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Processo nº 825/2022
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data do Acórdão: 14 de Dezembro de 2022

ASSUNTO:
- Prestação de informação
- Prazo


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Rui Pereira Ribeiro












Processo nº 825/2022
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 14 de Dezembro de 2022
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  veio instaurar a presente acção de prestação de informação, consulta de processo ou passagem de informação contra,
  Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
  Foi proferida sentença a julgar intempestiva a acção.
  Não se conformando com a decisão proferida veio o Requerente recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
1. A excepção da Intempestividade do direito de acção é no Direito Português uma excepção taxativa, mas, no direito praticado na RAEM não se encontra enunciada de forma taxtiva no art.º 413.º n.º 2 do Código de Processo Civil, norma aplicada in casu, ex vi art. 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
2. Se se aplicasse e fosse tal excepção o tribunal poderia sim não conhecer do mérito de causa (questões de direito) e que daria lugar à abdsoliçã da Instância.
3. Sucede que tal norma não tem cabimento nos presentes autos na medida em que os Requerente /Paticular tem o poder de escolha dos meios de impugnação à sua disposição.
4. Ou seja, a aplicação do Direito Adjectivo, excepção inominada da intempestividade, mesmo sendo de conhecimento oficoso,
5. não pode ser aplicada “tout cour” sem observância do Princípio do Contraditório, ou seja, ao longo de todo processo as partes têm direito de se pronunciar sobre qualquer questão que possa precludir, aproveitar ou extinguir o direto da parte, ou seja, de terem oportunidade de se pronunciarem.
6. Sobre o Princípio do Contraditório o art. 3.º n.º 3 do Código de Processo Civil dispõe : “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta denecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. _ sombreado nosso.
7. Para a inobservância do Princípio do Contraditório a lei colmina a invalidade da nulidada prevista no art. 147.º do Código de Processo Civil.
8. Neste sentido vide Acordam em conferência da Secção de contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
“... Não pode firmar-se desde já essa conclusão, não sem antes assegurar-se às partes o respectivo direito de contraditório, nos termos e fundamentos supra vistos, e sem se aferir adequadamente, tendo presente o objecto da acção, se o prazo para a sua instauração deve, ou não, ser contado por referência à identificada notificação.
Razão pela qual se impõe a necessária anulação da decisão recorrida por ter sido prolatada sem que tenha sido precedida de audição das partes, máxime da autora, omissão que por ter influência sobre a decisão, consubstância nulidade processual nos termos do artigo 195º n.º 1 do CPC novo, ex vi do artigo 1.º do CPT A.
Devendo, em consequência os autos baixar à la instância para que aí seja assegurado o direito do contraditório omitido, bem como, caso se venha a revelar imprescindível, se proceda às averiguações necessárias atinentes ao acto de notificação, antes do conhecimento oficioso, a efectuar em sede de despacho-saneador, quanto à excepção dilatória da intempestividade de acção.
O que se decide.
Com o que fica, concomitantemente, prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso.
IV. Decisão
Neste termos acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, anulando-se a decisão recorrida, e ordenando-se a baixa dos autos para os efeitos supra consignados, se a tanto nada vier a obstar.
Sem custas nesta instância em face do provimento concedido ...” _ sombreado nosso
9. Na modesta opinião do Recorrente situação idêntica é a da Sentença ora recorrida que julgou procedente a excepção inominada de intempestividade, com a absolvição do Requerido da instância, sem ter observado o Princípio do Contraditório.
10. Deve assim por conseguinte ser a Sentença recorrida nula nos termos do disposto no art. 147.º do Código de Processo Civil, ex vi art.º 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
(Regras gerais sobre a nulidade dos actos)
“1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2. Quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os actos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do acto não, prejudica as outras partes que dele sejam independentes.
3. Se o vício do acto obstar à produção de determinado efeito, não se têm como prejudicados os efeitos para cuja produção o acto seja idóneo” _ sombreado nosso.
