Processo nº 454/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 1 de Dezembro de 2022
ASSUNTO:
- Informação ao sócio
- Artº 209º do C.Com.
SUMÁRIO:
- O direito de informação do sócio funciona como pressuposto do voto, meio de legitimação dos investimentos e do mercado, como via de fiscalização e como instrumento de tutela das minorias;
- Enquanto a alínea f) do artº 209º do C.Com. se refere ao pedido de informações relativa a assuntos que constem da ordem de trabalhos da assembleia geral antes de se proceder ao exercício do direito de voto com vista a que este direito possa ser exercido de forma esclarecida, a alínea g) autoriza o sócio a “requerer, por escrito, à administração, informação escrita sobre a gestão da sociedade, nomeadamente sobre qualquer operação social em particular”;
- Nos termos da alínea g) do nº 1 do artº 209º do C.Com. o sócio pode a todo o tempo e quando o entender – se não estiver limitado no exercício desse direito nos termos do nº 2 do mesmo preceito – pedir informações sobre determinadas operações da sociedade;
- O sócio tem o direito de estar informado da actividade social durante todo o período em que tem essa qualidade, não se limitando o seu direito à informação apenas para o esclarecimento devido ao exercício do direito de voto em assembleia geral.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 454/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 1 de Dezembro de 2022
Recorrente: A Limited
Recorrido: B
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
B, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção para prestação de informação contra
A Limitada, também, com os demais sinais dos autos,
Requerendo ao Tribunal que ordene à Sociedade Requerida que lhe preste as seguintes informações e anexos desta:
i. No exercício de 2020, as contas da sociedade revelam que a sociedade deu de arrendamento a fracção autómona A do 18.º andar do Edifício “C” que lhe pertence, pelo que, para apreciar as contas anuais, a sociedade requerida deve fornecer o referido contrato de arrendamento ou anexo para esclarecer a data de início do referido contrato de arrendamento, a data do seu termo, a renda e a sua forma de pagamento, de modo a apreciar as referidas contas anuais;
ii. O relatório da administração referiu que a sociedade pretende dar de arrendamento o lugar de estacionamento do Edifício “C” que lhe pertence, pelo que, para apreciar o relatório da administração, a sociedade requerida deve indicar o lugar de estacionamento que pretende dar de arrendamento e o preço pretendido;
iii. Conforme revelado nas contas anuais, a sociedade tinha um depósito bancário de HKD24.720.000,00 em Outubro de 2020, pelo que, para apreciar o relatório da administração, a sociedade requerida deve explicar a razão pela qual a sociedade requerida, apesar de ter esse depósito de valor elevado, ainda precisou de dar de arrendamento a aludida fracção autónoma e se a renda da fracção autónoma é superior ao valor de depreciação anual decorrente do seu uso;
iv. Para apreciar as contas anuais, qual foi o lucro da sociedade no exercício de 2020.
v. Para apreciar as contas anuais, a sociedade requerida deve explicar os juros devedores no montante de mais de MOP$12.000.000,00 no exercício de 2020;
vi. Conforme revelado nas contas anuais, entre Janeiro e Abril de 2020, a sociedade requerida pediu empréstimo de mais de MOP$6.000.000,00 junto do Senhor D, pelo que, para apreciar a proposta de aplicação de resultados, a sociedade requerida deve explicar a razão pela qual foi contraído o referido empréstimo e deve fornecer as facturas e recibos da utilização do referido empréstimo, bem como deve indicar se é necessário pagar juros do referido empréstimo e a eventual taxa de juro, de modo a apreciar as referidas contas anuais;
vii. Ao abrigo do artigo 198.º n.º 3 do Código Comercial, o lucro da sociedade deve cobrir primeiramente os prejuízos transitados, pelo que, para apreciar a proposta de aplicação de resultados, a sociedade requerida deve explicar a razão pela qual as dívidas ainda não foram cobertas pelo lucro para evitar juros devedores adicionais;
viii. Relativamente ao exercício de 2020, as contas anuais revelam que a sociedade requerida devia pagar as despesas de condomínio e as despesas de segurança do Edifício “C” que lhe pertence, pelo que, a sociedade requerida deve exibir os referidos contratos de prestação de serivço ou anexos, de modo a apreciar as contas anuais;
ix. No mesmo exercício, quanto ao pagamento das despesas de decoração da fracção autonóma do Edifício “C” designada para servir de fracção modelo, a sociedade requerida deve exibir os correspondentes recibos ou anexos;
x. A sociedade requerida deve explicar quantas comissões foram pagas na venda das fracções autónomas do aludido Edifício e deve exibir os recibos ou anexos do pagamento das referidas comissões.
Caso a sociedade requerida recuse prestar as aludidas informações ou só preste informações falsa, incompleta ou manifestamente não elucidativa, requer ao tribunal exame judicial à sociedade requerida nos termos dos artigo 209.º n.º 5 e artigo 211.º do Código Comercial, em conjugação com o artigo 1262.º e s.s. do Código de Processo Civil.
Proferida sentença, foi a acção julgada procedente e em consequência decidiu-se que:
- Fixa um prazo de 15 dias para que a sociedade requerida, A, Limitada, preste as seguintes informações e anexos ao requerente B:
i. Conforme revelado nas contas anuais, a sociedade requerida deu de arrendamento a fracção autónoma A do 18.º andar do Edifício “C”, pelo que, para apreciar as contas anuais, fornece o referido contrato de arrendamento ou anexo, no sentido de esclarecer a data do início do referido contrato de arendamento, a data do seu termo, a renda e a forma do seu pagamento, de forma a apreciar as referidas contas anuais;
ii. O relatório da administração referiu que a sociedade requerida pretende dar de arrendamento o lugar de estacionamento do Edifício “C”, pelo que, para apreciar o relatório da administração, indica o lugar de estacionamento que pretende dar de arrendamento e o preço pretendido;
iii. Conforme revelado nas contas anuais, a sociedade requerida tinha um depósito bancário de HKD24.720.000,00 em Outubro de 2020, pelo que, para apreciar o relatório da administração, explica a razão pela qual a sociedade requerida, apesar de ter esse depósito de valor elevado, ainda precisou de dar de arrendamento a aludida fracção autónoma e se a renda da fracção autónoma é superior ao valor da depreciação anual decorrente do seu uso;
iv. Para apreciar as contas anuais, qual foi o lucro da sociedade no exercício de 2020;
v. Para apreciar as contas anuais, explica os juros devedores no montante de mais de MOP$12.000.000,00 no exercício de 2020;
vi. Conforme revelado nas contas anuais, entre Janeiro e Abril de 2020, a sociedade requerida pediu empréstimo de mais de MOP$6.000.000,00 junto do Senhor D, pelo que, para apreciar a proposta de aplicação de resultados e as contas anuais, explica a razão pela qual foi contraído o referido empréstimo, se é necessário pagar juros do referido empréstimo e à eventual taxa de juro, bem como fornece as facturas e recibos da utilização do referido empréstimo;
vii. Para apreciar a proposta de aplicação de resultados, explica a razão pela qual as dívidas ainda não foram cobertas pelo lucro para evitar juros devedores adicionais;
viii. Conforme revelado nas contas anuais, a sociedade requerida devia pagar as despesas de condomínio e as despesas de segurança do Edifício “C”, a sociedade requerida deve exibir os referidos contratos de prestação de serviço ou anexos, de modo a apreciar as referidas contas anuais;
ix. Quanto ao pagamento das despesas de decoração da fracção autónoma do Edifício “C” designada para servir de fracção modelo, a sociedade requerida deve exibir os correspondentes recibos ou anexos;
x. Explica quantas comissões foram pagas na venda das fracções autónomas do aludido Edifício e deve exibir os recibos ou anexos do pagamento das referidas comissões.
