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Processo n.º 366/2022
(Autos de recurso contencioso)
     
Relator: Fong Man Chong
Data : 14 de Dezembro de 2022

Assuntos:
- Aceitação tácita do acto administrativo punitivo


SUMÁRIO:

I – É do entendimento dominante que só uma aceitação livre, incondicionada e sem reservas do destinatário dum acto administrativo desfavorável poderá ser entendida como impeditiva do direito de acção. Estando em causa a aceitação tácita, há-de verificar “uma incompatibilidade com a vontade de recorrer decorre da qualificação jurídica que se efectue a partir de um facto ou conjunto de factos dos quais se possa depreender uma declaração tácita de aceitação do acto.”
II – Dos factos apurados resultam que, desde o ínicio dum processo de averiguações, a Recorrente/punida acompanhou de perto todo o procedimento administrativo e requereu mediante seu mandatário várias diligências (certidão de processado, pedido da realização de diversas diligências para apurar a verdade material, arguir vícios procedimentais…etc), o facto de a Recorrente, face à insistência de funcionários responsáveis, pagou a multa sem ter consultado o seu mandatário e depois interpôs recurso hierárquico necessário para a Entidade competente, não é de concluir pela aceitação sem reserva e incondicionada pela destinatária do acto puntivo.
III – Quando a Entidade Recorrida alegou e mal que a Recorrente ter aceite a decisão punitiva sem reserva e incondicional, não tendo apreciado vários vícios verificados no procedimento disciplinar, há violação do dever de decisão e como tal é de anular a decisão recorrida.


O Relator,
     
_______________
Fong Man Chong














Processo n.º 366/2022
(Autos de recurso contencioso)

