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Proc. nº 350/2022
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 27 de Outubro de 2022

ASSUNTOS:
- Falta da audiência prévia
- Graduação da multa
- Benefício económico
- Artº 128º do DL nº 32/93/M

SUMÁRIO:
- Tendo a Administração usado dados e factores novos na graduação da multa aplicada sem ter assegurado ao infractor os direito de audiência e de defesa, a decisão sancionatória é nula nos termos do nº 2 do artº 11º do DL nº 52/99/M.
- Para efeitos da graduação da multa prevista no artº 128º do RJSF (DL nº 32/93/M), o benefício económico referido no nº 2 do mesmo preceito reporta-se aos juros efectivamente recebidos pelo mutuante e não aos juros estimados em função do que foi contratualmente acordado.
O Relator,

Ho Wai Neng

Proc. nº 350/2022
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 27 de Outubro de 2022
Recorrente: Secretário para a Economia e Finanças (Entidade Recorrida)
Recorrida: A (Recorrente)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 19/01/2022, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou procedente o recurso contencioso interposto pela Recorrente A.
Dessa decisão, vem a Entidade Recorrida Secretário para a Economia e Finanças, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Com a notificação do auto de infracção, A ficou ciente de que lhe era aplicável uma multa até 5 000 000 MOP, e pôde pronunciar-se sobre a questão.
2. Mais tarde, com a notificação da proposta de decisão final, A ficou ciente de que a aplicação da referida multa seria feita no quadro do art. 128 do RJSF, e que seria levado em conta o benefício económico obtido com a actividade ilícita.
3. O art. 128 do RJSF tem três parágrafos, sendo que a notificação da proposta de decisão final não remetia especificamente para nenhum deles.
4. Logo, A deveria ter contado, a partir desse momento, com a possibilidade de a pena ser agravada nos termos do n. 3 desse artigo.
5. Foi concedido a A um prazo para se pronunciar sobre essa proposta de decisão final, mas ela nada disse.
6. Pela decisão impugnada no recurso contencioso, foi A, efectivamente, punida com uma multa de 5 000 000 MOP, ao abrigo do art. 128 do RJSF.
7. A Administração não fez uso do n. 3 do art. 128 do RJSF.
8. Não pode A argumentar que a decisão punitiva foi uma surpresa para ela, por nunca lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar sobre o montante máximo da multa ou sobre a aplicabilidade de qualquer dos parágrafos do art. 128 do RJSF.
9. Se surpresa houve para A foi boa, pois daquilo que lhe foi notificado durante o procedimento administrativo ela podia contar certamente com uma multa mais elevada.
10. O total dos juros estipulados nos contratos de mútuo representa o benefício económico obtido por A, cujo valor ela podia facilmente calcular através de simples operações aritméticas.
11. Um direito de crédito de natureza patrimonial, como seja um direito a juros contratuais, é uma coisa em sentido jurídico, e um valor económico, que integra o património do credor.
12. A aquisição dessa coisa não depende da exigibilidade do crédito, e muito menos da cobrança do mesmo.
13. Por isso mesmo, antes de serem exigíveis já os direitos de crédito podem ser objecto de outros direitos e de transacções no comércio jurídico.
14. Na verdade, quem adquire um direito de crédito de natureza patrimonial pode, em princípio, transmiti-lo ou onerá-lo antes de o mesmo ser exigível.
15. Os contratos de mútuo juntos ao processo administrativo, ao estipular juros a favor da mutuante, provam a constituição de direitos de crédito na sua esfera jurídica.
16. Ou seja, esses contratos provam a aquisição, por A, de. coisas em sentido jurídico, que ela podia transaccionar e onerar.
17. Assim, a aquisição dessas coisas foi, indubitavelmente, um benefício económico obtido pela mutuante.
18. A aquisição desse benefício económico está, pois, devidamente provada no processo administrativo, através dos vários mútuos celebrados por A.
19. O TA errou no seu julgamento ao entender que o acto sancionatório impugnado no recurso contencioso não ouviu A sobre a aplicabilidade do n. 1 do art. 128 do RJSF, violando os direitos de defesa de A.
20. O TA errou ainda no seu julgamento ao entender que a prova do benefício económico obtido por A não tinha sido feita no procedimento administrativo.
*
O Mº Pº emitiu o seguinte parecer:
 “…
   No recurso jurisdicional em apreço, o Exmo. Senhor SEF solicitou a revogação da sentença do MMº Juiz a quo e a preservação do despacho identificado no art.1.º da petição inicial, no qual se determinou “本人行使第181/2019號行政命令授予的權限,同意按建議作出處罰” (vide fls.14 verso dos autos).
   A sentença em escrutínio, só por si, demonstra nitidamente que o MMº Juiz a quo julgou procedente o recurso contencioso com fundamentos de que se verificam a omissão da audiência prévia e a inexistência das provas necessárias à quantificação do benefício económico como factor determinante para agravação da moldura sancionatória e também para quantificação da medida concreta da multa.
*
   Determinam os n.º1 e n.º3 do art.128.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro aprovado pelo D.L. n.º32/93M: 1. Salvo o disposto nos números seguintes, a pena de multa será fixada entre 10 mil patacas e 5 milhões de patacas. 3. Quando o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção for superior a metade do limite máximo fixado no n.º1, este poderá ser elevado até ao dobro desse benefício.
   Repare-se que na deliberação n.º657/CA (doc. de fls.15 a 20 dos autos), o Conselho de Administração apontou com clareza: 3. Na determinação da sanção a aplicar parece dever ser levado em conta: …, 3.3 O elevado benefício económico obtido com as condutas ilegais tidas por provadas, que se estima em MOP4.532.917,00 (quatro milhões quinhentas e trinta e duas mil e novecentas e dezassete patacas), tendo presente a equação “punição (custo) x benefício”.
   O que revela que o Conselho de Administração tem conhecimento de que o benefício económico por ela imputado à recorrente contenciosa chega a ser de $4.532.917,00 patacas – montante que é, sem sombra da dúvida, superior à metade do limite máximo fixado no n.º1 do art.128.º acima, metade que consiste na quantia de MOP$2,500,000.00.
   Todavia, o que acontece na realidade é que a multa proposta pelo Conselho de Administração e aplicada pelo Exmo. Sr. SEF é de cinco milhões de patacas ($5,000,000.00 patacas) – que é o limite máximo fixado no n.º1 do art.128.º e o dobro do montante de $4.532.917,00 patacas.
   É verdade que na supramencionada deliberação n.º657/CA (doc. de fls.15 a 20 dos autos), o Conselho de Administração refere que “另外,根據同一規條第三款的規定,當違法者作出違法行為而獲得之經濟利益高於澳門元五百萬元之最高限額之一半時(正如本個案),最高限額可提高至該利益之兩倍”. Todavia, a multa de cinco milhões de patacas concretamente aplicada no despacho em crise significa que a sua base legal se traduz no n.º1 do art.128.º supra, e não no n.º3 deste artigo. Em bom rigor, a referência pelo Conselho de Administração ao n.º3 é informativa, sem conotação de justificar a aplicação da multa no montante de cinco milhões de patacas.