Não se conformando com a decisão proferida vem a Requerida e agora Recorrente interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões:
a) A recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto nos termos do art.º 599.º do CPC. Considera que à luz das informações nos autos, é de dar por assente o seguinte facto:
b) S. Antes da deliberação na assemblea ordinária de sócios, a procuradora E levantou várias perguntas, às quais respondeu o sócio e administrador D, sem que porém fornecesse qualquer cópia dos documentos pertinentes à procuradora E.
c) O qual se comprova sobretudo através da acta constante dos autos a fls. 251 a 255 – tanto mais que foi o próprio juiz que o confirmou a fls. 10 e 12 da sentença recorrida (cujo teor se dá por integralmente reproduzido aqui).
d) Segundo o juízo recorrido, nos termos do art.º 209.º do Código Comercial, o recorrido, enquanto sócio, tem direito de obter cópias das contas anuais. Só que a recorrente discorda.
e) À luz do art.º 8.º, n.º 2 e n.º 3 do Código Civil, a interpretação da lei deve partir da expressão literal da lei. A interpretação feita à lei deve encontrar uma correspondência verbal, se bem imperfeitamente expressa, no articulado jurídico. Ao determinar o significado e o alcance da lei, é de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
f) Exactamente nos como ensinam Noções Gerais de Direito Civil I: “Seja porém qual for o resultado da interpretação, é de salientar que a lei só pode valer com um sentido que a sua letra comporte, não podendo ser considerado o pensamento legislativo que não tenha no texto legal um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
g) O art.º 209.º, n.º 1, alínea h) do Código Comercial prescreve explicitamente que o direito à informação do sócio comporta o de requerer cópia de deliberações ou lançamentos nos livros referidos nas alíneas a) a d) do mesmo artigo,
h) Quanto às informações referidas no art.º 209.º, n.º 1, alínea f) do Código Comercial, obviamente, é propositadamente que o legislador as exclui da disposição sobre a obtenção de cópias;
i) Além disso, nem o art.º 258.º do Código Comercial confere aos sócios o direito de obter cópia do relatório da administração, da proposta de aplicação de resultados ou das contas anuais.
j) Por isso, na opinião da recorrente, ao interpretar e aplicar o art.º 209.º, n.º 1, alínea f) do Código Comercial, o juízo recorrido, indicando que os sócios podem obter cópias das informações mencionadas no disposto acima referido, agiu diametralmente contrário ao disposto no art.º 8.º, n.º 2 e n.º 3 do Código Civil.
k) Além disso, no acórdão n.º 65/2004 do TSI, o meritíssimo juiz assinala também que o direito de reproduzir no direito à informação se refere apenas a “alguns livros” da sociedade, ou seja, os livros referidos nas alíneas a) a d) e mencionados no art.º 209.º, n.º 1, alíneas h) do Código Comercial, a saber, os livros de actas da assembleia geral e do órgão de fiscalização — quando exista, o livro de registo de ónus, encargos e garantias, o livro de registo de acções, os registos de presenças, quando existam.
l) Portanto, a lei não confere aos sócios o direito de requerer cópias dos documentos ou das informações referidas no art.º 209.º, n.º 1, alíneas f) do Código Comercial.
m) O art.º 570.º do Código Civil prevê dois os requisitos: i) a necessidade demonstrada da reprodução; e ii) se lhe não oponha motivo grave alegado pelo requerido.
n) Dado que a recorrente mostrou ao recorrido os documentos referidos no art.º 209.º, n.º 1, alínea f) do Código Comercial para que este os consultasse, para além de ter-lhe respondido oralmente às perguntas, o recorrido não mostrou de modo algum a necessidade de reprodução. Portanto, não preenchido o primeiro requisito previsto pelo art.º 570.º do Código Civil, ainda que a recorrente, enquanto requerida, não tenha justificado suficientemente a oposição à reprodução, o recorrido, em todo o caso, não tem direito de obter cópias dos documentos em questão;
o) O Código Comercial é lei especial, com disposição especial no tocante à disponibilização de informações e de cópias. Então é de aplicar o regime ponderado e projectado ad hoc pelo legislador no Código Comercial.
p) Segundo a sentença recorrida, não estava satisfeito o direito à informação da procuradora do recorrido antes do dia da deliberação na assembleia de accionistas. A recorrente discorda de quanto defendido pelo juízo recorrido.
q) Seja antes do dia da deliberação na assembleia ordinária de accionistas, seja no próprio dia da deliberação, a pedido da procuradora do recorrido E para consultar quanto constava das contas anuais, o administrador da recorrente D já as mostrou à propria pessoa da procuradora do recorrido E e prestou-lhe explicações.
r) Quanto às perguntas levantadas pela procuradora do recorrido E antes da deliberação na assembleia ordinária de accionistas e às informações requeridas por essa, o administrador da recorrente D já lhe respondeu de forma cabal.
s) Daqui segue que já estava satisfeito o direito à informação conferido ao recorrido pelo art.º 209.º, n.º 1, alínea f) do Código Comercial.
t) Quanto a algumas questões não levantadas antes da deliberação na assembleia ordinária de accionistas (as informações requeridas pelo recorrido na petição inicial, pedidos parte B, alíneas i), iii), iv), vii) e ix)), eram questões supervenientes não levantadas dentro da acta da assembleia de accionistas; ou seja, as informações não foram requeridas tempestivamente à recorrente antes da deliberação da assembleia ordinária de accionistas.
u) O exercício do direito previsto pelo art.º 209.º, n.º 1, alínea f) do Código Comercial não é sem qualquer limite. Não é que seja passível de exercício a qualquer momento, sempre que ao sócio ocorrer uma questão adicional. É de ser exercido, antes sim, “antes de se proceder à votação”, no respeito do art.º 209.º, n.º 1, alínea f) do Código Comercial.
v) Foi obviamente extemporâneo o requerimento superveniente de tais informações e de tais anexos que se pretendiam obter.
w) Quanto às outras informações requeridas pela procuradora do recorrido E antes da deliberação pelos accionistas, o administrador da recorrente D já mostrou à procuradora do recorrido E os documentos requeridos para consulta e prestou explicações às suas perguntas.
x) Antes da deliberação pelos accionistas, já estava satisfeito o direito à informação do recorrido enquanto sócio previsto pelo art.º 209.º, n.º 1, alínea f) do Código Comercial.
y) Agora que já se terminou a assembleia de accionistas e que os sócios já deliberaram sobre a ordem do dia, não estão presentes as condições para o exercício do direito à informação decorrente do art.º 209.º, n.º 1, alínea f) do Código Comercial. Ou seja, antes da convocação de uma nova reunião de accionistas, o recorrido não pode de modo algum aplicar o disposto no art.º 209.º, n.º 1, alínea f) do Código Comercial, nem tem direito de requerer a consulta ou a obtenção de tais documentos.
