Processo n.º 426/2022
(Autos de recurso jurisdicional)
Data: 24/Novembro/2022
Recorrentes:
- A e B
Recorrido:
- Presidente do Instituto de Habitação
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformados com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo que julgou improcedente o recurso contencioso intentado contra o Presidente do Instituto de Habitação, recorrerem A e B para este TSI, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“1. Por despacho proferido pelo Exmo. Sr. Presidente do Instituto de Habitação em 1 de Junho de 2021 exarado no relatório n.º 0976/DAJ/2021 foi tomada a decisão de resolução do contrato-promessa de compra e venda da habitação económica (fls. 19 a 22v).
2. Outro, no entanto, podia e devia ter sido o sentido da decisão recorrida.
3. Porque o acto administrativo em causa na sentença recorrida, ou seja, o despacho do Exmo. Sr. Presidente do Instituto de Habitação, de 31.05.2021, é inválido por preterição de audiência prévia dos C e D, dado não se ter verificado nenhuma das situações a que aludem os artigos 96º e 97º do CPA e sem que a preterição da formalidade essencial imposta no art.º 93º, n.º 1 e 94º, n.º 2 do CPA se pudesse ter degradado em irregularidade irrelevante.
4. A decisão ora recorrida constituiu para os Recorrentes e para os interessados C e D uma decisão lesiva dos seus interesses, devendo ser anulada (art.º 122º, n.º al, d) do CPA) por violação do disposto nos artigos 59º, 86º, n.º 1, 88º, n.º 1, 10º, 93º, n.º 1, 94º (ou 95º), 96º (à contrário) e 97º, todos do CPA.
5. De sorte que o acto recorrido mostra-se inválido, tanto por preterição da audiência prévia de interessados, como por total ausência de fundamentação no que respeita à dispensa do cumprimento do disposto no art.º 93º, n.º 1 do CPA.
6. Ainda que assim não se entenda, sempre o acto recorrido seria ineficaz porque não foi notificado aos interessados C e D, designadamente à C, pelo que o mesmo é ineficaz em relação a ela face ao disposto no artigo 121º, n.º 1, a contrario, do CPA e nos artigos 430º, n.º 1 e 216º, n.º 1, 1ª parte, ambos do Código Civil, aplicáveis ao caso “sub judice” por força do art.º 61º da Lei da Habitação Económica.
7. Por outro lado, também se formou “caso decidido” ou “caso resolvido” vinculativo para a entidade recorrida sobre todos os pressupostos (de facto e de direito) dos seguintes actos administrativos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, na acepção do disposto no art.º 110º do CPA: (1) “acto de selecção dos adquirentes”, (2) “acto de apreciação dos requisitos do candidato e dos elementos do respectivo agregado familiar”, (3) “acto de atribuição da habitação” e (4) despacho SATOP, de 28.08.2012, exarado no relatório n.º 0112/DEIA/2012, que autorizou a celebração do contrato-promessa de fls. 23 a 25 com o A e a B.
8. Por outro lado, o não cumprimento dos requisitos previstos no art.º 14º, n.º 8 da Lei da Habitação Económica é um dos fundamentos de exclusão do concurso dos adquirentes selecionados até ao acto de celebração do contrato-promessa, conforme resulta do art.º 28º, n.º 1, (1), desse diploma.
9. Mas servirá de fundamento válido de resolução após a celebração desse contrato, a menos que os actos administrativos anteriores que apreciaram e/ou pressupuseram a regularidade da habilitação dos candidatos, dos adquirentes selecionados e dos promitentes/compradores sejam revogados, anulados ou declarados nulos.
10. Por conseguinte, não era possível à entidade recorrida ter validamente resolvido o contrato.
11. Por conseguinte, o acto administrativo objecto da sentença recorrida não podia ter sido praticado ao abrigo do disposto no art.º 34º, n.º 4 da Lei n.º 10/2011 da Lei da Habitação Económica, dado a resolução em 31.05.2021 do contrato-promessa celebrado em 03.01.2013, não poder ter como fundamento um facto já sanado por força do caso resolvido ou decidido dos actos que apreciaram e/ou pressupuseram a regularidade da habilitação da candidatos, dos adquirentes selecionados e dos promitentes/compradores, ora Recorrentes.
12. Caso assim não se entendesse, a entidade recorrida excedido os limites impostos pela boa fé no caso “sub judice”, incorrendo no exercício ilegítimo de um direito (artigo 326º do Código Civil).
13. O que … equivale à falta do direito, gerando as mesmas consequências jurídicas que se produziram quando uma pessoa pratica um acto que não tem o direito de realizar – vidé, por todos, Inocêncio Galvão Telles, in “Obrigações”, 3ª ed., p. 58.
14. Isto por nada justificar a resolução em 31.05.2021 do contrato-promessa de fls. 23 a 25 com base numa situação de não-cumprimento coberta por caso decidido ou resolvido.
15. Por último, sempre o acto administrativo em causa seria anulável por frustração do investimento da confiança tutelado no art.º 8º, n.º 2 do CPA.
16. Assim não entendeu o Tribunal a quo pelo que sempre deverá o recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida e anulando-se a decisão de resolução do contrato promessa de fls. 23 a 25 tomada no Despacho do Presidente do Instituto de Habitação, de 31.05.2021 exarado no relatório n.º 0976/DAJ/2021 (fls. 19 a 22v) por violação do disposto no art.º 8º, n.º 2 do CPA, com as legais consequências.
17. A sentença recorrida incorreu ainda em erro de julgamento por o Despacho do Presidente do Instituto de Habitação, de 31.05.2021, exarado no relatório n.º 0976/DAJ/2021, se tratar de um acto ineficaz e anulável.
18. Isto por ter sido proferido em violação do disposto no art.º 121º, n.º 1, a contrario, do CPA e dos art.ºs 430º, n.º 1 e 216º, n.º 1, 1ª parte, ambos do Código Civil, aplicáveis ao caso “sub judice” por força do art.º 61º da Lei da Habitação Económica, do disposto nos art.ºs 93º, n.º 1 e 94º, n.º 2 do CPA, do disposto no art.º 110º do CPA por violar o “caso decidido” ou “caso resolvido” formado sobre os actos administrativos constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos anteriormente praticados no concurso, do disposto nos art.ºs 28º, n.º 1 e 34º, n.º 4 da Lei da Habitação Económica, do art.º 426º, n.º 1 do Código Civil, e do art.º 326º do Código Civil ex vi do art.º 8º, 2, a) do CPA.
