Processo n.º 535/2022
(Autos de recurso em matéria cível - marca)
Relator: Fong Man Chong
Data: 10 de Novembro de 2022
ASSUNTOS:
- Marca mista e capacidade distintiva
SUMÁRIO:
I - A lei só proíbe as marcas exclusivamente descritivas para compor uma marca, pelo que o artigo 199.º/1/b) do RJPI fala expressamente em “exclusivamente”. Uma marca pode ser distintiva se não for exclusivamente descritiva, ou seja, a combinação de elementos descritivos e não descritivos pode oferecer um conjunto distintivo.
II – Quando as marcas são compostas por dizeres e elementos figurativos, portanto, marcas mistas, compostas por palavras em língua inglesa, japonesa e chinesa, estilizadas sobre fundos brancos ou pretos às quais fora atribuídos os números N/15XXXX a N/15XXXX para produtos na classe 33, ou seja, uma combinação de elementos descritos e figurativos, dotam-se da capacidade distintiva.
III – Acresce ainda que as marcas em causa, apesar de conterem a palavra A, que se refere a um tipo de madeira para fabricar whisky, são compostas ainda por elementos linguísticos (chinês, japonês e inglês), para além da caligrafia que se aplica à palavra A, é de entender que os elementos descritivos e figurativos, olhados no seu conjunto, têm capacidade distintiva e como tal deve ser deferido o pedido do registo desses elementos como marcas nos termos requeridos.
O Relator,
________________
Fong Man Chong
Processo nº 535/2022
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 10 de Novembro de 2022
Recorrente : A Whisky Collections Limited
Recorrida : Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico
*
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
Nota preliminar:
Foi apresentado pelo Exmo. Juíz Relator o projecto do acórdão deste processo com o seguinte teor:
I. RELATÓRIO
A Whisky Collections Limited, com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso judicial da decisão do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico que recusou o seu pedido de registo das marcas nºs N/15XXXX a N/15XXXX, pedindo que seja revogado o despacho de recusa da DSEDT, sendo substituído por outro que conceda as marcas objecto do presente recurso.
Cumprido o disposto no artº 278º do RJPI veio a DSEDT a remeter ao tribunal o processo administrativo referente ao pedido de registo de marca a que se reportam os autos.
Pelo Tribunal recorrido foi proferida sentença negando provimento ao recurso judicial interposto.
Não se conformando com a sentença proferida veio a Requerente das marcas e Recorrente interpor recurso daquela decisão apresentando as seguintes conclusões:
3.1 Em 14/08/2019, a ora Recorrente solicitou o registo de marcas mistas compostas por palavras em língua inglesa, japonesa e chinesa, estilizadas sobre fundos brancos ou pretos às quais fora atribuídos os números N/15XXXX a N/15XXXX para produtos na classe 33;
3.2 Tais pedidos foram indeferidos pela DSEDT por se entender, em resumo, que as marcas registandas consistiam num registo de marca descritiva;
3.3 O Douto Tribunal manteve tal recusa nos mesmos termos invocados pela DSEDT mas alicerçou o seu entendimento nos artigos 207.º, n.º 2 e 212.º, n.º 3, todos do RJPI. Ora,
3.4 Com a devida vénia o entendimento sobre os requisitos instrutórios de uma marca (artigo 207.º, n.º 2) e a consideração sobre a confundibilidade de sons (artigo 212.º, n.º 3) não foi a mais correcta. Porquanto,
3.5 “O exame consiste na apreciação do alegado pelas partes e, principal e obrigatoriamente, no exame da marca requerida e sua comparação com a marca ou marcas registadas para o mesmo produto ou serviço, ou para produtos ou serviços idênticos ou afins, depois do que é elaborado relatório do processo e submetido a despacho, que pode ser de concessão ou de recusa.” Ou seja,
3.6 A tradução e a transliteração, que devem instruir um pedido de registo de marca que contenha inscrições em caracteres pouco conhecidos, servem para permitir à DSEDT que “no exame da marca requerida e sua comparação com a marca ou marcas registadas” verifique se os caracteres pouco conhecidos da marca, cujo registo se requereu, consistem em caracteres e sons confundíveis com os caracteres outros de marcas regista das. Apenas e tão-só.
3.7 E isto para efeitos de uma eventual recusa de marca ao abrigo do artigo 214.º, n.º 1, al. b), n.º 2, al. b) do RJPI (por se considerar preenchido o requisito de semelhança fonética com outra marca registada)
3.8 Neste caso em concreto, as marcas não foram recusadas e a decisão mantida porque representavam a tradução de uma marca notória nem porque, da sua transliteração resultava uma forte semelhança fonética com outra marca registada.
