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Processo nº 431/2022
(Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data do Acórdão: 17 de Novembro de 2022

ASSUNTO:
- Habitação económica
- Resolução do contrato de promessa
- Verificação de impedimento

SUMÁRIO:
- O artº 34º da Lei nº 10/2011, na redacção introduzida pela Lei nº 13/2020, estatui no seu nº 1 que a venda das fracções autónomas construídas no regime de habitação económica depende da emissão do termo de autorização, o qual é emitido pelo Instituto de Habitação após confirmação de que o promitente-comprador e os elementos do seu agregado familiar reuniam, até à data de celebração do contrato-promessa de compra e venda, os requisitos previstos no nº 8 do artº 14º;
- Caso se verifique, que o promitente-comprador e os elementos do seu agregado familiar não cumprem os requisitos previstos no nº 8 do artº 14.º, o Instituto de Habitação procede à resolução do contrato-promessa;
- É certo que as faladas normas legais contidas na alínea 1) do nº 8 do artigo 14º e no nº 4 do artº 34º da Lei nº 10/2011 não estavam em vigor no momento em que os Recorrentes apresentaram a candidatura à aquisição de habitação económica, nem quando os mesmos celebraram com o Instituto de habitação o contrato-promessa de compra e venda aqui em apreço, porém, de acordo com a disposição transitória contida no nº 3 do artº 3º da Lei nº 13/2020, o nº 8 do artº 14º e nº 4 do artº 34º da Lei nº 10/2011, alterados pela por aquela lei, são aplicáveis aos promitentes-compradores que tenham celebrado contrato-promessa de compra e venda ao abrigo do «Regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação», aprovado pelo Decreto-Lei nº 26/95/M, devendo calcular-se o prazo estabelecido no nº 8 do artº 14º da Lei nº 10/2011 a partir da data de apresentação da candidatura até à data de escolha da fracção, o que, significa que as mencionadas normas são retroactivamente aplicáveis e abrangem situações emergentes de contratos-promessa celebrados anteriormente à sua entrada em vigor.


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Rui Pereira Ribeiro







Processo nº 431/2022
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 17 de Novembro de 2022
Recorrentes: A e B
Recorrido: Presidente do Instituto de Habitação
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A e B, ambos com os demais sinais dos autos,
  vieram interpor recurso contencioso do despacho de 07.05.2021, do
  Presidente do Instituto de Habitação,
  com os fundamentos que constam de fls. 57 a 61v. pedindo que se declarasse a invalidade ou ineficácia do acto recorrido.
  Foi proferida sentença a julgar improcedente o recurso contencioso com a consequente manutenção do acto recorrido.
  Não se conformando com a decisão proferida vieram os Recorrentes recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
1. Por despacho proferido pelo Exmo. Sr. Presidente do Instituto de Habitação em 7 de Maio de 2021 exarado no relatório n.º 0856/DAJ/2021 foi tomada a decisão de resolução do contrato-promessa de compra e venda da habitação económica (fls. 14 a 17).
2. Outro, no entanto, podia e devia ter sido o sentido da decisão recorrida.
3. Desde logo, porque a decisão ora recorrida não se pronunciou sobre as questões sumariadas nas conclusões C) das alegações do recurso, tendo por isso incorrido em nulidade por omissão de pronúncia - art.s 571.º, n.º 1, alínea d), por violação do disposto no art.s 562.º, n.º 3, ambos do CPC, ex vi dos art.º 1.º e 149.º, n.º 1, ambos do CPAC, pelo que deverá ser anulada, com as legais consequências.
4. Por outro lado, o não cumprimento dos requisitos previstos no art.º 14.º, n.º 8, da Lei da Habitação Económica é um dos fundamentos de exclusão do concurso dos adquirentes seleccionados até ao acto de celebração do contrato-promessa, conforme resulta do art.º 28.º, n.º 1, (1), desse diploma,1mas não constitui fundamento de resolução após a celebração desse contrato, a menos que tal não-cumprimento se mantenha após o acto da celebração do contrato e/ou ocorra ex nuovo durante a vigência da relação contratual, conforme resulta da interpretação do art.º 34.º, n.º 4 da Lei da Habitação fixada na cláusula resolutiva 14.ª do contrato-promessa de fls. 11 a 13.
5. Por conseguinte, não era possível à entidade recorrida ter validamente resolvido o contrato.
6. Isto dado os promitentes-compradores não terem violado nenhuma das obrigações resultantes do contrato-promessa de fls. 11 a 13, designadamente a cláusula 6.ª , nem posteriormente à sua celebração em 14/12/2012 se ter verificado a hipótese resolutória prevista na sua cláusula 14.ª ex vi do art.º 34.º, n.º 4, da Lei da Habitação Económica, designadamente a superveniência do não-cumprimento dos requisitos previstos no n.º 8 do artigo 14.º desse diploma.
7. Por outro lado, também se formou “caso decidido” ou “caso resolvido” vinculativo para a entidade recorrida sobre todos os pressupostos (de facto e de direito) dos seguintes actos administrativos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, na acepção do disposto no art.º 110.º do CPA: (1) “acto de selecção dos adquirentes”, (2) “acto de apreciação dos requisitos do candidato e dos elementos do respectivo agregado familiar”, (3) “acto de atribuição da habitação” e (4) despacho SATOP, de 28.08.2012, exarado no relatório n.º 0112/DEIA/2012 e (5) despacho do Presidente do IH que autorizou a celebração do contrato-promessa de fls. 11 a 13.
8. Logo, de duas uma:
- ou antes da celebração do contrato-promessa de fls. 11 a 13, o IH excluía os adquirentes seleccionados do concurso nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 28.º, n.º 1, 1) da Lei da Habitação Económica, por não reunirem os requisitos legais de acesso à compra de fracções de habitação económica;
- ou após a sua celebração em 14.12.2012, o IH resolvia o contrato-promessa de fls. 11 a 13 nos termos e para os efeitos da sua cláusula 14.ª e do art.º 34.º, n.º 4, da Lei da Habitação Económica, imputando para tanto aos promitente-compradores e/ou os elementos do seu agregado familiar, o não-cumprimento superveniente dos requisitos previstos no n.º 8 do artigo 14.º do mesmo diploma.