19. E se tratar de um acto contrário aos princípios da legalidade (art.º 3/1 do CPA), da prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses dos residentes (art.º 4 do CPA) e da boa fé (art.º 8/1 do CPA).
Nestes termos e nos mais de Direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências.
Vossas Ex.as decidirão, porém, como for de lei e JUSTIÇA!”
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Contra-alegou o Presidente do Instituto de Habitação, tendo apresentado na resposta as seguintes conclusões alegatórias:
“1. 題述司法上訴之司法上訴人A及B(以下簡稱為“兩名上訴人”)認為原審法院於2022年2月17日作出之判決書(以下簡稱為“被上訴判決”)沾有審判錯誤之瑕疵。
2. 除了應有之尊重外,被上訴人並不同意有關主張。
3. 兩名上訴人認為被上訴判決存在審判錯誤,因被訴行政行為沾有以下瑕疵而屬可撤銷及不產生效力。
(i) 關於被訴行政行為違反“確定性行為”
4. 兩名上訴人主張不符合《經濟房屋法》第14條第8款所規定的要件僅為該法律第28條1款(一)項所規定的取消獲甄選的取得人資格之理由,並不構成解除該預約合同的依據,故被訴行政行為違反了運輸工務司司長先前已作出之批准簽訂涉案買賣預約合同之決定,且《經濟房屋法》第34條第4款規定的解除買賣預約合同之適用前提仍未獲滿足。
5. 兩名上訴人根據第13/93/M號法令、經第25/2002號行政法規和第5/2004號行政法規修改的第26/95/M號法令於1999年7月3日提交《房屋發展合同競投報名表》,且兩名上訴人於2013年1月3日與被上訴人簽訂了該預約合同。
6. 因此,根據第13/2020號法律第3條第1款及第4款之過渡性規定,本案適用經第13/2020號法律修改的第10/2011號法律的第14條第8款之規定,該款所定的期間應為由提交申請之日前五年內至選擇單位之日。
7. 即使《經濟房屋法》先後經過兩次修改,但立法者皆要求被上訴人於簽訂單位之買賣公證書前,須核實預約買受人及其家團成員是否符合該法律第14條第8款所規定的要件後才可發出許可書。
8. 倘於簽訂買賣預約合同後證實預約買受人及其家團成員不符合上述要件,被上訴人則需解除相關的預約合同。
9. 因此,該等要件是否已獲得滿足並非僅限於《經濟房屋法》第26條的實質審查階段,或僅為《經濟房屋法》第28條第1款(一)項規定之取消獲甄選的取得人資格之理由。
10. 誠如原審法院的精闢見解 “Não só, para além do momento da emissão do termo de autorização, a Lei de Habitação Económica, ao contrário do que pretendiam os Recorrentes, impõe nas diferentes fases procedimentais a verificação ou a re-verificação dos requisitos subjectivos consagrados no artigo 14º, n.º 8 para efeito da atribuição da habitação, com as consequências cominadas para a respectiva falta (…) O mesmo sucede em relação à 14ª cláusula resolutiva do contrato-promessa celebrado (em chinês, “在簽訂本合同後至發出許可書期間,倘乙方或其家團成員不符合下列要件,甲方將解除合同,但屬於上述人士死亡而獲移轉合同地位者不符合要件的情況除外”). Tal cláusula não deve deixar de ser lida em articulação com o disposto na norma do artigo 34º, n.º 4 da Lei de Habitação Económica na versão anterior às novas alterações introduzidas. Assim, o advérbio temporal aqui utilizado – “no período entre a celebração do contrato promessa e a emissão do termo de autorização” – não é limitativo do momento em que a falta do pressuposto subjectivo se detecta, mas sim do da intervenção administrativa exigida, caso a autoridade competente verifique nesse período que os candidatos não podiam ter celebrado o contrato-promessa como celebrou. (…) Além do mais, tendo em conta que a resolução do contrato-promessa celebrado, acompanhada da destruição dos efeitos produzidos na esfera jurídica do interessado através do acto favorável de atribuição da habitação económica (ou melhor, de uma revogação implícita deste acto anterior) decorra de uma norma que o impõe, não é curial dizer que o acto recorrido violou a norma do artigo 129º, n.º 1, alínea a) do CPA (veja-se à semelhança desta conclusão, quanto a legalidade da revogação sancionatória, o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 576/2018, de 20/2/2020)”.