10. Face ao exposto dúvidas não se colocam da nulidade da Sentença ora recorrida.
DAS REGRAS DE RECORRIBILIDADE QUE A LEI PREVÊ PARA O PARTICULAR FAZER VALER UM DIREITO PERANTE A ADMNISTRAÇÃO
11. A Sentença recorrida sustenta a intempestividade com dispensa do exercício de contraditório do Requerido, por ser de manifesta desnecessidade (conforme o disposto do artigo 3.º, n.º 3 do CPC)
12. O Recorrente não concorda com tal entendimento.
13. O Código de Procedimento Administrativo foi feito de tal sorte para os Particulares poderem expôr, requerer, peticionar à administração as suas pretensões dentro das várias opções possíveis.
14. Ora o Recorrente a 14/12/2020 apresentou um pedido ao Director dos Serviços de Cartografia e cadastro, sendo o superior hierárquico dessa Direcção de Serviços, o Exmº Sr. Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
15. Por ofício n.º 1345/CADIV /02.01.199/2868/2021, datado de 8/11/2021, o Director dos Serviços de Cartografia e Cadastro notificou o Recorrente/Requerente da recusa do pedido solicitado.
16. Dessa decisão o Recorrente/Requerente recorreu hierarquicamente para a ora Requerida, o Exmº Sr. Secretário para os Transportes e Obras Públicas nos termos do disposto no art. 154.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo.
17. Por despacho exarado na informação n.º 17/DIR/2021, de 23/12/2021, a Requerida (Exmº Sr. Secretário para os Transportes e Obras Públicas) manteve o acto recorrido ofício 0022/CADIV /02.01.199/2868/2022, datado de 5/1/2022.
18. Em 9/2/2022, o Requerente interpôs o recurso contencioso da referida decisão.
19. O Tribunal de Segunda Instância na data de 23/9/2022, rejeitou o recurso contencioso, convolando-o em acção para prestação de informação e em consequência remeteu-o para o tribunal competente que é o Tribunal Administrativo.
20. A questão que se doca é se o Recorrente teria a obrigatoriedade de interpôr a referida acção ou optar pelas instâncias de recurso previstas no Código de Procedimento Administrativo?
21. Ora o Recorrente teve uma razão lógica no seu iter de impugnação da recusa do acto administrativo.
22. Por um lado a lei, prevê a hipótese de impugnação de acto administrativo através de recurso contencioso ou interpondo uma acção no Tribunal Administrativo de acordo com a NOTA DE APRESENTAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO CONTENCIOSO, pontos 10 e 11 :
“10. A acção para reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos vê o seu campo de aplicação delimitado, em regra, aos casos em que não existe - nem se o pretende que venha a existir - qualquer acto administrativo, pretendendo o autor com ela o reconhecimento de um direito, designadamente - agora introduzido - de um direito fundamental face à Administração (vd. Art. 100.º - n.º 1).
A acção, contudo, pode também ser proposta, alternativamente ao recurso contencioso, nos casos previstos no art. 100.º - n.º 2.
A acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos - que também pode ser proposta alternativamente ao recurso contencioso (vd . art. 103.º n.º 2 ) - tem os pressupostos referidos no n.º 1 do art. 103.º e as finalidades mencionadas no art. 104.º , admitindo-se, ainda, a possibilidade de cumulação de pedidos (vd. Art. 107.º) _ sombreado nosso.
23. Não se conforma o Recorrente com a Sentença recorrida atento todo o acima exposto!
24. Mais, se o Recorrente tivesse optado por interpôr a Acção para Prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão, teria de esperar dois anos para fazer novo pedido de certidão.
25. Pela forma que o Recorrente optou de apresentar recurso contencioso independentemente do entendimento de convolação ou não do Tribunal de Segunda Instância o Recorrente cumpriu todos os prazos legais,
26. Como tal, uma opção não exclui ou absorve a outra, podendo afinal o Recorrente apresentar no Tribunal administrativo “ab ínicio” um nova Acção para Prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão.