9. Sucede que o IH não fez uma coisa nem outra.
10. O que o IH fez foi, em 7.05.2021, resolver o contrato-promessa de fls. 11 a 13 celebrado em 14.12.2012, com base numa situação de não-cumprimento inexistente desde 16/06/2004.
11. Ora, o art.º 34.º, n.º 4, da Lei da Habitação Económica não o consente.
12. Isto por a resolução ser a destruição da relação contractual (validamente constituída) operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato. - Cf Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7.ª ed., p. 275.
13. Caso na redacção do art.º 34.º, n.º 4, da Lei da Habitação Económica se quisesse ter incluído as situações (já sanadas) de não cumprimento anteriores à celebração do contrato-promessa - e não se quis - o legislador da RAEM teria optado por conjugar o verbo “cumprir” na 3.ª pessoa do plural do pretérito perfeito (“não cumpriram”) ou na 3.ª pessoa do plural do pretérito mais-que-perfeito do indicativo (“não cumpriram”), em vez de o ter conjugado, como conjugou, na 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo (“não cumprem”).
14. Não o fez, pelo que o art.º 34.º, n.º 4, da Lei da Habitação Económica só se refere às situações de não cumprimento que se verifiquem na vigência do contrato-promessa.
15. Isto por força da presunção legal estabelecida no art.º 8.º, n.º 3, do Código Civil, já que o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
16. A interpretação de que o art.º 34.º, n.º 4, da Lei da Habitação Económica só se se refere às situações de não cumprimento dos requisitos previstos no n.º 8 do artigo 14.º que se verifiquem na vigência do contrato-promessa é também a única que tem em conta a unidade do sistema jurídico prevista no art.º 8.º, n.º1, do Código Civil.
17. Afigura-se, pois, evidente que o legislador da RAEM não quis reinventar (nem subverter) a figura da resolução do contrato, de forma a que ela pudesse também passar a basear-se em situações inexistentes à data da sua celebração.
18. Nem se diga que esta interpretação art.º 34.º, n.º 4, da Lei da Habitação Económica derrotaria a finalidade da política de habitação económica por permitir que tivessem acesso a fracções de habitação económica pessoas que a elas se não poderiam ter candidatado.
19. Isto porque, a verificar-se erro-vício quanto à habilitação dos candidatos, o contrato-promessa validamente celebrado com os adquirentes seleccionados ser anulável pelo IH nos termos da lei substantiva.
20. A interpretação de que o art.º 34.º, n.º 4, da Lei da Habitação Económica só se se refere às situações de não cumprimento dos requisitos previstos no n.º 8 do artigo 14.º que se verifiquem na vigência do contrato-promessa é também a interpretação que melhor se coaduna com a redacção da cláusula resolutiva expressa prevista na cláusula 14.ª do contrato-promessa de fls. 11 a 13,
21. pela qual tal interpretação do art.º 34.º, n.º 4, da Lei da Habitação Económica foi sufragada pela entidade recorrida e incorporada na cláusula 14·ª do contrato-promessa, a qual, por se tratar de uma cláusula modelo resultante da lei, consta de todos os contratos-promessa de compra e venda de habitação económica.
22. Por conseguinte, o acto administrativo objecto da sentença recorrida não podia ter sido praticado ao abrigo do disposto no art.º 34.º, n.º 4, da Lei n.º 10/2011 da Lei da Habitação Económica, dado os promitentes-compradores já cumprirem, desde 16/06/2004, os requisitos previstos no n.º 8 do artigo 14.º desse diploma e a resolução em 7/05/2021 do contrato-promessa celebrado em 14/12/2012, por definição, só poder ter como fundamento um facto superveniente à sua celebração e não um facto a ela anterior.
23. Outra interpretação que não esta conflituaria com o propósito da política de habitação económica.
24. É o que resulta do ponto 3.2 Alteração do prazo em que não é permitido ser proprietário da “Nota Justificativa da Proposta de Lei intitulada “Alteração à Lei n.º 10/2011 - Lei da Habitação Económica” in www.al.gov.mo/uploads/attachment/2018-11/556535bdffd84288fi.pdf,
25. na qual o legislador conjugou o verbo “ser” no infinitivo pessoal “ser” (proprietário) e não no particípio passado “sido” (proprietário), precisamente para afastar a resolução do contrato-promessa em situações como a ora em apreço.
26. Caso assim não se entendesse, a entidade recorrida excedido os limites impostos pela boa fé no caso “sub judice”, incorrendo no exercício ilegítimo de um direito [artigo 326.º do Código Civil],
27. o que ... equivale à falta do direito. gerando as mesmas consequências jurídicas que se produziram quando uma pessoa pratica um acto que não tem o direito de realizar. - vidé, por todos, Inocêncio Galvão Telles, in “Obrigações”, 3.ª ed., p. 58.
28. Isto por nada justificar a resolução em 7/05/2021 do contrato-promessa de fls.11 a 13 com base numa situação de não-cumprimento inexistente desde 16/06/2004,
29. quando o que resulta da cláusula resolutória 14.ª do mesmo contrato­promessa é que o período em que o não cumprimento dos requisitos previstos no n.º 8 do artigo 14.º da Lei da Habitação Económica releva para efeitos da resolução do contrato validam ente celebrado entre as partes é apenas o tempo que medeia entre o acto da sua celebração e acto de emissão do termo de autorização.
30. Por último, sempre o acto administrativo em causa seria anulável por frustração do investimento da confiança tutelado no art.º 8.º, n.º 2, do CPA.
