte poderia estar um pouco mais clara, correspondente ao seguinte:
     - Entre 07/11/2009 e 31/07/2010: MOP$7.500/ 30 dias X (262 dias/ 7 dias) = MOP$9.357,00;
     - Entre 01/08/2010 e 30/04/2012: MOP$8.100/ 30 dias X (574 dias/ 7 dias) = MOP$22.140,00;
     - Entre 01/05/2012 e 31/12/2013: MOP$8.800/ 30 dias X (581 dias/ 7 dias) = MOP$24.346,00;
     - Entre 01/01/2014 e 31/01/2015: MOP$9.456/ 30 dias X (348 dias/ 7 dias) = MOP$15.760,00;
     - Entre 01/02/2015 e 31/05/2018: MOP$9.900/ 30 dias X (1133 dias/ 7 dias) = MOP$53.460,00;
     - Entre 01/06/2018 e 31/05/2019: MOP$10.600/ 30 dias X (341 dias/ 7 dias) = MOP$17.313,00;
     - Entre 01/06/2019 e 31/12/2020: MOP$11.200/ 30 dias X (556 dias/ 7 dias) = MOP$29.869,00.
     8. Ao não entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do art. 43º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, o que em caso algum poderá deixar de conduzir, nesta parte, à nulidade da decisão recorrida, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
     Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda às fórmulas de cálculo tal qual formuladas pelo Autor na sua Petição Inicial e relativas ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu a ré nos seguintes termos conclusivos:
     “I. Veio o Autor, ora Recorrente, insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base no que respeita à atribuição ao Recorrente de uma compensação reclamada pelo mesmo a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho), por entender que a sobredita decisão enferma de erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo da sobredita compensação e nessa medida, mostra-se em violação do preceituado no art.º 42º da Lei n.º 7/2008.
     II. Com o mui devido respeito, quanto à forma de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apuramento da compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal nada há nada a apontar à Decisão Recorrida, onde é feita uma correcta interpretação e aplicação do preceituado no art.º 42º da Lei n.º 7/2008.
     III. Alega o Recorrente que o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no artigo 42º da Lei n.º 7/2008 por ter condenado a Ré, ora Recorrida, a pagar ao Autor apenas a quantia de MOP$21.552,11 pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho) em vez do valor de MOP$171.869,00, uma vez que não resulta da Lei n.º 7/2008 que a concessão ao trabalhador de um dia de descanso ao 8º dia possa ser considerado como descanso semanal e não ficou provado, nem foi alegado pela Ré nos articulados, que a actividade desenvolvida pela Ré, por si só, torne inviável, o gozo pelo Autor do descanso semanal em cada período de sete dias.
     IV. Não assiste razão ao Recorrente pois nada há a apontar à decisão proferida nesta parte pelo douto Tribunal Judicial de Base.
     V. Diga-se, desde logo que, quanto à actividade da empresa a mesma é pública e notória – é actividade de Casino e de laboração contínua -, ou seja, de vinte e quatro horas sobre vinte e quatro horas, como o Recorrente bem sabe pois foi guarda de segurança de um casino, pelo que não haveria necessidade de fazer mais qualquer outra prova nos autos.
     VI. Nem se diga que pela matéria dada como provada na resposta ao quesito 15º na sentença pois bem sabe o Recorrente porque alegou nos artigos 36º e 44º da sua petição inicial que após sete dias de trabalho consecutivo o Autor Recorrente gozava um período de vinte e quatro horas de descanso, o que foi confirmado pela testemunha ouvida em audiência de discussão e julgamento e ainda conforme consta da fundamentação na resposta dada à matéria de facto.
     VII. Assim, se o Recorrente gozou efectivamente de um dia de dispensa ao trabalho em cada oitavo dia, o cômputo efectuado a final pelo douto Tribunal a quo de compensar o Recorrente em 60 dias de trabalho prestado ao sétimo dia de trabalho consecutivo entre 07/11/2009 e 31/12/2020, não poderia ter sido calculado de modo diferente pois,
     VIII. No que respeita às compensação pelos dias de descanso semanal, com a entrada em vigor em 01/01/2009 da Lei n.º 7/2008, o legislador deixou de exigir o gozo consecutivo do descanso semanal por cada quatro semanas, conforme se prevê no n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008, isto é: «O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.»
     IX. Sendo que, dispõe o art.º 43º, n.ºs 1, 2 e 4 do mesmo diploma: «1. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho em dia de descanso, independentemente do seu consentimento, quando: (…) 3) Quando a prestação do trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa. 2. A prestação de trabalho nos termos do número anterior confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório, fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e o direito a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base ou gozar, dentro de trinta dias, um dia de descanso compensatório para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal; 4. Caso não goze o dia de descanso compensatório previsto no número anterior, o trabalhador tem direito a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal».
     X. No caso dos autos e como supra se referiu, a Lei admite a concessão do descanso em cada oitavo dia como descanso semanal nos termos do n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008.