   Nesta linha de raciocínio e com todo o respeito, afigura-se-nos que padece do erro de direito a seguinte posição do MM.º Juiz a quo: Como se vê, a Recorrida acabou por determinar aplicar a multa no valor de cinco milhões de patacas, não com base na moldura fundamental prevista no artigo 128.º, n.º1 do RJSF (…), mas na moldura agravada em função do montante benefício económico obtido pelo infractor, prevista no n.º3 do referido preceito legal (…).
   Na nossa opinião, tal erro de direito implica concomitantemente, que não se verifica in casu a alteração da qualificação jurídica afirmada pelo MM.º Juiz a quo na sentença recorrida. Daqui que é inexistente o fundamento no qual o MM.º Juiz a quo estribou a sua decisão traduzida em declarar a indevida omissão da audiência e a consequente nulidade.
   Todavia, é de salientar que o Relatório Final não aponta a quantia concreta (da multa) que deveria ser aplicada – cuja moldura é de dez mil a cinco milhões de patacas, nem indica o montante de MOP$4,532,917.00 como benefício económico – pese embora, segundo raciocínio do Conselho de Administração, este montante seja simplesmente a soma dos lucros estipulados nos 29 contratos de empréstimo.
   Além disso, a deliberação n.º657/CA constata inequivocamente que para efeitos da graduação da multa concreta a aplicar, o dito Conselho de Administração acrescentou a circunstância de “在未經許可及未有適當監管機制下從事此類活動對金融體系以至公眾構成的危險(包括遭受詐騙和各種類型的經濟犯罪)。另外,須指出,在批給信貸時,需要仔細分析產品的特性,向消費者(感興趣的/債務人/借款人)詳細說明其特徵,並建議選擇最合適的信貸類型,因為,不同類型的信貸在條款和成本上存在重大差異”.
   Ponderando atenciosamente os dados e factores que embora não constem do Relatório Final, mas foram valorados sucessivamente pelo Conselho de Administração e pelo Exmo. Sr. SEF na graduação da multa aplicada, inclinamos a colher que a audiência (da recorrente contenciosa) sobre o Relatório Final enferma de lacuna e insuficiência, de maneira que não seja assegurado à infractora o direito de audiência e de defesa, pelo que acarreta a nulidade ao despacho contenciosamente recorrido.
*
   Na sentença em crise, o MM.º Juiz a quo assacou ainda, ao referido despacho recorrido, o erro nos pressupostos de facto respeitante à fixação do quantitativo da multa pela ausência das provas necessárias à respectiva quantificação, argumentando nuclearmente que não há provas firmes que são capazes de demonstrarem seguramente o montante concreto do benefício económico obtido, e que cabe à Administração o ónus de prova.
   Ora bem, subscrevemos inteiramente a sensata jurisprudência que inculca (vide. Acórdão do TSI no Processo n.º339/2021): Em face da ausência das regras para a determinação das sanções das infracções administrativas no Decreto-Lei nº52/99M, e nos termos autorizados pelo seu artº 3º/3 do mesmo diploma, é defensável, na matéria da graduação concreta de penas de infracções administrativas, o recurso aos princípios gerais subjacentes ao critério orientador da determinação da pena de multa adoptado no Capítulo IV (Determinação da pena) do Título III (Consequência Jurídica do facto) da parte geral do Código Penal, à luz dos quais a situação económica do agente do facto deve ser tida como uma das circunstâncias a atender na determinação concreta da pena pecuniária e o quantum fixado de sanções não deve representar para o infractor obrigações cujo cumprimento não lhe seja razoável exigir.
   Em esteira e pela mesma razão, afigura-se-nos que para efeitos da graduação da multa a aplicar, deve ser atendido e valorado o benefício económico derivado da infracção, na medida em que o qual constitui vertente da consequência dessa infracção (art.65.º, n.º1, alínea a) do Cód. Penal).
   Convém ter presente que o valor derivado do facto ilícito como consequência da infracção pode valer como uma simples circunstância para a graduação da pena, e pode, não raras vezes, ser dotado de virtude qualificativa – a título meramente exemplificativo, basta olhar o disposto nas alíneas a) do n.º1 e a) do n.º2 do art.198.º do Código Penal.
   A estas luzes, colhemos que o benefício económico é relevante não só para o n.º3 do art.128.º supra aludido, mas também para o n.º1 deste normativo – cuja moldura é de dez mil a cinco milhões de patacas! pelo que é legítimo e obrigatório ponderar o benefício económico como resultado ou consequência da infracção. Além disso, a finalidade (da sanção) traduzida na prevenção – geral e especial – justifica e até exige que se tenha em devida consideração o benefício económico.
   E na nossa modesta opinião,
   - O apuramento do benefício económico efectivamente “obtido” só é necessário e imprescindível aos casos nos quais a Administração aplica o n.º3 ao infractor, visto que este preceito legal permite que a multa a aplicar possa ser elevada ao dobro do benefício económico “obtido”.
   - Nos restantes casos em que o benefício económico vale apenas como uma circunstância agravante ou atenuante, basta atender todos os lucros estipulados nos contratos de empréstimos ilícitos, sem se exigir o preciso apuramento do benefício económico “obtido” pelo infractor.
   Recorde-se que na nossa modesta opinião, a base legal do despacho atacado nestes autos se consubstancia no n.º1 do art.128.º supra e não no n.º3 deste artigo; e em bom rigor, a alusão pelo Conselho de Administração ao n.º3 é informativa e lateral, sem conotação de justificar a aplicação da multa no montante de cinco milhões de patacas.
   Nesta ordem de raciocínio e com o elevado respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, afigura-se-nos que não existe in casu o erro nos pressupostos de facto assacado pelo MM.º Juiz a quo ao despacho contenciosamente impugnado, portanto, a sentença recorrida nesta parte padece do erro de julgamento e deverá ser revogada.
***
   Por todo o expendido acima, propendemos pelo parcial provimento do presente recurso jurisdicional, revogando a sentença no que respeite à existência do erro nos pressupostos de facto e mantendo a declaração da nulidade por indevida omissão da prévia audiência…”.
*
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
*
II – Factos
Foi assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
- No período compreendido entre 30/11/2017 e 21/11/2018, a ora Recorrente subscreveu no total de 29 contratos de mútuo hipotecário com os terceiros, concedendo-lhes os empréstimos com taxas anuais de juro convencionadas entre 25.2% e 28.8% (conforme os docs. juntos a fls. 17 a 205 do P.A.).
- A actuação acima referida da Recorrente nunca foi autorizada pela autoridade financeira.