3.9 As marcas foram recusadas e a decisão mantida porque se considerou, erradamente, conforme demonstraremos infra, que a sua tradução e transliteração levava a classificar estas marcas como descritivas ao abrigo do 199.º, n.º 1, alínea b). Ora,
3.10 A tradução e transliteração exigíveis não podem servir-para a apreciação do carácter exclusivamente descritivo das marcas a registo.
3.11 Termos em que a Douta Sentença infringiu o disposto nos artigos 207.º, n.ºs 2 e 3 e 212.º, n.º 3 do RJPI e deve ser revogada. Mas mais,
3.12 Na avaliação do carácter distintivo de um sinal cabe ponderar as particularidades do caso concreto devendo a apreciação da marca deve ser efectuada relativamente aos produtos a que se destina e em relação à percepção que dela tem o público relevante;
3.13 Com a devida vénia, entende-se que a apreciação do douto Tribunal não foi efectuada de tal forma, pois não teve em conta nem os produtos a que se destina nem a percepção que dela tem o público relevante, violando assim o disposto nos artigos 197.º e 199.º, n.º 1, alínea b) do RJPI
3.14 Sinal descritivo é aquele que exclusivamente define, indica ou evoca o objecto em causa, na natureza, nas suas propriedades ou nas suas-qualidades;
3.15 Os sinais em crise não descrevem a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção dos produtos que se destinam assinalar;
3.16 Tão-pouco estes sinais descrevem a espécie do produto porque não fazem uma alusão, directa e exclusiva, ao tipo de produtos a que as marcas se destinam;
3.17 A esmagadora maioria da população de Macau não irá considerar o sinal em crise como descritivo pois, pura e simplesmente, não compreende inglês ou o japonês
3.18 O consumidor que seja confrontado com sinais não irá conceber os mesmos como uma descrição dos produtos assinalados pelas marcas;
3.19 Ainda que, por mera hipótese académica no que se não concede, as palavras em causa sejam descritivas para uma pessoa capaz de os ler, para a esmagadora maioria dos consumidores relevantes não passam de simples elementos figurativos e capazes de dar causa ao carácter distintivo das marcas;
3.20 O consumidor relevante de uísque em Macau não tem conhecimento de inglês ou japonês e, não sendo capaz de os ler nas marcas em crise, não irá atribuir qualquer significado às palavras em língua inglesa ou japonesa e configurará tais palavras apenas como um elemento figurativo dando causa ao carácter distintivo das marcas;
3.21 Embora o elemento figurativo (caracteres japoneses e os fundos preto e branco) das marcas recusadas seja suficiente para dar causa ao carácter distintivo das marcas, cumpre também realçar que as palavras em língua inglesa não são diretamente descritivas do produto coberto pelos pedidos recusados;
3.22 O consumidor é obrigado a uma actividade intelectual imaginativa para associar o sinal em crise aos produtos marcados, por estes não fornecerem elementos ou indicações directas sobre os produtos distinguidos pelo mesmo;
3.23 Tem de existir uma relação directa e específica entre o sinal e os produtos ou serviços em causa que permita ao público em causa imediatamente apreender, sem mais considerações, a descrição dos produtos e serviços em causa ou de uma das suas características;
3.24 A palavra A não é comumente utilizada em Macau e ainda que possa ser apreendida como uma referência a uma árvore, as marcas em causa não podem ser consideradas como diretamente descritivas do produto em causa;
3.25 São necessários vários passos mentais na associação de árvore japonesa, para barris, destes para processo de envelhecimento de uísque e deste processo para o produto marcado uísque;
3.26 O consumidor relevante não irá fazer todos estes saltos no seu raciocínio;
3.27 “Um sinal que não é directamente descritivo do objeto designado, não pode ser considerado como exclusivamente descritivo.”
3.28 Um sinal que descreva o produto/serviço duma maneira “détournée” não será directamente descritivo.
3.29 Uma denominação é descritiva de um produto, e não sugestiva, se os empresários do sector não necessitam de Bnlusar a sua imaginação para descrever os seus produtos aos consumidores;
3.30 Ainda que a marca em causa se limite a sugerir ou a evocar por forma inabitual o invulgar uma característica do produto ou serviço, estaremos perante marcas sugestivas/expressivas ou significativas as quais são perfeitamente válidas;
3.31 A DSEDT nunca considerou nem demonstrou que os consumidores daqueles produtos, colocados perante o sinal em causa, teriam ou não de usar a imaginação para os associar directamente aos produtos assinalados;
3.32 As marcas apresentam-se com uma composição final que lhes garante a singularidade e a criatividade necessárias ao registo;
3.33 As marcas recusadas não são compostas exclusivamente-por sinais descritivos por estes não descreverem a espécie, quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção da prestação dos produtos que se destinam assinalar, pelo que a douta sentença deve ser revogada por errada aplicação dos artigos 197.º, 199.º, n.º 1, alínea b), 207.º, n.ºs 2 e 3 e 212.º, n.º 3 e 214.º, n.º 3 do RJPI,
Notificada a DSEDT das alegações de recurso veio esta oferecer o merecimento dos autos.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
Da sentença sob recurso consta a seguinte factualidade:
A. Em 14 de Agosto de 2019, A WHISKY COLLECTIONS LIMITED, recorrente, pediu à Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico registar a marca n.º N/15XXXX, com exemplar de , fornecendo o produto da classe 33, ou seja, Uísque.
