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Processo n.º 575/2022
(Autos de recurso jurisdicional)

Data: 1/Dezembro/2022

Assuntos:
- Artigo 128.º, n.º 1 e 3 do Regime Jurídico do Sistema Financeiro
- “Benefício económico obtido”

SUMÁRIO
Considerando que uma das infractoras foi punida nos termos do n.º 1, e não do n.º 3 do artigo 128.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, não se exige a verificação do alegado “benefício económico obtido”, devendo, assim, manter o acto administrativo impugnado na parte referente à punição da referida infractora.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 575/2022
(Autos de recurso jurisdicional)

Data: 1/Dezembro/2022

Recorrente:
- Secretário para a Economia e Finanças

Recorridos:
- A Limitada, B (Macau) Limitada, C e D

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo que julgou procedente o recurso contencioso com a consequente anulação do acto administrativo, recorreu o Secretário para a Economia e Finanças (doravante designado por “entidade recorrida”) jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “I. Um direito de crédito de natureza patrimonial é uma coisa em sentido jurídico, integrando o património do titular.
     II. Essa coisa é adquirida pelo credor no momento da constituição do direito de crédito na sua esfera jurídica.
     III. A aquisição dessa coisa não depende da exigibilidade do crédito, e muito menos da cobrança do mesmo.
     IV. Antes de serem exigíveis já os direitos de crédito podem ser objecto de outros direitos e de transacções no comércio jurídico,
     V. pois, quem adquire um direito de crédito de natureza patrimonial pode transmiti-lo ou onerá-lo, mesmo que ele não seja ainda exigível.
     VI. Portanto, quem adquire um direito de crédito de natureza patrimonial adquire um benefício económico.
     VII. Para efeitos contabilísticos, os direitos patrimoniais de crédito são, aliás, inscritos no activo do titular.
     VIII. Os contratos de mútuo juntos ao processo administrativo estipulavam juros a favor dos autores do recurso contencioso, e eram válidos e eficazes.
     IX. Esses contratos provam a constituição de direitos de crédito na esfera jurídica dos agora recorridos.
     X. Ou seja, tais contratos provam a aquisição pelos mesmos de coisas em sentido jurídico, com valor económico, que eles podiam transaccionar e onerar.
     XI. Assim, a constituição desses direitos no património dos mutuantes foi inegavelmente um benefício económico, nomeadamente para efeitos do n.º 3 do art. 128.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro.
     XII. Pelo que o TA errou no seu julgamento ao entender que a prova do benefício económico obtido pelos recorridos não tinha sido feita no procedimento administrativo.
     Pelas razões expostas, pedimos ao TSI que conceda provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida e preservando o acto administrativo objecto do recurso contencioso.”
*
Devidamente notificados, contra-alegaram A Limitada, B (Macau) Limitada, C e D, tendo apresentado na resposta as seguintes conclusões:
    “I. 對於上訴人所提出的主張,被上訴人予以尊重但不能認同。
II. 簽署借款合同後,被上訴人雖然會隨即取得一項具有財產性質的債權,但不等於被上訴人即時獲得了經濟利益;被上訴人僅僅在抽象觀念上擁有請求取回債款的權利。
III. 借款合同有可能出現無法收回借款的壞帳風險,債權也有可能被當事人依法移轉、更新或免除,隨後亦有可能發生導致合同非有效的情況。
IV. 因此,在會計層面,應收帳款一旦無法收回,將會撥歸入“支出”當中,亦即不再被視為“收入”;換言之,意味著當事人在該行為當中沒有任何收益。
V. 簡言之,取得債權與獲得經濟利益,並不是同一回事,兩者亦不是同時發生的。
VI. 為保障被上訴人的權益,應適當查明 – 而非僅僅按合同條款作出推算 – 被上訴人在涉案的借貸行為中實際收到的經濟利益,因為這個經濟利益的數額會直接影響被上訴人可能面臨的處罰金額;否則,就違反了《金融體系法律制度》第128條的規定。
VII. 由於上訴人在本案中沒有對上述經濟利益作出適當查明,行政法院作出的判決並無可非議之處,合符法律,應予維持。
綜上所述,請求 閣下認定載於本書狀之全部法律及事實理由成立,並在此基礎上,裁定上訴人所提出的全部上訴理據不成立,繼而維持原審判決。
請求 法庭作出公正裁決!”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
No período compreendido entre Janeiro de 2017 e Julho de 2018, a 1.ª Recorrente A LIMITADA subscreveu no total de 37 contratos de mútuo hipotecário com os terceiros, concedendo-lhes os empréstimos com taxas anuais de juro convencionadas entre 9.75% e 29.25% (conforme os docs. juntos a fls. 186 a 452 do P.A. vol. 1).