- Por ofício n.º 1103/20-AMCM/DAJ, datado de 09/03/2020, foi a Recorrente notificada em 17/03/2020 para apresentar a defesa escrita quanto à infracção imputada, nos seguintes termos:
“ASSUNTO: PROCESSO DE INFRACÇÃO N.º 005/2020 – Instaurado a A

Foi levantado, na esteira da deliberação n.º 104/CA, adoptada na sessão de 20.02.2020, do Conselho de Administração da AMCM, um auto de infracção a A, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM n.º 5******(1) da RAEM, ao abrigo do artigo 131.° do Regime Jurídico do Sistema Financeiro (RJSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 32/93/M, de 5 de Julho, por infracção ao disposto, nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b) e 19.º n.º 1 todos do Regime Jurídico do Sistema Financeiro (RJSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 32/93/M, de 5 de Julho, bem como, entre outros, aos artigos 2.º, 6.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 15/83/M, de 26 de Fevereiro por realizar, com carácter habitual e intuito lucrativo, operações de concessão de crédito a terceiros, em Macau, sem estar autorizada para este efeito .

As referidas infracções são consideradas de especial gravidade, à luz da alínea b) do n.º 2 do artigo 122.º do RJSF, sendo sancionáveis, por força do disposto no n.º 1 do artigo 128.º do RJSF, com multa a fixar entre 10,000 (dez mil) e 5,000,000 (cinco milhões) de patacas, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas na lei, designadamente no artigo 127.º do RJSF.
  …
Assim, vimos por este meio notificar V. Exa de que dispõe, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 131º do RJSF, de um prazo de 15 (quinze) dias, a contar da data de recepção desta notificação, para deduzir, por escrito, a sua defesa, bem como para juntar ou requerer os meios de prova que entender.
  …
Mais se informa que o processo pode ser consultado no Edifício-Sede desta Autoridade, sito na Calçada do Gaio n.ºs 24-26, Gabinete Jurídico, 3.º Andar, durante o horário normal de expediente (de segunda-feira a quinta-feira, da parte da manhã das 9.00 às 13.00 horas, e da parte da tarde das 14.30 às 17.45 horas, e na sexta-feira, da parte da manhã das 9.00 às 13.00 horas, e da parte da tarde das 14.30 às 17.30 horas).
  …” (conforme o doc. junto a fls. 253 a 254 e 257 do P.A.).
- Na sequência da consulta do processo administrativo, a Recorrente apresentou sua defesa escrita (conforme o doc. junto a fls. 269 a 273 do P.A.).
- Seguidamente, veio a ser elaborado o Relatório Final n.º 085/2020-DAJ, com o seguinte teor:
  “…
17. Em face da prova documental e testemunhal recolhida, consideram-se provados e relevantes para a boa decisão do processo, os seguintes factos, todos praticados em Macau:
17.1. Realização de 29 operações de concessão de crédito a terceiros, no período compreendido entre 30 de Novembro de 2017 e 21 de Novembro de 2018 (auto de declarações a fls. 6 a 11 e a fls. 13 a 16 e documentos a fls. 17 a 205);
17.2. A realização destas operações de concessão de crédito a terceiros, sob a forma de empréstimos hipotecários para aquisição de imóveis, atingiram o valor total de HKD 23,500,000.00 (vinte e três milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong);
17.3. A taxa de juros destes empréstimos variava entre 25.2 % e 28.8%.
17.4. O modo como estas operações se desenvolviam é o profusamente descrito na Informação n.º 1092/2019-DSB, de 26.12.2019, que consta dos autos a fls. 213 a 217, e que aqui se dá por reproduzida.
18. Considerando-se as acusações como provadas, as referidas infracções traduzem-se na violação, entre outras disposições legais, dos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1 alínea b) e 19.º, n.º 1, todos do RJSF, bem como dos artigos 2.º, 6.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 15/83/M, de 26 de Fevereiro.
19. As referidas infracções são sancionáveis com multa a fixar entre 10 mil e 5 milhões de patacas, nos termos dos artigos 122.º, n.º 2, alínea b), 126.º e 128.º, todos do RJSF aplicáveis directamente e por remissão expressa do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 15/83/M (com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 32/93/M, de 5 de Julho).
20. Acresce que, temos para nós, na determinação das sanções administrativas a aplicar, deve atender-se, por um lado, à necessidade de sancionar as condutas ilegais e, por outro lado, às necessidades de prevenção, procurando-se evitar que o autuado volte a praticar este tipo de infracções e, simultaneamente, alertar os operadores dos mercados financeiros e os consumidores para que este tipo de actividades não autorizadas não são toleradas na RAEM, constituem um elevado risco para os consumidores, são susceptíveis de afectar o normal funcionamento do mercado financeiro por escaparem à supervisão das autoridades competentes e afectam a imagem do sistema financeiro da RAEM, pelo que se propõe a aplicação da sanção acessória prevista na alínea b) do artigo 127.º do RJSF, ou seja, a publicitação da multa que se venha a aplicar.
21. Assim sendo, propõe-se que a multa a aplicar a A (acima melhor identificada), ao abrigo do artigo 128.º do RJSF, seja fixada atendendo a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o infractor, considerando (entre outras circunstâncias que venham a ser, superiormente, consideradas relevantes) nomeadamente:
21.1. Que estamos perante infracções de especial gravidade (elevado grau de ilicitude), à luz do artigo 122.º, n.º 2, alínea b) do RJSF, in casu de exercício de actividades financeiras não autorizadas, na forma de realização de operações de concessão de crédito, de modo habitual e com intuito lucrativo;
21.2. O grau de culpabilidade da infractora (intensidade do dolo e da negligência, a este propósito veja-se os artigos 13.º e 14.º do Código Penal), o seu comportamento anterior (a infractora nunca antes tinha sido sancionado por violação de disposições legais e regulamentares cujo cumprimento cabe à AMCM acautelar) e as circunstâncias da ocorrência das infracções; e
21.3. O benefício económico obtido com a prática das infracções.
  …” (conforme o doc. junto a fls. 320 a 328 do P.A.).
- Foi por ofício n.º 3512/20-AMCM-DAJ, de 19/06/2020, enviada à Recorrente a cópia do dito relatório final, para se pronunciar no prazo de 10 dias, tendo a mesma optado por manter o silêncio (conforme o doc. junto a fls. 329 do P.A.).
- Foi elaborada a deliberação n.º 657/CA pelo Conselho de Administração da AMCM datada de 20/08/2020, no sentido de propor à Recorrida a determinação da aplicação da multa no montante de MOP 5 milhões, pela prática não autorizada da concessão de crédito a terceiros na RAEM, com carácter habitual e intuito lucrativo, no período compreendido entre 30/11/2017 e 21/11/2018 (conforme o doc. junto a fls. 345 a 355 do P.A.).
- A proposta acima referida mereceu o despacho da concordância da Entidade Recorrida exarada na proposta n.º 165/2020-CA, de 30/11/2020 (conforme o doc. junto a fls. 356 do P.A.).
- Em 08/01/2021, a ora Recorrente apresentou o recurso contencioso da decisão.