B. Em 14 de Agosto de 2019, A WHISKY COLLECTIONS LIMITED, recorrente, pediu à Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico registar a marca n.º N/158376, com exemplar de, fornecendo o produto da classe 33, ou seja, Uísque.
C. Em 14 de Agosto de 2019, A WHISKY COLLECTIONS LIMITED, recorrente, pediu à Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico registar a marca n.º N/158377, com exemplar de, fornecendo o produto da classe 33, ou seja, Uísque.
D. Em 14 de Agosto de 2019, A WHISKY COLLECTIONS LIMITED, recorrente, pediu à Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico registar a marca n.º N/158378, com exemplar de, fornecendo o produto da classe 33, ou seja, Uísque.
E. Em 14 de Agosto de 2019, A WHISKY COLLECTIONS LIMITED, recorrente, pediu à Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico registar a marca n.º N/158379, com exemplar de , fornecendo o produto da classe 33, ou seja, Uísque.
F. Em 14 de Agosto de 2019, A WHISKY COLLECTIONS LIMITED, recorrente, pediu à Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico registar a marca n.º N/15XXXX, com exemplar de , fornecendo o produto da classe 33, ou seja, Uísque.
G. Em 14 de Agosto de 2019, A WHISKY COLLECTIONS LIMITED, recorrente, pediu à Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico registar a marca n.º N/15XXXX, com exemplar de, fornecendo o produto da classe 33, ou seja, Uísque.
H. Em 14 de Agosto de 2019, A WHISKY COLLECTIONS LIMITED, recorrente, pediu à Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico registar a marca n.º N/15XXXX, com exemplar de, fornecendo o produto da classe 33, ou seja, Uísque.
I. Os referidos pedidos foram publicados no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 32, II Série, de 5 de Agosto de 2020.
J. Por despacho de 13 de Agosto de 2021 do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual, cujo teor consta do processo administrativo e se dá aqui por reproduzido, os pedidos de registo das marcas da recorrente foram indeferidos.
K. O referido indeferimento foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 35, II Série, de 1 de Setembro de 2021.
b) Do Direito
O registo das marcas em causa foi recusado com base no disposto na alínea b) do nº 1 do artº 199º e nº 3 do artº 214º do RJPI este “a contrario”.
Sobre esta questão diz-se na decisão sob recurso:
«No caso, ao abrigo do art.º 214.º n.º 3 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 97/99/M de 13 de Dezembro, interpretado “a contrario”, em conjugação com o art.º 199.º n.º 1 alínea b), a Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico recusou o registo das marcas, com fundamento em que essas marcas não têm carácter distintivo devido e, portanto, não merece protecção para marca registada.
A única questão a resolver consiste em se podem ou não ser objecto de protecção da lei as marcas que a requerente A WHISKY COLLECTIONS LIMITED pretende registar.
Nos termos do art.º 197.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 97/99/M de 13 de Dezembro:
“Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.” (sub. nosso)
Termos em que, para poder ser registado, é o requisito mais fundamental que o sinal ou conjunto de sinais que pretendam registar sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços duma determinada empresa, isto é, o respectivo sinal tem que adquirir carácter distintivo suficiente para ser registado como marca.
Nesse aspecto, o art.º 199.º n.º 1 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial enumera os sinais que não são susceptíveis de protecção por falta de carácter distintivo suficiente:
“a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto;
b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
c) Os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
d) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva.”
No caso, com fundamento na alínea b) supracitada, a DSEDT recusou o registo das marcas da recorrente, entendendo que, nas marcas que pretende registar, “水楢”, “A” e “ミズナラ” têm, nas línguas chinesa, inglesa e japonesa, o sentido de carvalho, que é um tipo de madeira escassa e é utilizado para produção de barris para fabricar uísque, portanto, no sector de uísque o termo de “barril de carvalho” é usado frequentemente para representar um tipo de uísque que tem o sabor de carvalho, como o “barril de Bourbon” e o “barril de Sherry”, que podem ser usados para representar os tipos de uísque dos respectivos sabores, por isso, a entidade recorrida entende que os sinais que pretende registar são constituídos exclusivamente pelas indicações que servem para designar a espécie, a qualidade e as características de produção, assim sendo, são insusceptíveis de protecção.