Contra-alegando veio o Requerente/Recorrido apresentar as seguintes conclusões:
1. A base instrutória não pode conter afirmações de natureza conclusiva, e as respostas do Tribunal às mesmas também são consideradas nulas. Pelo que deve ser indeferido o pedido da recorrente para acrescentar circunstâncias fácticas.
2. As contas anuais duma sociedade compreendem o balanço, a conta de ganhos e perdas e o anexo, os quais permitem mostrar com clareza a fonte e o destino do activo societário e a autenticidade deste, de forma a que os sócios possam tomar conhecimento da situação financeira da sociedade respeitante ao exercício que se encerra.
3. Quando o sócio seja convocado para participar na assembleia geral ordinária para debater e deliberar sobre as contas anuais, o relatório da administração e a proposta de aplicação de resultados, deve ser-lhe reconhecido o direito a consultar, sem impedimentos, as contas anuais da empresa e o anexo que delas faça parte, devendo os membros da administração facultar-lhe o exercício do direito à informação.
4. A informação fornecida pelos administradores ao sócio a requerimento dele tem de ser verdadeira, completa e suficientemente clara, sob pena de não se considerar satisfeito o pedido de informação formulado pelo sócio.
5. Para ter acesso a informações societárias verdadeiras, completas e suficientemente claras, o sócio pode obter e conservar cópias das informações, ou proceder à reprodução destas, sendo isto um dos elementos constitutivos necessários ao direito à informação.
6. De acordo com o artigo 209.º, n.º 1, alínea f) do Código Comercial, os administradores têm de facultar o exercício do direito à informação requerido pelo sócio, prestando-lhe informações necessárias à participação na assembleia, a não ser que fique provado que a obtenção de tais informações pelo sócio prejudique substancialmente os interesses societários.
7. Dito de outra forma, os administradores ao tomarem conhecimento da necessidade de informação do sócio não têm direito de decidir se quer ou não lha fornecer, tendo antes a única opção, que é a de colaborar e satisfazer o pedido de informação formulado pelo sócio (particularmente no caso em apreço, onde não há conflito entre a prestação ao recorrido das informações solicitadas e os interesses da sociedade).
8. A informação societária tem de ser igualmente partilhada entre os sócios, e não deve ser uma prerrogativa exclusiva dos sócios maioritários (ou sócios gestores ou sócios administradores), sob pena de violação do princípio da igualdade do tratamento dos sócios.
9. Se o artigo 209.º, n.º 1, alínea f) do Código Comercial for distorcidamente interpretado no sentido de que os sócios minoritários a quem foi recusada a prestação de informação não podem continuar a solicitá-la depois da assembleia geral ordinária, isso equivale a conceder aos sócios maioritários (ou sócios gestores ou sócios administradores) o direito a recusar, antes ou no momento da realização da assembleia, o fornecimento de informações societárias aos pequenos acionistas, o que constituiria, sem dúvida, o tu quoque por abuso de direito.
10. De acordo com os factos provados nos autos, a recorrente impediu ao recorrido, antes da assembleia geral ordinária, a obtenção de informações necessárias à agenda de trabalhos, recusando fornecer-lhe as contas anuais, o relatório da administração e a proposta de aplicação de resultados, e proibindo-lhe reproduzir tais documentos.
11. Daí concluímos que a recorrente recusou fornecer ao recorrido informações societárias verdadeiras, completas e suficientemente claras, e que as informações solicitadas eram indispensáveis à participação do recorrido na assembleia geral ordinária e à deliberação sobre a agenda de trabalhos.
12. Portanto, a decisão do Tribunal a quo de ordenar a recorrente a prestar ao recorrido, no prazo de 15 dias, as informações determinadas na sentença recorrida deve ser juridicamente apoiada por ter interpretado e aplicado, correctamente, as regras relativas ao direito à informação dos sócios fixadas no artigo 209.º, n.º 1, alínea f).
13. Dispõe o artigo 590.º, n.º 1 do Código de Processo Civil(CPC) que “Se forem vários os fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.”
14. Por prudente patrocínio, caso se entenda procedente o recurso da recorrente, pede que se conheça da outra causa de pedir invocada pelo recorrido na petição inicial (a recorrente recusou exibir ao recorrido os anexos correspondentes aos referidos itens das contas anuais) para se apreciar se o direito à informação do recorrido foi violado pela recorrente e se o recorrido pode ter acesso às informações em causa de acordo com o âmbito requerido na petição inicial.
15. Tendo a recorrente recusado exibir ao recorrido os anexos correspondentes às despesas descritas nas contas anuais, pode este último, nos termos do artigo 209.º, n.º 1, alínea f) do Código Comercial, intentar a presente acção de fornecimento de informação pedindo que a recorrente seja ordenada a facultar-lhe as informações solicitadas na petição inicial.
16. Face ao exposto, o recorrido pede ao Venerando Tribunal que rejeite o recurso interposto pela recorrente por total improcedência.
Recebendo a resposta à alegações de recurso apresentada pelo Requerente/Recorrido, quanto à ampliação do objecto do recurso requerida, vem a Requerida/Recorrente apresentar as seguintes conclusões:
a) Nos pontos 98.º a 111.º da referida resposta, o recorrido invoca a ampliação do âmbito do recurso e pede a alteração da decisão sobre a matéria de facto por entender que o Tribunal a quo não conheceu da causa de pedir, isto é, “D recusou exibir a E os anexos relativos às despesas descritas nas contas anuais;
b) A recorrente não concorda com a invocação do recorrido, entendendo que na página 12 e 13 da decisão do Tribunal a quo, o juiz já provou lateralmente que a recorrente exibiu à representante do recorrido, E, os anexos que esta solicitou.
c) O aludido facto foi provado com base no conteúdo constantes dos (1), (3), (4), (7) e (12) do ponto 2 da ordem de trabalhos (deliberar sobre as contas anuais referentes ao exercício de 2020) da acta da assembleia geral realizada às 15h00 do dia 25 de Fevereiro de 2021, a fls. 251 a 255 dos autos.
d) O conteúdo acima transcrito corresponde à lógica e ao senso comum, e da qual também consta as respostas feitas pela representante do recorrido, E, após a exibição dos referidos documentos. Conforme as regras de experiência comum, pode-se saber que o referido conteúdo não pode ser inventado!
