Processo n.º 669/2022
(Autos de recurso cível)
Data: 7/Dezembro/2022
Assuntos:
- Responsabilidade pela falha cometida no trabalho
SUMÁRIO
Apesar de as rés e a interveniente estarem no mesmo turno de trabalho, mas no momento em que foi cometida a falha, isto é, aquando da troca de fichas foram entregues em excesso ao cliente e não estando presente a interveniente, esta não é responsável pelos factos praticados por aquelas.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo n.º 669/2022
(Autos de recurso cível)
Data: 7/Dezembro/2022
Recorrente:
- B (2ª ré)
Recorrida:
- D Sociedade Unipessoal Limitada (autora)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
D Sociedade Unipessoal Limitada intentou acção declarativa comum sob a forma ordinária contra A (1ª ré) e B (2ª ré), bem como a interveniente C, pedindo que sejam as duas rés e a interveniente condenadas a pagar solidariamente à autora a quantia de MOP337.189,04, acrescida de juros de mora.
Por sentença de 9.2.2022, foram as duas rés condenadas a pagar à autora, respectivamente, HKD162.915,00 e HKD164.453,00, sendo ambas as quantias acrescidas de juros à taxa legal, enquanto a interveniente foi absolvida do pedido.
Inconformada, recorreu a 2ª ré jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“a. 尊敬的初級法院法官閣下(Tribunal “a quo”)於2022年2月9日作出判決,上訴人表示在尊重初級法院法官閣下(Tribunal “a quo”)之前提下,對判決之內容並不認同。
b. 本上訴標的為初級法院法官閣下(Tribunal “a quo”)之判決。
c. 在對初級法院法官閣下(Tribunal “a quo”)作出的判決內容給予應有尊重的前提下,上訴人認為被訴判決存有判決決定與已證事實出現相互矛盾。
d. 初級法院法官閣下(Tribunal “a quo”)在判決部分指出“bem poderá entender-se que a interveniente não estava efectivamente de turno no momento em que o dano e o acto danoso ocorreram”,與已證事實第H點出現矛盾。
e. 根據已證事實第H點,“於2015年10月18日上年8時至下午16時,帳房由第一被告、第二被告,以及另一名帳房主任即第三被告C當值。”
f. 第三被告即帳房主任C在損害發生時亦正在當值。
g. 根據已證事實第2點“Provado apenas que o Código Disciplinar de Empregados da Tesouraria estabelece que, desde que um ou vários dos empregados de turno cometa um erro, todos os empregados do mesmo turno são responsáveis pela indemnização” 證實了帳房守則規定只要其中一名或多名員工出錯,當值的員工負責賠償。
h. 倘若第一被告以及上訴人為原告的損失負責,第三被告作為當時當值的員工之一,按照上述規定,第三被告需要與第一被告以及上訴人以連帶責任的方式承擔有關的責任。
i. 因為,上訴人、第一、第三被告均簽署同意遵守原告訂立了帳房員工守則,該合同條款對上訴人、第一、第三被告均產生效力。
j. 帳房的工作是需要工作人員之間互相核對客人交出兌換的金額及交予客人籌碼,基此,同更工作的第三被告負有監督兌換籌碼的義務。
k. 上訴人及第一、第三被告入職時已知悉有關之風險,即員工出錯的風險由全更帳房員工共同承擔,上訴人及第一、第三被告在衡量後才會擔任有關職務。
l. 基此,該部份之決定已證事實第H點之內容出現相互矛盾,並因而應被撤銷。
m. 初級法院法官閣下(Tribunal “a quo”)在判決部分指出 “Não ocorre no caso presente qualquer fonte de solidariedade passiva (lei ou acordo – art. 506º do CC)”,與已證事實第2點出現矛盾。
n. 根據已證事實第2點 “Provado apenas que o Código Disciplinar de Empregados da Tesouraria estabelece que, desde que um ou vários dos empregados de turno cometa um erro, todos os empregados do mesmo turno são responsáveis pela indemnização” 帳房守則規定只要其中一名或多名員工出錯,當值的員工負責賠償。
o. 根據《民法典》第506條之規定: “債務人間或債權人間之連帶關係,僅基於法律或當事人之意思而產生時方成立。”
p. 按上訴人之微見,上訴人、第一、第三被告均簽署同意遵守原告訂立了帳房員工守則,這代表有關之連帶關係是基於當事人意思而產生的。
q. 上訴人、第一、第三被告對於原告是連帶債務之關係。
r. 基此,該部份之決定與已證事實第2點之內容出現相互矛盾,並因而應被撤銷。
s. 綜上所述,應駁回初級法院法官閣下(Tribunal “a quo”)作出判處上訴人須向原告支付港幣164,453.00元之決定。
綜上所述,倘若有所遺漏,懇請尊敬的法官閣下按照有關法律之規定指正補充,並接納本聲請,裁定上訴理由成立,因而撤銷初級法院民事法庭所作出之判決,關於判處上訴人須向原告支付港幣164,453.00元之決定;請求公正審理!”