Ao contrário, na petição de recurso, a recorrente não concorda com a opinião da entidade recorrida, sustentando que, as marcas que pretende registar não são constituídas puramente pelas palavras que descrevem as características do produto, além disso, em Macau, a maioria dos residentes não sabe falar as línguas inglesa e japonesa, os consumidores comuns de Macau não vão pensar imediatamente no carvalho, essas marcas constituem marca sugestiva e merecem a protecção da lei.
Agora cumpre apreciar e decidir.
Como acima disse, está em causa analisar se as marcas têm carácter distintivo suficiente para ser susceptíveis de protecção.
No caso, nas marcas, sem dúvida, “水楢”, “A” e “ミズナラ” têm o sentido de carvalho, como entendeu a entidade recorrida, o carvalho já se torna num tipo de uísque e, nesse sector, é frequentemente usado o termo de “uísque de barril de carvalho”, por exemplo, barril de carvalho de Bowmore (Bowmore A), barril de carvalho de Yamazaki (Yamazaki A), barril de carvalho de Chivas Regal (Chivas Regal A), isto é, os produtores diferentes podem fabricar uísque de barril de carvalho da sua própria marca.
Então, pergunta-se, como os consumidores distinguem e identificam as fábricas ou empresas se permitam registar como marca “水楢”, “A” e “ミズナラ”? É possível haver no mercado produtores do mesmo produto ou semelhante, nessa situação, se a marca seja constituída apenas pelas palavras de “水楢”, “A” e “ミズナラ”, não se faculta distinguir se o produto é fabricado pela empresa A ou empresa B; além disso, uma vez que permitam registar marcas constituídas puramente pelas palavras de “水楢”, “A” e “ミズナラ”, os concorrentes do mercado não poderão usar esse termo, por isso, no art.º 199.º n.º 1 alínea b) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, o legislador exclui expressamente do âmbito de protecção os sinais constituídos exclusivamente por indicações que sirvam para designar a espécie do produto ou as características de produção, isto é, não podem ser registados como marca.
Se o “carvalho” seja escrito em japonês ou inglês, a situação vai alterar-se?
Dispõe o art.º 207.º n.º 2 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial que, “Quando a marca contenha inscrições em caracteres pouco conhecidos, deve o requerente apresentar transliteração e tradução dessas inscrições.”
E mais, nos termos do disposto no art.º 212.º n.º 3 da mesma lei: “O exame da marca deve sempre atender, no tocante aos elementos nominativos que a compõem, à possível confundibilidade dos caracteres e sons portugueses, chineses, ingleses ou outros, separadamente ou entre si.”
Termos em que, ao apreciar pedido de registo de marca, se a marca tenha caracteres de língua estrangeira, o requerente deve apresentar a respectiva tradução, de forma a proporcionar à DSEDT julgar se é possível gerar confundibilidade dos caracteres e sons dessa língua estrangeira com as outras línguas (nomeadamente chinês, português e inglês), tratando-se dum exame material exigido pelo legislador.
Salvo o devido respeito, se permitam, como sustenta a recorrente, registar como marca as denominações em japonês ou inglês da espécie do produto, têm que reconhecer no futuro o registo das marcas do mesmo produto, constituídas por letras das outras línguas estrangeiras, isto é, o número das marcas registáveis está conforme à quantidade das línguas que possam expressar “carvalho”, obviamente, isso não é o critério do exame da marca exigido pelo legislador.
Pelo que, apoio que a regra de recusa de protecção aos sinais constituídos exclusivamente por indicações que sirvam para designar a espécie do produto ou as características de produção não tem excepção resultante das línguas usadas pela requerente, ou seja, as línguas usadas pela requerente não conduzem à aquisição do carácter distintivo suficiente dos sinais constituídos exclusivamente pela denominação comum.
Neste aspecto, Luís Conçalves, estudioso português, destacou que:
“Ao sinal genérico devem equiparar-se, igualmente, os nomes dos produtos ou serviços incorrectamente redigidos, ou simplesmente abreviados ou, ainda, compostos de simples aditamentos, irrelevantes ou inexpressivos, dos quais não resulta qualquer significado mais sugestivo ou qualquer capacidade individualizadora e ainda as denominações genéricas que o sejam face a uma língua estrangeira falada em algum país da Comunidade Europeia”.