*
III – Fundamentação
 A sentença recorrida tem o seguinte teor:
 “…
   Ainda considerou a Recorrente que o acto recorrido é nulo pela violação do seu direito de defesa, por nunca lhe ter sido concedida uma oportunidade de se pronunciar sobre o quantitativo da multa fixado pela Recorrida, em especial, sobre o montante de juros alegadamente cobrados que foi computado como benefício económico obtido pelo infractor através das actividades ilícitas da concessão de empréstimo, relevante na determinação do respectivo quantum.
   Por seu lado, no parecer final do Ministério Público, o digno Magistrado apontou para o mesmo sentido da procedência do recurso, mas mais fundamentadamente, nos seguintes termos:
   “Aparentemente, a Entidade Recorrida não terá presente que em todos os elementos a que alude e acima mencionados, “apenas” se refere que as infracções imputadas à ora Recorrente “…a considerarem-se provadas… poderiam ser sancionadas com multa a fixar entre 10 mil e 5 milhões de patacas, cada, nos termos do n.º 1 do artigo 128.º do RJSF, isto sem prejuízo de aplicação das sanções acessórias previstas na lei, designadamente na alínea b) do artigo 127.º do RJSF, ou seja, com a publicação das sanções que viessem a ser aplicadas…”, conforme melhor resulta, por exemplo, do ponto 4 de cópia da versão em português do relatório final constante de fls. 320 a 329 do referenciado processo instrutor (destaque e sublinhado do signatário).
   Ora, como resulta evidenciado dos autos, a decisão final proferida – ou seja, o acto recorrido – consubstancia-se na aplicação, à ora Recorrente, de uma multa no valor de cinco milhões de patacas, por aplicação do critério estabelecido no n.º 3 do artigo 128.º do RJSF, segundo o qual “Quando o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção for superior a metade do limite máximo fixado no n.º 1, este poderá ser elevado até ao dobro desse benefício”.
   E pese embora se traduza na aplicação de uma multa correspondente ao valor máximo fixado no n.º 1 do mesmo normativo, salvo distinto e melhor entendimento, não se poderá deixar de considerar tal situação como significando uma decisão surpresa e, assim, violadora não só dos direitos de defesa da ora Recorrente, mas também do princípio da boa fé expressamente consagrado no n.º 1 do artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo.
   Na verdade, se considerarmos, por exemplo, a definição de alteração substancial dos factos constante da alínea f) do artigo 1.º do Código de Processo Penal, verificamos que é considerada “Alteração substancial dos factos: aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis” (destaque e sublinhado do signatário), o que se, crê firmemente, terá sido exactamente o que ocorreu no caso em apreço, pois que, sem prévio aviso, a Entidade Recorrida recorreu ao critério plasmado no n.º 3 do artigo 128.º do RJSF para determinação da multa aplicada à ora Recorrente quando, anteriormente e de forma constante, “apenas” subsumiu a conduta da mesma ao n.º 1 daquele normativo…”
   Não podemos deixar de acompanhar tal posição plasmada no douto parecer e seguidamente, justificaremos melhor esta afirmação.
   A audiência prévia do interessado, como uma formalidade essencial no procedimento administrativo cuja observância é exigida nos termos do artigo 93.º do CPA, tem, nas palavras dos professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, funções subjectivas e objectivas: “as primeiras são as de evitar decisões e de facultar aos particulares uma oportunidade para fazerem valer as suas posições e os seus argumentos no procedimento, as segundas, as de auxiliar a administração a decidir melhor, de modo mais consensual e em conformidade com o bloco de legalidade.” (cfr. Direito Administrativo Geral, tomo III, Lisboa, 2007, p. 127).
   Além de assegurar ao interessado a possibilidade de se pronunciar sobre os factos e a sua prova no âmbito do procedimento, e mais do que isso, mesmo nos casos em que esteja apenas em causa o exercício de um poder vinculado, “não pode deixar de ser assegurada ao interessado a possibilidade de se pronunciar sobre o resultado da operação da subsunção dos factos à norma que o órgão administrativo se propõe realizar, para o que não pode deixar de lhe ser reconhecido o direito de ser ouvido sobre o sentido provável da decisão a tomar…” (cfr. Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, 2017, 4.ª edição, pp. 116 a 118).
   Quanto à obrigatoriedade da informação do “sentido provável da decisão” contemplada na dita norma do artigo 93.º do CPA para efeito da audiência, entendia-se que seria excessiva a exigência da notificação do “projecto de decisão”, uma vez que “a posição que o instrutor tem sobre o sentido da decisão não é vinculativa para o órgão decisor” e “o órgão instrutor nem deveria ter que fazer opções oficiais (que até podiam ser diversas das da instância decisória) sobre a decisão para que os factos apurados e as normas tidas como aplicáveis apontam” (Cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, comentado, pp. 454 a 455 e 458).
   Por sua vez, na acepção mais exigente perfilhada pelo professor Mário Aroso de Almeida, “A audiência tem de basear-se, por um lado, em informação que permita ao interessado reconhecer o objecto do procedimento, tal como ele se encontra delimitado a final, e o sentido provável da decisão a tomar….e um projecto de decisão, consubstanciado nos “elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, na matéria de facto e de direito…” (cfr. obra cit.).
    Sem pretendermos entrar desde já numa valoração comparativa entre uma posição e a outra, julgamos ser pelo menos pacífico entender que “a audiência deve possibilitar a colocação de todas as questões pertinentes à decisão” nas palavras do autor acima referido, ao ponto de possibilitar aos destinatários influenciar o sentido da decisão final. Neste aspecto, o CPA para além de referir-se ao “sentido provável da decisão” como objecto da notificação para audiência, ainda prevê no artigo 94.º, n.º 2 do CPA, “A notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo pode ser consultado.”
   No caso em apreço,
   - Por ofício n.º 1103/20-AMCM/DAJ, datado de 9/3/2020 constante a fls. 253 a 254 do P.A., foi a Recorrente notificada para apresentar a defesa escrita.
   - Na sequência da consulta do processo administrativo, a Recorrente apresentou sua defesa escrita a fls. 269 a 273 do Processo Administrativo.
   - Seguidamente, veio a ser elaborado o Relatório Final n.º 085/2020-DAJ, em que se concluiu pela comprovação dos factos integradores da acuação deduzida, nos seguintes termos:
   “17.1. Realização de 29 operações de concessão de crédito a terceiros, no período compreendido entre 30 de Novembro de 2017 e 21 de Novembro de 2018 (auto de declarações a fls. 6 a 11 e a fls. 13 a 16 e documentos a fls. 17 a 205);
   17.2. A realização destas operações de concessão de crédito a terceiros, sob a forma de empréstimos hipotecários para aquisição de imóveis, atingiram o valor total de HKD 23,500,000.00 (vinte e três milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong);
   17.3. A taxa de juros destes empréstimos variava entre 25.2 % e 28.8%.
   17.4. O modo como estas operações se desenvolviam é o profusamente descrito na Informação n.º 1092/2019-DSB, de 26.12.2019, que consta dos autos a fls. 213 a 217, e que aqui se dá por reproduzida;…”
   - Mais se propôs a aplicação da multa a fixar entre 10 mil e 5 milhões de patacas, nos termos dos artigos 122.º, n.º 2, alínea b), 126.º e 128.º, todos do RJSF.