No período compreendido entre Julho de 2017 e Outubro de 2018, a 2.ª Recorrente B (MACAU) LIMITADA subscreveu no total de 18 contratos de mútuo hipotecário com os terceiros, concedendo-lhes os empréstimos com taxas anuais de juro convencionadas entre 9.75% e 28.80% (conforme os docs. juntos a fls. 17 a 139 do P.A. vol. 1).
O 3.º Recorrente C e o 4.º Recorrente D são os sócios, em partes iguais, tanto da sociedade A LIMITADA(1.a Recorrente), como da sociedade B (MACAU) LIMITADA (2.a Recorrente) (conforme os docs. juntos a fls. 146 e 459 do P.A. vol. 1).
As actuações acima referidas dos Recorrentes nunca foi autorizada pela autoridade financeira.
Por ofícios n.ºs 1860/2020-AMCM-DAJ, 1861/2020-AMCM-DAJ, 1862/2020-AMCM-DAJ e 1863/2020-AMCM-DAJ, todos datados de 14/04/2020, foram os Recorrentes notificadas em 18/4/2020 para apresentar a defesa escrita quanto à infracção imputada (conforme o doc. junto a fls. 529 a 554 do P.A. vol. 2).
Em 14/5/2020, os Recorrentes apresentaram suas defesas escritas (conforme o doc. junto a fls. 577 a 596 do P.A. vol. 2).
Seguidamente, veio a ser elaborado o Relatório Final n.º 187/2020-DAJ (conforme o doc. junto a fls. 835 a 855 do P.A. vol. 2).
Foi por ofício n.º 0008/2021-AMCM-DAJ, de 4/1/2021, enviada aos Recorrentes a cópia do dito relatório final, para se pronunciar no prazo de 10 dias (conforme o doc. junto a fls. 857 a 878 do P.A. vol. 2).
Em 14/1/2021, os Recorrentes apresentaram as respostas (conforme o doc. junto a fls. 879 a 889 do P.A. vol. 2).
Foi elaborada a deliberação n.º 488/CA pelo Conselho de Administração da AMCM datada de 10/6/2021, cuja fundamentação de direito se transcreve no seguinte:
“…
1. Corroborando as considerações relativas à matéria de direito expendidas no Relatório Final, resta-nos concluir que:
1.1. A sociedade “A Limitada” concedeu, por 37 (trinta e sete) vezes, crédito a terceiros, de forma continuada, no período compreendido entre Janeiro de 2017 e Julho de 2018, em Macau, com carácter habitual e intuito lucrativo, sem estar autorizada para o efeito, o que constitui uma infracção administrativa de especial gravidade; e
1.2. A sociedade “B (Macau) Limitada” concedeu, por 18 (dezoito) vezes, crédito a terceiros, de forma continuada, no período compreendido entre Julho de 2017 e Outubro de 2018, em Macau, com carácter habitual e intuito lucrativo, sem estar autorizada para o efeito, o que, igualmente, constitui uma infracção administrativa de especial gravidade.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º, devidamente conjugado com a alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º, ambos do RJSF, as actividades que compreendem a prática habitual e com intuito lucrativo de operações de concessão de crédito a terceiros são reservadas, na RAEM, às instituições financeiras regularmente constituídas e autorizadas para o efeito;
3. O n.º 1 do artigo 19.º do RJSF estabelece que a constituição ou o estabelecimento na RAEM de instituições de crédito carece de autorização prévia do Chefe do Executivo;
4. Sendo que as actividades típicas das sociedades financeiras, que englobam a concessão de crédito a terceiros, estão, na RAEM, sujeitas a autorização do Chefe do Executivo, por força do disposto nos artigos 2.º, 6.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 15/83/M, de 26 de Fevereiro.
5. Por força da alínea b) do n.º 2 do artigo 122.º do RJSF são consideradas infracções de especial gravidade as práticas não autorizadas, por quaisquer pessoas ou entidades, de actividades reservadas às instituições sujeitas a supervisão da AMCM.