Data : 14 de Dezembro de 2022

Recorrente : A

Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança

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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 31/03/2022, veio, em 10/05/2022, interpor o presente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 14, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Segurança e objecto do presente recurso contencioso o seu despacho de 31 de Março de 2022, que rejeitou o recurso hierárquico necessário interposto pela Recorrente relativamente à pena disciplinar de multa que lhe foi aplicada pelo Director dos Serviços Correccionais no âmbito do processo disciplinar n.º 00044-PDD/DSC/2021.
2) A rejeição teve por fundamento a ilegitimidade da Recorrente por aceitação do acto com o pagamento da multa, nos termos do n.º 3 do art. 147.° e da al. c) do art. 160.° do CPA.
3) Decisão que viola frontalmente o disposto na Lei Básica e na lei ordinária, pois
4) É entendimento assente que, uma vez que está em causa matéria atinente à garantia de acesso à Justiça Administrativa que encontra acolhimento no art. 36.º da Lei Básica, importa interpretar restritivamente o art. 34.º do CPAC de modo que só uma aceitação livre, incondicionada e sem reservas poderá ser entendida como impeditiva do direito de acção.
5) No âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalista, "pro actione" e "in dubio pro favoritatae instantiae" impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.
6) Exigindo a lei que a conduta levada a cabo tenha um significado unívoco, de modo que dele se depreenda, sem margem para dúvidas o propósito de não recorrer pelo acatamento da determinação contida no acto administrativo.
7) A jurisprudência local tem vindo a entender que, para além do facto objectivo em que o pagamento se traduz, deva ser levada em conta toda a envolvência em que ele se inscreve.
8) Se o pagamento for apresentado como modo de o interessado escapar a uma consequência gravosa para a sua esfera, tal como o risco de execução fiscal, então ele não pode ser entendido como fruto de uma vontade totalmente livre.
9) O cumprimento da sanção só pode considerar-se espontâneo quando o administrado pode escolher a oportunidade da execução - na contingência de se enfrentar uma execução coerciva, a concordância com todo o acto afigura-se forçada.
10) A isto acresce que o interessado, ao receber a notificação para pagamento da multa, muitas vezes nem tem maneira de saber que pode fazer reserva, nem tranquilidade de espírito para a apresentar.
11) São estes os chamados casos de aceitação inoperante ou irrelevante.
12) In casu, o pagamento efectuado dentro do prazo da cominação, por insistência dos funcionários responsáveis pela cobrança e sem ter previamente consultado o seu mandatário, deveu-se à preocupação de evitar a cobrança coerciva e não porque a Recorrente quisesse renunciar ao direito de impugnar a decisão sancionatória, pois que
13) Caso não tivesse pago, teria que suportar mais um outro processo contra a Repartição de Finanças em sede de execução fiscal, conforme vinha mencionado na notificação para pagamento da multa.
14) A isto acresce o facto de a Recorrente ter sempre manifestado, ao longo de todo o processo disciplinar, e aliás já desde o processo de averiguações que o antecedeu, que nunca preteriria do direito a impugnar as decisões que lhe fossem desfavoráveis.
15) Basta atentar aos autos para saber que a Recorrente, através do seu mandatário, praticou variados actos ao longos de ambos os processos, tendo respondido em sede de audiência prévia com apresentação de extensivo requerimento probatório.
16) Tendo, com especial relevo, pedido a consulta e confiança do processo por várias ocasiões para efeitos de defesa e de impugnação, a última precisamente um dia antes de a Recorrente ter pago a multa.
17) A conduta da Recorrente não pode de modo algum ter um significado unívoco, de modo que dele se possa depreender, sem margem para dúvidas, o propósito de não recorrer pelo acatamento da sanção, quando a Recorrente, depois de ter pedido a consulta e confiança do processo, pagou a multa, ainda antes de ter ido consultar.
18) Nesse pedido, ficou expressamente mencionado que se tratava de um pedido urgente, onde se pedia que fosse comunicada a decisão também por via telefónica para não perder tempo - o que manifestava a intenção de impugnação, ou pelo menos de não conformação com a decisão.
19) E se a Recorrente pagou ainda antes de ter ido ver o processo - especialmente na parte da documentação nova, posterior à última consulta, de que nunca teve conhecimento - facilmente se depreende que o acto do pagamento não poderá ter tido o sentido de conformação com a decisão.
20) Termos em que vem violado o princípio da tutela jurisdicional efectiva plasmado no art. 2.° do CPAC, com protecção constitucional no art. 36.° da LB, bem assim como o disposto nos arts 147.°, n.º 3, e 160.° do CPA, e 34.° do CPAC, devendo assim ser anulado o acto do Senhor Secretário para a Segurança, sendo-lhe devolvido o processo para emissão de nova decisão relativamente ao recurso hierárquico necessário interposto em tempo e com legitimidade pela Recorrente.
*
Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 35 a 39, tendo formulado as seguintes conclusões:
      1) O elevado empenhamento da recorrente no procedimento disciplinar que antecedeu a aplicação da pena não significa, só por si, que se deva entender que pretendia recorrer posteriormente de qualquer pena que lhe viesse a ser aplicada.
      2) E tanto assim é que, na parte final do seu recurso hierárquico, a recorrente dá a entender que, se lhe tivesse sido aplicada uma pena de repreensão escrita ou de multa atenuada ou reduzida, a aceitaria.
      3) Mesmo que se aceite que o art° 147°, nº 3 do CPAM exige uma vontade espontânea, livre de pressão ou ameaça, a verdade é que, embora a notificação se possa referir aos nºs 2 e 4 do art° 302° do ETAPM, não é menos certo que o desconto ali previsto, bem como eventual execução fiscal que se lhe seguisse para cobrança da multa, só teriam lugar após a decisão punitiva se tornar definitiva,
      4) Sendo ainda certo que, interposto recurso hierárquico necessário da decisão punitiva, o mesmo tem efeito suspensivo, o que significa que a falta de pagamento da multa por parte da recorrente não implicava para esta qualquer prejuízo ou consequência negativa (art° 341°, n° 4 do ETAPM).
      5) No caso de aceitação do ato administrativo nos termos do art° 147°, n° 3 do CPAM, a reserva apresenta-se como um requisito para recorrer, pelo que, se ela não for feita, o interessado perde o direito de recurso por falta da verificação de um requisito legal, tal como o perde, por exemplo, se deixar passar o prazo para o recurso estabelecido na lei, sem que isso represente violação do direito de recorrer, pois foi o interessado que deu causa à perda do direito.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 48 a 50, pugnando pelo improvimento do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:

1. No dia 14 de Julho de 2021 foi instaurado um processo disciplinar da Direcção dos Serviços Correccionais contra a Recorrente, na sequência de instrução e conclusão de um processo de averiguações, ambos conduzidos do início ao fim pelo mesmo Instrutor.
2. Desde o início ao fim de ambos os processos, a Recorrente fez-se representar por advogado, que, em representação da Recorrente, praticou variados actos e feito vários requerimentos no âmbito dos mesmos nos termos permitidos pela lei, tendo estado presente, designadamente, em todos os actos de inquirição da Recorrente.
3. No âmbito desse processo disciplinar, a Recorrente foi notificada no dia 14 de Fevereiro de 2022 do despacho do Director dos Serviços Correccionais, de 10 de Fevereiro de 2022, que, não obstante a defesa exposta em sede de audiência prévia apresentada em tempo pela Recorrente, lhe seria aplicada uma pena disciplinar de multa, graduada em 10 dias de vencimento e outras remunerações certas e permanentes, nos termos do art. 302.°, n.º 1, do ETAPM.
4. Conforme decorre do teor do despacho (Doc. 2, que para todos os efeitos legais se dá aqui por integralmente reproduzido), os motivos que conduziram à decisão assentam, em síntese, na violação dos deveres de zelo e de obediência nos termos do disposto nos arts. 279.°, n.º1, n.º 2, als. b) e c), e n.°s 4 e 5, do ETAPM, pelos alegados factos de não ter acompanhado os trabalhos de inventariação dos materiais de artesanato segundo as ordens superiores e de ter deitado fora materiais de artesanato públicos, novos e reutilizáveis sem autorização superior.
5. Inconformada com a decisão, a Recorrente interpôs, em 16 de Março de 2022, recurso hierárquico necessário para o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança.
6. Para o efeito, tinha requerido, no dia 1 de Março de 2022, a consulta e confiança do processo ao advogado da Recorrente, nos mesmos termos que tinha vindo a fazer, por várias vezes, no âmbito dos processos disciplinar e de averiguações.
7. Da mesma forma e pela mesma razão que das últimas vezes, o requerimento de confiança do processo a advogado foi indeferido, tendo sido apenas deferido o pedido de consulta do processo.
8. No dia 2 de Março de 2022, a Recorrente, por insistência dos funcionários responsáveis pela cobrança, e sem previamente consultar o seu mandatário constituído, pagou a multa.
9. Do teor da notificação para pagamento da multa, n.º 011/2022(M/B), de 16 de Fevereiro de 2022 (Doc. 3, que para todos os efeitos legais se dá aqui por integralmente reproduzido) podia-se ler que, por decorrência da pena de multa aplicada por despacho de 10 de Fevereiro de 2022 do Director dos Serviços Correccionais, a Recorrente tinha necessariamente que pagar a multa, e que, nos termos dos n.ºs 2 e 4 do art. 302.° do ETAPM, "Se o arguido punido em multa ou na reposição de qualquer quantia não pagara que for devido no prazo de 30 dias a contar da notificação, ser-lhe-á a importância respectiva descontada nos vencimentos, emolumentos ou pensões que haja de perceber", e "O disposto nos números anteriores não prejudica a execução, quando seja necessária, a qual seguirá os termos do processo especial de execução fiscal, servindo de título exequível a certidão do despacho condenatório".
10. A Recorrente pagou a multa apenas para evitar as consequências negativas indicadas na notificação, designadamente a cobrança coerciva pela Repartição de Execuções Fiscais da Direcção dos Serviços das Finanças.
11. No dia 9 de Março de 2022, conforme combinado com a DSC, foi a Recorrente e o seu advogado consultar o processo, para preparação do recurso necessário.
12. O Exmo. Senhor Secretário para a Segurança veio a emitir despacho a 31 de Março de 2022, rejeitando o recurso necessário, com fundamento em ilegitimidade por aceitação do acto com o pagamento da multa, nos termos do n.º 3 do art. 147.° e da al. c) do art. 160.° do CPA.
13. A Recorrente não se pode conformar com a decisão, por entender que não houve aceitação relevante, nos termos que melhor se apresentarão infra, nem aliás com a decisão inicial que foi mantida que padece de vários vícios materiais e formais.


DESPACHO
Recurso Hierárquico Necessário
Processo Disciplinar n° 00044-PDD/DSC/2021
Arguida: A
Autor do Acto: Director dos Serviços Correccionais