   - Foi por ofício n.º 3512/20-AMCM-DAJ, de 19/6/2020 a fls. 329 do Processo Administrativo, enviada à Recorrente a cópia do dito relatório final, para se pronunciar no prazo de 10 dias, tendo a mesma optado por manter o silêncio.
   - Assim, foi elaborada a deliberação do Conselho de Administração da AMCM no sentido de propor à Recorrida a determinação da aplicação da multa no montante de MOP 5 milhões, pela prática não autorizada da concessão de crédito a terceiros na RAEM, com carácter habitual e intuito lucrativo, no período compreendido entre 30/11/2017 e 21/11/2018, o que mereceu o Despacho da concordância daquela exarada na proposta n.º 165/2020-CA, de 30/11/2020.
   Como se vê, a Recorrida acabou por determinar aplicar a multa no valor de cinco milhões de patacas, não com base na moldura fundamental prevista no artigo 128.º, n.º 1 do RJSF (“Salvo o disposto nos números seguintes, a pena de multa será fixada entre 10 mil patacas e 5 milhões de patacas.”), mas na moldura agravada em função do montante benefício económico obtido pelo infractor, prevista no n.º 3 do referido preceito legal (“Quando o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção for superior a metade do limite máximo fixado no n.º 1, este poderá ser elevado até ao dobro desse benefício”).
   Não se olvida que, apesar de encontrar-se descrita a circunstância de facto relevante para a fixação do quantitativo da multa, designadamente, o montante de benefício económico obtido pela Recorrente calculado com base no valor dos 29 empréstimos ilegais concedidos, e na taxa de juro convencionado entre as partes variáveis entre 25.2% e 28.8%, no Relatório Final notificado por ofício n.º 3512/20-AMCM-DAJ, de 19/6/2020 para audiência escrita da Recorrente, e ainda que a mesma tinha sempre possibilidade de consultar o processo enquanto o procedimento administrativo se encontrava pendente, foi no momento da tomada da decisão final que se determinou atribuir os efeitos agravantes a tal circunstância específica no sentido de fazer elevar a moldura abstractamente aplicável para a moldura agravada em função do montante do benefício económico prevista no artigo 128.º, n.º 3 do RJSF.
   Daí, é evidente o vício na realização da audiência no caso dos autos.
   À partida, sempre entendemos que tendo em consideração o escopo imanente ao instituto da audiência prévia, a simples comunicação da multa aplicável dentro da moldura sancionatória extremamente ampla como esta, com medida concreta variável entre 10 mil patacas e 5 milhões de patacas, frustraria a utilidade pretendida com a realização da audiência, porque tornará praticamente impossível ao seu destinatário dizer tudo o que tido por conveniente na perspectiva de influir, deste modo, não apenas a qualificação jurídica da infracção administrativa feita pelo acto recorrido, como também, mais importante do que a qualificação dos factos e com uma maior sensibilidade, o “quantum” dos respectivos efeitos agressivos que o acto recorrido provocaria na esfera jurídica do interessado afectado.
   Mas não apenas isso, o vício formal que se constata no caso dos autos ainda tem uma outra especificidade.
   É incontroverso que daquele relatório final enquanto um projecto da decisão sancionatória enviada à Recorrente por ofício n.º 3512/20-AMCM-DAJ, de 19/6/2020, não constava que o montante estimado do benefício económico teria sido configurado como uma circunstância agravante da infracção administrativa praticada, nem que uma breve referência à norma concreta a aplicar onde se prevê especificamente aquela moldura agravada, para que o próprio visado pudesse apresentar uma defesa eficaz, tendo contado com a hipótese de se confrontar com a agravação da multa em virtude do valor do benefício económico. Aliás, nunca isso, em algum momento durante todo o decorrer do procedimento, foi objecto da notificação ao interessado.
   Além do mais, a exigência da notificação com a inclusão ou especificação daqueles elementos, ao que nos parece, não é excessiva a fim de garantir o exercício efectivo do direito de defesa que assistiria ao infractor.
   Como já vimos atrás, não se poderia dizer aqui que a ora Recorrente teve oportunidade de pronunciar-se sobre o sentido provável da decisão final, sendo certo que uma multa aplicada por referência à moldura agravada prevista no n.º 3 do artigo 128.º do RJSF não era sequer concebível, tendo-lhe sido demonstrado que o sentido da decisão era apontado para a aplicação de uma multa dentro da moldura fundamental. Essa questão pertinente à decisão sancionatória nunca fora colocada diante da interessada, nem tal omissão cometida seria suprível com o exercício atempado do direito à informação do interessado nos termos do artigo 63.º e ss. do CPA, porquanto a ideia da agravação da multa só chegou a ser explícita muito mais tarde aquando da tomada da deliberação n.º 657/CA pelo Conselho da Administração da AMCM, datada de 20/8/2020, em que se fundou o acto recorrido. O que é bastante para concluir que a exigência legal da audiência prévia prevista no artigo 93.º, n.º 1 do CPA não foi cumprida no caso concreto.
   Mas há mais argumentos. O que está em causa é a alteração da qualificação jurídica dos factos, donde resultou a aplicação de multa de moldura agravada, diferente do que fora proposta pelo instrutor do processo no relatório final.
   O nosso Tribunal mais alto já teve ocasião de afirmar que “No processo disciplinar, à alteração da qualificação jurídica dos factos e à aplicação de penalidade mais elevada do que a proposta pelo Instrutor deve aplicar-se, por analogia, o disposto no n.º 1 do art.º 339.º do Código de Processo Penal, devendo a Administração comunicar a alteração ao arguido, observando assim o contraditório.” Ainda segundo o elucidado pela jurisprudência, a aplicação analógica das normas ínsitas no Código de Processo Penal encontra sua base na norma do artigo 277.º do ETAPM, onde se prevê “Aplicam-se supletivamente ao regime disciplinar as normas de Direito Penal em vigor no Território, com as devidas adaptações.” (veja-se Acórdão do Tribunal de Última Instância n.º 77/2019, 3/3/2021)
   Por sua vez, em sede do procedimento de infracção administrativa, se se entendesse que a questão não se encontra regulada pelas próprias normas do CPA, a norma do artigo 3.º, n.º 3 do DL n.º 52/99/M também legitimaria a remissão analógica para as disposições (ou os princípios gerais) do direito e do processo penal.
   Se assim é, o que temos é aplicação da multa concreta dentro da moldura agravada ou seja a “agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis” relativamente ao que constava quer da acusação notificada por ofício n.º 1103/20-AMCM/DAJ, datado de 9/3/2020, quer da notificação do teor do relatório final, por ofício n.º 3512/20-AMCM-DAJ, de 19/6/2020 na fase formal da audiência. Como atrás referido, de todo o processo administrativo não decorre que à ora Recorrente foi dado conhecimento de alteração da moldura abstractamente aplicável, para se pronunciar sobre a aplicação da sanção mais gravosa, mas esta acabou por ser punida com uma multa com que não estava a contar.