6. As infracções qualificadas, por lei, como sendo de especial gravidade, devem ser sancionadas, com multa a fixar entre 10 mil e 5 milhões de patacas, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 128.º do RJSF, sendo que, por força do n.º 3 do mesmo inciso, quando o benefício económico obtido pelo infractor for superior a metade do limite máximo de 5 milhões de patacas a que se aludiu (ou seja, superior a dois milhões e quinhentas mil patacas) o limite máximo da multa a aplicar pode ser elevado ao dobro desse benefício, o que não se verifica no caso da sociedade “A Limitada”, mas sim relativamente à sociedade “B (Macau) Limitada”.
7. Na determinação das sanções a aplicar parece dever ser levado em conta:
7.1. O elevado grau de culpa dos autuados (no mínimo negligência grosseira, atendendo a que não se logrou provar que os autuados angariaram activamente interessados em obter crédito);
7.2. O facto de estarmos perante infracções de especial gravidade (elevado grau de ilicitude);
7.3. Os elevados benefícios económicos obtidos com as condutas ilegais tidas por provadas, que se calcula em MOP 1.781.862,00 (um milhão setecentas e oitenta e uma mil oitocentas e sessenta e duas patacas), no que se refere à sociedade “A Limitada”, e em MOP 4.270.389,00 (quatro milhões duzentas e setenta mil e trezentas e oitenta e nove patacas), no que se prende com a sociedade “B (Macau) Limitada”, e o disposto no n.º3 do artigo 128.º do RJSF (a multa a aplicar pode atingir o dobro do benefício obtido, se for superior a MOP 2.500.000), tendo presente a equação “punição versus benefício obtido pelo infractor” ou, dito de outro modo, considerando-se que a prática de actividades ilícitas (que constituem infracções administrativas de especial gravidade) não devem, em situação alguma, compensar os infractores;
7.4. Os perigos que resultam para o sistema financeiro e para o público do exercício deste tipo de actividades, sem autorização, e sem adequados mecanismos de controlo e de supervisão (incluindo exposição dos consumidores a usura, burla e a diversos tipos de criminalidade económica e financeira, incluindo branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo);
7.5. Note-se, ainda, que a contratação de um crédito exige uma análise cuidada das características do produto, uma explicação detalhada acerca destas ao consumidor (interessado/devedor /mutuário) e uma escolha aconselhada do tipo de crédito mais adequado, uma vez que existem diferenças significativas de condições e de custos entre os diferentes tipos de crédito (para consumo, para aquisição de imóveis, para investimento, etc…). Ora, só as instituições de crédito estão habilitadas a cumprir adequada e equilibradamente estes desideratos e a satisfazer estas necessidades, sob a orientação das autoridades de supervisão, sendo este um dos motivos de estarmos perante uma actividade reservada às instituições de crédito.
7.6. Por outro lado, a prática deste tipo de actividades sem autorização afecta o regular funcionamento do mercado;
7.7. Por último, atente-se a que na determinação das sanções deve-se atender, em geral, ao desvalor da conduta, à necessidade de sancionar as condutas ilegais e, também, às necessidades de prevenção, procurando-se evitar que os autuados voltem a praticar este tipo de infracções, bem como alertar a população, em geral, para que este tipo de condutas não são toleradas na RAEM.