31. Assim não entendeu o Tribunal a quo pelo que sempre deverá o recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida e anulando-se a decisão de resolução do contrato promessa de fls. 11 a 13 tomada no Despacho do Presidente do Instituto de Habitação, de 7.05.2021 exarado no relatório n.º 0856/DAJ/2021 (fls. 14 a 17) por violação do disposto no art.º 8.º, n.º 2, do CPA, com as legais consequências.
32. Em suma, a sentença recorrida incorreu em erro de actividade por violação do disposto no art.º 571.º, n.º 1, alínea d) e art.º 562.º, n.º 3, ambos do CPC, ex vi dos art.º 1.º e 149.º, n.º 1, ambos do CPAC.
33. A sentença recorrida incorreu ainda em erro de julgamento por o Despacho do Presidente do Instituto de Habitação, de 7.05.2021, exarado no relatório n.º 0856/DAJ/2021, se tratar de um acto ineficaz e anulável.
34. Isto por ter sido proferido em violação do disposto no art.º 121.º, n.º 1, a contrario, do CPA e dos art.º 430.º, n.º 1 e 216.º, n.º 1, 1.ª parte, ambos do Código Civil, aplicáveis ao caso “sub judice” por força do art.º 61.º da Lei da Habitação Económica, do disposto no art.s 110.º do CPA por violar o “caso decidida ou “caso resolvido” formado sobre os actos administrativos constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos anteriormente praticados no concurso, do disposto nos art.ºs 28.º, n.º 1 e 34.º, n.º 4, da Lei da Habitação Económica”, do art.º 426.º, n.º 1 do Código Civil, da cláusula 14.ª do contrato-promessa de fls. 11 a 13, do art.º 8.º, n.º 1 e 3 ou do art.º 326.º, do Código Civil e do art.º 8º, 2, a) do CPA.
35. E se tratar de um acto contrário aos princípios da legalidade (art.º 3/1 do CPA) , da prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses dos residentes (art.º 4 do CPA) e da boa fé (art.º 8/1 do CPA) e, por conseguinte, da finalidade da política de habitação económica referida no art.s 2.º (1) da Lei da Habitação Económica, conforme resulta do ponto 3.2 do documento denominado “Nota justificativa da Proposta de Lei intitulada “Alteração à Lei n.º 10/2011 - Lei da Habitação Económica”.
  Contra-alegando veio o Recorrido apresentar as seguintes conclusões:
1) Os recorrentes judiciais à margem referenciados, A e B (adiante abreviadamente designados por “dois recorrentes judiciais”) consideram que a decisão (adiante abreviadamente designada por decisão recorrida) feita em 18 de Fevereiro de 2022 pelo Tribunal a quo padece dos vícios de omissão da apreciação, de falta da fundamentação e de erro na apreciação. Salvo o devido respeito, a recorrida não concordou a respectiva pretensão.
I. Quanto à omissão da apreciação e à falta da fundamentação
2) Os dois recorrentes alegaram que a decisão recorrida tinha omitido julgar o fundamento pretendido na al. c) na parte da conclusão da p.i. do recurso judicial e faltava a fundamentação relevante, violando assim o artigo 562.º, n.º 3 do CPC, aplicável subsidiariamente o artigo 149.º, n.º 1 do CPAC, e que a decisão recorrida deveria ser declarada inválida nos termos do artigo 571.º, n.º 1, al. d) do CPC.
3) Conduto, nos termos do disposto no art. 563.º n.º 2 do CPC, aplicáveis por força do preceituado no art. 1.º do CPAC: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”
4) O tribunal só tem de apreciar as questões levantadas pelas partes, “No recurso contencioso, significa isso que o juiz deve conhecer de todos os vícios do acto administrativo invocados pelo recorrente, salvo os que estejam prejudicados pela decisão dada a outras questões.”.
5) De acordo com a decisão recorrida e as suas razões, tal como expostas em fls. 8 a 13 (aqui se dão por integralmente reproduzido), reflectem, no seu contexto e à luz da resolução das questões, que o tribunal a quo expôs clara e integralmente as suas razões para a decisão e analisou e decidiu integralmente as questões que se pretendia apreciar.
6) Por conseguinte, a decisão recorrida não padece de, portanto, vícios em termos de "omissão da apreciação" ou "falta de fundamentação", como alegados pelos recorrentes.
II. Quanto ao erro na apreciação
7) Os dois recorrentes alegaram que na decisão recorrida existe o erro na apreciação, sendo anuláveis e ineficazes por os actos administrativos padecerem dos vícios, como se segue.
(i) Quanto ao acto administrativo recorrido em violação do “acto definitivo”
8) Os dois recorrentes pretendem que eles não violaram qualquer das obrigações contratuais previstas no contrato de promessa celebrado em 14 de Dezembro de 2012 (adiante abreviadamente designado por aquele contrato de promessa), por não estar preenchido os requisitos previstos no art.º 14.º daquela lei, e apenas uma razão da exclusão do concurso dos adquirentes selecionados, prevista nos termos do artigo 28.º, n.º 1, al. 1) daquela lei, o qual não se constitui o fundamento da resolução daquele contrato de promessa, pelo que o acto administrativo recorrido violou a decisão anteriormente tomada pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas de aprovar a celebração daquele contrato de promessa, bem como, nos termos do artigo 34.º, n.º 4 da Lei da Habitação Económica, ainda não estão satisfeitos os pressupostos de aplicação da resolução do contrato de promessa de compra e venda.
9) Os dois recorrentes apresentaram um boletim de inscrição para o concurso do contrato de desenvolvimento para a habitação em 22 de Março de 2004, nos termos do Decreto-Lei n.º 26/95/M alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 25/2002 e pelo Regulamento Administrativo n.º 5/2004, e os dois recorrentes assinaram aquele contrato de promessa com a recorrida em 14 de Dezembro de 2012.
10) Por conseguinte, em conformidade com as disposições transitórias do artigo 3.º, n.ºs 1 e 4 da Lei n.º 13/2020, as disposições do artigo 14.º, n.º 8 da Lei n.º 10/2011, com a alteração que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2020, aplica-se neste caso, sendo o período previsto neste número o período de cinco anos anterior à data de apresentação do pedido até à data de selecção da fracção.
