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Processo n.º 225/2022
(Autos de recurso contencioso)

Data: 24/Novembro/2022

Assuntos:
- Autorização de residência
- Falta de manutenção da relação de trabalho
- Caducidade (artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003)

SUMÁRIO
A caducidade prevista na alínea 1) do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 tem natureza preclusiva, dependendo a declaração de caducidade da constatação objectiva da falta de manutenção da relação laboral estabelecida entre o interessado e a entidade patronal, que serviu de fundamento à concessão da autorização de residência.
Ademais, por não se vislumbrar que as (novas) actividades desenvolvidas pelo recorrente constituem um grande contributo ao desenvolvimento socio-económico da RAEM, preenchidos não estão os requisitos da renovação da autorização de residência.

O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo n.º 225/2022
(Autos de recurso contencioso)

Data: 24/Novembro/2022

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos, notificado do despacho do Exm.º Secretário para a Segurança que indeferiu o seu pedido de renovação da autorização de residência na RAEM, dele não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto, formulando na petição de recurso as seguintes conclusões:
     “A. Contrariamente ao que vem concluído pelo órgão Decisor, é mister concluir que a actividade de “artista/Desportista” que tem vindo a ser desenvolvida pelo Recorrente está em toda a linha relacionada com aquela que era desenvolvida na B Limitada.
     B. Mais importa concluir que a actividade desenvolvida pelo Recorrente tem manifesta relevância e muito tem contribuído para a formação e para o desenvolvimento de actividades desportivas, v.g., de ginástica e ginástica artística junto de camadas mais jovens, bem como junto de crianças com problemas de desenvolvimento e aprendizagem.
     C. No contexto em que a RAEM se encontra presentemente, de escassez de profissionais formados neste campo e com a dificuldade ou até impossibilidade de desenvolvimento deste tipo de actividades fora de Macau, nomeadamente nas regiões vizinhas, a presença do Recorrente na RAEM torna-se até de manifesto interesse público.
     D. Contrariamente ao que resulta da Decisão em crise, o Recorrente recebeu “formação” específica para exercer junções de “gestor de projectos” e apenas depois de concluída a referida formação o Recorrente foi contratado e prestou serviços para um escritório de Advogados e sem que as funções exercidas implicassem a prática de qualquer acto “jurídico” reservado a advogados, que, entretanto, já cessou.
     E. Quer o Recorrente directamente, quer por intermédio da sociedade C LDA. desenvolve importantes funções com vista à promoção de prestação dos serviços junto de escolas e clubes de ginástica para crianças e adultos.
     F. Entre outros, o Recorrente tem um contrato de trabalho com o Grupo D, como treinador de ginástica, é Presidente da E, foi convidado para Director Técnico da F de Macau, o que permite concluir que as actividades desportivas, de treino e de formação escolar exercidas pelo Recorrente são de manifesto e especial relevo para o desenvolvimento e prática do desporto na RAEM, contrariamente ao que terá sido concluído no Despacho Recorrido.
     G. O Recorrente sempre confiou que, enquanto residente da RAEM e enquanto desempenhasse actividades de desportista, a data de caducidade constante do seu certificado de residência e, consequentemente do seu Bilhete de Identidade de Residente, apenas determinava o momento em que se teria de deslocar ao Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência, a fim de tratar da consequente renovação, o que efectivamente veio a suceder.
     H. Ao longo do seu percurso profissional na RAEM, o ora Recorrente sempre desempenhou funções intrinsecamente ligadas à ginástica e sempre almejou promover e desenvolver a ginástica artística na Região.
     I. De onde, salvo o devido respeito, não se compreende o “porquê” da alegada alteração de fundamento visto que no âmbito das suas actividades com a B LIMITADA o Recorrente também tinha funções de treinador de desporto e de ginástica.
     J. Pelo contrário, poderá até concluir-se que, ao longo do tempo, o Recorrente aumentou o escopo das actividades por si prestadas, mas não alterou nem reduziu o “fundamento” que justifica a manutenção da sua autorização de residência, ao contrário do que terá sido concluído no Despacho Recorrido.
     Depois,
     L. O Recorrente tem o seu centro de vida na RAEM desde o início do ano de 2017, o que perfaz ao momento da interposição do presente Recurso um período ininterrupto de 5 anos.
     M. O indeferimento do pedido de renovação de residência afectará grandemente todo o elevado esforço e investimento pessoal e financeiro já realizado pelo ora Recorrente na RAEM.