     XI. Ora, conforme o alegado pelo Recorrente nos artigos 39º e 40º da Contestação, e como supra se referiu, por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem como, em função da natureza do sector de actividade da ora Recorrente – Casino – que é de laboração contínua, poderá o empregador ter a necessidade de fixar e atribuir esses dias de descanso semanal não ao sétimo dia, mas num outro dia do mês.
     XII. Nesta medida, verificando-se no caso sub judice uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 42º da Lei n.º 7/2008 e resultando da matéria de facto dado como provada que o Recorrente descansou ao 8º dia, bem andou o douto Tribunal a quo ao atribuir ao Recorrente de uma compensação de MOP$21.552,11.
     Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o Recurso a que ora se responde ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Desde 07/11/2009 até 31/12/2020 o Autor esteve ao serviço da Ré (C), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
Entre 07/11/2009 a 31/07/2010, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 06279/IMO/GRH/2010 (Cfr. fls. 16, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (B)
Entre 01/08/2010 a 31/07/2012, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 06743/IMO/GRH/2011 (Cfr. fls. 17, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (C)
Entre 01/08/2012 a 31/07/2013, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 11206/IMO/GRH/2012 (Cfr. fls. 18, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (D)
Entre 01/08/2013 a 20/07/2014, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 14932/IMO/GRH/2013 (Cfr. fls. 19, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (E)
Entre 21/07/2014 a 20/07/2015, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 16331/IMO/GRH/2014 (Cfr. fls. 20, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (F)
Entre 21/07/2015 a 20/07/2016, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 21493/IMO/GRH/2015. (G)
Entre 21/07/2016 a 20/07/2017, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 20355/IMO/GRH/2016. (H)
Entre 21/07/2017 a 20/07/2018, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 15014/IMO/DSAL/2017. (I)
Entre 21/07/2018 a 31/08/2018, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 13336/IMO/DSAL/2018. (J)
Era a Ré quem fixava o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (K)
Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (L)
E entre 07/11/2009 a 31/07/2010 a Ré (C) pagou ao Autor a quantia de MOP$7.500,00, a título de salário de base mensal. (M)
Por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem assim, em função da natureza do sector de actividade da Ré – Casino - que é de laboração contínua. (N)
O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (1º)
Entre 07/11/2009 até 31/12/2020, o Autor gozou 24 dias das férias anuais por cada ano civil e de dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 07/12/2010 e 28/12/2010 (22 dias), entre 27/03/2012 e 14/04/2012 (19 dias), entre 11/03/2014 e 05/04/2014 (26 dias), entre 19/12/2014 e 09/01/2015 (22 dias), entre 19/03/2016 e 16/04/2016 (29 dias), entre 21/03/2017 e 13/04/2017 (24 dias), entre 13/03/2018 e 09/04/2018 (28 dias) e entre 09/04/2019 e 02/05/2019 (24 dias). (2º)
Entre 01/08/2010 e 30/04/2012 a Ré (C) pagou ao Autor a quantia de MOP$7.500,00 a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio mensal (“housing allowance”) de MOP$600.00. (3º)
Entre 01/05/2012 e 31/12/2013 a Ré (C) pagou ao Autor a quantia de MOP$7.500,00 a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio mensal (“housing allowance”) de MOP$600.00 e de um subsídio mensal (“monthly allowance “) de MOP$700.00. (4º)
Entre 01/01/2014 e 31/01/2015 a Ré (C) pagou ao Autor a quantia de MOP$7.500,00 a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio mensal (“housing allowance”) de MOP$600.00 e de um subsídio mensal (“monthly allowance”) de MOP$1.356,00. (5º)
Entre 01/02/2015 e 31/05/2018 a Ré (C) pagou ao Autor a quantia de MOP$7.875,00 a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio mensal (“housing allowance”) de MOP$600.00 e de um subsídio mensal (“monthly allowance”) de MOP$1.425,00. (6º)
Entre 01/06/2018 e 31/05/2019 a Ré (C) pagou ao Autor a quantia de MOP$7.875,00 a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio mensal (“housing allowance”) de MOP$600.00 e de um subsídio mensal (“monthly allowance”) de MOP$2.125,00. (7º)
Entre 01/06/2019 e 31/12/2020 a Ré (C) pagou ao Autor a quantia de MOP$10.600,00 a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio mensal (“housing allowance”) de MOP$600.00. (8º)
Desde o início da relação de trabalho até 31/12/2020, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (9º)
Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (10º)
Entre 07/11/2009 a 31/12/2020, o Autor compareceu ao serviço da Ré (C) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo da resposta aos quesitos 2º e 15º. (11º)
A Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (12º)
A Ré (C) nunca conferiu ao Autor o gozo de descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (13º)
Desde 07/11/2009 a 31/12/2020, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (C) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (14º)
A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia. (15º)
Entre 07/11/2009 a 31/12/2020, a Ré (C) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias, sem prejuízo da resposta ao quesito 2º. (16º)
Entre 07/11/2009 a 31/12/2020 a Ré (C) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (17º)
*
Do repouso semanal no oitavo dia
Alega o autor que prestou trabalho desde 7.11.2009 até 31.12.2020 e não tendo a entidade patronal, ora ré, fixado o período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias, daí que entende ter direito a receber a compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal conforme o mapa de apuramento previsto nas alegações de recurso.