11) Embora a Lei da Habitação Económica tenha sido alterada duas vezes, o legislador exigiu à recorrida que, antes da celebração da escritura de compra e venda da fracção, deva verificar-se que, quando o promitente-comprador e os elementos do agregado familiar preenchiam os requisitos estabelecidos no artigo 14.º, n.º 8 da Lei, só podia emitir termo de autorização.
12) Se se verifique que o promitente-comprador e os seus elementos do agregado familiar não estejam os referidos requisitos após feita a celebração do contrato de promessa de compra e venda, a recorrida tem de resolver o respectivo contrato de promessa.
13) Por conseguinte, o cumprimento destes requisitos não se limita à fase de apreciação substantiva do artigo 26.º da Lei da Habitação Económica ou à desqualificação de um candidato seleccionado ao abrigo do artigo 28.º, n.º 1, al. 1) da Lei da Habitação Económica.
14) Segundo a opinião conceituosa do tribunal a quo, “Pelo que não parece ser útil tentar discernir aqui como pretenderam os Recorrentes, a existência de ·um acto favorável anteriormente consolidado, após o qual seria jamais possível voltar a discutir as faltas do interessado que deviam ter sido apreciadas no momento anterior. Além do mais, tendo em conta que a resolução do contrato-promessa celebrado, acompanhada da destruição dos efeitos produzidos na esfera jurídica do interessado através do acto favorável de atribuição da habitação económica (ou melhor, de uma revogação implícita deste acto anterior) decorra de uma norma "que o impõe, não é curial dizer que o acto recorrido violou a norma do artigo 129.º, n.º 1, alínea a) do CPA (Veja-se, à semelhança desta conclusão, quanto a legalidade da revogação sancionatória, o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 576/2018, de 20/2/2020).”
15) Além disso, de acordo com a exposição de motivos da legislação da AL da RAEM para a Lei n.º 10/2011 sobre Habitação Económica, a restrição de que os requerentes de habitação económica não devem ser proprietários de propriedades é explicada para ajudar os residentes com necessidades práticas a resolver os seus problemas de habitação e para impedir que os requerentes de habitação económica e os membros de agredados familiares se candidatem a habitação económica após a aquisição de propriedades privadas, resultando assim numa atribuição não razoável de recursos de habitação económica.
16) Os dois recorrentes adquiriram por compra a fracção sita em Macau, na …, as necessidades habitacionais dos dois recorrentes e dos elementos do agregado familiar deveriam ter sido satisfeitas.
17) Embora a fracção tenha sido vendida em 2004, os dois recorrentes também se enquadram na definição de “comproprietários” nos termos do artigo 14.º, n.º 8 acima referido.
18) Por esta razão, o facto de os dois recorrentes serem co-proprietários do bem imóvel também constituiu um obstáculo à elegibilidade do pedido ao abrigo do artigo 14.º, n.º 8 acima referido.
19) Em resumo, a decisão recorrida foi feita em plena conformidade com as disposições do artigo 14.º, n.º 8 da Lei da Habitação Económica e estava de acordo com a intenção original e o espírito da legislação relevante, sem os vícios alegados pelos dois recorrentes.
(ii) Quanto à violação do princípio de boa-fé e ao abuso de direito
20) O artigo 34.º, n.º 4 da Lei da Habitação Económica dá ao recorrida o poder de rescindir o contrato de promessa, que é uma competência vinculada. A recorrida não tem o poder discricionário de examinar os requisitos do pedido do promitente-comprador e dos seus elementos do agregado familiar antes de emitir o termo de autorização, o que constitui uma actividade administrativa restritiva.
21) A alegação dos recorrentes de que a decisão recorrida violou o princípio da boa fé e que houve um abuso de direitos não deve ser sustentada.
22) Uma vez que os dois recorrentes e os seus elementos do agregado familiar não preenchiam os requisitos do artigo 14.º, n.º 8 da Lei de Habitação Económica, a recorrida resolveu o contrato de promessa de venda e compra de habitação económica já celebrado com os dois recorrentes ao abrigo do artigo 34.º, n.º 4 da mesma lei e nenhuma acto administrativo inválido foi tomada pela recorrida. Por conseguinte, a sua conduta não padece dos vícios de violação do princípio de boa fé e do abuso de direitos.

  Foram os autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO
  
a) Dos Factos

  Da decisão recorrida consta a seguinte factualidade:
- Em 28 de Janeiro de 1992, a recorrente A e seu cônjuge, o recorrente, B, adquiriram por compra da fracção autónoma sita em Macau, na …, e vendeu aquela fracção em 16 de Junho de 2004 (vide os autos administrativos de fls. 11 a 12).
- Em 22 de Março de 2004, a recorrente A apresentou, na qualidade da representante familiar, o boletim de pedido de habitação económica junto do IH, os elementos do agregado familiar incluem os dois recorrentes judiciais e seus filhos, C e D (vide os autos administrativos de fls. 2 e 3 e 3v).
- Em 13 de Setembro de 2012, o recorrente judicial dirigiu-se ao IH para seleccionar fracção (vide os autos administrativos de fls. 5 a 21v).
- Em 14 de Dezembro 2012, o IH e os dois recorrentes judiciais celebraram o contrato-promessa de compra e venda da fracção sita em Macau, … (vide os autos administrativos de fls. 6 a 8).
- Em 31 de Março de 2021, o Chefe da Divisão de Assuntos Jurídicos do IH fez um despacho, indicou que os dois recorrentes judiciais eram, no período compreendido entre 19 de Fevereiro de 1992 e 16 de Junho de 2004, contitulares da propriedade da fracção autónoma sita em Macau, na…, os quais não estavam preenchidos os requisitos da compra da fracção habitacionalmente económica, nesse caso, o IH podia fazer a resolução do contrato de promessa de compra e venda celebrado com os dois recorrentes judiciais, pelo que decidiu a abertura da audiência escrita e, notificou, em 9 de Abril de 2021, através do ofício n.º 2103300043/DAJ, os dois recorrentes judiciais para apresentar a justificação escrita (vide os autos administrativos de fls. 13 a 15).