Por outro lado, nas marcas que pretende registar, “水楢”, “A” e “ミズナラ” só têm o único sentido – carvalho, sem outro sentido ou sugestibilidade extraordinária, pelo que, o fundamento da recorrente, no sentido de as marcas que pediu registar constituírem marca sugestiva, é improcedente.
Deste modo, ao abrigo do art.º 199.º n.º 1 alínea b) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, as marcas que pretende registar são insusceptíveis de protecção por falta de carácter distintivo suficiente, em conjugação com o art.º 9.º n.º 1 alínea a) da mesma Lei, é de recusar a concessão dessas marcas, deste modo, é de julgar improcedente o recurso, manter a decisão da DSEDT e indeferir os pedidos de registo das marcas n.º N/15XXXX a N/15XXXX.».
Concordamos integralmente com a decisão recorrida no sentido de que as expressões literais usadas nas marcas em causa se limitam a identificar o produto – Whisky – e uma das características deste que é ser envelhecido em barris de uma espécie de carvalho Japonês que se chama A, sendo estas expressões usadas no comércio para identificar o produto, a sua origem e características.
Ou seja o Whisky de A ou A Whisky é o nome de um produto, a saber, o whisky envelhecido em cascos de A.
Nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 199º do RJPI já citado na decisão recorrida os sinais usados no comércio para designar a espécie e qualidade do produto não são susceptíveis de protecção.
Basta o simples acesso a um motor de busca da internet com a palavra A para sermos orientados para páginas de publicidade de whisky de origem Japonesa envelhecido em cascos de A, sendo certo que, para os consumidores habituais do produtos são designações que facilmente se atribuem às características do mesmo independentemente da língua que se fale.
O mesmo aconteceria se se quisesse usar como marca para o whisky a expressão “Whisky de Malte”, ou para uma marca de leite “Leite de Vaca”, ou para a cerveja “cerveja de lupus”.
O facto das palavras que constituem o nome da marca estarem arranjadas com uma caligrafia elaborada no que respeita ao chinês escritas em branco sobre um fundo preto ou em preto sobre um fundo branco, ou outra cor que fosse não é suficiente para atribuir à marca caracter distintivo uma vez que o nome escolhido mais não é do que um sinal usado no comércio para designar a espécie e qualidade do produto, não se podendo dar protecção ao mesmo – ainda que fosse sem exclusividade – apenas porque foi escrito numa caligrafia especial com um arranjo pictórico diferente do normal.
Diferente seria a situação, como já se referiu nos autos, se para além de A Whisky se acrescentasse um outro nome totalmente alheio ao produto, v.g. XWYX A Whisky, capacidade distintiva que as expressões Collection e Limited acrescentadas à frente de A Whisky não são capazes de garantir.
A propósito de marcas constituídas apenas por sinais genéricos veja-se Manual de Direito Industrial de Luís M. Couto Gonçalves, Almedina, pág. 171 a 173:
«A marca deve, por definição e no cumprimento da sua função própria, ter capacidade distintiva o que significa que deve ser apta, por si mesma, a individualizar uma espécie de produtos e serviços.
A capacidade distintiva da marca, sendo um pressuposto essencial da função da marca, concretiza-se e garante-se, mas não se esgota, nas proibições que a lei expressamente consagra.
O legislador nas als. b), c), d) e e) do n.º 1 do art. 223.º enumera as situações mais frequentes em que o sinal carece de capacidade distintiva.
a) Sinal Genérico do Produto ou Serviço
Sinal genérico é o sinal nominativo que, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou, ainda, o sinal, bi ou tridimensional, que representa, unicamente, a forma comum e ordinária do produto marcado.
Esta proibição vem referida implicitamente na al. a) do n.º 1 do art. 223.º. O sinal genérico corresponde à “antítese de uma marca”.
Ao sinal genérico devem equiparar-se, igualmente, os nomes dos produtos ou serviços incorrectamente redigidos, ou simplesmente abreviados ou, ainda, compostos de simples aditamentos, irrelevantes ou inexpressivos, dos quais não resulte qualquer significado mais sugestivo ou qualquer capacidade individualizadora e, ainda, as denominações genéricas que o sejam face a uma língua estrangeira falada em algum país da Comunidade Europeia.
Por outro lado, se um produto ou serviços tiver mais de uma designação própria a proibição alarga-se a ambas as designações.
Ao contrário dos sinais usuais, de que trataremos adiante, a qualificação jurídica de uma denominação genérica depende mais da definição linguística do que do uso por parte do público consumidor. Um sinal pode ser genérico sem ser usual. Uma denominação é genérica quando se refere ao nome próprio (ainda que não o mais usual) do produto ou serviço que assinale ou, ainda, quando designe o conceito (económico ou natural) do género a que esse produto ou serviço pertença de um modo considerado relevante no mercado.».