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Ao recurso não respondeu a recorrida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
A Autora é uma sociedade unipessoal limitada, estabelecida em 30 de Março de 2011, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens móveis sob o nº 3****(SO), e exerce principalmente a actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino.
A Autora obteve a licença nº E*** para o exercício da actividade de promotor de jogos de fortuna ou azar, emitida pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, e estabeleceu no casino Wynn “XX VIP Club”.
Desde Maio de 2013, as duas Rés começaram a prestar serviço à Autora, na tesouraria do VIP Club, com o seguinte âmbito de trabalho: converter fichas de jogos para os clientes, tratar dos seus depósitos, levantamentos e outras transacções, gerir os documentos e recibos de transacções, bem como calcular, acompanhar e verificar o valor da tesouraria e a quantidade das fichas.
A 1ª Ré é chefe da tesouraria e a 2ª Ré é a tesoureira.
A operação da tesouraria refere-se ao tratamento das fichas e numerários, bem como de recibos e registos de transacções.
Aquando do ingresso das duas Rés, a autora distribuiu-lhes o “Código Disciplinar de Empregados”. E em Dezembro de 2013, a autora distribuiu-lhes o “Código Disciplinar de Empregados da Tesouraria”.
As duas Rés concordaram em observar o “Código Disciplinar de Empregados” e o “Código Disciplinar de Empregados da Tesouraria” e manifestaram que compreenderam do teor dos dois códigos disciplinares.
Em 18 de Outubro de 2015, das 8h00 às 16h00, foram a 1ª Ré, a 2ª Ré e uma outra chefe da tesouraria, isto é, a interveniente, C, que prestaram serviço na tesouraria.
Aproximadamente ao meio dia, o cliente frequente, E, deslocou-se ao supracitado VIP Club explorado pela Autora e pediu aos empregados da tesouraria para lhe converter fichas para jogar no VIP Club;
A chefe da tesouraria (i.é. a interveniente), C, quando soube que houve erro na conversão de fichas, telefonou imediatamente para o cliente E.
A Autora processou a redução parcial aos salários atribuídos às duas Rés em Dezembro de 2015, sendo, respectivamente, uma redução de HKD12.085,00 à 1ª Ré de HKD10.547,00 à 2ª Ré.
Os empregados da tesouraria, para além de observarem o “Código Disciplinar de Empregados”, ainda têm de observar o “Código Disciplinar de Empregados da Tesouraria”. (Q 1.º)
O Código Disciplinar de Empregados da Tesouraria estabelece que, desde que um ou vários dos empregados de turno cometa um erro, todos os empregados do mesmo turno são responsáveis pela indemnização. (Q 2.º)
As duas Rés, quando converteram fichas para o cliente E, deram-lhe HKD500.000,00 em excesso. (Q 3.º)
Posteriormente, o cliente E recebeu o aviso e voltou para o VIP Club para tratar do assunto, devolveu imediatamente à Autora HKD150.000,00 e assinou o recibo de empréstimo de HKD350.000,00, comprometendo que o iria devolver esta quantia dentro de 15 dias. (Q 4.º)
15 dias depois, E ainda não efectuou nenhum pagamento para a Autora. (Q 5.º)
Ao converter as fichas, a interveniente não estava in loco. (Q 6.º).