- Em 26 de Abril de 2021, os dois recorrentes judiciais apresentaram a justificação escrita junto do IH (vide os autos administrativos de fls. 16 a 17).
- Em 7 de Maio de 2021, a entidade recorrida, na proposta n.º 0856/DAJ/2021, proferiu o despacho de consentimento, indicou que os dois recorrentes judiciais, na data de apresentação do boletim de pedido até à data de escolha da fracção, os quais eram contitulares da propriedade de bem imóvel para fim habitacional na RAEM, os quais não estavam preenchidos os requisitos de pedido de aquisição de fracção, pelo que de acordo com o disposto no artigos 14.º, n.º 8 e 34.º, n.º 4 da Lei n.º 10/2011-Lei da Habitação Económica, com alteração introduzida pela Lei n.º 11/2015 e pela Lei n.º 13/2020, republicadas pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 200/2020, decidiu a resolução do contrato de promessa de compra e venda celebrado entre o IH e os recorrentes judiciais (vide os autos administrativos de fls. 21 a 24, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- Em 13 de Maio de 2021, o IH, através do ofício n.º 2105100081/DAJ, decidiu notificar os dois recorrentes judiciais de tal decisão (vide os autos administrativos de fls. 25 a 25 e 27v).
- Em 16 de Junho de 2021, os dois recorrentes judiciais interpuseram o presente recurso judicial contra a referida decisão junto do Tribunal.
  
b) Do Direito

É do seguinte teor a decisão recorrida:
  «Começaram os Recorrentes por assacarem ao acto recorrido a violação dos "casos decididos", já que em seu entender, com o acto da prévia autorização do Secretário para os Transportes e Obras Públicas da celebração da promessa de venda da fracção autónoma exarado no relatório n." 0112/DEIA/2012, já se formou o caso decidido, sobre o "acto de selecção dos adquirentes" ou "acto de apreciação dos requisitos do candidato e dos elementos do respectivo agregado familiar", que nunca deviam ser posto em causa pela actuação posterior da Recorrida, com base na ocorrência do facto anterior à contratação autorizada, nem sendo revogável face ao disposto no artigo 129.º, n.º 1, alínea a) do CPA, tratando-se do acto constitutivo de direito ou de interesse legalmente protegido (conforme se alega nos artigos 4.º a 17.º da petição inicial).
  Adiantamos que não podemos acompanhar este argumento por destituído de pertinência face à redacção da norma dos artigos 34.º, n.º 4 e 14.º, n.º 8 da Lei n.º 10/2011 (Lei da Habitação Económica) com alteração introduzida pela Lei n.º 13/2020, invocada no acto recorrido.
  Já que a norma do artigo 34.º habilitou de modo inequívoco a Recorrida a actuar, no sentido de que no momento anterior à emissão do termo da autorização, confirma se "o promitente-comprador e os elementos do seu agregado familiar reuniam, até à data de celebração do contrato-promessa de compra e venda, os requisitos previstos no n.º 8 do artigo 14.º” - conforme o n.º 2 do preceito legal e que constatando a falta do preenchimento dos requisitos aí previstos por parte do promitente-comprador, "procede à resolução do contrato-promessa" - nos termos previstos no n.º 4 do mesmo artigo. Além disso, dispõe expressamente o artigo 14.º, n.º 8 que "O candidato e os elementos do seu agregado familiar não podem ser ou ter sido, nos 10 anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração do contrato-promessa de compra e venda: ... " (sublinhado nosso). Enquanto conforme a versão anterior à nova alteração constante da norma do artigo 34.º, n.º 2 que não se diferencia substancialmente da versão actual, a intervenção confirmativa da verificação dos requisitos reporta-se a um período mais alargado até à emissão do termo de autorização. Nestes termos, é evidente que cai por base o argumento de que a resolução do contrato apenas se opera com base num facto posterior à celebração do contrato-promessa.
  Além do mais, ao contrário do que parecem entender os ora Recorrentes, cremos que não se encontre colocado pelo legislador tal interesse da segurança jurídica na tutela dos direitos adquiridos pelo promitente-comprador particular no mesmo plano dos outros interesses inerentes à atribuição da habitação económica que são sempre prevalecentes.
  Na realidade, são várias normas dispersas na Lei de Habitação Económica que se impunham nas diferentes fases procedimentais, para além do momento da emissão do termo de autorização, a verificação ou a re-verificação dos requisitos subjectivos consagrados no artigo 14.º, n.º 8 para efeito da atribuição da habitação, com as consequências cominadas para a respectiva falta, como por exemplo: a exclusão da candidatura na fase da apreciação dos documentos apresentados pelos candidatos - conforme os artigos 21.º e 23.º, alínea 2) da referida Lei, a exclusão dos adquirentes após terem sido estes seleccionados - conforme os artigos 26.º, n.º 2 e 28.º, n.º 1, alínea 1) .
  Pelo que não parece ser útil tentar discernir aqui como pretenderam os Recorrentes, a existência de ·um acto favorável anteriormente consolidado, após o qual seria jamais possível voltar a discutir as faltas do interessado que deviam ter sido apreciadas no momento anterior. Além do mais, tendo em conta que a resolução do contrato-promessa celebrado, acompanhada da destruição dos efeitos produzidos na esfera jurídica do interessado através do acto favorável de atribuição da habitação económica (ou melhor, de uma revogação implícita deste acto anterior) decorra de uma norma "que o impõe, não é curial dizer que o acto recorrido violou a norma do artigo 129.º, n.º 1, alínea a) do CPA (Veja-se, à semelhança desta conclusão, quanto a legalidade da revogação sancionatória, o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 576/2018, de 20/2/2020).