Em igual sentido estabelece a Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, concluída em 14.07.1967, no seu artigo 6º - quinquies B) 2º.
No caso em apreço a marca cujo registo se pretende significa apenas uma Colecção de Whisky de A.
Autorizar que se concedesse marcas nestes termos significava subverter todo o sistema legal que nos termos da legislação de Macau e da Convenção de Paris define quais os sinais dignos de protecção.
Assim sendo, concluímos como na decisão recorrida no sentido que as palavras em causa apesar do arranjo gráfico em que foram inseridas não têm capacidade distintiva.
Destarte, nada mais havendo a acrescentar para além do exposto e dos fundamentos constantes da decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a mesma.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas a cargo da Recorrente.
Registe e Notifique.
* * *
Submetido à discussão e votação, o projecto não obteve vencimento da maioria do Colectivo, passa o primeiro-adjunto a ser relator deste processo ao abrigo do disposto no artigo 631º/3 do CPC.
* * *
I - RELATÓRIO
A Whisky Collections Limited, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 07/03/2022, veio, em 25/04/2022, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 81 a 104, tendo formulado as seguintes conclusões:
3.1 Em 14/08/2019, a ora Recorrente solicitou o registo de marcas mistas compostas por palavras em língua inglesa, japonesa e chinesa, estilizadas sobre fundos brancos ou pretos às quais fora atribuídos os números N/15XXXX a N/15XXXX para produtos na classe 33;
3.2 Tais pedidos foram indeferidos pela DSEDT por se entender, em resumo, que as marcas registandas consistiam num registo de marca descritiva;
3.3 O Douto Tribunal manteve tal recusa nos mesmos termos invocados pela DSEDT mas alicerçou o seu entendimento nos artigos 207.º, n.º 2 e 212.º, n.º 3, todos do RJPI. Ora,
3.4 Com a devida vénia o entendimento sobre os requisitos instrutórios de uma marca (artigo 207.º, n.º 2) e a consideração sobre a confundibilidade de sons (artigo 212.º, n.º 3) não foi a mais correcta. Porquanto,
3.5 “O exame consiste na apreciação do alegado pelas partes e, principal e obrigatoriamente, no exame da marca requerida e sua comparação com a marca ou marcas registadas para o mesmo produto ou serviço, ou para produtos ou serviços idênticos ou afins, depois do que é elaborado relatório do processo e submetido a despacho, que pode ser de concessão ou de recusa.” Ou seja,
3.6 A tradução e a transliteração, que devem instruir um pedido de registo de marca que contenha inscrições em caracteres pouco conhecidos, servem para permitir à DSEDT que “no exame da marca requerida e sua comparação com a marca ou marcas registadas” verifique se os caracteres pouco conhecidos da marca, cujo registo se requereu, consistem em caracteres e sons confundíveis com os caracteres outros de marcas regista das. Apenas e tão-só.
3.7 E isto para efeitos de uma eventual recusa de marca ao abrigo do artigo 214.º, n.º 1, al. b), n.º 2, al. b) do RJPI (por se considerar preenchido o requisito de semelhança fonética com outra marca registada)
3.8 Neste caso em concreto, as marcas não foram recusadas e a decisão mantida porque representavam a tradução de uma marca notória nem porque, da sua transliteração resultava uma forte semelhança fonética com outra marca registada.
3.9 As marcas foram recusadas e a decisão mantida porque se considerou, erradamente, conforme demonstraremos infra, que a sua tradução e transliteração levava a classificar estas marcas como descritivas ao abrigo do 199.º, n.º 1, alínea b). Ora,
3.10 A tradução e transliteração exigíveis não podem servir-para a apreciação do carácter exclusivamente descritivo das marcas a registo.