   Trata-se de uma situação mais flagrante da violação do contraditório em relação àquela abordada no douto acórdão do Tribunal de Última Instância, uma vez que neste caso, nos anteriores expedientes de notificação nunca foi discriminada a circunstância agravante do montante estimado do benefício económico, nem indicada a moldura agravada aplicável – quanto a isto, a indicação genérica do artigo 128.º do RJSF não parece ser suficiente (enquanto naquele processo do TUI, o não foi comunicado ao arguido era a agravação da penalidade concreta, entretanto observando-se formalmente as exigências contempladas pelo artigo 332.º, n.º 2 do ETAPM na dedução da acusação).
   Neste sentido, se se entende como entendeu, “à alteração da qualificação jurídica deve aplicar-se, por analogia, o disposto no n.º 1 do art.º 339.º do CPP, devendo o juiz comunicar a alteração ao arguido e conceder-lhe, se ele requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa e, quando a alteração implicar a aplicação de penalidade mais elevada, o juiz tem sempre de observar o contraditório, doutrina esta que se aplica, com as necessárias adaptações, em processo disciplinar” conforme o douto acórdão do TUI. Então num procedimento destinado à aplicação da sanção pela prática da infracção administrativa, diante da agravação inovadora da multa aplicável ao momento da decisão sancionatória final, justifica-se a mesma solução.
   Daí, uma razão acrescida para censurar o acto sancionatório com a consequência invalidante. Aliás, tal como entendeu o digno Magistrado do Ministério Público, a omissão da realização da audiência prévia gera a consequência da nulidade da decisão sancionatória ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n.º 2 do DL n.º 52/99/M.
   Assim, deve-se julgar procedente o recurso nesta parte.
*
   Sem prejuízo do que antecede, vejamos os restantes vícios invocados pela Recorrente.
   Em relação ao erro no pressuposto de facto, sumariamente, considera a Recorrente que não foi ela a mutuante dos 29 empréstimos no valor total de HKD 23,500,000.00 (ou MOP 24,205,000.00) e que se limitava a subscrever os documentos em nome e no interesse do indivíduo B (B) e de acordo com a vontade deste, com a restituição dos montantes a serem depositados para as diversas contas bancárias tituladas pelo mesmo. Assim, não tendo a Recorrida efectuado nenhuma diligência no sentido de apurar a veracidade dos factos alegados por ela, o acto praticado inquinou do vício de violação do princípio de investigação; além disso, a fixação do montante do benefício económico carece da base probatória material.
   Quanto ao vício destacado na sua primeira vertente, é manifesta a falta da razão da Recorrente.
   A infracção administrativa que lhe foi imputada é o exercício não autorizado da actividade da concessão de créditos, a que se refere nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) do RJSF. O essencial da impugnação ora deduzida consiste no argumento de não ser a mesma o autor da infracção em causa, que actuava como mero testa de ferro de tal mutuante verdadeiro B (B).
   Como se sabe, num caso paradigmático do mandato sem representação, em que o mandatário pratica actos em seu próprio nome, mas por conta do terceiro que é mandante, é na esfera jurídica daquele que se repercutem os efeitos jurídicos decorrentes do acto, ainda que o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos praticados.
   Neste sentido, prevê-se no disposto do artigo 1106.º do CCM, “O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes.”
   Assim, é legítimo concluir que um mutuante aparente que embora tenha subscrito em nome próprio os contratos de mútuo, concluindo os negócios com o terceiro, mas alegadamente actuou por conta de um mutante verdadeiro, não deixaria de ser considerado como parte naqueles contratos celebrados, tal como definidos ao abrigo do artigo 1070.º do CCM, e por conseguinte, é aquele que concedeu os créditos aos terceiros, no nosso caso concreto.
   Certamente, o mutuante verdadeiro em cujo benefício foram celebrados os mútuos nem por isso ficará impune, do ponto de vista do direito administrativo sancionatório, sendo configurável a imputação ao mesmo como comparticipante (e.g. autor mediato, instigador, co-autor) da infracção cometida pelo seu “testa de ferro”. Contudo a eventual responsabilização daquele não afastará a desta, salvo a verificação em relação à mesma das causas desculpantes previstas no Código Penal (e.g. os artigos 16.º, 18.º, 19.º e 34.º a 36.º), mediante a aplicação do princípio de culpabilidade –“nulla poena sine culpa”, através da norma remissiva do artigo 3.º, n.º 3 do DL n.º 52/99/M.
   Voltamos ao caso dos autos e diríamos ser irrelevante a omissão da diligência assinalada por ora Recorrente para obter a anulação do acto recorrido. E como de resto, sempre se dirá que a existência da relação de mandato entre a Recorrente e B (B) não foi sequer processualmente demonstrada, sendo que à ela mesma caberia tal ónus de demonstração.
   No entanto, já não seria assim o vício assinalado na segunda vertente. Concordamos, a este respeito, com a posição da Recorrente e entendemos que inexistem elementos suficientes que permitem a fixação da multa naquele quantitativo fixado pela Recorrida, designadamente, a fixação do montante do benefício económico obtido através da prática da infracção administrativa.
   A este propósito, já tínhamos várias ocasiões de questionar a legitimação na fixação do quantum da multa com base em tal parâmetro de “benefício económico”, na medida em que a multa aplicada era por referência preponderante ao montante daquele benefício, que na essência, não funcionava apenas como um dos parâmetros a ponderar na quantificação, e que o interessado mesmo previamente notificado, poderia não ter contado com a relevância primordial que a Recorrida venha a atribuir a este factor na tomada da decisão final. Apesar de tudo, esta questão não deixa de ser relativizada, tendo em consideração o elucidado no douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 1040/2020, de 21/1/2021, nos seguintes termos:
   “Dado preceituado no nº 3, é evidente que o elevado benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção é tido pelo nosso legislador como uma das circunstâncias a atender na determinação da medida concreta das sanções administrativas dos factos punidos nos termos do «Regime Jurídico do Sistema Financeiro».
   Pois, de outro modo, o elevado benefício económico não poderia ter sido considerado como circunstância agravante modificativa da moldura máxima de penas pecuniárias. Para nós, ao mandar atender o tal benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção para a determinação concreta da pena, o que pretende o nosso legislador é, na prática não autorizada de operações reservadas às instituições sujeitas a supervisão pela AMCM, normalmente geradoras de benefícios económicos a favor de infractores e em prejuízos ao sistema económico e financeiro da RAEM, mandar atender o quantum do benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção, que reflecte o grau de ilicitude dos factos, o que não tem nada a ver com o instituto de confisco.”