11. 根據澳門特別行政區立法會對第10/2011號法律《經濟房屋法》的立法理由陳述就有關經濟房屋申請人不得擁有物業的限制的解釋,主要為協助有“實際需要”的居民解決住問題,避免經濟房屋申請人及家團成員取得私人樓宇後仍申請經濟房屋,令經濟房屋資源出現不合理分配。
12. 家團成員C透過購買取得位於澳門XX街XX號XX灣XX樓XX座的居住用途獨立單位,兩名上訴人及家團成員的住屋需求理應已獲得滿足。
13. 家團成員C在預約取得並在及後擁有上述居住用途的獨立單位,但亦符合上述第14條第8款所指之“所有人”的定義。
14. 為此,上訴人曾為物業之所有人此一事實亦構成上述第14條第8款的經屋申請資格的障礙。
15. 綜上所述,被訴判決完全依循《經濟房屋法》第14條第8款的規定作出,符合相關立法原意及精神,並無沾有兩名上訴人所指的瑕疵。
(ii) 關於違反善意原則及權利濫用
16. 《經濟房屋法》第34條第4款所賦被上訴人解除買賣預約合同的權限屬羈束性權限,被上訴人於發出許可書前對預約買受人及其家團成員作出申請要件之審查並不享有自由裁量權,屬限定性行政活動。
17. 被上訴人遵照法律作出了相應的羈束性行政決定,並不適用善意原則,故上訴人提出被上訴判決違反善意原則及存在權利濫用之主張應不能成立。
18. 基於兩名上訴人及其家團成員不符合《經濟房屋法》第14條第8款的要件,被上訴人根據同一法律第34條第4款解除與上訴人簽訂的經濟房屋預約買賣合同,亦未見被上訴人作出任何無效的行政行為,因此其行為不沾有違反善意原則及存在權利濫用的瑕疵。
(iii) 關於欠缺對利害關係人的聽證及通知
19. 上訴人A作為申請人及群體代表(即家團代表),而D及C僅為該申請所惠及之家團成員。
20. 被上訴人在作出被訴行政行為之前,已根據《行政程序法典》第93條之規定,對兩名上訴人進行了書面聽證。
21. 由於兩名上訴人已被通知彼等所簽訂的經濟房屋預約買賣合同將被解除,而兩名上訴人已參與有關的書面聽證程序,對利害關係人聽證的邀請確實已經作出,並且就解除合同之決定亦已通知兩名上訴人。
22. 正如原審法院的精闢見解 “Se nós considerarmos como interessado os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos lesados pela actuação administrativa, que “tem legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para intervir nele” (veja-se o artigo 55º, n.º 1 do CPA e além disso, o artigo 33º, alínea a) do CPAC que tenha apontado para o mesmo sentido), é fora de qualquer dúvida que a ora Recorrente não é titular daquele direito alegada lesado em concreto – o direito à audiência pela actuação administrativa impugnada. Dito de forma sucinta, carece da legitimidade a Recorrente para impugnar o acto com base na lesão do direito de que a mesma não é titular. (…).”
23. 倘被訴行政行為存在缺聽證的瑕疵(單純假設),根據行政行為利用原則,即“如屬被限定行為的情況,那麼對利害關係人的聽證並非不是必須進行的,但它卻降格為非根本性手續,所以它的遺漏並不會導致行政行為被撤銷。”
24. 基於此,誠如本陳述書第(i)項所述,鑑於被訴行政行為屬被限定行為,按照學說及司法見解,在此情況下,對利害關係人的聽證並非必要進行,其遺漏亦不會導致被訴行政行為應予以撤銷。
綜上所述,懇請尊敬的法官 閣下接納本陳述之理由,裁定上訴人提出的上訴依據不成立,並駁回上訴。”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1999年7月6日,司法上訴人A以家團代表身份向房屋局遞交房屋發展合同競投報名表,家團成員包括司法上訴人A、其配偶司法上訴人B及其兒子D (見行政卷宗第10頁至第11頁及背頁)。
2008年10月30日,司法上訴人A向房屋局提交一般項目申請表,申請增加其女兒C為家團成員,及後,申請獲房屋局副局長批准(見行政卷宗第12頁至第18頁)。
2011年11月15日,司法上訴人家團成員C購買取得位於澳門XX街XX號XX灣XX樓XX座的居住用途獨立單位,並於2014年11月17日作出確定性登記 (見行政卷宗第42頁至第44頁及背頁) 。
2013年1月3日,房屋局與司法上訴人A及司法上訴人B簽訂了位於澳門XX馬路XX大廈第XX座XX樓XX座單位的買賣預約合同 (見行政卷宗第25頁至第27頁) 。
2021年2月3日,房屋局法律事務處處長作出批示,指出司法上訴人家團成員C於2011年11月15日購買取得位於澳門XX街XX號XX灣XX樓XX座的居住用途獨立單位,不符合申請購買經濟房屋單位的要件,房屋局應解除買賣預約合同,故決定開展書面聽證程序,並於2021年2月19日透過公函通知司法上訴人提交書面解釋(見行政卷宗第45頁至第49頁) 。
2021年2月22日,司法上訴人A向房屋局提交書面解釋 (見行政卷宗第50頁) 。
2021年5月31日,被上訴實體在編號0976/DAJ/2021建議書內作出同意批示,指出司法上訴人家團成員C在提交申請之日至在選擇單位之日,為澳門特別行政區居住用途獨立單位的所有人,且有關單位之取得並非源於繼承,不符合申請取得單位的要件,故根據經第11/2015號法律修改的第10/2011號法律《經濟房屋法》第60條第1款、第60條第5款1)項及第28條第1款1)項,以及經第13/2020號法律第3條第1至3款適用的經第13/2020號法律修改的第10/2011號法律《經濟房屋法》第14條第8款1)項、第34條第4款的規定,決定解除房屋局與司法上訴人A及司法上訴人B簽訂的買賣預約合同及取消其家團獲甄選的取得人資格(見行政卷宗第52頁至第55頁及背頁,有關內容在此視為完全轉錄) 。
2021年6月5日,房屋局通過編號2106010008/DAJ公函將上述決定通知司法上訴人A及司法上訴人B (見行政卷宗第56頁至第59頁及背頁) 。
2021年7月5日,司法上訴人A及司法上訴人B針對上述決定向本院提起本司法上訴。
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O tribunal recorrido proferiu a decisão com base nos seguintes argumentos:
“Cumpre apreciar, face ao enquadramento de facto acima exposto, as questões colocadas pelos ora Recorrentes.
O que se discute aqui é o acto de resolução do contrato-promessa praticado ao abrigo do artigo 34.º, n.º 4 da Lei n.º 10/2011, alterada pela Lei n.º 13/2020, com base em não verificação do requisito negativo previsto no artigo 14.º, n.º 8 da mesma Lei, nos termos do qual “O candidato e os elementos do seu agregado familiar não podem ser ou ter sido, nos 10 anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração do contrato-promessa de compra e venda: 1) Promitentes-compradores, co-promitentes-compradores, proprietários ou comproprietários de prédio urbano ou de fracção autónoma com finalidade habitacional, ou de terreno na RAEM, independentemente da quota-parte que possuam, salvo quando a aquisição do imóvel se deu por motivo de sucessão; 2) Concessionários de terreno do domínio privado da RAEM.”.
Começaram os Recorrentes por imputarem ao acto recorrido por ter violado a norma do artigo 34.º, n.º 4 da Lei de Habitação Económica, assim como a cláusula 14.ª do contrato-promessa celebrado, entendendo que a resolução do contrato não se opera com base nos factos anteriores à contratação (conforme se alega nos artigos 5.º a 21.º da petição inicial).