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Entende a 2ª ré ora recorrente que existe contradição entre os fundamentos de facto e a decisão, daí que pretende ver revogada a decisão na parte em que condenou aquela a pagar à autora a quantia de HKD164.453,00.
Como bem observa a recorrente, não está correcta a afirmação dada pelo tribunal recorrido no sentido de que a interveniente não estava efectivamente de turno no momento em que o dano e o acto danoso ocorreram. De facto, conforme a alínea H) dos factos assentes, provado está que naquele dia as duas rés e a interveniente estavam de turno na tesouraria, só que no momento em que foi efectuada a troca de fichas, a interveniente não estava presente (resposta ao quesito 6º).
Não obstante, não se vislumbra, a nosso ver, a alegada contradição que acarretaria a nulidade da sentença recorrida.
Segundo o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 571.º do Código do Processo Civil, a sentença é nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
Só existe a nulidade prevista na alínea c) (oposição entre os fundamentos e a decisão), quando se verifica contradição lógica entre os fundamentos e a decisão.1
Dito de outra forma, a sentença só enferma de nulidade quando os fundamentos estão em oposição com esta própria, nomeadamente, quando resulta da fundamentação a improcedência da acção mas, a final, foi o réu condenado, ou vice-versa.
No caso em apreço, entendemos que a fundamentação apontada pelo tribunal a quo conduz logicamente à decisão de condenação, pelo que não se verifica a nulidade da sentença referida na alínea c) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC.
O que pode acontecer, quando muito, é ter aplicado mal o direito.
Vejamos então se a decisão foi julgada correctamente.
Na verdade, as rés e a interveniente estavam no mesmo turno, mas no momento em que foi efectuada a troca de fichas e que foram entregues em excesso ao cliente, não estava presente a interveniente.
Não obstante que consta do contrato de trabalho uma cláusula segundo a qual o trabalhador responde pelo incumprimento de outros trabalhadores, mas a questão foi bem observada e analisada pelo tribunal recorrido no sentido de inexistência/nulidade da referida cláusula, com a qual concordamos e cujo conteudo a seguir se transcreve:
“Trata-se de uma cláusula contratual que cria para o trabalhador um dever de garantia da responsabilidade de outros trabalhadores, dever esse que não resulta da lei como dever do trabalhador ao lado dos seus deveres de urbanidade, pontualidade, zelo, obediência, lealdade, cooperação, etc. ora, a liberdade contratual é restringida pelo art. 14.º, n.º 2 e 3 da Lei n.º 7/2008 proibindo o estabelecimento de condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador. Um trabalhador tem de cumprir a sua prestação com zelo, mas fica com condições de trabalho menos favoráveis se, ao mesmo tempo, responder pela falta de zelo de outros trabalhadores.
O referido artigo 14.º diz que esta cláusula é inexistente. À vista do direito civil deveria ser nula. Mas o direito civil não deve meter a foice em seara alheia neste caso. Seja como for, a referida cláusula não produz efeitos jurídicos capazes de vincular a interveniente, a qual, à falta de outra razão jurídica para responder, tem de ser absolvida.”
Por o tribunal recorrido ter feito uma correcta interpretação e aplicação da lei, no sentido de a interveniente não ser responsável pela falha cometida pelas 1ª e 2ª rés, improcedem as razões aduzidas pela recorrente.
A recorrente invoca ainda que a responsabilidade das rés e da interveniente é solidária.
Conforme dito acima, uma vez que a interveniente não é responsável pelos factos praticados pelas duas rés, andou bem o tribunal recorrido ao condenar apenas aquelas duas rés no pagamento e que, na falta de qualquer fonte de solidariedade passiva, cada uma das rés responde conjuntamente pelos danos causados à autora, nos exactos termos definidos na sentença recorrida.
Isto posto, nega-se provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Custas, nesta instância, pela 2ª ré ora recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 7 de Dezembro de 2022
(Relator)
Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
1 Viriato de Lima, Manual de Direito Processual Civil, 3.ª edição, pág. 569
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Recurso cível 669/2022 Página 25