   Ou seja, o que está em discussão é nada mais do que um dos elementos a atender na fixação da medida da multa (ao contrário do que parece sugerir a letra da norma do artigo 128.º, n.º 3 do RJSF, onde se limita a dizer que a moldura poderá ser agravada no seu limite máximo se o benefício económico for superior a metade deste, e não assim o é a medida concreta da sanção) por ser demonstrativo do grau da ilicitude dos factos assim como os outros. Assim sendo, é evidente que a Recorrida se encontra habilitada a socorrer-se daquele parâmetro na fixação da multa.
   Resta ver então se o “quantum” assim fixado assenta ou não em bases sólidas.
   Embora não seja totalmente explícito o modo de cálculo, é possível inferir a partir da deliberação n.º 657/CA pelo Conselho de Administração da AMCM, datada de 20/8/2020, que o montante em causa foi contabilizado com base nos seguintes elementos comprovados:
   - foram concedidos pela Recorrente os créditos, sob a forma de 29 empréstimos hipotecários, com um valor total de HKD 23,500,000.00 equivalente a MOP 24,205,000.00, com prazo variáveis (1 mês, 1 ano ou 1 ano e meio).
   - nesses contratos de empréstimo, foram convencionadas as taxas de juro que variavam entre 25.2% e 28.8%;
   Assim, o benefício económico resultante das práticas ilegais “estima-se em MOP4,532,917.00, valor resultante da soma dos juros fixados nos contratos de empréstimo celebrados pela infractora (não se computando os juros de mora)”, conforme se explicou na dita deliberação n.º 657/CA na parte II – Dos Factos, ponto 4.
   Repare-se, a expressão utilizada pela norma legal do artigo 128.º, n.º 3 do RJSF foi “o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção”. Como é consabido por quem saiba algo da gramática portuguesa, o particípio passado – “obtido” – que aqui se utiliza tem uma função de adjectivar o substantivo que o antecede “benefício económico” e implica, assim como qualquer outro particípio passado que a actuação (de obter o benefício económico) está finalizada ou concluída no tempo pretérito.
   Dito por outra forma, o montante do benefício económico apto a influir na agravação da multa deveria ser aquele que o infractor tenha efectivamente recebido no passado, e não aquele que o mesmo poderá receber. Outrossim, a expressão que se emprega na redacção da norma legal deveria ser “o benefício económico a obter”.
   No nosso caso, os elementos que se encontram na posse da Autoridade financeira possibilitam quanto muito o cálculo de lucros estimados que se espera render mediante a conclusão dos empréstimos. Inexiste prova de que a ora Recorrente tenha recebido o benefício económico naquele montante, o que nos parece ser fundamental se tendo em consideração todas as vicissitudes a ocorrer posteriormente à conclusão dos ditos negócios, que pudessem vir a frustrar a expectativa que a mutuante sempre tinha na recuperação atempada dos empréstimos concedidos junto dos devedores mutuários. Se assim for, a aplicação da multa com quantitativo na medida do montante dos benefícios económicos necessariamente cairá por base, já que o ganho dos lucros esperados poderia nem chegar a ser concretizado.
   Aliás, tratando-se de uma circunstância típica agravante da moldura sancionatória, entendemos que o seu preenchimento não se pode ter por verificado por qualquer maneira indiferente, exigindo, antes de mais, provas firmes para demonstrar a sustentabilidade da sanção aplicada. E o ónus de prova compete à administração que pretenda impor ao interessado a sanção quantificada com base no critério de benefício económico que ela própria invocou.
   Não diríamos que o cálculo do montante nunca devesse ser feito de uma forma presuntiva ou estimativa, mas ao menos, ao que nos parece, que deveria ter-se reunido todos os elementos constitutivos que favoreçam a conclusão de que o interessado obteve o benefício naquela quantidade esperada. Agora a simples existência da convenção dos juros que terão ser cobrados pelas concessões dos empréstimos está longe de satisfazer as exigências probatórias ao ponto de poder dar-se como assente o valor do benefício económico obtido pela Recorrente.
   Nestes termos, o acto recorrido deve ser ainda anulado pela inexistência das provas necessárias à quantificação do benefício económico, determinante para agravação da moldura sancionatória (não só, como também para quantificação da medida concreta da multa).
   Tendo sido considerada a fixação do quantitativo da multa como desprovida da base probatória, torna-se então desnecessária a apreciação da excessividade da mesma. Em síntese, o acto recorrido padece dos seguintes vícios invalidantes:
   - a omissão da realização da audiência prévia por ter sido preterida a indicação da moldura agravada aplicável e a discriminação da circunstância agravante no projecto notificado para o efeito, em violação do artigo 93.º, n.º 1 do CPA e do artigo 11.º, n.º 2 do DL n.º 52/99/M.
   - o erro no pressuposto de facto respeitante à fixação do quantitativo da multa pela ausência das provas necessárias à respectiva quantificação.
   Resta decidir.
***
   IV. Decisão
   Assim, pelo exposto, decide-se:
   Julgar procedente o presente recurso contencioso, com a declaração da nulidade do acto recorrido.
 …”。
Trata-se duma posição com a qual concordamos na sua íntegra. Assim, ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, negamos provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos invocados na decisão impugnada.
Na verdade, bem observou o Digno Magistrado do Mº Pº junto deste Tribunal que “…a deliberação n.º657/CA constata inequivocamente que para efeitos da graduação da multa concreta a aplicar, o dito Conselho de Administração acrescentou a circunstância de “在未經許可及未有適當監管機制下從事此類活動對金融體系以至公眾構成的危險(包括遭受詐騙和各種類型的經濟犯罪)。另外,須指出,在批給信貸時,需要仔細分析產品的特性,向消費者(感興趣的/債務人/借款人)詳細說明其特徵,並建議選擇最合適的信貸類型,因為,不同類型的信貸在條款和成本上存在重大差異”.
Ora, estes dados e factores não constam do Relatório Final e foram valorados sucessivamente pelo Conselho de Administração e pelo Exmo. Sr. SEF na graduação da multa aplicada, daí que a audiência da Recorrente sobre o Relatório Final enferma de lacuna e insuficiência, de forma que não lhe seja assegurado o direito de audiência e de defesa, pelo que acarreta a nulidade ao despacho ora recorrido.
Em relação ao vício do erro no pressuposto de facto, este Tribunal já tem oportunidade de se pronunciar sobre a mesma questão nos processos congéneres pela forma seguinte (Proc. 356/2022, de 28/09/2022):
“ …
   Ora, a situação julgada neste processo é muito semelhante (senão idêntica, em termos factos imputados) à decidida no Proc. nº 357/2022, cujo acórdão foi por nós proferido em 08/09/2022, sendo ambos recurso jurisdicionais interpostos para este TSI contra as decisões proferida pelo TA.
   No Proc. nº 357/2022, cuja decisão foi tomada com base no douto parecer do Magistrado do MP junto deste TSI, foram tecidas as seguintes doutas considerações que merecemos a nossa inteira concordância:
   “(...)
   1.