A ré defende que a sentença recorrida não está inquinada por qualquer erro de cálculo.
Vejamos.
O trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de vinte e quatro horas consecutivas por semana. Esta é a regra e que está prevista no n.º 1 do artigo 42.º da Lei das Relações de Trabalho.
Como observa José Carlos Bento da Silva e Miguel Pacheco Arruda Quental1, “as razões que justificam a existência de um dia de descanso prendem-se com motivos de ordem física e psíquica (recuperar do desgaste provocado por uma semana de trabalho), de ordem familiar (aproveitar esse dia para conviver com a própria família) e também por razões de ordem social e cultural (esse período permite o convívio com amigos, a participação em manifestações de carácter público, ou para que o trabalhador possa tratar de assuntos do seu próprio interesse junto, por ex. de repartições públicas, etc.).”
Ao mesmo tempo o legislador admite excepção que consta do n.º 2 do mesmo artigo 42.º.
Diz o n.º 2 do artigo 42.º do mesmo diploma legal que o gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável.
Face à norma citada, afigura-se-nos que a lei laboral não impõe que o descanso semanal ocorra necessariamente no sétimo dia de trabalho, podendo, em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, ser gozado em outro dia.
No caso dos autos, em vez de gozar um dia (ou seja, vinte e quatro horas consecutivas) de descanso dentro de cada período de 7 dias, provado está que o trabalhador só gozou o repouso semanal no oitavo dia.
Mais precisamente, ficou provada nos autos a seguinte matéria:
- Desde 7/11/2009 a 31/12/2020, o autor prestou a sua actividade de segurança para a ré (C) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos;
- A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia;
- Entre 7/11/2009 e 31/12/2020, a ré (C) não fixou ao autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias (…);
- Entre 7/11/2009 e 31/12/2020 a ré (C) nunca pagou ao autor qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho.
Ora bem, face à matéria de facto acima descrita, não obstante que o autor prestou trabalho ao sétimo dia e gozado o descanso no oitavo dia, não se vislumbra que entre autor e ré houve acordo quanto a esse aspecto.
E também não se diga que a natureza da actividade da ré tornava inviável a concessão de descanso semanal no sétimo dia. Na verdade, a ré não logrou alegar e demonstrar por que razão não podia conceder aos seus trabalhadores descanso semanal no sétimo dia, pelo que, na falta de prova dessa pretensa inviabilidade, como sendo entidade patronal a ré violou o direito ao repouso semanal do autor, este teria direito à compensação pelo trabalho prestado no sétimo dia.
Determina a alínea 1) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 7/2008 que a prestação de trabalho em dia de descanso semanal confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório e auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal.
Ora bem, tendo o trabalhador ora autor gozado repouso no oitavo dia, somos a entender que esse dia de descanso remunerado no oitavo dia após a prestação de sete dias consecutivos de trabalho deve ser entendido como dia de descanso compensatório.
Em consequência, considerando que, entre 7/11/2009 e 31/12/2020, a ré (C) nunca pagou ao autor qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, o autor tem direito a receber a respectiva compensação pecuniária (acréscimo de um dia) prevista nos termos da alínea 1) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 7/2008, no montante de MOP171.791,70, nos termos a seguir descritos:
- entre 7.11.2009 e 31.7.2010 --- 262 dias : 7 x MOP250,00 = MOP9.357,10;
- entre 1.8.2010 e 30.4.2012 --- 574 dias : 7 x MOP270,00 = MOP22.140,00;
- entre 1.5.2012 e 31.12.2013 --- 581 dias : 7 x MOP293,33 = MOP24.346,40;
- entre 1.1.2014 e 31.1.2015 --- 348 dias : 7 x MOP315,20 = MOP15.670,00;
- entre 1.2.2015 e 31.5.2018 --- 1133 dias : 7 x MOP330,00 = MOP53.412,90;
- entre 1.6.2018 e 31.5.2019 --- 341 dias : 7 x MOP353,33 = MOP17.212,20; e
- entre 1.6.2019 e 31.12.2020 --- 556 dias : 7 x MOP373,33 = MOP29.653,10.

Desta forma, procedem as razões aduzidas pelo autor, sendo revogada a sentença quanto a esta parte, ficando a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP171.791,70, devida a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente A e, em consequência, revogar a sentença na parte respeitante à quantia devida pela ré a título de compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, nos termos acima consignados, confirmando a sentença em tudo o mais.
Custas pela ré, nesta instância, e pelas partes na proporção do decaimento, em primeira instância.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 27 de Outubro de 2022
_________________________
Tong Hio Fong
_________________________
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Fong Man Chong

1 Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, CFJJ, 2006, pág. 92
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Recurso Laboral 523/2022 Página 1