  O que poderá ter algum interesse é saber, conforme elucidou o parecer do Ministério Público, se a Lei n.º 10/2011 com as novas alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2020 tem ou não aplicação no caso dos autos, considerando que o procedimento da selecção do adquirente da habitação económica e a subsequente contratação tinham sido concluído logo em 28/12/2012, porquanto a aplicação das leis sucessivas dá lugar às soluções variadas (A formulação anteriormente utilizada na lei velha quanto ao requisito previsto no artigo 14.º, n.º 3 (correspondia ao artigo 14.º, n.º 4 da Lei n.º 10/2011, alterada por Lei n.º 11/2015, ou ao artigo 14.º, n.º 8 da Lei nova) dava margem a interpretações diversas, designadamente, relativamente ao conceito do "proprietário" - a este propósito, veja-se os Acórdãos do Tribunal da Segunda Instância, n.º 774/2016, de 20/6/2019, n.º 675/2018, de 20/6/2019 e n.º 944/2018, de 16/12/2019. No entanto, tal problemático encontra-se ultrapassado com a nova formulação adoptada pelo legislador na medida em que tenha acrescentado em seguida da redacção anterior da norma uma expressão adverbial "independentemente da quota-parte que possuam, salvo quando a aquisição do imóvel se deu por motivo de sucessão").
  Parece-nos incontroverso que a norma transitória prevista no artigo 3.º da Lei n.º 13/2020 apontou no sentido da aplicação da norma ínsita na lei nova, nos seguintes termos:
  "1. As alterações introduzidas à Lei n.º 10/2011 pela presente lei, não são aplicáveis aos promitentes-compradores e proprietários que anteriormente se tenham candidatado à compra de habitação económica, aplicando-se o disposto na Lei n.º 10/2011. antes da presente alteração. sem prejuízo do disposto nos n. os 3 e 4.
  2. As alterações introduzjdas à Lei n.º 10/2011 pela presente lei, não são aplicáveis aos concursos de habitação económica abertos anteriormente, aplicando-se às respectivas candidaturas e aos posteriores tratamentos, designadamente à selecção de adquirentes, venda das fracções, ónus de inalienabilidade e venda de fracções, isenções fiscais e outros benefidos, bem como regime sancionatório, o disposto na Lei n.º 10/2011, antes da presente alteração, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
  3. O n.º 8 do artigo 14.º e n.º 4 do artigo 34.º da Lei n.º 10/2011, alterado pela presente lei, é aplicável aos promitentes-compradores que tenham celebrado contrato-promessa de compra e venda ao abrigo do ((Regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação)). devendo calcular-se o prazo estabelecido no n.º 8 do artigo 14.º a partir da data de apresentação da candidatura até à data de escolha da fracção.
  4. O n. o 8 do artigo 14.º da Lei n.º 10/2011. alterado pela presente lei, é também aplicável ao candidato. aos elementos do seu agregado familiar e aos promitentes-compradores que, antes da entrada em vigor da presente lei. já se tenham candidatado à compra de habitação económica. devendo calcular-se o prazo estabelecido naquele número nos cinco anos anteriores à data de apresentação da candidatura e até à data de escolha da fracção." (sublinhado nosso).
  Tratando-se do caso em que os Recorrentes tenham apresentado sua candidatura ao abrigo "Regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação" aprovado pelo DL n.º 26/95/M, de 26 de Junho, posteriormente se tornando promitente-comprador mediante a celebração do contrato-promessa em 14/12/2012 ao abrigo da Lei n.º 10/2011 vigente na altura, deve-se aplicar o disposto no n. º 4 da citada norma transitória. Aí a intenção inequívoca do legislador de mandar aplicar retroactivamente a norma na redacção dada no artigo 14.º, n.º 8, obrigando a não verificação dos factos impeditivos aí descritos durante o período compreendido "entre os cincos anos anteriores à data de apresentação da candidatura e até à data de escolha da fracção." (Importa que diferentemente do que se entende no acto recorrido com a aplicação da norma transitória prevista no artigo 3,º n.º 1 e 3,º da Lei n.º 13/2020, consideramos que é o n.º 4 da referida Lei concretamente aplicável ao caso, considerando que os Recorrentes se tornaram promitentes-compradores não ao abrigo do "Regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação", mas segundo o novo regime introduzido pela Lei n.º 10/2011. Contudo, o erro cometido na indicação da norma jurídica aplicável ao caso não produz efeitos invalidantes do acto recorrido, porquanto é a parte comum de uma previsão normativa e de outra que se aplica concretamente ao caso dos autos).
  É incontroverso que os Recorrentes adquiriram a fracção autónoma com finalidade habitacional e eram proprietários desta até 16/6/2004 após a apresentação da candidatura para aquisição da habitação económica em 22/3/2004, preenchendo assim o requisito negativo previsto no artigo 14.º, n.º 8, alínea 1) da Lei n.º 10/2011, pelo facto de terem sido "...proprietários ou comproprietários de prédio urbano ou de fracção autónoma com finalidade habitacional", e "independentemente da quota-parte que possuam". Como de· resto, é também indiscutível que a verificação desse impedimento ocorreu na data anterior à escolha da fracção. O que é apto de lhes determinar a aplicação da consequência da resolução do contrato-promessa prevista no disposto do artigo 34.º, n.º 4 da Lei anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 13/2020.
  Assim sendo, não se procede o recurso nesta parte.
*
  Mais invocaram os Recorrentes, sem mínima densificação, na alínea M) da parte da conclusão da petição inicial, que foi preterida a audiência da 2.a promitente-compradora antes da decisão final, sendo o acto ineficaz.
  O que não corresponde à verdade. A carta de notificação para apresentação da defesa escrita com referência n.º 2103300043/DAJ foi dirigida a ambos os Recorrentes que seguidamente, apresentaram a respectiva defesa em conjunto, segundo o que resulta dos documentos juntos a fls. 14 a 17 do Processo Administrativo.