   (…) interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Economia e Finanças que lhe aplicou a multa de 700 000 patacas e a sanção acessória de publicitação da multa aplicada pela prática da infracção de exercício não autorizado da actividade de concessão de crédito.
   Por douta sentença do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 36 a 42 dos presentes autos foi o recurso contencioso julgado procedente com a consequente anulação do acto impugnado.
   Inconformado com a dita sentença, veio o Secretário para a Economia e Finanças interpor o presente recurso jurisdicional, pugnando pela respectiva revogação.
   2.
   Parece-nos, salvo o devido respeito, que a douta sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que o Recorrente lhe imputa.
   As razões deste nosso modesto entendimento, que coincidem, no essencial, com aquelas que serviram de fundamento à decisão a quo, enunciam-se em termos breves.
   A questão está em saber o que deve entender-se por «benefício obtido» com a prática da infracção.
   A decisão punitiva que foi objecto de impugnação contenciosa considerou que, no caso, o benefício económico correspondia aos juros remuneratórios convencionados.
   Por seu turno, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo considerou que o montante do benefício obtido corresponde aos juros efectivamente recebidos pelo mutuante e não os juros estimados em função do que foi contratualmente acordado.
   O Recorrente, nas doutas alegações do recurso jurisdicional, contrariando o entendimento da sentença recorrida, sustenta que, aquilo releva, na perspectiva do benefício económico obtido, não é o vencimento do crédito e muito menos a sua cobrança, mas, antes, a sua constituição. E, no caso, os contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente contencioso ao estipular juros a seu favor, provam a constituição de direitos de crédito e, portanto, a obtenção de um benefício económico.
   Vejamos.
   Não nos custa a aceitar, em geral, o entendimento do Recorrente quanto à natureza dos créditos, incluindo os créditos de juros, enquanto coisas que integram, do lado activo, o património do credor.
   Todavia, no caso em apreço, colocadas as coisas no estrito plano jurídico, que é aquele em que a questão é colocada pelo Recorrente, e não no plano dos factos, a verdade é que, no caso, dos contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente contencioso não resultou a constituição no seu património de qualquer crédito de juros pela simples razão de que tais contratos estão, parece-nos, feridos de nulidade por ser isso o que resulta do disposto no artigo 287.º do Código Civil, de acordo com o qual, «os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei». Ora, no caso, os contratos de mútuo foram celebrados contra disposições imperativas, precisamente as contidas nos artigos 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, advindo daí a assinalada nulidade.
   Donde, serem os ditos contratos de mútuo desprovidos de outra força jurísgena que não seja a de fundar pretensões restitutivas ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil. Em todo o caso, não se chegou a radicar na esfera jurídica do recorrente contencioso um direito de crédito corresponde aos juros acordados e, portanto, nessa perspectiva, não será juridicamente rigoroso afirmar que, com a celebração dos ditos contratos de mútuo, o activo do seu património sofreu um incremento na medida correspondente aos ditos juros. Daí que, salvo o devido respeito, também se não possa dizer que tais juros sejam a expressão e a medida do benefício económico obtido pelo infractor.
   Estamos em crer que apenas na hipótese de ter havido uma efectiva percepção de juros por parte do infractor é que a multa concretamente a aplicar os deverá ter em devida conta, dessa forma se podendo operar a expropriação do benefício que, no plano dos factos, tenha sido ilicitamente obtido, com desconsideração, mas sem prejuízo, do crédito de natureza restitutiva fundado na norma legal do n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil de que o mutuário será titular.
   Com a breve motivação que antecede, somos modestamente a entender que a decisão recorrida não deve ser merecedora de censura.
   3.
   Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se na ordem jurídica a douta sentença recorrida.”
  Ora, esta douta argumentação acima transcrita vale, mutatis mutandis, para o caso em análise, pois não foram comprovados os elementos-base dos tipos administrativos ilícitos imputados, o que é razão bastante para julgar improcedente o recurso jurisdicional interposto pela Entidade punitiva, confirmando-se assim a sentença recorrida do TA.
*
   Síntese conclusiva:
   I - O exercício das operações de concessão de crédito reservadas às instituições referidas por quaisquer outras pessoas ou entidades que não tenham sido autorizadas para o tal constitui a infracção de especial gravidade prevista no artigo 122.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do RJSF, e por conseguinte está sujeito às sanções cominadas nos artigos 126.º a 128.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro (RJSF), aprovado pelo DL n.º 32/93/M, de 5 de Julho.
   II – Do quadro factual assente resulta que foi celebrado um mandato para a celebração dos negócios de mútuo pelo Recorrente em data referida nos autos, sendo conferido ao mandatário o poder de, praticar em nome dele próprio, os actos de gestão do fundo pertencente ao mandante, incluindo os actos de concessão do crédito ou seja a celebração do contrato de mútuo com o terceiro (nos termos descritos na cláusula primeira do contrato), o que permite concluir que se consideram abrangidas as concessões do crédito que o Recorrente iria a realizar mediante a celebração dos contratos de mútuo com os devedores terceiros.
   III – No caso, dos contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente contencioso não resultou a constituição no seu património de qualquer crédito de juros pela simples razão de que tais contratos estão feridos de nulidade por força do disposto no artigo 287.º do Código Civil, de acordo com o qual, «os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei». Ora, no caso, os contratos de mútuo foram celebrados contra disposições imperativas, precisamente as contidas nos artigos 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) do RJSF, advindo daí a assinalada nulidade. Nestes termos, apenas na hipótese de ter havido uma efectiva percepção de juros por parte do infractor é que a multa concretamente a aplicar os deverá ter em devida conta, dessa forma se podendo operar a expropriação do benefício que, no plano dos factos, tenha sido ilicitamente obtido, com desconsideração, mas sem prejuízo, do crédito de natureza restitutiva fundado na norma legal do n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil de que o mutuário será titular.
   IV - O elevado benefício económico não poderia ter sido considerado como circunstância agravante modificativa da moldura máxima de penas pecuniárias. Para nós, ao mandar atender o tal benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção para a determinação concreta da pena, o que pretende o nosso legislador é, na prática não autorizada de operações reservadas às instituições sujeitas a supervisão pela AMCM, normalmente geradoras de benefícios económicos a favor de infractores e em prejuízos ao sistema económico e financeiro da RAEM, mandar atender o quantum do benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção, que reflecte o grau de ilicitude dos factos, tudo isto depende da prova concretamente produzida a cargo da entidade com poder punitivo.
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   Tudo visto e analisado, resta decidir.
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   V - DECISÃO
   Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
   ...”.
Por ora, não se vê qualquer razão plausível para alterar a jurisprudência já fixada.
Aliás, uma vez confirmada a sentença recorrida na parte que declarou a nulidade do acto recorrido, a apreciação deste vício também deixou de ter relevância.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a decisão recorrida.
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Sem custas, uma vez que a Entidade Recorrida goza da isenção subjectiva.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 27 de Outubro de 2022.

(Relator)
Ho Wai Neng

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro


Mai Man Ieng



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350/2022