3.11 Termos em que a Douta Sentença infringiu o disposto nos artigos 207.º, n.ºs 2 e 3 e 212.º, n.º 3 do RJPI e deve ser revogada. Mas mais,
3.12 Na avaliação do carácter distintivo de um sinal cabe ponderar as particularidades do caso concreto devendo a apreciação da marca deve ser efectuada relativamente aos produtos a que se destina e em relação à percepção que dela tem o público relevante;
3.13 Com a devida vénia, entende-se que a apreciação do douto Tribunal não foi efectuada de tal forma, pois não teve em conta nem os produtos a que se destina nem a percepção que dela tem o público relevante, violando assim o disposto nos artigos 197.º e 199.º, n.º 1, alínea b) do RJPI
3.14 Sinal descritivo é aquele que exclusivamente define, indica ou evoca o objecto em causa, na natureza, nas suas propriedades ou nas suas-qualidades;
3.15 Os sinais em crise não descrevem a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção dos produtos que se destinam assinalar;
3.16 Tão-pouco estes sinais descrevem a espécie do produto porque não fazem uma alusão, directa e exclusiva, ao tipo de produtos a que as marcas se destinam;
3.17 A esmagadora maioria da população de Macau não irá considerar o sinal em crise como descritivo pois, pura e simplesmente, não compreende inglês ou o japonês
3.18 O consumidor que seja confrontado com sinais não irá conceber os mesmos como uma descrição dos produtos assinalados pelas marcas;
3.19 Ainda que, por mera hipótese académica no que se não concede, as palavras em causa sejam descritivas para uma pessoa capaz de os ler, para a esmagadora maioria dos consumidores relevantes não passam de simples elementos figurativos e capazes de dar causa ao carácter distintivo das marcas;
3.20 O consumidor relevante de uísque em Macau não tem conhecimento de inglês ou japonês e, não sendo capaz de os ler nas marcas em crise, não irá atribuir qualquer significado às palavras em língua inglesa ou japonesa e configurará tais palavras apenas como um elemento figurativo dando causa ao carácter distintivo das marcas;
3.21 Embora o elemento figurativo (caracteres japoneses e os fundos preto e branco) das marcas recusadas seja suficiente para dar causa ao carácter distintivo das marcas, cumpre também realçar que as palavras em língua inglesa não são diretamente descritivas do produto coberto pelos pedidos recusados;
3.22 O consumidor é obrigado a uma actividade intelectual imaginativa para associar o sinal em crise aos produtos marcados, por estes não fornecerem elementos ou indicações directas sobre os produtos distinguidos pelo mesmo;
3.23 Tem de existir uma relação directa e específica entre o sinal e os produtos ou serviços em causa que permita ao público em causa imediatamente apreender, sem mais considerações, a descrição dos produtos e serviços em causa ou de uma das suas características;
3.24 A palavra A não é comumente utilizada em Macau e ainda que possa ser apreendida como uma referência a uma árvore, as marcas em causa não podem ser consideradas como diretamente descritivas do produto em causa;
3.25 São necessários vários passos mentais na associação de árvore japonesa, para barris, destes para processo de envelhecimento de uísque e deste processo para o produto marcado uísque;
3.26 O consumidor relevante não irá fazer todos estes saltos no seu raciocínio;
3.27 “Um sinal que não é directamente descritivo do objeto designado, não pode ser considerado como exclusivamente descritivo.”
3.28 Um sinal que descreva o produto/serviço duma maneira “détournée” não será directamente descritivo.
3.29 Uma denominação é descritiva de um produto, e não sugestiva, se os empresários do sector não necessitam de Bnlusar a sua imaginação para descrever os seus produtos aos consumidores;
3.30 Ainda que a marca em causa se limite a sugerir ou a evocar por forma inabitual o invulgar uma característica do produto ou serviço, estaremos perante marcas sugestivas/expressivas ou significativas as quais são perfeitamente válidas;
3.31 A DSEDT nunca considerou nem demonstrou que os consumidores daqueles produtos, colocados perante o sinal em causa, teriam ou não de usar a imaginação para os associar directamente aos produtos assinalados;
3.32 As marcas apresentam-se com uma composição final que lhes garante a singularidade e a criatividade necessárias ao registo;
3.33 As marcas recusadas não são compostas exclusivamente-por sinais descritivos por estes não descreverem a espécie, quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção da prestação dos produtos que se destinam assinalar, pelo que a douta sentença deve ser revogada por errada aplicação dos artigos 197.º, 199.º, n.º 1, alínea b), 207.º, n.ºs 2 e 3 e 212.º, n.º 3 e 214.º, n.º 3 do RJPI,
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
- São os constantes do projecto do acórdão vencido.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como esta parte do recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
- São os constantes do projecto do acórdão vencido.
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A marca tem uma função distintiva, a qual se afere em relação ao produto a que se destina e em relação às marcas já existentes.
Portanto, a marca deve, por definição e no cumprimento da sua função própria, ter capacidade distintiva o que significa que deve ser apta, por si mesmo, a individualizar uma espécie de produtos e serviços.
Como ensina o Ferrer Correia: “sendo a marca um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada para o bom desempenho da sua função de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcado de outros idênticos ou semelhantes1”.
É com base nessa função distintiva que o artigo 197.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI) fixa só podem ser objecto de protecção ao abrigo do RJPI, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Dotar de eficácia ou capacidade distintiva suficiente consiste num condicionalismo de liberação de composição de marca.