e) Apesar de o recorrido ter intentado a acção de anulação de acta da assembleia geral aprovada em 25 de Fevereiro de 2021, a acta da assembleia geral ainda se considera válida antes de ser judicialmente anulada mediante a acção de anulação,
f) Pelo que, o Tribunal provou que o administrador da recorrente, D, já forneceu os anexos dos referidos documentos ao recorrido com base no conteúdo da acta da assembleia geral, isto corresponde às situações concretas.
g) Além disso, as fotografias constantes do Doc. 15 da oposição podem demonstrar expressamente que na reunião o administrador da recorrente, D, exibiu à representante do recorrido, E, os referidos documentos e os correspondentes anexos.
h) Daí pode-se ver que o conteúdo das fotografias do Doc. 15 corresponde às circunstâncias constantes da referida acta da assembleia geral.
i) A ampliação do âmbito do recurso ora requerida pelo recorrido refere-se a “D recusou exibir a E os anexos relativos às despesas descritas nas contas anuais”, porém, os documentos cuja exibição se requer são os anexos das contas anuais discutidas no ponto 2 da ordem de trabalhos, isto é, documentos de suporte.
j) Os documentos de suporte das contas não são documentos necessários à realização da assembleia geral, os sócios podem aprovar as contas sem apreciar os documentos de suporte;
k) Pelos acima expostos, a recorrente entende que o requerimento de ampliação do âmbito do recurso formulado pelo recorrido (isto é, D recusou exibir a E os anexos relativos às despesas descritas nas contas anuais) deve ser indeferido.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
Na decisão sob recurso foi apurada a seguinte factualidade:
A. O requerente é sócio da sociedade requerida e titular de uma quota com valor nominal de MOP$40.000,00 (cfr. fls. 9 a 33 dos autos).
B. Em 23 de Fevereiro de 2021, o requerente recebeu o aviso convocatório emitido pelo sócio e administrador da sociedade requerida, D (titular de uma quota com valor nominal de MOP$58.000,00) em 8 de Fevereiro de 2021 (cfr. fls. 9 a 33 e 34 dos autos).
C. O aviso convocatório referiu que se iria realizar a assembleia geral ordinária deste exercício em 25 de Fevereiro de 2021 em sede da sociedade, cuja ordem de trabalhos era a seguinte:
i. Deliberar sobre o relatório da administração referente ao exercício de 2020 e a proposta de aplicação de resultados;
ii. Deliberar sobre as contas anuais referentes ao exercício de 2020; e
iii. Discutir e deliberar sobre o pedido de empréstimo da sociedade ao sócio.
D. O mesmo aviso convocatório indicou ainda que o relatório da administração referente ao exercício de 2020, a proposta de aplicação de resultados e as contas anuais estavam patentes na sede da sociedade, podendo os quais ser consultados na sede da sociedade às horas de serviço, de segunda feira a sexta feira.
E. O relatório da administração, a proposta de aplicação de resultados e as contas anuais acima referidos não foram enviados ao requerente junto com o aviso convocatório.
F. O requerente fez-se representar pela sua esposa, E, para obter os aludidos documentos e consultar as informações sobre a vida da sociedade referentes ao exercício de 2020 na sede da sociedade, no sentido de obter as informações necessárias à participação na aludida assembleia geral ordinária, de modo a preparar-se para discutir e deliberar sobre a ordem de trabalhos na referida assembleia geral ordinária.
G. Por volta das 12h00 do dia 24 de Fevereiro de 2021, E chegou à sede da sociedade, onde exibiu a D a procuração a fls. 37 a 38 dos autos, manifestando claramente que ela representava o requerente para consultar e obter as cópias dos aludidos relatório da administração, proposta de aplicação de resultados e contas anuais, de modo a preparar-se para a assembleia geral ordinária a realizar no dia seguinte.
H. D recusou-se a fornecer as cópias dos referidos documentos a E por motivo de que da referida procuração não constava que E podia obter as cópias dos referidos documentos.
I. No mesmo dia, o requerente assinou a procuração a fls. 39 a 40 dos autos, através da qual conferiu os direitos do sócio a E, com menção expressa de que E podia pedir as cópias dos referidos documentos na qualidade de requerente.
J. Por volta das 14h45 do mesmo dia, E chegou à sede da sociedade com a aludida procuração, exibiu-a a D que esteve presente no local e pediu expressamente as cópias dos referidos documentos, de modo a preparar-se para a assembleia geral ordinária a realizar no dia seguinte, porém, D manifestou que não iria entregar as cópias dos referidos documentos a E.
K. E decidiu permanecer na sociedade para consultar o relatório da administração referente ao exercício de 2020, a proposta de aplicação de resultados e as contas anuais. Por volta das 16h35 daquele dia, E saiu da sede da sociedade.
L. D proibiu E de utilizar o telemóvel para tirar fotografias do conteúdo do relatório da administração referente ao exercício de 2020, da proposta de aplicação de resultados e das contas anuais.
M. Antes das 15h00 do dia 25 de Fevereiro de 2021, E, dirigiu-se à sede da sociedade para representar o requerente na assembleia geral ordinária e discutir e deliberar sobre a ordem de trabalhos constante do aviso convocatório (cfr. acta da assembleia geral ordinária a fls. 251 a 255 dos autos).
N. Em 3 de Março de 2021, E enviou carta ao administrador D, pedindo a conservação dos vídeos filmados pelas câmeras da sociedade no dia da realização da assembleia geral ordinária (cfr. fls. 47 a 49 dos autos).
O. Em 4 de Março de 2021, E enviou novamente carta a todos os administradores, D e Chan Sio Pek, pedindo as aludidas informações da sociedade, incluindo o relatório da administração referente ao exercício de 2020, a proposta de aplicação de resultados e as contas anuais, e a conservação dos vídeos filmados pelas câmeras da sociedade (cfr. fls. 50 a 53 e 54 a 56 dos autos).
P. Em 26 de Fevereiro de 2021, a sociedade requerida enviou carta ao requerente, notificando-o de que a acta da assembleia geral ordinária realizada às 15h00 do dia 25 de Fevereiro de 2021 na sede da sociedade já foi lavrada, podendo a mesma ser consultada às horas de serviço na sede da sociedade requerida a partir do dia 5 de Março de 2021 (cfr. fls. 241 a 243 dos autos).
Q. Em 12 de Março de 2021, a sociedade requerida enviou novamente carta ao requerente, notificando-o de que a aludida acta da assembleia geral ordinária já foi lavrada, podendo a mesma ser consultada na sede da sociedade requerida (cfr. fls. 244 a 246 dos autos).
R. Em 30 de Março de 2021, a sociedade requerida enviou por correio a cópia da referida acta ao requerente (cfr. fls. 250 a 257 dos autos).
b) Do Direito
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«O requerente vem intentar a presente acção contra a sociedade requerida para exercer o direito à informação nos termos do artigo 209.º n.º 4 do Código Comercial.