8. Assim sendo, ao abrigo da alínea b) do artigo 127.º do RJSF, propõe-se a aplicação da sanção acessória de publicação das multas aplicadas em 2 periódicos locais, um em língua Chinesa e outro em língua Portuguesa, com vista a alertar os operadores dos mercados e os consumidores para que este tipo de actividades não autorizadas são sancionadas na RAEM, podendo revestir um elevado risco para o seu Sistema Financeiro, bem como um risco para os consumidores, por escaparem à supervisão e ao controlo das entidades administrativas competentes… ”
Concluiu o Conselho propondo o seguinte:
“Propor ao Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças que, no exercício dos seus poderes de tutela, no uso das competências delegadas pela Ordem Executiva n.º 181/2019, e ao abrigo dos artigos 122.º, n.º 2, alínea b), 124.º, n.ºs 1 e 4, 126.º, n.º 1, alínea a), artigo 127.º, alínea b) e 128.º, n.ºs 1 e 3, todos do RJSF, sejam aplicadas:
- À sociedade “A Limitada” e, solidariamente, aos seus sócios D, titular do BIRM n.º 5040XXX(X) e C, titular do BIRM n.º 5044XXX(X), uma multa de MOP 3.000.000,00 (três milhões de patacas) e, ainda, publicitar a aplicação desta sanção em dois jornais locais, um em língua Chinesa e outro em língua Portuguesa, por violação e ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º n.º 1 e 122.º n.º 2, alínea b) todos do RJSF, bem como dos artigos 2.º, 6.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 15/83/M, de 26 de Fevereiro, por concessão de crédito a terceiros, com carácter habitual e intuito lucrativo, sem estar autorizada para o efeito, no período compreendido entre Janeiro de 2017 e Julho de 2018, na RAEM; e
- À sociedade “B (Macau) Limitada” e, solidariamente, aos seus sócios D, titular do BIRM n.º 5040XXX(X) e C, titular do BIRM n.º 5044XXX(X), uma multa de MOP 6.000.000,00 (seis milhões de patacas) e, ainda, publicitar a aplicação desta sanção em dois jornais locais, um em língua Chinesa e outro em língua Portuguesa, por violação e ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º n.º 1 e 122.º n.º 2, alínea b) todos do RJSF, bem como dos artigos 2.º, 6.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 15/83/M, de 26 de Fevereiro, por concessão de crédito a terceiros, com carácter habitual e intuito lucrativo, sem estar autorizada para o efeito, no período compreendido entre Julho de 2017 e Outubro de 2018, na RAEM.”
(conforme o doc. junto a fls. 1059 a 1080 do P.A. vol. 3).
A proposta acima referida mereceu o despacho da concordância da Entidade Recorrida exarada na proposta n.º 128/2021-CA, de 27/7/2021 (conforme o doc. junto a fls. 1081 do P.A. vol. 3).
Em 3/9/2021, os ora Recorrentes apresentaram recurso contencioso da dita decisão junto do Tribunal Administrativo.
*
Aberta vista ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Procurador-Adjunto o seguinte douto parecer:
“No recurso jurisdicional em apreço, o Exmo. Senhor SEF solicitou a revogação da sentença do MMº Juiz a quo e a manutenção do despacho identificado no art. 1.º da petição, nesse despacho ele determinou “本人行使第181/2019號行政命令授予的權限,同意按建議作出處罰” (vide fls. 20 dos autos).
A sentença em escrutínio, só por si, constata nitidamente que o MMº Juiz a quo julgou procedente o recurso contencioso com único fundamento de que o supramencionado despacho do Exmo. Sr. SEF eiva do erro nos pressupostos de facto, decorrente da inexistência das provas necessárias à quantificação do benefício económico, determinante para a quantificação da multa concreta que é de MOP$3.000.000,00 à sociedade A Limitada e aos seus sócios-gerentes D e C, bem como uma multa de MOP$6.000.000,00 à sociedade B (Macau) Limitada e aos aludidos sócios-gerentes.
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No caso sub judice, importa assinalar com ênfase os seguintes factos que foram dados como provados pelo MMº Juiz a quo e, nesta exacta medida, estão cobertos por caso julgado, dado que nenhuma das partes impugna a douta sentença em questão quanto à “Matéria de facto”.
- As infractoras “A Limitada” e “B (Macau) Limitada” concederam respectivamente 37 e 18 empréstimos a terceiros, sendo todos esses empréstimos garantidos por hipotecas, cujas taxas anuais de juro convencionadas são de 9.75% a 29.25 e de 9.75% a 28.80;
- Os indivíduos C e D são sócios, em partes iguais, tanto da “A Limitada”, como da “B (Macau) Limitada”. Acrescenta-se que eles dois são os únicos sócios e controladores dessas duas sociedades.
Ora, à luz da razão humana e nomeadamente da regra da experiência comum, tais factos assentes implicam seguramente que as concessões de empréstimos operadas pelas duas sociedades supra referidas são não só ilícitas e habituais, mas também premeditadas e profissionais.
Devidamente avaliadas, as 55 hipotecas prestadas como garantias reais de todos os 55 empréstimos demonstram irrefutavelmente o emprenho, a diligência e a experiência profissional dos dois indivíduos (C e D) na exploração de concessão dos 55 empréstimos ilícitos.
Com merecido e elevado o respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, o acima exposto aconselha-nos a inferir que essas duas sociedades conseguem obter efectivamente todos os juros correspondentes aos 55 empréstimos, pelo que o despacho objecto do recurso contencioso não padece do erro nos pressupostos de facto no qual o MMº Juiz a quo angulou a sua decisão de anulação desse despacho.