     N. O indeferimento fará, ainda, com que todos os laços criados no campo gímnico e respectivo mercado venham a sofrer de um conjunto de perdas, decorrentes da forte expectativa gerada com o desenvolvimento dos seus projectos para a comunidade de Macau, com previsível perda do desenvolvimento contínuo de clientela e de negócio, no que se traduzirá num conjunto de danos não só patrimoniais de valor não determinável, mas também sociais.
     O. O Recorrente sempre acreditou – e não tinha razões de contrário – que o desenvolvimento dos seus projectos seriam de particular interesse para a RAEM, visto existir manifesta falta dos mesmos, v.g., na formação de ginastas artísticos.
     P. O indeferimento do pedido de renovação de residência formulado vai representar para o Recorrente, no imediato, a perda do trabalho contínuo desenvolvido com a comunidade – na forma e nos moldes em que os projectos tinham sido conjecturados pelo Recorrente.
     Q. O ora Recorrente tem ascendência chinesa: os seus avós maternos têm nacionalidade chinesa e a Mãe do Recorrente tem nacionalidade chinesa, nasceu e viveu em Macau e é residente permanente da RAEM.
     R. O Recorrente tem vários parentes de segundo e terceiro graus (v.g., primos, tios e sobrinhos) que são residentes permanentes e que residem na RAEM, com os quais o Recorrente mantém uma forte ligação familiar e sentimental.
     S. O Recorrente está completamente integrado na sociedade local – é na RAEM que tem todo o seu centro de vida e de actividade profissional e é na RAEM que deseja permanecer, continuar a desenvolver a sua carreira profissional, pessoal e constituir família.
     T. De momento, o Recorrente vive em união de facto com uma residente de Macau e tem esperança de vir a contrair matrimónio em breve, consoante a evolução das circunstâncias e condicionantes derivadas da situação de pandemia e a dificuldade que se vive nos dias de hoje com as medidas e restrições.
     U. O Recorrente compreende e fala cantonense básico e não tem antecedentes criminais.
     V. Pelo exposto, o indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência irá, desde logo, impossibilitar a sua relação pessoal e familiar, com graves e manifestos prejuízos de ordem pessoal (e até moral) que importa sempre referir e ter em conta.
     Em concreto,
     W. A Decisão Recorrida padece de manifesto vício de falta de fundamentação.
     X. Entre outro, a Decisão Recorrida não especifica e/ou não fundamenta a razão pela qual entende que a actividade – de ginástica e de formação em ginástica – que, conforme demonstrado é altamente procurada na RAEM, e cujos benefícios são mais do que indiscutíveis para a população da Região e para as crianças em especial, indo inclusivamente ao encontro dos planos desenvolvidos pelo Instituto do Desporto de Macau, não é relevante para área socio-económica da RAEM.
     Y. Depois, a Decisão Recorrida não enuncia de modo coerente qual os fundamentos de facto e de direito que levam a tomar a Decisão, de forma a poder acompanhar-se o raciocínio efectuado, outra com vista ao destinatário (leia-se, o ora Recorrente) poder concordar com ela.
     Z. Salvo melhor entendimento, a Decisão Recorrida não concretiza com dados concretos, em termos que permitam ao ora Recorrente concluir tratar-se de uma fundamentação que se possa dizer congruente, clara e suficiente.
     AA. Entre outros, Despacho ora em crise mostra-se em violação com os artigos 114º, 115º, 122º e 124º, todos do CPA.
     BB. Pelo exposto, deve a Decisão Recorrida ser anulada e substituída por outra que defira o pedido de renovação de autorização de residência oportunamente formulado pelo ora Recorrente, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se invoca e requer.”
*
Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Oportunamente, apresentou o recorrente alegações facultativas, reiterando basicamente as razões já deduzidas no seu articulado.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existem questões prévias, excepções nem nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
O recorrente é titular do passaporte português.
O recorrente submeteu em 9.8.2017 junto dos serviços competentes da RAEM pedido de autorização de residência na RAEM, tendo a mesma sido concedida em 12.1.2018. (fls. 79, 80 e 84 do P.A.)
Em 23.1.2018, o recorrente foi notificado do dever de comunicar imediatamente ao Serviço de Migração sempre que haja qualquer modificação ou terminação da relação laboral que fundamentou o pedido de residência. (fls. 86 do P.A.)
O fundamento do pedido de autorização de residência na RAEM consistia no desempenho de funções de Artista e Desportista, junto da sociedade B Limitada, empresa gestora do espectáculo “The House of Dancing Water” no City of Dreams. (fls. 2 a 5 do P.A.)