Antes de conhecer formalmente do litígio, é de salientar que, independentemente da procedência ou não da pretensão do requerente, a sociedade requerida não pode responder à prestação de informação requerida pelo requerente através da oposição (cfr. artigo 92.º da oposição) para negar o direito à informação do requerente, nem a sociedade requerida pode ser isenta do seu dever jurídico que deve assumir com fundamento em que o direito à informação invocado pelo requerente já foi satisfeito.
Conforme as alegações constantes da petição inicial, o requerente referiu principalmente que as informações e as cópias dos documentos que pretende obter envolvem as deliberações que a sociedade requerida pretendia aprovar na assembleia geral ordinária realizada em 25 de Fevereiro de 2021, incluindo o relatório da administração referente ao exercício de 2020, a proposta de aplicação de resultados e as contas anuais, porém, até ao dia em que as deliberações foram aprovadas e após as deliberações, o requerente ainda não conseguiu obter as cópias dos referidos três documentos nem conseguiu consultar os referidos anexos, o que fez com que ele não conseguiu dominar as situações reais da vida da sociedade requerida e as suas situações financeiras referentes ao exercício de 2020, invocando o requerente que a sociedade requerida violou o princípio da boa-fé, constituindo o abuso do direito e violando o direito à igualdade de tratamento previsto no artigo 194.º do Código Comercial.
Nos termos do artigo 54.º n.º 1 do Código Comercial: “No prazo de três meses a contar do encerramento de cada exercício, o empresário comercial está obrigado a elaborar as contas anuais ou de exercício da sua empresa, que compreenderão o balanço, a conta de ganhos e perdas e o anexo.”
Para além das contas anuais ou contas de exercício previstas no disposto legal acima referido, o artigo 254.º do Código Comercial prevê: “No fim de cada exercício, a administração da sociedade deve organizar as contas anuais e, salvo se todos os sócios forem administradores e a sociedade não tiver conselho fiscal ou fiscal único, elaborar um relatório respeitante ao exercício e uma proposta de aplicação de resultados.”
E, ao abrigo do artigo 216 alíneas b) e d) e do artigo 220.º n.º 1 alíneas a) e b) do Código Comercial, compete aos sócios deliberar sobre as contas anuais do exercício, o relatório da administração e a aplicação de resultados, cujas deliberações podem ser tomadas na assmbleia geral ordinária.
E o artigo 222.º n.º 1 alínea d) e n.º 2 do Código Comercial estipula que o aviso convocatório deve conter a ordem de trabalhos da reuinão, com menção especificada dos assuntos a submeter a deliberação dos sócios, e deve ainda conter a indicação dos documentos que se encontrem na sede social ou quando permitido nos estatutos no sítio da sociedade na Internet para consulta dos sócios.
Aliás, ao abrigo do artigo 258.º do Código Comercial, as contas anuais, o relatório respeitante ao exercício e a proposta de aplicação de resultados, juntamente com o relatório e parecer do conselho fiscal ou do fiscal único, quando estes existam, devem estar patentes aos sócios na sede da sociedade, às horas de serviço, a partir da data de expedição ou publicação dos avisos convocatórios da assembleia geral ordinária.
Os factos provados revelam que no aviso convocatório da assembleia geral realizada em 25 de Fevereiro de 2021, a ordem de trabalhos incluía a deliberação sobre o relatório da administração referente ao exercício de 2020, a proposta de aplicação de resultados e as contas anuais, e o mesmo aviso indicou expressamente que os referidos três documentos se encontravam na sede da sociedade requerida.
A disposição acima referida parece não constituir violação manifesta dos artigos 222.º e 258.º do Código Comercial.
Para além disso, ao abrigo do artigo 218.º n.º 2 do Código Comercial, o sócio pode fazer-se representar na assembleia geral por outro sócio, pelo cônjuge, por descendente ou ascendente.
Conforme as alegações constantes da oposição da sociedade requerida, conjugando com a acta da assembleia geral realizada em 25 de Fevereiro de 2021, não é difícil verificar que a sociedade requerida não negou a participação do requerente mediante a procuradora (cônjuge do requerente) antes e no dia das deliberações da assembleia geral e admitiu que as informações pretendidas pela procuradora não são impertinentes às matérias objecto da deliberações da assembleia geral, senão, a sociedade requerida não precisou de salientar que tinha exibido à procuradora os referidos elementos documentais, incluindo os recibos, e tinha feito o esclarecimento; a sociedade requerida limitou-se a entender que o direito à consulta do sócio não abrange o direito de obter as cópias dos referidos documentos e o mesmo só pode ser exercido antes das deliberações e não após as deliberações. A sociedade requerida mais referiu que as cópias de alguns documentos não podem ser fornecidas por existir potencial conflito de interesse comercial com a sociedade requerida.
O artigo 209.º do Código Comercial consagra que:
Artigo 209.º
(Direito à informação)
1. Sem prejuízo do disposto para cada tipo de sociedade, todo o sócio tem direito a:
a) Consultar os livros de actas de assembleia geral e do órgão de fiscalização, quando este exista:
b) Consultar o livro de registo de ónus, encargos e garantias;
c) Consultar o livro de registo de acções;
d) Consultar os registos de presenças, quando existam;
e) Consultar todos os demais documentos que, legal ou estatutariamente, devem ser patentes aos sócios antes das assembleias gerais;
f) Solicitar aos administradores e, quando existam, ao fiscal único ou aos membros do conselho fiscal e ao secretário da sociedade quisquer informações pertinentes aos assuntos constantes da ordem de trabalhos da assembleia geral antes de se proceder à votação, desde que razoavelmente necessárias ao esclarecido exercício do direito de voto;
g) Requerer, por escrito, à administração, informação escrita sobre a gestão da sociedade, nomeadamente sobre qualquer operação social em particular;
h) Requerer cópia de deliberações ou lançamentos nos livros referidos nas alíneas a) a d).
... ... ...
4. Em caso de recusa da informação solicitada, o sócio pode requerer ao tribunal que ordene que esta lhe seja prestada, fundamentando o pedido. Ouvida a sociedade o juiz decide sem mais provas no prazo máximo de 10 dias. Se o pedido for deferido, os administradores responsáveis pela recusa devem indemnizar o sócio pelos prejuízos causados e reembolsá-lo das despesas que fundadamente tenha realizado.
5. O sócio a quem seja prestada informação falsa, incompleta ou manifestamente não elucidativa, pode requerer ao tribunal exame judicial à sociedade nos termos do artigo 211.º.”
Lido cuidadosamente o texto do n.º 1 do aludido disposto legal, este Tribunal não dá concordância com o entendimento da sociedade requerida. Em primeiro lugar, este Tribunal entende que o legislador não tem intenção de restringir o direito à informação do sócio previsto na alínea f) através da alínea h) que só pode consultar os referidos elementos documentais, não podendo obter a sua cópia. De facto, o que as alíneas a) a d) regulam é as informações contidas em suporte objectivo, como livros e lançamentos, para que o sócio, quando consultar as informações, possa também requerer as cópias de deliberações ou lançamentos nos livros (cfr. alínea h), e por outro lado, a alínea g) prevê que o sócio pode requerer, por escrito, à administração as informações que não se limitam à gestão da sociedade, isto, na realidade, articula-se com a aludida alínea e) e os artigos 222.º 258.º do Código Comercial.