1. Não se conformando com a decisão do Director dos Serviços Correccionais que, no Processo Disciplinar acima identificado, a condenou numa pena de multa graduada em dez dias de vencimento e outras remunerações certas e permanentes nos termos do artº 302°, n° 1 do ETAPM, por violação dos deveres de zelo e de obediência, veio a mesma interpor recurso hierárquico para o Secretário para a Segurança em 16 do corrente mês.
2. Cumprido o disposto no art° 159° do CPAM, o autor do acto recorrido manteve a sua decisão e invocou que, tendo a recorrente pago a multa em 02.03, carece de legitimidade para recorrer por aplicação do disposto no nº 3 do art° 147° do CPAM.
3. No seu recurso hierárquico apresentado em 16 do corrente mês, a recorrente invoca, resumidamente, o seguinte:
a) O procedimento é nulo (nulidade insanável) por violação do direito de defesa, uma vez que:
- tendo requerido, através do seu mandatário, certidões do processo em 20 de Julho de 2021 e em 12 de Novembro de 2021, foi-lhe negado esse direito, tendo-lhe apenas sido remetidas 3 de mais de 50 folhas que havia requerido.
- em 1 de Março o seu mandatário pediu a confiança do processo, tendo-lhe a mesma sido negada;
- apenas foi autorizada a consulta do processo numa sala específica dentro da zona prisional masculina do estabelecimento prisional, com videovigilância, sem permissão de telemóveis e na presença do instrutor.
Em virtude na negação dos referidos direitos, tanto a defesa em sede de audiência como a peça de recurso foram altamente prejudicadas, quer na sua preparação, quer quanto ao conteúdo, ocorrendo, por isso, vício de violação do direito de defesa da arguida.
b) O corre a nulidade insanável resultante de impedimento do instrutor. 
Com efeito, o instrutor do Processo Disciplinar foi também, o instrutor do Processo de Averiguações que o antecedeu, sobre o mesmo objecto e a mesma arguida, pelo que devem ser declarados nulos os actos praticados no Processo Disciplinar por impedimento do Instrutor.
c) Nulidade insanável do procedimento por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade.
Foram omitidas diligências essenciais para a descoberta da verdade, nomeadamente:
- exame in loco, por parte da recorrente, dos objetos deitados fora:
- junção aos autos de recibos destinados a comprovar a sua aquisição ou não pelos Serviços Correccionais;
- avaliação pecuniária actual dos objetos;
- não realização de acareação nos termos legais;
d) Nulidade insanável por falta de audiência de testemunha oferecida pela arguida, a qual era essencial pois se destinava a provar que os objectos deitados fora eram pessoais e particulares e não dos Serviços Correccionais.
e) Nulidade insanável por falta de audição da arguida em actos posteriores à apresentação da sua defesa, uma vez que tal viola esse direito de defesa
Assim, foram realizadas diligências complementares de prova sem que a arguida tivesse sido notificada de qualquer dos actos e resultados.
f) Erro notório na apreciação da prova, da falta de prova e violação do princípio in dubio pro reo
Neste aspecto, entende a recorrente que foi dada relevância a depoimentos que não o mereciam e que se não de deram a outros depoimentos e documentos o relevo que efetivamente deveriam merecer e que favoreceriam a arguida.
Termina o recurso pedindo a revogação da decisão recorrida ou, dado se tratar de uma falta levíssima, que a pena aplicada seja substituída pela pena de repreensão escrita nos termos dos art°s 301° e 312°, ou subsidiariamente, atenuada ou reduzida a pena de multa.
4. Uma vez que a recorrente efectuou o pagamento da multa em 2 de Março, antes de mais, há que apreciar a questão de saber se a mesma pode agora interpor recurso hierárquico.
O art° 147° do CPAM, depois de indicar no seu nº 1 (e 2) quem tem legitimidade para reclamar ou recorrer, estabelece no seu nº 3 que "Não podem reclamar ou recorrer aqueles que, sem reserva, tenham aceitado expressa ou tacitamente, um acto administrativo depois de praticado"
Sendo assim, vejamos se, pelo menos tacitamente (uma vez que a aceitação expressa exige "a manifestação de vontade livre e consciente no sentido claro e inequívoco de que alguém concorda com o acto administrativo praticado" - Acórdão do TUI, de 29.09.2021-Processo n° 108/2021), se pode considerar que a recorrente aceitou o acto de que agora recorre.
A recorrente foi notificada da pena que lhe foi aplicada em 14 de Fevereiro, tendo sido advertida de que poderia reclamar ou recorrer hierarquicamente da decisão.,
Em 02 de Março efectuou o pagamento da pena de multa, no montante de 14.560,00 MOP, na Repartição de Finanças de Macau, sem ter afirmado por escrito (ou mesmo verbalmente), perante o autor do acto, a sua vontade de recorrer. Ora, este pagamento, efectuado quando estavam decorridos cerca de quinze dias sobre a data da notificação, e sem formulação da reserva de recorrer, conduz-nos à conclusão da aceitação tácita do ato.
É certo que, no dia 1 de março, o advogado da recorrente requereu o exame e confiança do processo e que tal exame veio a ter lugar no dia 9 seguinte. Só que, como, entretanto, a multa foi paga sem reserva da faculdade de recorrer, esse exame não pode anular tal falta de reserva. Aliás, embora o art° 147° citado o não refira, parece que deverá entender-se, por analogia com o n° 3 do art° 34° do CPAC (que se refere à ilegitimidade para recorrer em caso semelhante) que "A reserva é produzida por escrito perante o autor do acto". Na ausência de tal reserva, tem de entender-se que o acto foi tacitamente aceite, pelo que a arguida não tem agora legitimidade para recorrer.
5. Nestes termos e considerando procedente a questão prévia da ilegitimidade da arguida para recorrer, com fundamento no do disposto no n° 3 do artº 47º do CPAM, rejeito o recurso ao abrigo da alínea c) do art° 160° do mesmo diploma.
Gabinete do Secretário para a Segurança, 31 de Março de 2022

* * *
    IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(…)
1.
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do acto administrativo do Secretário para a Segurança, datado de 31 de Março de 2022, que rejeitou o recurso hierárquico necessário por si apresentado do acto do Directos dos Serviços Correcionais que lhe aplicou uma pena disciplinar de multa graduada em 10 dias de vencimento e outras remunerações certas e permanentes, pedindo a respectiva anulação.
A Entidade Recorrida, regularmente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.