A conclusão que se retira, diante das normas dispersas na Lei de Habitação Económica, é a de que a vontade legislativa evidenciada foi precisamente contrária.
Já que a norma do artigo 34.º habilitou de modo inequívoco a Recorrida a actuar, no sentido de que no momento anterior à emissão do termo da autorização, confirma se “o promitente-comprador e os elementos do seu agregado familiar reuniam, até à data de celebração do contrato-promessa de compra e venda, os requisitos previstos no n.º 8 do artigo 14.º” – conforme o n.º 2 do preceito legal e que constatando a falta do preenchimento dos requisitos aí previstos por parte do promitente-comprador, “procede à resolução do contrato-promessa” – nos termos previstos no n.º 4 do artigo. Por sua vez, dispõe expressamente o artigo 14.º, n.º 8 que “O candidato e os elementos do seu agregado familiar não podem ser ou ter sido, nos 10 anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração do contrato-promessa de compra e venda:…”. Enquanto conforme a versão anterior à nova alteração constante da norma do artigo 34.º, n.º 2 que não se diferencia substancialmente da versão actual, a intervenção confirmativa da verificação dos requisitos reporta-se a um período mais alargado até à emissão do termo de autorização.
Não só, para além do momento da emissão do termo de autorização, a Lei de Habitação Económica, ao contrário do que pretendiam os Recorrentes, impõe nas diferentes fases procedimentais a verificação ou a re-verificação dos requisitos subjectivos consagrados no artigo 14.º, n.º 8.º para efeito da atribuição da habitação, com as consequências cominadas para a respectiva falta, como por exemplo: a exclusão da candidatura na fase da apreciação dos documentos apresentados pelos candidatos – conforme os artigos 21.º e 23.º, alínea 2) da referida Lei, a exclusão dos adquirentes após terem sido estes seleccionados – conforme os artigos 26.º, n.º 2 e 28.º, n.º 1, alínea 1) da referida Lei. Aliás, a mesma coisa afirma-se perante as normas com redacção anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 13/2020 não é muito diferente.
Quanto a isto, consideram os Recorrentes, em específico, que o artigo 26.º, n.º 1 pressupõe a apreciação dos respectivos requisitos para verificar se os mesmos os continuam a reunir. Mas lendo as normas desse artigo em conjunto, fácil é concluir que a apreciação aqui exigida sempre se projecta no passado, para verificar, reiteradamente, se os mesmos pressupostos se encontram verificados, uma vez que servia de base todos os documentos referidos no 3.º da norma, os que deveriam estar incluídos no procedimento de candidatura, e portanto já deviam ter sido apreciados (e.g. exige-se o comprovativo relativo às declarações prestadas no processo de candidatura –na alínea 3)). Ou seja, é nada mais do que uma reapreciação ou a confirmação dos requisitos que já foram apreciados.
O mesmo sucede em relação à 14.ª cláusula resolutiva do contrato-promessa celebrado (em chinês,“在簽訂本合同後至發出許可書期間,倘乙方或其家團成員不符合下列要件,甲方將解除合同,但屬於上述人士死亡而獲移轉合同地位者不符合要件的情況除外”). Tal cláusula não deve deixar de ser lida em articulação com o disposto na norma do artigo 34.º, n.º 4 da Lei de Habitação Económica na versão anterior às novas alterações introduzidas. Assim, o advérbio temporal aqui utilizado –“no período entre a celebração do contrato promessa e a emissão do termo de autorização” – não é limitativo do momento em que a falta do pressuposto subjectivo se detecta, mas sim do da intervenção administrativa exigida, caso a autoridade competente verifique nesse período que os candidatos não podiam ter celebrado o contrato-promessa como celebrou.
O outro argumento dos Recorrentes é igualmente irrelevante, entenderam os Recorrentes que apenas haverá o direito à resolução se a falha no cumprimento das exigências legais se verifica tanto em relação ao promitente-comprador, como relativamente aos elementos do agregado familiar, visto que “o legislador optou pela conjunção coordenativa copulativa “e”, em vez da conjunção coordenativa disjuntiva “ou”, ” (conforme se alega no artigo 18.º da petição inicial). Se em conformidade com a referida norma legal do artigo 14.º, n.º 8, a verificação do requisito negativo se exige relativamente a todos elementos do agregado familiar, é congruente dizer que a consequência resolutiva se produz sempre que um daqueles faltou preencher os ditos requisitos. A interpretação diversa seria favorecer, injustificadamente, o candidato enquanto agregado familiar com um maior número de elementos.
Nestes termos, deve cair por base o argumento de que a resolução do contrato apenas se opera com base num facto posterior à celebração do contrato-promessa.
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Em relação ao vício da violação dos “casos decididos”, em entender dos Recorrentes, com o acto da prévia autorização do Secretário para os Transporte e Obras Públicas da celebração da promessa de venda da fracção autónoma exarado no relatório n.º 0112/DEIA/2012, já se formou o caso decidido, sobre o “acto de selecção dos adquirentes” ou “acto de apreciação dos requisitos do candidato e dos elementos do respectivo agregado familiar”, não sendo revogável, nem face ao disposto no artigo 129.º, n.º 1, alínea a) do CPA, tratando-se do acto constitutivo de direito ou de interesse legalmente protegido (conforme se alega nos artigos 22.º a 27.º da petição inicial).
Já referimos atrás que a reapreciação dos requisitos subjectivos dos candidatos para a habitação económica nas diversas fases diferentes do procedimento, com a consequente aplicação dos efeitos ablatórios por causa da respectiva falta é o que se impõe o legislador da Lei de Habitação Económica. Ao contrário do que parecem entender os ora Recorrentes, cremos que não se encontre colocado pelo legislador tal interesse da segurança jurídica na tutela dos direitos adquiridos pelo promitente-comprador particular no mesmo plano dos outros interesses inerentes à atribuição da habitação económica que são sempre prevalecentes.