  Pelo que inexiste o vício de preterição da audiência prévia nos termos invocados pelos Recorrentes.
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  Por fim, quanto ao último vício invocado, apesar da invocação genérica dos diversos princípios fundamentais que foram alegadamente violados pelo acto recorrido, foi a alegação densificada apenas em relação ao princípio de boa-fé previsto no artigo 8.º do CPA. Entenderam os Recorrentes que a Recorrida com a sua actuação tenha frustrado as suas confianças consolidadas após quase oito anos desde a data da celebração do contrato promessa.
  Confessamos que não podemos ficar insensível a tal argumentação, que, entretanto, pelo que fica dito atrás, deixaria de ser relevante, porquanto se tivesse sido propósito do legislador no sentido de dar protecção à confiança dos interessados, nomeadamente, dos promitentes-compradores na aquisição da habitação económica, deveria tê-lo feito de uma forma inequívoca mediante o instituto de "caso resolvido" ou com a consagrada irretroactividade das normas restritivas do direito adquirido.
  Porém, a realidade que somos capazes de constatar é que não foi somente a ausência de qualquer desígnio de preponderar o interesse da segurança jurídica, mais do que isso, a "ratio legis' demonstrada através das normas positivadas aponta para o sentido contrário ao que pretenderam os Recorrentes, quando sempre autorizava a Administração a actuar nas diferentes fases sucessivas, extraindo as consequências pela verificação dos requisitos negativos impeditivos da aquisição da habitação económica, além de não ter estabelecido, até à redacção mais actualizada da Lei no ano 2020, nenhum prazo para a emissão do termo de autorização em favor dos promitentes adquirentes e a subsequente celebração da escritura. Não só, também como já vimos atrás, a Lei preocupou-se em mandar, através das normas transitórias, recuar a aplicação das novas normas às situações constituídas, desde o tempo remoto, ao abrigo do "Regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação" aprovado pelo DL n.º 26/95/M, de 26 de Junho, apenas encurtando o prazo que condiciona a não verificação dos factos impeditivos.
  Tudo o que existe tem uma justificação. Trata-se, de todo o modo, de uma opção já tomada pelo legislador, certamente, após a ponderação de todos os interesses relevantes em confronto, cuja razoabilidade não se contesta aqui. Se assim é, a necessidade da tutela da confiança suscitada pela actuação anterior da Administração ao abrigo do artigo 8.º do CPA deve ceder perante os outros interesses igualmente considerados essenciais na perspectiva do legislador.
  Neste sentido, não resta senão também improceder este fundamento do recurso.».

Foi do seguinte teor o Douto Parecer do Ministério Público:
  «1.
  A e B, ambos melhor identificados nos presentes autos, interpuseram recurso contencioso do acto praticado pelo Presidente do Instituto de Habitação que determinou a resolução do contrato-promessa de compra e venda de fracção autónoma sujeita ao regime da habitação económica celebrado entre os Recorrentes e o referido Instituto.
  Por douta sentença do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 86 a 93 destes autos foi o recurso contencioso julgado improcedente.
  Inconformados com essa decisão, vieram os Recorrentes contenciosos interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância, pugnando pela respectiva revogação.
  2.
  Embora sensíveis ao esforço e à valia da argumentação desfiada pelos Recorrentes nas suas alegações, parece-nos, salvo o devido respeito, que o presente recurso não pode merecer provimento uma vez que a douta decisão recorrida fez uma acertada aplicação da lei.
  Em termos breves, pelo seguinte.
  (i)
  A douta sentença recorrida não enferma, a nosso modesto ver, da nulidade por omissão de pronúncia que lhes é imputada pelos Recorrentes.
  De acordo com o disposto na norma do n.º 2 do artigo 563.º do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável por força do artigo 1.º do CPAC, tem o juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, sendo que a omissão de pronúncia por parte do juiz sobre questões que devesse apreciar é geradora de nulidade da sentença conforme decorre do preceituado na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC.
  Existe um tranquilo consenso jurisprudencial e doutrinal no sentido de que a dita nulidade apenas ocorre quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, não já quando deixe de apreciar os argumentos invocados pelas partes a favor da posição por si sustentada, não sendo, por isso, de confundir o conceito de «questões» a que a apontada norma legal se refere com o de «argumentos» ou «razões». Questões são os fundamentos nos quais assenta a concreta causa de pedir que, por sua vez, serve de base ao pedido dirigido ao Tribunal.
  Ora, manifestamente, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo não deixou de se pronunciar sobre nenhum dos fundamentos nos quais os Recorrentes escoraram a pretensão anulatória do acto administrativo que deduziram em juízo. A alegação dos mesmos que ficou condensada na conclusão c) da douta petição inicial do recurso integra, como parece evidente, a questão de saber se o acto administrativo recorrido enferma ou não do vício de violação de lei e tal questão foi objecto de detalhada apreciação na douta sentença recorrida. Daí a inexistência da invocada nulidade.
  (ii)
  (ii.1)
  Quanto à questão de saber se a douta decisão recorrida enferma de erro de julgamento por ter considerado que o acto recorrido não padece de violação de lei, não tendo violado qualquer caso decidido nem infringido a proibição de revogação dos chamados actos constitutivos de direitos, parece-nos que tal decisão não é merecedora de qualquer reparo, antes correspondeu a uma acertada aplicação da lei.
  Vejamos.
  De acordo com o disposto na alínea 1) do n.º 8 do artigo 14.º da Lei n.º 10/2011, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2020, o candidato à habitação económica e os elementos do seu agregado familiar não podem ser ou ter sido, nos 10 anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração do contrato-promessa de compra e venda, proprietários ou comproprietários de prédio urbano ou de fracção autónoma com finalidade habitacional, ou de terreno na RAEM, independentemente da quota-parte que possuam, salvo quando a aquisição do imóvel se deu por motivo de sucessão.