2.
(i)
A questão que no presente recurso se discute é só uma: a de saber se o acto administrativo recorrido incorreu em violação de lei ao rejeitar o recurso hierárquico interposto pela Recorrente com fundamento na respectiva ilegitimidade em virtude da respectiva aceitação do acto do Director dos Serviços Correcionais que lhe aplicou a pena disciplinar aqui em causa.
Parece-nos, salvo o devido respeito pela opinião contrária, que a Recorrente tem razão e que, por isso, a resposta a tal questão não pode deixar de ser afirmativa. Pelo seguinte.
De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 147.º do Código do Procedimento Administrativo, «não podem reclamar nem recorrer aqueles que, sem reserva, tenham aceitado, expressa ou tacitamente, um acto administrativo depois de praticado».
A aceitação tácita, por aplicação do critério definidor resultante do n.º 2 do artigo 34.º do CPAC «é a que deriva da prática espontânea de facto incompatível com a vontade de recorrer».
Como assinala a doutrina, a aceitação do acto é um pressuposto processual negativo autónomo do recurso contencioso cuja ocorrência impede o conhecimento pelo juiz do mérito da causa (assim, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Aceitação do Acto Administrativo, in Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, Coimbra, 2003, p. 907 e, no mesmo sentido, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Aceitação da nomeação versus aceitação do acto administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 37, Janeiro/Fevereiro 2003, p. 45. Em sentido não coincidente, reconduzindo a aceitação do acto ao pressuposto processual geral do interesse em agir, VASCO PEREIRA DA SILVA, Do Velho se Fez Novo: A Acção Administrativa Especial de Impugnação de Actos Administrativos, in Temas e Problemas de Processo Administrativo, e-book, 2.ª edição, 2011, p. 95).
Ainda de acordo com aquele Professor de Coimbra, «a figura da aceitação compõe-se de um (mero) acto jurídico voluntário, que exprime a conformação do particular com os efeitos da decisão, e de um efeito preclusivo legalmente determinado, que torna a impugnação impossível para o aceitante» (cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Aceitação…, p. 933).
No que tange à aceitação tácita, podemos dizer que é «aquela que resulta de factos praticados ou de declarações feitas com objecto diferente, mas que apontam concludentemente no sentido de que o seu Autor se conformou com os efeitos do acto praticado, é dizer, que há aí um comportamento incompatível com a vontade de impugnar – que, se se quisesse impugnar, não se praticariam tais factos ou fariam tais declarações» (nestes termos, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, Reimpressão, Coimbra, 2006, pp. 372-373).
Estando em causa matéria atinente à garantia de acesso aos Tribunais Administrativos consagrada com carácter fundamental no artigo 36.º da Lei Básica, parece-nos adequado considerar que «só uma aceitação livre, incondicionada e sem reservas poderá ser entendida como impeditiva do direito de acção», importando que a conduta levada a cabo pelo interessado «tenha um significado unívoco, de modo que dele se depreenda, sem margem para dúvidas o propósito de não recorrer pelo acatamento da determinação contida no acto administrativo» (assim, na jurisprudência portuguesa, entre outros, o acórdão do STA de 23.11.2010, processo n.º 985/09, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, nos casos em que o acto administrativo impõe ao particular o pagamento de uma quantia em dinheiro, mesmo tratando-se de uma imposição resultante da aplicação de uma pena disciplinar, e em que a conduta susceptível de consubstanciar uma aceitação tácita consiste, justamente, no pagamento dessa quantia, tendemos a considerar que, em regra, a dita conduta não é susceptível de consubstanciar uma aceitação tácita do acto. O facto de alguém cumprir o comando impositivo ínsito num acto administrativo que lhe foi notificado não significa, via de regra, que, com isso, esteja a prescindir de discutir a legalidade da actuação administrativa em questão, aceitando o acto; não consubstancia uma conformação com os efeitos do acto que retira razão de ser à respectiva impugnação. Não por acaso, aliás, é pacífico que, estando em causa actos de liquidação de tributos, o respectivo pagamento não obsta, como é óbvio, ao recurso contencioso do acto de liquidação. E isto é assim, em nossa opinião, mesmo que o pagamento seja feito em ordem a obter determinados benefícios ou condições favoráveis de pagamento (em Portugal, por exemplo, a questão foi muito discutida, numa certa altura, especialmente na primeira metade da década de 90 do século anterior, a propósito das chamadas «amnistias fiscais», tendo o legislador português, no artigo 9.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, posto cobro à controvérsia no melhor sentido ou seja, de que o pagamento do imposto nos termos da lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação impugnação ou recurso).
Em nosso modesto entendimento, o respeito pelo princípio da tutela judicial efectiva que emerge do artigo 36.º da Lei Básica e do artigo 2.º do CPAC, impõe que só em circunstâncias excepcionais seja de atribuir ao pagamento de quantia certa efectuado pelo particular na sequência da notificação de um acto administrativo impositivo de tal pagamento o carácter de aceitação tácita desse acto com a consequência de impedir a respectiva impugnação judicial (tem sido este, aliás, o sentido geral, que nos parece inteiramente correcto e adequado à salvaguarda da garantia fundamental da tutela judicial efectiva, da jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância: entre outros e por mais recente, veja-se, por exemplo, o acórdão de 7 de Abril de 2022).
(ii)
Sem prejuízo do vimos de dizer, na situação em apreço importa considerar a especificidade normativa que emerge do disposto no artigo 286.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro (ETAPM). De acordo o preceituado no citado inciso legal, «a responsabilidade disciplinar extingue-se pelo cumprimento da pena, por morte, por prescrição do procedimento disciplinar ou por amnistia». Significa isto, portanto, que o cumprimento da pena disciplinar é erigido expressamente pelo nosso legislador em causa de extinção da responsabilidade disciplinar, independentemente da sua natureza voluntária ou forçada. Em qualquer caso, o cumprimento da pena implica, ope legis, a extinção da responsabilidade disciplinar.
Ora, no caso, a Recorrente, na sequência da notificação da decisão do Director dos Serviços Correccionais que lhe aplicou a sanção disciplinar de multa correspondente a 10 dias de vencimento, cumpriu de modo voluntário essa pena, pagando a dita multa. Dessa forma, podemos com segurança afirmar, face ao teor da norma do antes transcrito artigo 286.º do ETAPM, que se operou o efeito que a lei associa a esse cumprimento, qual seja, o da extinção da responsabilidade disciplinar da Recorrente e, consequentemente, um outro efeito que é consequência deste e que é o da extinção do próprio procedimento disciplinar, uma vez que este é instrumental relativamente à efectivação daquela responsabilidade, pelo que extinta esta, necessariamente se extinguirá aquele (se bem vemos, irreleva, neste particular, a concreta circunstância de o procedimento disciplinar não ter sido objecto de despacho extintivo ou de arquivamento, dada a natureza meramente declarativa de tal despacho).
Sendo isto assim, parece-nos que, mercê da consequência extintiva substantiva e procedimental associada ao cumprimento voluntário da pena, se tornou inviável o recurso hierárquico necessário da decisão que aplicou a pena. Na verdade, essa impugnação, sendo de reexame e não de mera revisão, destinava-se a permitir, ainda que não exclusivamente, o reexercício do poder disciplinar por parte do superior hierárquico, o que, como é evidente, se tornou juridicamente impossível a partir do momento em que, com o cumprimento voluntário da pena, a responsabilidade disciplinar da Recorrente se extinguiu, não podendo, por isso, voltar a ser apreciada.
Pode assim dizer-se que o cumprimento voluntário da pena disciplinar por parte da Recorrente implicou a renúncia posterior tácita ao recurso, ou noutra perspectiva, normativamente equivalente, a aceitação tácita da decisão recorrida (cfr. a propósito o artigo 586.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, que estabelece a distinção entre renúncia ao recurso antecipada e renúncia ao recurso posterior à decisão que identifica com a aceitação da decisão. Sobre o ponto, JOÃO DE CASTRO MENDES/MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de Processo Civil, Volume II, Lisboa, 2022, pp. 181-183).
(IV)
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o recurso contencioso deve ser julgado improcedente. ”
*
Quid Juris?