Assim sendo, não parece ser útil tentar discernir aqui como pretenderam os Recorrentes, a existência de um acto favorável anteriormente consolidado, após o qual seria jamais possível voltar a discutir as faltas cometidas pelo interessado que deviam ter sido apreciadas no momento anterior e não foram. Além do mais, tendo em conta que a resolução do contrato-promessa celebrado, acompanhada da destruição dos efeitos produzidos na esfera jurídica do interessado através do acto favorável de atribuição da habitação económica (ou melhor, de uma revogação implícita deste acto anterior) decorra de uma norma que o impõe, não é curial dizer que o acto recorrido violou a norma do artigo 129.º, n.º 1, alínea a) do CPA (veja-se, à semelhança desta conclusão, quanto a legalidade da revogação sancionatória, o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 576/2018, de 20/2/2020).
O que poderá ter algum interesse é saber, conforme elucidou o parecer do Ministério Público, se a Lei n.º 10/2011 com as novas alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2020 tem ou não aplicação no caso dos autos, considerando que o procedimento da selecção do adquirente da habitação económica e a subsequente contratação tinham sido concluído logo em 28/12/2012, porquanto a aplicação das leis sucessivas dá lugar às soluções variadas (A formulação anteriormente utilizada na lei velha quanto ao requisito previsto no artigo 14.º, n.º 3 (correspondia ao artigo 14.º, n.º 4 da Lei n.º 10/2011, alterada por Lei n.º 11/2015, ou ao artigo 14.º, n.º 8 da Lei nova) dava margem a interpretações diversas, designadamente, relativamente ao conceito do “proprietário” – a este propósito, veja-se os Acórdãos do Tribunal da Segunda Instância, n.º 774/2016, de 20/6/2019, n.º 675/2018, de 20/6/2019 e n.º 944/2018, de 16/12/2019. No entanto, tal problemático encontra-se ultrapassado com a nova formulação adoptada pelo legislador na medida em que tenha acrescentado em seguida da redacção anterior da norma uma expressão adverbial “independentemente da quota-parte que possuam, salvo quando a aquisição do imóvel se deu por motivo de sucessão”).
Parece-nos incontroverso que a norma transitória prevista no artigo 3.º da Lei n.º 13/2020 apontou no sentido da aplicação retroactiva da norma ínsita na lei nova, nos seguintes termos:
“1. As alterações introduzidas à Lei n.º 10/2011 pela presente lei, não são aplicáveis aos promitentes-compradores e proprietários que anteriormente se tenham candidatado à compra de habitação económica, aplicando-se o disposto na Lei n.º 10/2011, antes da presente alteração, sem prejuízo do disposto nos n.os 3 e 4.
2. As alterações introduzidas à Lei n.º 10/2011 pela presente lei, não são aplicáveis aos concursos de habitação económica abertos anteriormente, aplicando-se às respectivas candidaturas e aos posteriores tratamentos, designadamente à selecção de adquirentes, venda das fracções, ónus de inalienabilidade e venda de fracções, isenções fiscais e outros benefícios, bem como regime sancionatório, o disposto na Lei n.º 10/2011, antes da presente alteração, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
3. O n.º 8 do artigo 14.º e n.º 4 do artigo 34.º da Lei n.º 10/2011, alterado pela presente lei, é aplicável aos promitentes-compradores que tenham celebrado contrato-promessa de compra e venda ao abrigo do «Regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação», devendo calcular-se o prazo estabelecido no n.º 8 do artigo 14.º a partir da data de apresentação da candidatura até à data de escolha da fracção.
4. O n.º 8 do artigo 14.º da Lei n.º 10/2011, alterado pela presente lei, é também aplicável ao candidato, aos elementos do seu agregado familiar e aos promitentes-compradores que, antes da entrada em vigor da presente lei, já se tenham candidatado à compra de habitação económica, devendo calcular-se o prazo estabelecido naquele número nos cinco anos anteriores à data de apresentação da candidatura e até à data de escolha da fracção.”
Tratando-se do caso em que os Recorrentes tenham apresentado sua candidatura ao abrigo “Regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação” aprovado pelo DL n.º 26/95/M, de 26 de Junho, posteriormente se tornando promitente-comprador mediante a celebração do contrato-promessa em 3/1/2013 ao abrigo da Lei n.º 10/2011 vigente na altura, deve-se aplicar o disposto no n.º 4 da citada norma transitória. Aí a intenção inequívoca do legislador de mandar aplicar retroactivamente a norma na redacção dada no artigo 14.º, n.º 8, obrigando a não verificação dos factos impeditivos aí descritos durante o período compreendido “entre os cincos anos anteriores à data de apresentação da candidatura e até à data de escolha da fracção.” (Importa que diferentemente do que se entende no acto recorrido com a aplicação conjunta das ambas normas transitórias – artigo 60.º, n.ºs 1 e 5, constante da Lei n.º 10/2011 antes de ser alterada pela Lei n.º 11/2015, e o artigo 3.º, n.º 1 a 3 da Lei n.º 13/2020, consideramos que não resta senão aplicar esta última norma transitória, em especial, o n.º 4 (e não o n.º 3) do artigo 3.º da Lei n.º 13/2020, tratando-se de saber se as novas alterações introduzidas têm ou não aplicação retroactiva, o que não se encontra entretanto regulado pela primeira norma transitória. Contudo, o erro cometido na indicação da norma jurídica aplicável ao caso não produz efeitos invalidantes do acto recorrido, porquanto é a parte comum de uma previsão normativa e de outra que se aplica concretamente ao caso dos autos).
É incontroverso que o elemento do agregado familiar dos Recorrentes C adquiriu uma fracção autónoma com finalidade habitacional em 15/11/2011, é proprietário desta entre a apresentação da candidatura para aquisição da habitação económica em 6/7/1999 e a escolha da fracção em 17/9/2012, não preenchendo o requisito negativo previsto no artigo 14.º, n.º 8 da Lei, pelo facto de terem sido “...proprietários ou comproprietários de prédio urbano ou de fracção autónoma com finalidade habitacional”, e “independentemente da quota-parte que possuam”. O que é apto de determinar aos Recorrentes a aplicação da consequência da resolução do contrato-promessa prevista no disposto do artigo 34.º, n.º 4 da Lei anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 13/2020.