Obviamente, as informações previstas na alínea f) do n.º 1 não abrangem no âmbito previsto nas alíneas a) a e) nem se limitam às informações contidas em suporte objectivo, tratando-se apenas de informações pertinentes aos assuntos contidos na ordem de trabalhos da assembleia geral e necessárias ao esclarecido exercício do direito de voto. Já que as referidas informações não contêm necessariamente em suporte objectivo (tal como conforme a acta da assembleia geral realizada em 25 de Fevereiro de 2021, pode-se ver que a procuradora requereu verbalmente as referidas informações e as mesmas foram verbalmente fornecidas por D), não é necessário que o legislador salienta que as referidas informações são obtidas através da “consulta” ou da “cópia”.
Tal como a análise brilhante feita pelo Tribunal de Segunda Instância no seu acórdão proferido no Processo n.º 65/2004:
“... Em geral e independentemente daquilo que para cada tipo de sociedade se prevê, o conteúdo legal do direito à informação encontra-se previsto no art. 209º do Código Comercial. Como logo resulta dos termos desse normativo legal, o direito à informação, prescindindo agora de maiores detalhes e fixando-nos no que aqui interessa, tem, desde logo, duas dimensões: por um lado o direito à consulta e, por outro lado, o direito à cópia ou reprodução de determinados livros da sociedade. ...
Certo que no ordenamento jurídico da Região Administrativa Especial de Macau, não existem normas expressas que prevejam a possibilidade de haver recusa de informação, ao contrário do que sucede em espaços jurídicos que nos são muito próximos, como é o caso de Portugal (cfr. para o caso das sociedades anónimas os arts. 290º e 291º do Código das Sociedades Comerciais. Sobre o ponto, v. Carlos Maria Pinheiro Torres, O Direito à Informação nas Sociedades Comerciais, págs. 223 a 227).
No entanto, daí não se pode extrair a conclusão, imediatista, de que a recusa de informação será sempre ilícita.
Desde logo por força da cláusula geral de proibição do abuso de direito contida no art. 326° do Código Civil: será admissível a recusa da informação quando o sócio abuse do seu direito à informação, isto é, quando o sócio exerça esse direito com a finalidade precípua de prejudicar a sociedade e lesar os respectivos interesses.
Por outro lado, colocando-nos fora das situações extremas do abuso de direito, há que levar em linha de conta que, ao lado dos interesses do sócio que se pretendem acautelar através do direito à informação, existem os interesses da sociedade que, bem pode suceder, podem, em concreto, conflituar com aqueloutros do sócio. Tanto mais que a lei impõe que os administradores ajam sempre no interesse da sociedade e que empreguem nessa actuação a diligência de um gestor criterioso e ordenado, conforme decorre do art. 235º n° 2 do Código Comercial.
Ora, em cada caso, perante um pedido de informação, os administradores deverão sempre proceder a uma ponderação, a um balanço entre os interesses do sócio que formula o pedido e os interesses da sociedade e aferir da medida em que, eventualmente, aquele pedido de informação poderá redundar em prejuízo da sociedade. Caso concluam nesse sentido, paece óbvio que os administradores deverão dar primazia aos interesses da sociedade e recusar, se passar por aí a salvaguarda desses mesmos interesses, a informação pedida.
De resto, isto mesmo tem expresso suporte legal, no que concerne ao direito à informação na sua dimensão de direito à reprodução de documentos.
Com efeito, na norma geral reguladora da reprodução de coisas e documentos, contida no art. 570º do Código Civil, está prevista a possibilidade de o requerido (no caso, a sociedade) se opor à reprodução mediante a invocação de motivo grave.
Por outro lado, se assim não fosse, deixaria de se compreender a exigência feita no art. 209º n° 4 do Código Comercial da audição prévia da sociedade antes da decisão do requerimento formulado pelo sócio ao tribunal em caso de recusa da informação solicitada.
Se importa ouvir a sociedade é porque esta pode apresentar razões justificativas da recusa que, eventualmente, a tornem lícita. Não pode ser de outro modo. …”
Os factos provados demonstram expressamente que na reuinão da assembleia geral realizada em 25 de Fevereiro de 2021 foi discutida e tomada a deliberação sobre as contas anuais referentes ao exercício de 2020. Da referida acta resulta que antes de tomar a deliberação, a procuradora levantou várias questões e foi o sócio e administrador D que as respondeu, porém, não lhe forneceu nenhuma cópia dos referidos documentos.
A acta também contém o seguinte conteúdo: “Quanto às aludidas questões, o Senhor D já respondeu à Senhora E e exibiu os referidos documentos ou recibos para a consulta desta. A Senhora E referiu que não tinha as cópias das contas, pelo que, não teve tempo suficiente para apreciar as contas. A Senhora E não levantou outras perguntas.”
Nos autos também foi provado que antes da reuinão da assembleia geral, a procuradora do requerente não conseguiu obter as cópias das contas anuais objecto da deliberação.
Ao abrigo do artigo 209.º n.º 1 alínea f) do Código Comercial, o direito à informação do sócio deve ser exercido antes de se proceder à votação. Claramente, o mais ideal é que o sócio requer, com o mais cedo possível, as informações necessárias à deliberação, porém, isto não implica que o direito à informação do sócio deve sujeitar-se às limitações não previstas na lei e o sócio não deve ser censurado por só pedir informações na véspera da realização da assembleia geral ou antes de tomar a deliberação no dia da assembleia geral. Os factos provados demonstram expressamente que antes de tomar a deliberação sobre as contas anuais na reunião da assembleia geral, o direito à informação exercido pela procuradora do requerente não foi satisfeito, e tendo em conta que a sociedade requerida não negou que as informações solicitadas pelo requerente eram pertinentes aos assuntos contidos na ordem de trabalhos da assembleia geral e eram necessárias ao esclarecido exercício do direito de voto1, este Tribunal entende que não se pode provar que o requerente exerceu intempestivamente o seu direito à informação.
A sociedade requerida alegou que as cópias de alguns documentos não podem ser fornecidas por existir potencial conflito de interesse comercial com a sociedade requerida (cfr. artigo 86.º da oposição), conforme a acta da assembleia geral, ninguém indicou na reunião que existe potencial conflito de interesse comercial entre tais documentos (incluindo os contratos relacionados com o edifício celebrados com a companhia de segurança e a companhia de condomínio e o contrato de mediação celebrado com a mediação imobiliária) e a sociedade requerida. De facto, a sociedade requerida também demonstrou claramente que tinha exibido os referidos documentos à procuradora, pelo que, é difícil compreender porque entende que só o fornecimento de cópias é que se considera que existe potencial conflito de interesse comercial com a sociedade requerida.