A questão nuclear consiste em saber se a Recorrente aceitou a decisão punitiva sem reserva proferida num processo disciplinar contra ela instaurado?
A propósito desta questão, este TSI já se pronunciou em vários arestos, nomeadamente no processo nº 203/2021-B, cujo acórdão foi proferido em 28/07/2022, em que se consignou:
“(…)
Ora, o n.º 1 do art.34° do CPAC estabelece categoricamente que não pode recorrer quem, sem reserva, total ou parcial, tenha aceitado, expressa ou tacitamente, o acto, depois de praticado. O n.º2 deste comando legal prescreve que a aceitação tácita é a que deriva da prática espontânea de facto incompatível com a vontade de recorrer. E dispõe o n.º3 do mesmo artigo que a reserva é produzida perante o autor do acto.
Reza a prudente doutrina (Viriato Lima. Álvaro Dantas: Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado. p.143): Uma vez que está em causa matéria atinente à garantia de acesso à Justiça Administrativo que encontra acolhimento no artigo 36.º da Lei Básica, importa interpretar restritivamente o preceito em análise de modo que “só uma aceitação livre, incondicionada e sem reservas poderá ser entendida como impeditiva do direito de acção.” Estando em causa a aceitação tácita, importa referir que “a incompatibilidade com a vontade de recorrer decor-re da qualificação jurídica que se efectue a partir de um facto ou conjunto de fac-tos dos quais se possa depreender uma declaração tácita de aceitação do acto.” (sublinhado nosso)
Interessa reparar que a jurisprudência consolidada vem reiteradamente asseverando que a aceitação tácita pressupõe que a conduta do interessado, para além de ser da sua livre iniciativa, tem de ter um significado unívoco, de modo a que dela se depreenda, sem margem para dúvidas, o propósito de não recorrer, pelo acatamento da determinação contida no acto administrativo (cfr. Acórdãos do ex-TSJM de 20/10/1999 no Processo n.º1139, e do TSI nos Processos n.º 172/2012 e n.º298/2013). E não podem ter esse efeito preclusivo as aceitações ditadas por situações de necessidade ou premência. Pois bem, «se o pagamento for tido como modo de o interessado escapar a uma consequência gravosa para a sua esfera, então ele não pode ser entendido como o fruto de uma vontade totalmente livre. Avulta nestas situações o caso de o notificado ser alertado para a circunstância de a omissão do pagamento ser levado à conta de uma relapsia e, por isso, ser motivo para uma imediata execução fiscal.» (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º101/2012). (sublinhado nosso)
Na nossa modesta opinião, a axiologia do art.34º consiste em evitar a venire contra factum proprium, bem como em tutelar a certeza jurídica e designadamente a segurança da relação social. Nesta linha de vista e de acordo com a doutrina e jurisprudência atrás referidas, afigura-se-nos que a entrega ou apresentação da reserva escrita pode ser posterior ao cumprimente do correspectivo acto administrativo, basta que a própria reserva escrita seja cronologicamente antecedente ou contemporânea em relação a tal cumprimento, sob pena de cair na ventre contra factum proprium.
(…)”.
Noutro processo em que se discutiu a mesma questão (Proc. nº 1319/2019 do TSI, de 17/12/2020), ficou consignado o seguinte entendimento:
“(…)”
Foi invocada a aceitação do acto e a inerente perda do direito de recurso ou de legitimidade para recorrer. Para tanto, o contestante alega que o recorrente, logo que tomou conhecimento do acto, pediu imediatamente o desconto da multa no seu vencimento, em 4 prestações, o que significa que aceitou tacitamente o acto recorrido, ficando assim sem legitimidade para interpor o presente recurso, nos termos do artigo 34º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Vejamos.
Em matéria de legitimidade para a impugnação contenciosa, o artigo 34º do Código de Processo Administrativo Contencioso dispõe que não pode recorrer quem, sem reserva, total ou parcial, tenha aceitado, expressa ou tacitamente, o acto, depois de praticado. E esclarece, no que toca a aceitação tácita, que esta é a que resulta da prática espontânea de facto incompatível com a vontade de recorrer. Não tendo havido aceitação expressa, que aliás não vem invocada, importa indagar se a conduta do ora recorrente, substanciada no pedido de pagamento da multa em 4 prestações, integra um caso de aceitação tácita.