Assim sendo, não se procede o recurso nesta parte. Como também, pelo que fica dito atrás, a actuação administrativa em causa não contraria o propósito da política de habitação económica, conforme o vício assinalado nos artigos 35.º a 38.º da petição inicial, o que aliás nem gera a consequência invalidante do acto com base em ilegalidade.
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Ainda segundo os Recorrentes, a Recorrida carece da competência para prática do acto recorrido – a resolução do contrato-promessa celebrado com os Recorrentes, que não se encontra abrangida no âmbito da competência delegada pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas através do despacho n.º 75/2009 (conforme se alega nos artigos 28.º a 34.º da petição inicial).
Com o devido respeito, o equívoco dos Recorrentes é manifesto.
Como atrás referido, e é fácil concluir perante a fundamentação do acto recorrido, o mesmo foi praticado não no exercício de uma competência delegada, mas sim da competência legalmente atribuída ao respectivo autor, isto é, o artigo 34.º, n.º 4 da Lei de Habitação Económica não alterada pela Lei n.º 13/2020, onde se prevê “O IH procede à resolução do contrato-promessa caso verifique….” Sendo certo que “O IH é dirigido por um presidente, coadjuvado por dois vice-presidentes”, nos termos previstos pelo artigo 4.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 17/2013 (Organização e funcionamento do Instituto de Habitação), considera-se o Presidente do Instituto Habitação, Recorrida deste recurso contencioso, legalmente habilitado para actuar como actuou no caso dos autos.
Assim, inexiste o vício da incompetência, com a improcedência deste fundamento de recurso pela manifesta impertinência.
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Mais invocaram os Recorrentes o vício da preterição da formalidade essencial decorrente da omissão da audiência dos interessados D e C, que não tiveram oportunidade de se pronunciar sobre o projecto da decisão antes da tomada da decisão final (conforme se alega nos artigos 39.º a 63.º da petição inicial).
Também, parece-nos sem razão os Recorrentes nesta parte. Logo, se se entende que estamos perante os actos colectivos “aqueles que têm por destinatário, um conjunto unificado de pessoas o acto praticado, um determinado grupo orgânico de pessoas – um exemplo, quando o Governo toma a decisão de dissolver um órgão colegial sujeito ao seu poder de superintendência ou tutela, está a praticar um acto colectivo…” (cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, volume II, p. 211), e se exige a audiência prévia relativamente a todos os interessados afectados pela decisão tomada, é facto incontornável que aqueles cujo direito à audiência foi indevidamente preterido por esta decisão não foram partes activas deste recurso contencioso.
Se nós considerarmos como interessado os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos lesados pela actuação administrativa, que “tem legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para intervir nele” (veja-se o artigo 55.º, n.º 1 do CPA e além disso, o artigo 33.º, alínea a) do CPAC que tenha apontado para o mesmo sentido), é fora de qualquer dúvida que os ora Recorrentes não são titulares daquele direito alegadamente lesado em concreto – o direito à audiência – pela actuação administrativa impugnada. Dito de forma sucinta, carece da legitimidade os Recorrentes para impugnarem o acto com base na lesão do direito de que os mesmos não são titulares.
Pelo que inexiste o vício da omissão ou deficiência na realização da audiência prévia nos termos invocados pelos Recorrentes.
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Por fim, em relação à violação do princípio de boa-fé previsto no artigo 8.º do CPA, entenderam os Recorrentes que a Recorrida com a sua actuação tenha frustrado as suas confianças consolidadas após quase oito anos desde a data da celebração do contrato promessa (conforme se alega nos artigos 64.º a 75.º da petição inicial – não ignoramos que foi ainda invocado o abuso de direito pela Entidade recorrida, mas sem uma devida densificação, pelo que é desatendido este último fundamento do recurso).
Confessamos que não podemos ficar insensível a tal argumentação, que, entretanto, pelo que fica dito atrás, deixaria de ser relevante, porquanto se tivesse sido propósito do legislador no sentido de dar protecção à confiança dos interessados, nomeadamente, dos promitentes-compradores na aquisição da habitação económica, deveria tê-lo feito de uma forma inequívoca mediante o instituto de “caso resolvido” ou com a consagrada irretroactividade das normas restritivas do direito adquirido.
Porém, a realidade que somos capazes de constatar é que não foi somente a ausência de qualquer desígnio de preponderar o interesse da segurança jurídica, mais do que isso, a “ratio legis” demonstrada através das normas positivadas aponta para o sentido contrário ao que pretenderam os Recorrentes, quando sempre autorizava a Administração a actuar nas diferentes fases sucessivas, extraindo as consequências pela verificação dos requisitos negativos impeditivos da aquisição da habitação económica, além de não ter estabelecido, até à redacção mais actualizada da Lei no ano 2020, nenhum prazo para a emissão do termo de autorização em favor dos promitentes adquirentes e a subsequente celebração da escritura. Não só, como já também vimos atrás, a Lei preocupou-se em mandar, através das normas transitórias, recuar a aplicação das novas normas às situações constituídas, desde o tempo remoto, ao abrigo do “Regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação” aprovado pelo DL n.º 26/95/M, de 26 de Junho, apenas encurtando o prazo que condiciona a não verificação dos factos impeditivos.
Tudo o que existe tem uma justificação. Trata-se, de todo o modo, de uma opção já tomada pelo legislador, certamente, após a ponderação de todos os interesses relevantes em confronto, cuja razoabilidade não se contesta aqui. Se assim é, a necessidade da tutela da confiança suscitada pela actuação anterior da Administração ao abrigo do artigo 8.º do CPA deve ceder perante os outros interesses igualmente considerados essenciais na perspectiva do legislador.
Neste sentido, não resta senão também improceder este fundamento do recurso.
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III. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar improcedente o presente recurso contencioso, com a consequente manutenção do acto recorrido.
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Custas pelos Recorrentes, com taxa de justiça fixada em 5UC.
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Registe e notifique.”
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Aberta vista ao Ministério Público, o Digno Procurador-Adjunto teceu as seguintes doutas considerações:
“1. Quanto à falta da audiência
Nos termos do disposto na alínea n.º 3 do art. 6.º da Lei n.º 10/2011 e à luz da reputada definição concebida pelo saudoso Professor Freitas do Amaral (Direito Administrativo, Vol. III, Lisboa 1989, p. 89), afigura-se-nos errado que o MM.º Juiz a quo qualificou o despacho contenciosamente recorrido no acto colectivo. Pois, colhemos que o “agregado familiar” não se equipara nem equivale ao órgão colegial ou organismo da Administração Pública.