  Pelo Recorrido foram apresentadas contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
  
  Foram os autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO
  
  É do seguinte teor a decisão recorrida:
  “Vem o Ministério Público, nos termos do art. o 110.º n.º 2 do CPAC, emitir o seguinte parecer:
  Por decisão datada de 23 de Setembro de 2022, constante das fls. 65 a 67 dos autos, o Tribunal de Segunda Instância julgou que o recurso contencioso interposto pelo requerente A contra a entidade requerida Secretário para os Transportes e Obras Públicas, incorreu em erro na forma de processo, e que devia ser instaurado o processo especial previsto nos art.ºs 108.º a 112.º do CPAC - acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão, pelo que rejeitou o recurso contencioso interposto pelo requerente; ao mesmo tempo, por ser o Tribunal Administrativo competente para conhecer, em primeira instância, do supracitado processo, e ser incompetente o TSI para o efeito, foi ordenada a remessa dos autos ao TA para o prosseguimento dos ulteriores termos processuais.
  Ao abrigo dos dispostos no art.º 33.º n.º 1 do CPC, aplicável por força do art.º 1.º do CPAC, caso seja verificada a incompetência, é remetido o processo para o tribunal competente, considerando-se neste caso o processo instaurado na data do primeiro registo de apresentação da petição inicial.
  De acordo com o art.º 109.º, al. b) do CPAC, a acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão deve ser intentada no prazo de 20 dias contado da recusa expressa de satisfação da pretensão.
  No caso sub judice, segundo a petição inicial constante das fls. 2 dos autos, o requerente foi notificado, no dia 10 de Janeiro de 2022, da decisão da entidade requerida que recusou a satisfação do seu direito à informação, razão pela qual interpôs recurso contencioso para o TSI em 9 de Fevereiro de 2022. Obviamente, mesmo com aproveitamento dos efeitos da instauração de acção previstos pelo art.º 33.º n.º 1 do CPC, já havia decorrido o prazo de 20 dias entre a data em que foi o requerente notificado da decisão de recusa de satisfação da sua pretensão e a data da interposição do recurso contencioso. Assim sendo, afigura-se-nos que não está preenchido o pressuposto processual de tempestividade.
  No que diz respeito ao fundo da causa - se o exercício do direito à informação, pretendido pelo requerente, é restringido ou não pela lei, salvo o devido respeito por opinião diversa, consideramos infundamentada a pretensão do requerente.
  Os art.ºs 63.º a 67.º do CPA regulam o direito dos particulares à informação, incluindo o direito de acesso à informação procedimental previsto nos art.ºs 63.º a 66.º e o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, ou de acesso à informação não procedimental previsto no art.º 67.º do mesmo Código.
  In casu, o requerente requereu o exercício do direito à informação pedindo à entidade requerida para emitir a planta cadastral e a planta de alinhamento do terreno que alegou lhe pertencer. Dos dados constantes dos autos resulta que, a entidade requerida apontou que não podia o requerente fornecer a certidão de propriedade do referido terreno, e as informações cadastrais mostraram que o terreno pretendido pelo requerente se presumiu omisso na Conservatória do Registo Predial, o qual é considerado como terreno do Estado conforme o art.º 8.º da Lei de Terras, pelo que recusou o requerimento do requerente.
  Obviamente, a planta cadastral e a planta de alinhamento, solicitadas pelo requerente, não são informações procedimentais, por não haver um procedimento administrativo no qual seja interessado o requerente.