Como se viu, à luz do ordenamento jurídico de Macau, aceitação tácita é aquela que se traduz na prática espontânea de facto incompatível com a vontade de recorrer. É também esse o alcance que a doutrina e a jurisprudência portuguesas, com ordenamento jurídico similar ao de Macau, geralmente fixam à aceitação tácita, enquanto causa excludente do direito ao recurso (sublinhado nosso)– cf., entre outros, os acórdãos do STA, de 25.09.2001 e 17.01.2002, prolatados respectivamente nos processos 047538 e 047033, com sumários acessíveis através de www.dgsi.pt, onde se enfatiza que a aceitação tácita relevante para efeitos de exclusão do direito ao recurso exige uma conduta livre do administrado (recorrente), que tenha o significado unívoco, sem margem para dúvidas, do propósito de não recorrer, por acatamento do acto administrativo.
Ora, não se crê que, no caso em análise, o pedido de pagamento em prestações possa ter esse significado.
O recorrente, perante a hipótese de vir a ter que pagar a multa – que nos termos do artigo 242º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, será descontada no vencimento, caso não seja paga no prazo de 30 dias, podendo até ser objecto de execução fiscal – requereu que lhe fosse permitido pagá-la em 4 prestações. E fê-lo em impresso timbrado da própria PSP, no mesmo dia da notificação do acto, e provavelmente no próprio acto da notificação e em observância de um procedimento costumeiro em casos semelhantes. Acresce que, tempestivamente, o recorrente requereu a suspensão da eficácia do acto, que aliás lhe foi concedida, sem que então a entidade recorrida tenha interpretado aquele pedido de pagamento em prestações como uma forma de aceitação tácita do acto.
Atendendo a este circunstancialismo, cremos que não houve aceitação tácita do acto, impediente do direito de recurso contencioso, pelo que nos pronunciamos no sentido da improcedência desta questão exceptiva.
(…)”.
O raciocínio ínsito no caso citado vale, mutatis mutandis, para o caso em análise. Pois, é de concluir pela inverificação da aceitação incondicional do acto em causa, perante os factos alegados pela Recorrente que não foram impugnados com sucesso pela Entidade Recorrida, e tendo em conta as seguintes circunstâncias concretamente apuradas:
a) – Desde o início do processo de averiguações, a Recorrente constituiu mandatário (advogado) para acompanhar o assunto;
b) – Face à insistência de funcionários para pagar voluntariamente a multa, a Recorrente foi efectuar o pagamento sem consultar previamente o seu advogado, por insistência dos funcionários responsáveis pela cobrança e deveu-se à preocupação de evitar a cobrança coerciva e não porque a Recorrente quisesse renunciar ao direito de impugnar a decisão sancionatória;
c) – Durante o andamento do processo, foram formulados vários pedidos da realização de diversas diligências para tentar apurar a verdade dos factos relevantes;
É da nossa convicção que a Recorrente não teria pago a multa voluntariamente caso ela percebesse a consequência que pudesse resultar do seu pagamento voluntário sem reserva. Ou seja, não deve entender-se que a Recorrente aceitou a decisão punitiva sem reserva que lhe foi aplicada.
Esta convicção será reforçada na medida em que, no recurso hierárquico necessário interposto por ela para a Entidade Recorrida, invocou vários vícios no procedimento administrativo (depois de pagar a multa, ainda veio a recorrer administrativamente):
a) – Foi violado o seu direito de defesa visto que a Recorrente pediu a certidão composta por 50 folhas do processo, só lhe foi passada uma certidão de 3 folhas;
b) – Foi o mesmo funcionário que realizou o processo de averiguações e que instruiu o processo disciplinar contra a ora Recorrente, com o que foi violado o artigo 327º/1-g do ETAPM;
c) – Não foram inquiridas as testemunhas arrolados pela Recorrente no processo disciplinar;
d) – Não foram realizadas as diligências probatórias requeridas pela Recorrente no mesmo processo (artigo 298º do ETAPM).
Este último normativo citado consagra:
(Nulidades)
     1. É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação, nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos preceitos legais infringidos, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.
     2. É equiparada à nulidade referida no número anterior a falta de audiência, na fase de defesa, das testemunhas indicadas pelo arguido nos termos do disposto no artigo 335.º
     3. As restantes nulidades consideram-se supridas se não forem reclamadas pelo arguido até decisão final.