No entanto, inclinamos a acreditar que o erro da qualificação supra apontado é insignificante e inoperante, visto que devido a duas ordens de razões, não podemos deixar de entender que o despacho de resolução atacado em sede do recurso contencioso não ofendeu o direito de audiência, nem incorreu na indevida preterição da formalidade essencial.
Ora, D e C são apenas elementos do agregado familiar cujo candidato é o 1º recorrente A, por isso, a posição procedimental (no concurso da habitação económica) deles tem de ser acessória e dependente do recorrente, portanto, àqueles não assiste o direito de audiência autónomo e próprio. Daí decorre que o IH não carece de notificar D e C para o exercício deste direito.
Por força do princípio da colaboração consagrado no n.º 1 do art. 9.º do CPA, incide no 1º recorrente o dever de colaboração com o IH. E não há mínima dúvida de que ele recebeu o ofício n.º 2102030060/DAJ (docs. de fls. 77 a 78 dos autos). Tudo isto conduz razoavelmente a que ele deveria chamar os seus filhos D e C a prestar explicações ou informações, caso o recorrente entendesse ser úteis as explicações ou informações desses dois. Daí flui necessariamente que na mera hipótese de assistir direito de audiência a eles dois, a preterição da audiência deles é imputável à conduta negligente ou dolosa do 1º recorrente.
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2. Quanto à ofensa do caso decidido
Nas conclusões 7, 11 e 18 das alegações do recurso jurisdicional em examinação, insistiu o ora recorrente em assacar ao despacho objecto do recurso contencioso a ofensa do caso decidido, arrogando que o caso decidido sanou a verificação do requisito negativo.
Ora, o disposto nos arts. 19.º a 36.º da Lei n.º 10/2011 revela que o procedimento respeitante à venda da habitação económica se culmina com a outorga da escritura púbica, o acto administrativo final deste procedimento se traduz no “termo de autorização” contemplado no art. 34.º desta Lei. E o seu art. 29.º tem constantemente estabelecido: O IH pode confirmar, a todo o tempo, as informações prestadas pelo candidato e pelos elementos do seu agregado familiar no processo de candidatura (com a alteração introduzida pela Lei n.º 13/2020, este preceito passa a ser nº 2).
Este quadro legal mostra, com toda a certeza, que são meramente preparatórios e instrumentais os seguintes actos e operações – a graduação e ordenação (art. 24.º), a selecção de adquirentes (art. 26.º), a apreciação dos requisitos do candidato e dos elementos do respectivo agregado familiar, a atribuição da habitação e o despacho do presidente do IH de autorizar a celebração dos contratos-promessa. Apenas as exclusões e resoluções previstas nos art. 23.º, 28.º e 34.º são destacáveis em sentido próprio.
É verdade que a Lei n.º 13/2020 encurta o tempo de espera, no sentido de que os requisitos negativos consignados no n.º 8 do art. 14.º da Lei n.º 10/2011 na actual redacção têm a duração máxima até à data de celebração do contrato-promessa de compra e venda, em vez de até à data da correlacionada escritura pública (vide. n.º 3 do art. 14.º na redacção original).
Porém, e ao abrigo do disposto no art. 29.º da Lei n.º 10/2011 (actual n.º 2 deste artigo), colhemos tranquilamente que todos os actos-trâmites que não sejam destacáveis não dão luz ao caso decidido, nem podem vincular as subsequentes tramitações e decisões, por isso, parece-nos que não têm virtude de caso decidido os supramencionados actos e operações.
Na Inf. n.º 0112/DEIA/2012 que é denominada pelos recorrentes como Relatório, o IH solicitou ao Exmo. Senhor STOP a aprovação (核准) para os efeitos de 《有關“許可LOTE4住宅單位進行預售”-決議》 (doc. de fls. 99 do Vol. 2/2 do P.A. do Processo n.º 425/2022, que se junta como doc n.º 1 deste Parecer para se facilitar a consulta). Essa Informação indica que a referida solicitação do IH tem como base legal a alí. 6) do art. 2.º do Regulamento Administrativo n.º 24/2005, segundo a qual compete ao Chefe do Executivo autorizar a alienação ou oneração de bens do património imobiliário do IH e a aquisição, a título oneroso ou gratuito, de bens imóveis.
Sucede, na realidade, que o Exmo. Sr. STOP lançou simplesmente o despacho de “閱” na supramencionada Informação. Interpretado à luz da alínea 6) supra aludida, tal despacho do Exmo. Sr. STOP produz efeito meramente interorgânico que se traduz em autorizar o IH a preparar e celebrar contratos-promessa quanto às fracções autónomas no Lote-4.
Ora bem, não há dúvida de que esse despacho do Exmo. Sr. STOP não tem virtude de suprir o não preenchimento (por qualquer candidato) de qualquer dos requisitos do acesso à habitação económica, ou de sanar os erros emergentes na apreciação processada pelo IH, e não cria ou traz nenhum direito ou interesse legalmente protegido à recorrente que, em boa verdade, nem sequer é destinatária do mesmo despacho.
Nesta linha de raciocínio e com todo o respeito pelo melhor entendimento em sentido diverso, afigura-se-nos que a arguição da ofensa do caso decidido/resolvido (pela recorrente) é infundada, aquele despacho do Exmo. Sr. STOP não impede o IH de voltar a indagar se a recorrente preencher ou perder os requisitos de acesso à habitação económica.
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3. Sobre a violação de lei
Bem, os recorrentes invocaram ainda a violação das disposições nos n.º 1 do art. 28.º e n.º 4 do art. 34.º da Lei n.º 10/2011 e n.º 1 do art. 430.º, n.º 1 do art. 216.º, n.º 1 do art. 426.º e art. 326.º do Código Civil, bem como dos princípios consagrados nos art. 4.º e 8.º do CPA.