Pelas razões acima referidas e nos termos do artigo 209.º n.º 4 do Código Comercial, os fundamentos invocados pelo requerente devem ser julgados procedentes, fixando-se um prazo de 15 dias para que a sociedade requerida cumpra o dever de fornecer ao sócio as informações solicitadas.».
Vejamos então.
Nas suas conclusões de recurso vem a Recorrente impugnar a decisão da matéria de facto e a de Direito.
Da impugnação da matéria de facto
Pretende a Recorrente que seja aditado à matéria de facto o seguinte:
«Antes da deliberação na assemblea ordinária de sócios, a procuradora E levantou várias perguntas, às quais respondeu o sócio e administrador D, sem que porém fornecesse qualquer cópia dos documentos pertinentes à procuradora E.».
O que está em causa nestes autos é se o Requerente tem direito à informação que pediu e se a Requerida prestou ao sócio aqui Requerente as informações que este pediu.
Para se decidir se o Requerente tem direito à informação e se ela foi prestada há primeiro que saber de que informação se trata.
Ora, dizer que fez várias perguntas e que respondeu a várias perguntas não nos esclarece coisa alguma pois ficamos sem saber que perguntas foram feitas e que respostas foram dadas.
Logo o facto que se pretende seja adicionado é irrelevante para a decisão da causa, sendo de improceder a impugnação da matéria de facto.
Do Direito
Discorda a Recorrente do direito do Recorrido/Requerente a obter cópias das contas anuais – conclusões d) a o) -.
No artº 86º da sua oposição invocava a Requerida/Recorrente que o fornecimento de cópias dos contratos relativos à companhia de segurança, de condomínio e de mediação imobiliária poderiam por em causa os interesses da sociedade uma vez que o Requerente/Recorrido tem edifícios na proximidade do edifício da sociedade.
Nada mais se alegava sobre esta matéria.
A fls. 265/266 e a fls. 267/270 dos autos juntou a Requerida umas fotocopias – que não foram impugnadas – de duas certidões do registo predial de onde resulta que o Requerente tem em Macau na Escada da Arvore nº 40-42 um prédio de r/c e 3 andares composto por duas fracções autónomas e na Praça de Lobo Ávila sem nº tem um prédio rustico composto por 28 andares (citação do que consta da fotocópia da certidão do registo predial, sendo certo que aqui não cabe apreciar da mesma – cf. nº 2 do artº 195º do C.Civ.), sendo que relativamente a este corre uma acção contra o aqui Requerente em que a propriedade do prédio é reclamada por outrem. No entanto esta matéria não foi levada à factualidade assente nem se impugnou a decisão da matéria de facto por omissão se assim se entendesse.
Até aceitamos que a demonstrar-se que o Requerente tenha edifícios idênticos ao da Requerida pudesse ser um factor que eventualmente fundamentasse o poder admitir-se estarem em causa os interesses da sociedade, mas para tal haveria que invocar e demonstrar como e em que sentido é que esses interesses podem vir a ser afectados, o que no caso dos autos não foi feito, pois, nem do Edifício C se junta certidão do registo predial alguma para que se pudesse comparar com o prédio urbano que o Requerente tem com 2 fracções e o prédio rustico onde está edificados um prédio com 28 andares de que nada mais se sabe para além de que alguém o reclama ter adquirido por usucapião.
Por outro lado, o simples facto do sócio requerente da informação estar ligado ao mesmo ramo de actividade noutras sociedades ou em nome pessoal não significa por si só que daí resulte prejuízo para os interesses da sociedade requerida, nem pode servir de pretexto a que a informação não seja fornecida, sob pena do sócio que desenvolva em nome pessoal ou através de outras sociedades a mesma actividade ficar privado de ser informado dos detalhes das operações que a sociedade realiza o que faz parte do seu direito à informação.
A título de exemplo pode até equacionar-se que o sócio requerente tenha até realizado esses mesmos contratos em situações mais vantajosas do que a sociedade e da comparação e que da partilha da informação só poderia advir vantagem para os interesses da sociedade.
Logo o que se invoca no artº 86 da oposição está longe de ser bastante para justificar a renúncia à informação.
No entanto, salvo melhor opinião recorre-se de algo que não consta da decisão recorrida.
Pese embora na decisão recorrida se discorra sobre o que se entende ser o direito do Requerente a que lhe sejam facultadas cópias dos documentos a final não se retira daí qualquer conclusão, mandando-se apenas prestar as informações.
Porém, na decisão recorrida não se manda entregar cópias de documento algum.
Sintetizando aquilo que se ordena na decisão recorrida é que a Requerida/Recorrente:
1- Forneça o contrato de arrendamento da fracção indicada para esclarecer data do início do contrato, seu termo, valor da renda e forma de pagamento;
2- Indique que lugar de estacionamento do edifício indicado pretende dar de arrendamento e qual o valor;
3- Explique porque tendo um depósito de HKD24.720.000,00 em Outubro de 2020 teve de dar de arrendamento a referida fracção autónoma e se a renda recebida é superior ao valor de depreciação anual decorrente do seu uso;
4- Qual o lucro da sociedade em 2020;
5- Explique o porquê de juros devedores no valor de MOP12.000.000,00 no exercício de 2020;
6- Qual a razão para ter pedido nos meses de Janeiro a Abril de 2020 ao sócio administrador um empréstimo de mais de MOP6.000.000,00, se são devidos juros pelo referido empréstimo e em caso afirmativo qual a taxa, facturas e recibos da utilização do mesmo;
7- Qual a razão pela qual os lucros não são usados para pagar as dívidas para evitar o pagamento de juros?
8- Exibir os contratos subjacentes ao pagamento das despesas de condomínio e segurança do Edifício C;
9- Exibir os recibos das despesas de decoração do andar modelo do Edifício C;
10- Quais as comissões pagas na venda das fracções do Edifício C e exibição dos respectivos recibos.
Em momento algum se manda entregar cópias das contas da sociedade.
Dos 10 itens que constam da decisão recorrida apenas no primeiro se ordena que “forneça” um contrato que evidentemente tratando-se de um contrato não é para o fornecer no sentido de entregar mas exibir o contrato.
Ou seja, não se ordena que a sociedade entregue cópias de coisa alguma mas que preste explicações e que exiba os documentos.
A questão das cópias é referida relativamente ao momento anterior ao da assembleia geral, mas este processo está para além desse tempo.
Pese embora o Requerente alegue que as informações pedidas visam a melhor análise das contas anuais e do relatório da administração, tendo já sido realizada a assembleia geral, obviamente, esta informação já não se destina a exercer o direito de voto o que não inibe o requerido de pedir a informação indicada no âmbito do seu direito à informação nas outras vertentes, nomeadamente o de inspecção no sentido de apreciar se as contas e relatório apresentados reflectem uma boa administração da sociedade.