Em 15.11.2018, o recorrente cessou a relação laboral com a empregadora. (fls. 127 a 129 e 222 do P.A.)
Do facto não foi atempadamente informado o respectivo serviço competente e, em consequência, foi concedida ao recorrente a primeira renovação da sua autorização de residência, com fundamento no desempenho das mesmas funções. (fls. 118 e 120 do P.A.)
Em 27.11.2018, o recorrente foi notificado do dever de comunicar imediatamente ao Serviço de Migração sempre que haja qualquer modificação ou terminação da relação laboral que fundamentou o pedido de residência. (fls. 120 do P.A.)
Em 10.12.2020, o recorrente deu início ao procedimento de renovação da sua autorização de residência. (fls. 249 do P.A.)
O Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência elaborou a seguinte proposta: (fls. 328 e verso do P.A.):
“1. Em 26/NOV/2020, deu entrada neste Departamento, um ofício do Comissariado contra a Corrupção, na sequência da apresentação de uma queixa naquele Comissariado, contra o interessado A, dado o mesmo ter renovado a autorização de residência com recurso à omissão do facto de ter sido despedido pela sua entidade patronal B Limited em 15/NOV/2018.
2. Das diligências efectuadas, foi apurado que o interessado cessou a sua relação laboral em 15/NOV/2018.
3. Em 04/DEZ/2020 o interessado foi constituído como arguido por haver fortes indícios pela prática do crime de falsificação de documentos nos termos do art.º 18º da Lei n.º 6/2004 e foi remetido ao Ministério Público para averiguações, não tendo ainda qualquer resultado.
4. Por entender haver decaimento do pressuposto ou requisito da autorização de residência, assim, em 10/DEZ/2020 foi o interessado notificado em audiência escrita nos termos do art.ºs 93º e 94º do CPA e ao mesmo tempo o interessado requer a renovação da autorização de residência solicitando ao mesmo tempo a alteração do fundamento para agora exercer funções como Gestor de Projectos Jurídicos na firma G Limitada e como Project Manager na firma C Limitada (donde é sócio e administrador).
5. Dentro do prazo concedido, o interessado através de procurador, apresentou documentos que contraria a proposta de caducidade, factos que se realçam no ponto 11 da presente informação.
6. Em 10/DEZ/2020, requereu a renovação da autorização de residência, solicitando a alteração do fundamento do pedido.
7. Foi verificado que:
- a partir de 16 de Novembro de 2018 o requerente deixou de exercer funções na firma em que fundamentou o seu pedido inicial, não tendo o comunicado esse facto ao nosso Departamento e facto esse que implicou a caducidade da Autorização de Residência, dado haver decaimento dos pressupostos ou requisitos sobre os quais se tenha fundado a autorização;
- Não se verifica que possui habilitações adequadas para as funções que pretende exercer (dado não ter uma Licenciatura);
- Sobre as finalidades pretendidas com a residência e a actividade agora exerce, não se mostra que o requerente tenha muita contribuição para a área socio-económica da RAEM (a referida contribuição deve ter a ver com a necessidade ou interesse relevante para RAEM, daí a necessidade de se encontrar fora de Macau);
- Não existem razões humanitárias a ponderar, assim, foi o interessado novamente notificado em audiência escrita em 07/ABR/2021, nos termos dos art.ºs 93º e 94º do CPA do sentido provável de indeferimento do seu pedido com os fundamentos nela constantes, tendo-lhe sido concedido 10 dias para dizer o que se lhe oferecer.
8. Em 19/ABR/2021, dentro do prazo concedido, o interessado através de procurador apresentou documentos que contraria a proposta de indeferimento, factos que se realçam no ponto 13 da presente informação.
9. Atento aos factos:
a) Em 15/NOV/2018, deixou de exercer funções na firma em que fundamentou o seu pedido de autorização de residência e facto esse que não foi comunicado ao nosso Departamento, assim, implicou a caducidade da autorização de residência nos termos do n.º 1 do art. 24º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 (Regulamento anterior);
b) Dos novos fundamentos apresentados pelo interessado na renovação de residência não preenche razoavelmente os requisitos da autorização de residência;
c) Não se mostra que o requerente tenha muita contribuição para a área sócio-económica da RAEM, isto é:
- Não tem habilitações na área onde pretende laborar (Gestor Projectos Jurídicos na firma G Limitada);
- A firma “C Limitada”, donde o interessado é sócio e como gestor de Projectos, não possui nenhum trabalhador e não possui projectos importantes para RAEM; assim julgo ser de indeferir o pedido em apreço nos termos do n.º 2 do art. 38º da Lei n.º 16/2021 (tendo também considerado o art. 9º da Lei n.º 4/2003).”