*
Sem prejuízo do que ficou expendido supra e por cautela, vamos continuar a análise. Para tal efeito, convém ter presente que reza o n.º 1 do art. 128.º do RJSF aprovado pelo D.L. n.º 32/93/M: Salvo o disposto nos números seguintes, a pena de multa será fixada entre 10 mil patacas e 5 milhões de patacas. Por sua vez, o seu n.º 3 determina: Quando o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção for superior a metade do limite máximo fixado no n.º 1, este poderá ser elevado até ao dobro desse benefício.
Para os devidos efeitos, subscrevemos a sensata jurisprudência que inculca (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 339/2021): Em face da ausência das regras para a determinação das sanções das infracções administrativas no Decreto-Lei n.º 52/99/M, e nos termos autorizados pelo seu art.º 3.º/3 do mesmo diploma, é defensável, na matéria da graduação concreta de penas de infracções administrativas, o recurso aos princípios gerais subjacentes ao critério orientador da determinação da pena de multa adoptado no Capítulo IV (Determinação da pena) do Título III (Consequência Jurídica do facto) da parte geral do Código Penal, à luz dos quais a situação económica do agente do facto deve ser tida como uma das circunstâncias a atender na determinação concreta da pena pecuniária e o quantum fixado de sanções não deve representar para o infractor obrigações cujo cumprimento não lhe seja razoável exigir.
Em esteira e pela mesma razão, afigura-se-nos que para efeitos da graduação da multa a aplicar, deve ser atendido e valorado o benefício económico derivado da infracção, na medida em que o qual constitui vertente da consequência dessa infracção (art. 65.º, n.º 1, alínea a) do Cód. Penal).
Convém ter presente que o valor derivado do facto ilícito como consequência da infracção pode valer como uma simples circunstância para a graduação da pena, e pode, não raras vezes, ser dotado de virtude qualificativa – a título meramente exemplificativo, basta olhar o disposto nas alíneas a) do n.º 1 e a) do n.º 2 do art. 198.º do Código Penal.
A estas luzes, colhemos que o benefício económico é relevante não só para o n.º 3 do art. 128.º supra aludido, mas também para o n.º 1 deste normativo – cuja moldura é de dez mil a cinco milhões de patacas! Pelo que é legítimo e obrigatório ponderar o benefício económico como resultado ou consequência da infracção. Além disso, a finalidade (da sanção) traduzida na prevenção – geral e especial – justifica e até exige que se tenha em devida consideração o benefício económico.
Ora, importa salientar e ter presente que o n.º 1 não exige “benefício económico obtido”, apenas o n.º 3 o exige. Bem vista a técnica legislativa e a sua ratio, inclinamos a entender que enquanto o sobredito n.º 1 prescreve o tipo-base da infracção administrativa, o que o apontado n.º 3 estabelece é já o correspondente tipo agravado. O que nos leva a opinar que:
- O apuramento do benefício económico efectivamente “obtido” só é necessário e imprescindível aos casos nos quais a Administração aplica o n.º 3 ao infractor, visto que este preceito legal permite que a multa a aplicar possa ser elevada ao dobro do benefício económico “obtido”.
- Nos restantes casos em que o benefício económico vale apenas como uma circunstância agravante ou atenuante, basta atender todos os lucros estipulados nos contratos de empréstimos ilícitos, sem se exigir o preciso apuramento do benefício económico “obtido” pelo infractor.
No caso sub judice, sucede a sociedade “B (Macau) Limitada” foi punida nos termos do disposto no n.º 3 do art. 128.º do referido RJSF, e não há mínima dúvida de que a sociedade “A Limitada” foi punida de acordo com o n.º 1 do mesmo artigo.
Ponderando tudo isto, inclinamos a inferir que o despacho atacado no recurso contencioso na parte relativa à sociedade “A Limitada” é imaculado, e quanto a mais, é anulável o mesmo só na parte em relação à sociedade “B (Macau) Limitada”.
*
Afinal, vale apontar que a base legal citada na Proposta n.º 488/CA para sancionar os dois indivíduos (C e D) consiste nas disposições nos n.º 1 e n.º 4 do art. 124.º do RJSF, e que de acordo com o raciocínio da Administração, eles dois são corresponsáveis das duas sociedades.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pelo provimento ou pelo parcial provimento do presente recurso jurisdicional.”
*
Ponderadas as considerações tecidas no douto parecer emitido pelo Digno Procurador-Adjunto que antecede, somos a entender que o recurso deve proceder parcialmente.