3.1. Convém salientar que os doutos TSI e Tribunal Administrativo vêm pacificamente entender que a resolução prevista no n.º 4 do art. 34.º da Lei n.º 10/2011 e, na prática, sempre titulada por despacho do presidente do IH constitui acto administrativo definido no art. 110.º do CPA.
Qualquer resolução tem como seu destinatário o indivíduo quem subscreveu a correspondente candidatura em nome próprio ou subscreveu o contrato-promessa na qualidade de promitente-comprador ou de co-promitentes-compradores. Pois, tal espécie de resolução só produz efeito reflexo aos elementos do agregado familiar do candidato.
Nesta ordem de raciocínio, inclinamos a opinar que não faz nenhum sentido a arguição da violação das disposições nos n.º 1 do art. 430.º, n.º 1 do art. 216.º , n.º 1 do art. 426.º e art. 326.º do Código Civil.
3.2. No caso sub judice, são plenamente provados e incontestáveis os seguintes factos: 司法上訴人家團成員C2011年11月15日購買取得位於澳門XX街XX號XX灣XX樓XX座的居住用途獨立單位,並於2014年11月17日作出確定性登記;2013年1月3日,房屋局與司法上訴人A及B簽訂了位於澳門XX馬路XX大廈第XX座XX樓XX座單位的買賣預約合同。
Assim, evidente e absolutamente incontroverso é que a aquisição em 15/11/2011 por C – elemento do agregado familiar dos recorrentes e filha deles – fica cronologicamente anterior ao contrato-promessa cuja celebração ocorreu em 03/01/2013.
Ora, determinava a alínea 1) do n.º 3 do art. 14.º da Lei n.º 10/2011 na redacção original: Os candidatos não podem ser ou ter sido, nos 5 anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção promitentes-compradores ou proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional ou de terreno na RAEM. Bem, a Lei n.º 11/2015 alterou este n.º 3 para o n.º 4 deste artigo, mantendo intacta a disposição.
Por sua vez, o n.º 8 do art. 14.º na redacção dada pela Lei n.º 13/2020 prescreve minuciosamente: O candidato e os elementos do seu agregado familiar não podem ser ou ter sido, nos 10 aos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração do contrato-promessa de compra e venda: 1) Promitentes-compradores, co-promitentes-compradores, proprietários ou comproprietários de prédio urbano ou de fracção autónoma com finalidade habitacional, ou de terreno na RAEM, independentemente da quota-parte que possuam, salvo quando a aquisição do imóvel se deu por motivo de sucessão.
Esta evolução legislativa demonstra inequivocamente que à data da celebração do contrato-promessa em 03/01/2013, o agregado familiar dos recorrentes caiu supervenientemente no âmbito do requisito negativo consignado sucessivamente nos n.º 3/1, n.º 4/1 e n.º 8/1. do art. 14.º aludido.
Rezava o n.º 4 do art. 34.º da Lei n.º 10/2011 na redacção original: O IH procede à resolução do contrato-promessa caso verifique, durante o período entre a celebração do contrato-promessa de compra e venda e a emissão do termo de autorização, que o promitente-comprador e os elementos do seu agregado familiar não cumprem os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 14.º, salvo o incumprimento daqueles a favor de quem seja transmitida a posição contratual por morte do promitente-comprador ou dos elementos do seu agregado familiar. A única alteração introduzida pela Lei n.º 11/2015 a este n.º 4 do art. 34.º se traduz em a alusão ao “n.º 3” ser substituída pela ao n.º 4.
Dispõe este n.º 4 na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2020: O IH procede à resolução do contrato-promessa caso verifique, que o promitente-comprador e os elementos do seu agregado familiar não cumprem os requisitos previstos no n.º 8 do artigo 14.º, salvo o incumprimento daqueles a favor de quem seja transmitida a posição contratual por morte do promitente-comprador.
Este esquema legal leva-nos a inferir seguramente que a resolução do contrato-promessa é a única solução legal, e o despacho de resolução proferido pelo presidente do IH é são e inatacável, sem infringir nenhum dos normativos referidos na conclusão 18) das apontadas alegações.
3.3. Todas as redacções do n.º 4 do art. 34.º constatam indiscutivelmente que este n.º 4 tem sito rigorosamente imperativo, nunca conferindo margem de livre apreciação ao IH, pelo que é, sem dúvida, vinculado o poder da resolução (do contrato-promessa) aí consagrado.
Repare-se que é firmemente consolidada a brilhante jurisprudência que inculca (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º 32/2016, n.º 46/2015, n.º 54/2011, n.º 36/2009, n.º 7/2007, n.º 26/2003 e n.º 9/2000): os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de boa fé só se aplicam ao poder discricionário, e é inoperante aos actos administrativos vinculados.
Em harmonia com tal orientação jurisprudencial, acreditamos que a arguição da violação do princípio da boa fé não faz mínimo sentido. E em reforço, convém destacar que, na nossa modesta opinião, não pode deixar de ser incuravelmente vácua a invocação da violação do princípio da boa fé, na medida em que os recorrentes nunca prestaram qualquer prova ou, até, indício apto de substanciar e suportar tal invocação.
Repare-se que os factos provados tornam incontestável que à data do contrato-promessa, o agregado familiar dos recorrentes caiu no requisito negativo consignado sucessivamente nos n.º 3/1, n.º 4/1 e n.º 8/1 do art. 14.º da Lei n.º 10/2011, e por isso, não gozava do direito ou interesse legalmente protegido para comprar habitação económica.
Assim que seja, e visto ser sem sombra de dúvida que o despacho objecto do recurso contencioso visa a defender o interesse público traduzido na justa distribuição de habitação económica, estamos convictos de que a assacada violação do princípio consagrado no art. 4.º do CPA tem de ser irremediavelmente descabida.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional.”
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Atento o teor das doutas considerações tecidas pelo Digno Procurador-Adjunto que antecede, concordamos inteiramente com a solução, acertada e sensata, nelas adoptada e, por não se vislumbrar que a sentença recorrida enferme dos vícios imputados, antes nela foi feita uma correcta aplicação de direito, só resta negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelos recorrentes A e B, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça em 6 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 24 de Novembro de 2022
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Tong Hio Fong Mai Man Ieng
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Fong Man Chong
Recurso Jurisdicional 426/2022 Página 34