Submetida a proposta ao Comandante da PSP, este deu o seguinte despacho:
“Concordo com o parecer do Chefe do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência, constante na presente informação. À consideração do Exm.º Sec. Seg.”

Em 7.1.2020, pelo Secretário para a Segurança foi proferido o seguinte despacho, ora acto administrativo impugnado:
“Concordo, proceda-se conforme proposto.”
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Aberta vista ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Procurador-Adjunto o seguinte douto parecer:
“Na petição e na sua alegação facultativa, o recorrente solicitou a anulação do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança (cfr. fls. 320 a 328 do P.A.), e a substituição desse despacho por uma decisão que vá conceder-lhe a renovação da autorização de residência.
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Lançado na Informação n.º 200003/SRDARPD/2021P (doc. de fls. 320 a 328 do P.A.), o despacho em escrutínio diz que “Concordo, proceda-se conforme proposto”. De acordo com a disposição no n.º 1 do art.115º do CPA, a palavra “Concordo” denota a fundamentação por remissão, e que essa Informação faz parte integrante do despacho sob sindicância.
Bem, o parecer exarado pelo Senhor Chefe do D.A.R.P. substituto revela, com clareza e precisão, que o pedido (do recorrente) de renovação da autorização de residência foi indeferido com os três fundamentos especificados no n.º 9 do mesmo parecer.
Impõe-se apurar se esses três fundamentos forem ou não correctos e suficientes?
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Repare-se que ao recorrente foi concedida a autorização de residência pelo Exmo. Sr. Secretário para Segurança através do despacho exarado na Informação n.º 200075/CRSMB/2017P (doc. de fls. 82 a 84 do P.A.). O seu n.º 3 constata firmemente que um dos fundamentos nucleares e decisivos de conceder ao recorrente a autorização de residência consiste no juízo de que a sociedade empregadora dele – B Limitada (B有限公司) – é considerada de interesse para a RAEM.
Com efeito, em Macau e para inumerosos turistas é consabido que o espetáculo “Dancing Water” é popular e famoso, e contribui para elevar a reputação e atracção de Macau. Daí decorre que, na nossa convicção, é consistente e perspicaz o apontado juízo da Administração (a empresa empregadora do recorrente é considerada de interesse para a RAEM).
Sucede que desde 15/11/2018 (doc. de fls. 168 do P.A.), o recorrente cessou a relação laboral com a sua ex-empregadora – a supramencionada sociedade B Limitada (B有限公司). E não há margem para dúvida de que a partir de 15/11/2018 ele deixou irrevocavelmente de participar e desempenhar função no espetáculo “Dancing Water”.
Inculca o douto TUI (cfr. Acórdão no Processo n.º 130/2021): 3. A caducidade prevista na al. 1) do art.º 24.º do RA n.º 5/2003 tem a natureza preclusiva, e não caducidade-sanção. 4. No presente caso, a declaração de caducidade depende apenas da constatação objectiva da não manutenção da relação laboral estabelecida entre o interessado e a entidade patronal, que serviu como fundamento para a concessão da autorização de residência.
Em harmonia com essa jurisprudência mais autorizada, e salvo merecido respeito pela opinião diversa, colhemos que é sólida e imaculada a posição da Administração, no sentido de que desde 15/11/2018 a autorização da residência dada ao recorrente caiu na caducidade contemplada na alínea 1) do art. 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003.
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O que acontece na prática é que a caducidade supra aludida não foi atempadamente declarada e o recorrente obteve em 22/11/2018 a renovação da autorização da residência (docs. de fls. 118 e 120 do P.A.), e em 10/12/2020 ele requereu a 2ª renovação da mesma autorização (doc. de fls. 249 do P.A.).
De tal circunstância decorre que a Administração teve de ponderar se o recorrente, na devida altura, reunia ou não os pressupostos dos quais depende a 2ª renovação da autorização da residência? Com todo e elevado respeito pela opinião diferente, a nossa resposta é negativa.
O recorrente nunca comprova que ele detinha formação ou habilitações na área de Direito, e sabe-se que Macau não sente com falta de juristas bilingues ou de especialistas que dominam o software. Objectivamente avaliada, parece-nos que o Gestor de Projectos Jurídicos desempenhado por ele na firma “G Limitada” não é relevante para a RAEM.