Vejamos.
Preceitua a alínea b) do n.º 2 do artigo 122.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro (RJSF) o seguinte:
“1. Constituem contravenções puníveis nos termos deste capítulo todos os actos que violem as normas do presente diploma e as disposições regulamentares contidas em avisos ou circulares da AMCM ou que perturbem o sistema de crédito ou falseiem as condições normais de funcionamento dos mercados monetário, financeiro e cambial.
2. Constituem infracções de especial gravidade as seguintes práticas ou actos:
a) (…);
b) A prática não autorizada, por quaisquer outras pessoas ou entidades, de operações reservadas às instituições referidas na alínea anterior;
(…)”

E segundo o disposto no artigo 128.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro (RJSF):
“1. Salvo o disposto nos números seguintes, a pena de multa será fixada entre 10 mil patacas e 5 milhões de patacas.
2. No caso de reincidência, os limites mínimo e máximo da multa aplicável são elevados ao dobro, considerando-se reincidente o infractor que cometer infracção de idêntica natureza no período de um ano, contado da data em que se tornou definitiva a condenação anterior.
3. Quando o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção for superior a metade do limite máximo fixado no n.º 1, este poderá ser elevado até ao dobro desse benefício.”
Efectivamente, concordamos com a posição assumida pelo Juiz do TA no sentido de que o montante do benefício económico apto a influir na agravação da multa prevista no citado artigo 128.º, n.º 3 deveria ser aquele que o infractor tenha efectivamente recebido no passado, e não aquele que o mesmo poderá receber.
Sucede que, no caso em apreço, como observa o Digno Magistrado do Ministério Público, e bem, só a recorrida B (Macau) Limitada foi punida nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 128.º do RJSF, enquanto a recorrida A Limtada foi punida de acordo com o n.º 1 da mesma disposição legal.1
Isto posto, em relação à recorrida B (Macau) Limitada, como não foi apurado o benefício económico obtido por aquela infractora, nenhuma censura merece a sentença recorrida na parte a ela respeitante.
Ao passo que, em relação à recorrida A Limtada, provado está que esta subscreveu, no período compreendido entre Janeiro de 2017 e Julho de 2018, 37 operações de concessão de crédito hipotecário com terceiros, não restam grandes dúvidas de que a sua conduta integra a previsão do n.º 1 do artigo 128.º do RJSF, nos termos do qual não exige a verificação do alegado “benefício económico obtido”.
E em relação aos recorridos C e D, por serem sócios-gerentes da sociedade A Limitada, respondem solidariamente para com a sociedade pelo pagamento da multa, ao abrigo do disposto no artigo 124.º do mesmo diploma legal.
Daí que, tal como vem defendido pelo Digno Magistrado do Ministério Público, na parte referente à punição da sociedade A Limitada e dos dois sócios-gerentes C e D, não está o despacho recorrido inquinado do vício apontado pelo tribunal recorrido.
Isto posto, concede-se parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte em que anulou o acto administrativo impugnado referente à punição da sociedade A Limitada e dos dois sócios-gerentes C e D, e confirmando-se a sentença em tudo o mais.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pela entidade recorrida, revogando a sentença recorrida na parte em que anulou o acto administrativo impugnado referente à punição da sociedade A Limitada e dos dois sócios-gerentes C e D, confirmando a sentença em tudo o mais decidido.
Custas pelas partes vencidas em ambas as instâncias.
A entidade recorrida beneficia da isenção legal.
Os recorridos A Limitada, C e D suportam solidariamente a taxa de justiça de 5 U.C., em cada instância.
Registe e notifique.
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RAEM, a 1 de Dezembro de 2022
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Fong Man Chong
*
Mai Man Ieng
1 Consta do ponto n.º 6 do parecer a que o despacho recorrido aderiu, o seguinte:
---“6. 根據《金融體系法律制度》第一百二十八條第一款的規定,被法律定性為特別嚴重的違法行為應被科處一萬至五百萬澳門元的罰款。而根據同一條文第三款的規定,當違法者獲得的經濟利益高於所訂最高限額五百萬澳門元之一半時(即高於二百五十萬澳門元),可科處的罰款的最高限額可提高至該利益的兩倍,這正是“B(澳門)有限公司”個案的情況,而“A有限公司”個案則不屬於此情況。”
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Recurso Jurisdicional 575/2022 Página 34