Os vícios invocados conduzirão, no caso da sua improcedência, à nulidade procedimental e também à eventual invalidade da decisão, nos termos do disposto no artigo acima citado, como a Entidade Recorrida não apreciou estes vícios em tempo invocados, violou o seu dever de decisão, prescrito no artigo 11º do CPA.
Pelo que, é de anular a decisão de rejeição do recurso hierárquico necessário interposto pela Recorrente ao abrigo do disposto no artigo 124º do CPA.
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Síntese conclusiva:
I – É do entendimento dominante que só uma aceitação livre, incondicionada e sem reservas do destinatário dum acto administrativo desfavorável poderá ser entendida como impeditiva do direito de acção. Estando em causa a aceitação tácita, há-de verificar “uma incompatibilidade com a vontade de recorrer decorre da qualificação jurídica que se efectue a partir de um facto ou conjunto de factos dos quais se possa depreender uma declaração tácita de aceitação do acto.”
II – Dos factos apurados resultam que, desde o ínicio dum processo de averiguações, a Recorrente/punida acompanhou de perto todo o procedimento administrativo e requereu mediante seu mandatário várias diligências (certidão de processado, pedido da realização de diversas diligências para apurar a verdade material, arguir vícios procedimentais…etc), o facto de a Recorrente, face à insistência de funcionários responsáveis, pagou a multa sem ter consultado o seu mandatário e depois interpôs recurso hierárquico necessário para a Entidade competente, não é de concluir pela aceitação sem reserva e incondicionada pela destinatária do acto puntivo.
III – Quando a Entidade Recorrida alegou e mal que a Recorrente ter aceite a decisão punitiva sem reserva e incondicional, não tendo apreciado vários vícios verificados no procedimento disciplinar, há violação do dever de decisão e como tal é de anular a decisão recorrida.
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Tudo visto, resta decidir.
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    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente o recurso, anulando-se a decisão recorrida.
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Sem custas por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 14 de Dezembro de 2022.

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Fong Man Chong Mai Man Ieng
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Ho Wai Neng
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Tong Hio Fong

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