De outro lado, ele não nega – mas admite implicitamente – que a firma “C Limitada” não possui nenhum empregado nem projecto importante para a RAEM. Não vale a pena indagar se se trata de uma sociedade fictícia.
Tudo isto leva-nos a acreditar que é sólido e sensato o juízo da Administração, no sentido de que “Não se mostra que o requerente tenha muita contribuição para a área socio-económica da RAEM” (cfr. fls. 326 verso do P.A.), pelo que, no nosso prisma, é firme e inatacável a conclusão de que os novos fundamentos apresentados por ele não preenchem razoavelmente os requisitos da autorização de residência (cfr. fls. 326 verso do P.A.).
E para os devidos efeitos, afigura-se-nos que convém ter presente dois factos incontestáveis e dolosamente praticados pelo recorrente. Um consiste em “但廉政公署知悉利害關係人已於2018年11月15日與上述公司終止勞務關係,而利害關係人仍於離職後一天(即2018年11月15日)向前出入境事物廳遞交由上述公司發出的在職證明”. O outro traduz em ele nunca cumprir o dever de comunicar a Administração da cessação da relação laboral, pese embora ele tivesse sido advertido deste dever (docs. de fls. 86 e 120 do P.A.).
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Nos termos do disposto no art. 100.º do CPA, a Administração não fica obrigada a impugnar exaustivamente todos os argumentos invocados pelo interessado para abonar o seu pedido, bastando-lhe resolver todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento.
No ordenamento jurídico de Macau, o art. 115º do CPA implica os seguintes cumulativos requisitos da fundamentação: 1º- a explicitude que se traduz na declaração expressa; 2º- a contextualidade no sentido de, em regra, constar da mesma forma em que se exterioriza a decisão tomada; 3º- a clareza; 4º- a congruência e, 5º- a suficiência. (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, pp. 637 a 642).
Inculca a jurisprudência mais autorizada (a título do direito comparado, cfr. Acórdão do STA de 10/03/1999, no Processo n.º 44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
Voltando ao caso sub judice, afigura-se-nos que tanto a Informação n.º 200003/SRDARPD /2021P como o parecer exarado pelo Senhor Chefe do DARP substituto permite seguramente o recorrente a conhecer e perceber os fundamentos de facto e de direito subjacentes ao indeferimento do pedido (do recorrente) da renovação da autorização de residência, indeferimento que se incorpora no despacho in quaestio.
Importa assinalar que durante todo o procedimento, o recorrente nunca submeteu, seja intencionalmente seja não, os três documentos de fls. 58 e 62 a 64 dos autos à consideração da Administração, por isso ela não ficava onerada a emitir pronúncia sobre tais documentos.
Ponderando tuto isto, e salvo devido respeito, inclinamos a colher que não existe in casu a assacada falta de fundamentação.
Convém não esquecer que a não concordância do recorrente com os fundamentos que presidiram o indeferimento do sobredito pedido do recorrente não dá luz à falta de fundamentação, e o eventual erro do fundamento é igualmente distinto da falta de fundamentação.
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O decaimento do pedido da anulação do despacho recorrido gera o incurável falecimento do pedido da substituição desse despacho por uma decisão que vá conceder-lhe a renovação da autorização de residência.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 21/2004: “Simplesmente, o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público, o que se observa a cada passo…”
Atento o teor do douto parecer emitido pelo Digno Procurador-Adjunto que antecede, louvamo-lo na íntegra, com o qual concordamos e que nele foi apresentada a melhor, acertada e sensata solução para o caso sub judice, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos, havendo de julgar improcedente o recurso contencioso.
Não obstante que o recorrente foi absolvido do crime de falsificação de documento a ele imputado (cfr. o último documento junto aos autos), mas tal não releva para a decisão do presente recurso contencioso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em julgar improcedente o recurso contencioso interposto pelo recorrente A, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 8 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 24 de Novembro de 2022
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Fong Man Chong
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Mai Man Ieng



Recurso Contencioso 225/2022 Página 30