Pelo que, é irrelevante tudo quanto se alega a respeito da sociedade ter de entregar “cópias” dos documentos.
Mais alega o Recorrente que as dúvidas referidas em 1, 3, 4, 7 e 9 não foram apresentadas na Assembleia Geral quando se discutiram os pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos.
Na decisão recorrida não consta que as informações que se ordenou que a sociedade prestasse houvessem sido pedidas na Assembleia Geral mas sim que haviam sido pedidas na carta que o Requerente enviou aos administradores em 4.3.2021, logo o que importa saber é se, mesmo depois da realização da assembleia geral o sócio ainda tem direito às informações pedidas ou não.
Já muito se discorreu nos autos sobre o direito de informação do sócio com a inerente transcrição do artº 209º do C.Com. pelo que nos dispensamos de mais uma vez aqui o fazer.
Enquanto a alínea f) do indicado preceito se refere ao pedido de informações relativa a assuntos que constem da ordem de trabalhos da assembleia geral antes de se proceder ao exercício do direito de voto com vista a que este direito possa ser exercido de forma esclarecida, a alínea g) autoriza o sócio a “requerer, por escrito, à administração, informação escrita sobre a gestão da sociedade, nomeadamente sobre qualquer operação social em particular”.
É esta situação que ocorre nos autos.
Nos termos da alínea g) do nº 1 do artº 209º do C.Com. o sócio pode a todo o tempo e quando o entender – se não estiver limitado no exercício desse direito nos termos do nº 2 do mesmo preceito – pedir informações sobre determinadas operações da sociedade, e foi isso que foi feito.
Tal como resulta da letra do próprio preceito esta informação é requerida por escrito – como foi feito – e é prestada por escrito pelos administradores da sociedade.
Em momento algum do indicado preceito está condicionado o direito a estas informações ao exercício do direito de voto na assembleia geral.
O sócio tem o direito de estar informado da actividade social durante todo o período em que tem essa qualidade, não se limitando o seu direito à informação apenas para o esclarecimento devido ao exercício do direito de voto em assembleia geral.
Aliás, isso mesmo decorre da cominação para a informação falsa, incompleta ou não elucidativa consagrada no nº 5 do assinalado preceito, permitindo que se requeira exame judicial à sociedade nos termos do artº 211º do C. Com. o qual se reporta a irregularidades na vida da sociedade e não ao exercício de um qualquer direito de voto.
Esta informação corresponde àquilo que a Doutrina classifica de qualificada – veja-se Antonio Menezes Cordeiro em Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2ª Ed., pág. 143 – e pode ser recusada se a sua divulgação for susceptível de prejudicar gravemente a sociedade.
No caso dos autos como já referimos não se concretiza em que medida é que a divulgação desta informação pode prejudicar gravemente a sociedade, sendo certo que – também como já se referiu o que se alega no artº 86º da oposição não é bastante -.
Sobre o regime da informação mostra-se apropriado transcrever o que escreve o Autor citado na obra indicada a pág. 144:
«35 18. Regime. A informação funciona: (a) como pressuposto do voto; (b) como meio de legitimação dos investimentos e do mercado; (c) como via da fiscalização; (d) como instrumento de tutela das minorias. Perante qualquer situação informativa, há que determinar o aspecto em causa: dele dependerá a concretização do regime.
36 São sujeitos da informação a sociedade (passivo) e o sócio (activo). O direito à informação pode ainda caber ao representante comum dos obrigacionistas, ao usufrutuário e ao credor pignoratício de posições sociais, quando, por lei ou convenção, lhes caiba exercer o voto (293.º, aplicável aos diversos tipos de sociedades).
37 Dentro da sociedade, as informações devem ser prestadas, em princípio, pelo órgão de administração: é ele que está em condições de aceder aos elementos relevantes e é ainda ele que tem a precepção da matéria eventualmente sujeita a sigilo. Todavia, em aspectos limitados, a informação pode caber ao órgão de fiscalização (p. ex., parecer sobre contas) ou ao presidente da mesa da assembleia geral (p. ex., acta ou lista de presenças), quando tenham à sua guarda os competentes elementos.
38 A recusa da informação devida pode ocasionar a anulabilidade das deliberações – 58.º/1, c) – o inquérito ex. 67.º/1 ou o inquérito judicial – 292.º.
39 19. Natureza. O direito à informação é um elemento estrutural do status de sócio. Ele tem um regime patrimonial, na medida em que se insere nesse status. Pode ser tomado em abstracto ou em concreto: sempre que se verifiquem os seus pressupostos e o interessado o invoque. Não pode ser previamente renunciado. Tecnicamente, o direito abstracto à informação traduz o direito potestativo de pedir informações, fazendo, com o seu exercício, surgir um concreto direito à informação. Este, por seu turno, é um direito a uma prestação de facere: a de dar a informação visada.».
Pelo que, sendo a informação pedida nos termos da al. g) do nº 1 do artº 209º do C.Com. e nada se invocando que da sua divulgação ao sócio possa resultar em prejuízo para a sociedade, haviam as informações pedidas que ter sido prestadas por escrito, sendo exibidos os documentos de suporte tal como foram pedidos, sob pena do sócio não poder aquilatar da veracidade da informação prestada.
Mais se esgrimem argumentos nas alegações e conclusões de recurso que uma vez realizada a assembleia geral não tem o sócio direito a obter mais informações.
Assenta aquele argumento no fundamento que tendo sido ultrapassado o momento de exercer o direito de voto nada mais há a informar, mas esquece que o direito do sócio a ser informado vai para além do esclarecimento devido ao exercício do direito de voto, estando-lhe também subjacente o conhecimento inerente ao investimento realizado, o direito de fiscalização da administração e a tutela das minorias2, dos quais decorre também o direito a ser informado e a conhecer a vida da sociedade.
Sobre esta matéria veja-se, também, Jorge de Abreu em Curso de Direito Comercial, Vol. II, pág. 252 e seguintes.
Destarte, embora com fundamentos ligeiramente diversos da decisão recorrida, impõe-se negar provimento ao recurso mantendo-se a decisão recorrida no sentido da condenação da Requerida e agora Recorrente a prestar as informações indicadas.
Negando-se provimento ao recurso fica prejudicada a apreciação do fundamento em que o Recorrido decaiu na primeira instância conforme requerido nas suas alegações.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso, mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 1 de Dezembro de 2022
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
1 Comparando o conteúdo da acta com os pedidos formulados na petição inicial, poder-se saber que a procuradora do requerente levantou questões semelhantes no dia da assembleia geral (cfr. 1(2), 2(5), 2(7) e 3). Depois de ler o artigo 92.º da oposição apresentada pela sociedade requerida, pode-se saber que as respostas actualmente feitas pela sociedade requerida sobre as questões semelhantes suscitadas pelo requerente são mais pormenores.
2 Antonio Menezes Cordeiro, Manual do Direito das Sociedades, I, pág. 605 e seguintes.
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454/2022 CÍVEL 4