Daí que se as marcas forem constituídas exclusivamente com indicações sobre a espécie, natureza, qualidade ou utilidade dos produtos, ou sobre a sua proveniência, essas indicações devam ser verídicas na medida em que essas não são adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
São chamados os meros sinais genéricos e descritivos. Diz-se genérico quando o sinal, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou, ainda, o sinal, bi ou tridimensional, que representa unicamente, a forma comum e ordinária do produto marcado2. Enquanto descritivo aquele sinal que indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor, ou qualquer outra característica do produto ou serviço3.
Em regra, sinal genéricos e descritivos não são distintivos porque é comum a todos os objectos idênticos qualquer seja a sua origem4.
Portanto, o artigo 199.º/1/b) do RJPI estabelece que não são susceptíveis de protecção os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos, a não ser que aquelas sinais já tiverem adquirido carácter distintivo (artigo 214.º/3 do RJPI).
A razão desta proibição é para garantia do princípio de igualdade entre os concorrentes, não se permitindo que um comerciante transformar os elementos descritivos numa indicação específica e exclusiva de produtos de uma só empresa pois os mesmos devem ser livremente utilizável por cada um dos operadores económicos.
Porém, a lei só proíbe as marcas exclusivamente descritivas pelo que o artigo 199.º/1/b) do RJPI fala expressamente em“exclusivamente”. Isso porque uma marca pode ser distintiva se não for exclusivamente descritiva, ou seja, a combinação de elementos descritivos e não descritivos pode oferecer um conjunto distintivo.
Pois, cada palavra refere-se sempre a “algo”, a alguma “coisa”, se ela tem capacidade para distinguir entre essas “coisas”, temos olhar para o seu “todo”, e não apenas o dizer ou palavra em si, porque a caligrafia em si é e pode ter capacidade distintiva.
No caso, as marcas em causa são compostas por dizeres e elementos figurativos, são marcas mistas, compostas por palavras em língua inglesa, japonesa e chinesa, estilizadas sobre fundos brancos ou pretos às quais fora atribuídos os números N/15XXXX a N/15XXXX para produtos na classe 33, ou seja, uma combinação de elementos descritos e figurativos, tal como os desenhos demonstram, , , , , não é porque aparece a palavra A, que se refere a uma espécie de madeira para fabricar o whisky, que o “desenho” deixe de ter capacidade para distinguir os produtos em causa, sendo certo que, aqui sublinhe-se, a concessão do registo destas marcas não significa que o seu titular passaria a monopolizar tal palavra A, pode acontecer perfeitamente que um outro empresário virá a utilizar a mesma palavra, mas agora dentro de um círculo (em vez de um rectangular, por exemplo), acrescido de outros elementos descritos ou figurativo para compor uma nova marca.
Pelo que, verificada a capacidade distintiva das marcas em causa, é de conceder o seu registo, revogando-se assim a sentença recorrida e também a decisão da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico, autorizando-se o pedido do registo dos elementos em causa como marcas nos termos requeridos.
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Síntese conclusiva:
I - A lei só proíbe as marcas exclusivamente descritivas para compor uma marca, pelo que o artigo 199.º/1/b) do RJPI fala expressamente em “exclusivamente”. Uma marca pode ser distintiva se não for exclusivamente descritiva, ou seja, a combinação de elementos descritivos e não descritivos pode oferecer um conjunto distintivo.
II – Quando as marcas são compostas por dizeres e elementos figurativos, portanto, marcas mistas, compostas por palavras em língua inglesa, japonesa e chinesa, estilizadas sobre fundos brancos ou pretos às quais fora atribuídos os números N/15XXXX a N/15XXXX para produtos na classe 33, ou seja, uma combinação de elementos descritos e figurativos, dotam-se da capacidade distintiva.
III – Acresce ainda que as marcas em causa, apesar de conterem a palavra A, que se refere a um tipo de madeira para fabricar whisky, são compostas ainda por elementos linguísticos (chinês, japonês e inglês), para além da caligrafia que se aplica à palavra A, é de entender que os elementos descritivos e figurativos, olhados no seu conjunto, têm capacidade distintiva e como tal deve ser deferido o pedido do registo desses elementos como marcas nos termos requeridos.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando-se assim a sentença recorrida e também a decisão da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico, concedendo-se o registo dos elementos descritivos e figurativos em causa como marcas a que foram atribuídos os números N/15XXXX a N/15XXXX para produtos na classe 33 nos termos requeridos.
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Custas pela Recorrida, sem prejuízo da isenção subjectiva.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 10 de Novembro de 2022.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Vencido nos termos do projecto do Acórdão por mim apresentado à conferência.
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
1 Vide Lições de Direito Comercial, Vol. I, pág. 323.
2 Vide Luís M. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, pág. 171
3 Vide Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
4 Vide Luís M. Couto Gonçalves, Direito de Marcas, pág. 74.
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