  Por sua vez, o artigo 34.º da mesma Lei n.º 10/2011, também na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2020, estatui no seu n.º 1 que a venda das fracções autónomas construídas no regime de habitação económica depende da emissão do termo de autorização, o qual é emitido pelo Instituto de Habitação após confirmação de que o promitente-comprador e os elementos do seu agregado familiar reuniam, até à data de celebração do contrato-promessa de compra e venda, os requisitos previstos no n.º 8 do artigo 14.º, sendo que, caso verifique, que o promitente-comprador e os elementos do seu agregado familiar não cumprem os requisitos previstos no n.º 8 do artigo 14.º, o Instituto de Habitação procede à resolução do contrato-promessa. É o que resulta do n.º 4 do dito artigo 34.º da Lei n.º 10/2011.
  (ii.2)
  É certo que as faladas normas legais contidas na alínea 1) do n.º 8 do artigo 14.º e no n.º 4 do artigo 34.º da Lei n.º 10/2011 não estavam em vigor no momento em que os Recorrentes apresentaram a candidatura à aquisição de habitação económica (22 de Março de 2004) nem quando os mesmos celebraram com o Instituto de habitação o contrato-promessa de compra e venda aqui em apreço (14 de Dezembro de 2012).
  Porém, de acordo com a disposição transitória contida no n.º 3 artigo 3.º da Lei n.º 13/2020, o n.º 8 do artigo 14.º e n.º 4 do artigo 34.º da Lei n.º 10/2011, alterados pela por aquela lei, são aplicáveis aos promitentes-compradores que tenham celebrado contrato-promessa de compra e venda ao abrigo do «Regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação», aprovado pelo Decreto-Lei n-º 26/95/M, de 26 de Junho, devendo calcular-se o prazo estabelecido no n.º 8 do artigo 14.º da Lei n.º 10/2011 a partir da data de apresentação da candidatura até à data de escolha da fracção. Significa isto, portanto, por mera interpretação declarativa, que as mencionadas normas são retroactivamente aplicáveis e abrangem situações emergentes de contratos-promessa celebrados anteriormente à sua entrada em vigor.
  Além disso e contrariamente ao que defendem os Recorrentes, o n.º 4 do artigo 34.º da Lei n.º 10/2011, na redacção actual, habilita a Administração a decretar a resolução do contrato-promessa não só com base em fundamentos ocorridos entre a sua celebração e a emissão do termo de autorização, mas também com base em razões que já se verificavam antes da celebração do contrato-promessa. A alteração da redacção do n.º 4 do artigo 34.º que a Lei n.º 13/2020 introduziu não permite, estamos em crer, qualquer dúvida a esse respeito, pelo que não fará sentido a invocação, neste contexto, da existência de violação de casos decididos quando foi a própria lei que conferiu habilitação expressa à Administração para uma actuação fiscalizadora relativamente a situações anteriores.
  (ii.3)
  A verdade é que os Recorrentes, no momento em que apresentaram a respectiva candidatura à aquisição de habitação económica eram proprietários de uma fracção autónoma situação em Macau que haviam adquirido em 1992 e que alienaram em 16 de Junho de 2004, já após a apresentação daquela candidatura e antes da escolha da fracção autónoma.
  Verifica-se, portanto, uma situação de incumprimento do requisito a que se refere a alínea 1) do n.º 8 do artigo 14.º da Lei n.º 10/2011, pelo que se mostra preenchida a hipótese da norma contida no n.º 4 do artigo 34.º do mesmo diploma legal, contrariamente ao que vem alegado pelos Recorrentes. Como assim, não restava à Administração outro caminho senão o de decretar a resolução do contrato-promessa tal como bem decidiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo na douta decisão recorrida.
  (iii)
  A pretensão dos Recorrentes de verem revogada a douta sentença a quo também não colhe no que ao último dos fundamentos do presente recurso diz respeito.
  Está em causa a questão de saber se o decidido em 1.ª Instância enferma de erro de julgamento quando concluiu no sentido de que a sindicada actuação da Administração não afrontou o princípio da boa fé consagrado no artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
  Salvo melhor juízo, outra não podia ter sido a decisão.
  Mercê da verificação dos pressupostos integradores da hipótese da norma do n.º 4 do artigo 34.º da Lei n.º 10/2011 estava a Administração legalmente vinculada a decretar, como decretou, a resolução do contrato-promessa em litígio.
  Por isso, a invocada violação do princípio da boa fé não possui relevância invalidante autónoma do acto administrativo contenciosamente impugnado, uma vez que a Administração, nos termos do disposto no artigo 3.º do CPA, está estritamente obrigada a observar a lei, não podendo a prática do acto legalmente imposto ser neutralizada pela invocação do princípio da tutela da confiança, uma vez que este constitui um limite da margem de livre decisão administrativa.
  Daí que a alegada violação do princípio da boa fé não pudesse, em caso algum, ser geradora de invalidade do acto administrativo recorrido.
  Andou bem, pois, a douta decisão recorrida ao considerar que o acto administrativo recorrido não sofre de qualquer dos vícios que os Recorrentes lhe imputaram e daí que se mostre devidamente justificada, estamos modestamente em crer, a nossa inicial asserção no sentido de não ser a sentença impugnada merecedora de censura.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.».
  
  Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, entendemos que a decisão recorrida não enferma da invocada nulidade nem de erro de julgamento como é invocado, tendo conhecido de todas as questões que se colocavam e feito uma correcta aplicação da lei a cujos fundamentos aderimos e aqui damos por reproduzidos de acordo com o nº 5 do artº 631º do CPC, pelo que, se impõe decidir em conformidade negando provimento ao recurso.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
  
  Custas a cargo dos Recorrentes.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 17 de Novembro de 2022
  Rui Pereira Ribeiro
  Fong Man Chong
  Ho Wai Neng
1 Artigo 28.º Exclusão de adquirentes selecionados 1. Os adquirentes selecionados são excluídos do concurso se : 1) Não reunirem os requisitos de acesso à compra das fracções;

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431/2022 ADM 41