  Por outro lado, os art.ºs 3.º a 13.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M prevêem um conjunto de processos de emissão da planta cadastral definitiva pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, tal como o de apuramento e verificação dos elementos que devem constar da planta cadastral previsto pelo art.º 4.º, e a Administração também tem que dar ma fase administrativa ao eventual interessado para os efeitos de esclarecimento e reclamação. Dito por outra palavra, a planta cadastral solicitada pelo requerente, bem como os elementos nela contidos, não são meramente arquivos ou registos administrativos, mas, ao invés, trata-se dum acto administrativo resultante de investigação e aprovação realizada pela Administração através de determinado procedimento administrativo. E, embora o requerente alegasse ser proprietário do terreno em causa, ele nunca apresentou à entidade requerida qualquer título de propriedade do terreno, não podia provar que era o proprietário do terreno, e o terreno presumiu-se omisso na CRP e foi considerado como terreno do Estado, verificando-se, assim, manifesta contradição até “controvérsia”. Não resta dúvida que, a pretensão do requerente no sentido de ordenar a emissão da planta cadastral do terreno que lhe pertence, já excede o âmbito da presente acção, ou seja, não se encontra no âmbito do mero direito de acesso aos arquivos ou registos administrativos.
  Quanto à planta de alinhamento, ao abrigo dos dispostos nos art.ºs 19.º, n.º 6, al. a) e 32.º, n.º 1 do Regulamento Geral da Construção Urbana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/85/M, vigente no momento em que o requerente apresentou o requerimento à Administração, só o proprietário do imóvel tem legitimidade para requerer a planta de alinhamento, que serve para requerer à Administração a aprovação do respectivo projecto de arquitectura. Dispõe-se expressamente nos art.ºs 2.º, n.º 2, al. a), e 19.º, n.º 1 a n.º 3, e n.º 6 do mesmo Regulamento que, têm legitimidade o proprietário do imóvel e o locatário ou mandatário que obtenha o consentimento do proprietário para formular o pedido de aprovação de projecto de arquitectura, acompanhado de planta de alinhamento do respectivo imóvel. Além disso, entende-se por alinhamento a linha fixada pela DSSOPT que define o alinhamento da fachada a arruamentos ou vias públicas que dão serventia ao lote. Daí resulta claramente que, quer o conteúdo da planta de alinhamento, quer o objectivo da sua emissão, tem que ser examinado e determinado pela Administração, e de igual modo, não se trata, simplesmente, de registo interno da Administração ou documento arquivado, que pode ser objecto do direito à informação exercido pelos cidadãos a título do princípio da administração aberta.
  Pelo exposto, propõe-se que seja julgado improcedente a acção do requerente e indeferido o seu pedido.”
  (vide fls. 77 a 79v dos autos).
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  Com base nos elementos constantes dos autos, considera-se provada a seguinte factualidade pertinente:
  - Em 14/2/2020, o Requerente A, representado pela sua mandatária, dirigiu o requerimento ao Director dos Serviços de Cartografia e cadastro, requerendo que lhe seja emitida a planta cartográfica e a planta de alinhamento cadastral da Estrada do Campo, antes Povoação do Campo ou outra, eventual número Policial 16, na Ilha de Coloane (Conforme o doc. junto a fls. 157 a 158 do processo administrativo).
  - Por ofício nº 1345/CADIV/01.01.199/2868/2021, datado de 8/11/2021, o Director dos Serviços de Cartografia e Cadastro notificou o Requerente da recusa do solicitado (conforme o doc. junto a fls. 42 e v do processo administrativo).
  - Dessa decisão o Requerente recorreu hierarquicamente para ora Requerida, o Secretário para aos Transporte e Obras Públicas (conforme o doc. junto a fls. 61 a 63v do processo administrativo).
  - Por despacho exarado na informação n.º 17/DIR/2021, de 23/12/2021, a Requerida decidiu manter o acto recorrido, indeferindo, desse modo, o recurso hierárquico interposto, decisão essa foi notificada através do ofício n.º 0022/CADIV/02.01.199/2868/2022, datado de 5/1/2022 (conforme o doc. junto a fls. 6 e 8 a 10v do processo administrativo).
  - Em 9/2/2022, o Requerente interpôs o recurso contencioso da referida decisão, tendo acusado o recebimento da notificação desta em 10/1/2022.
  - Por decisão do Tribunal de Segunda Instância datada de 23/9/2022, este Tribunal rejeitou o recurso contencioso, convolando-o em acção para prestação de informação e por consequência remetendo-o para o tribunal competente que é o Tribunal Administrativo.
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  Começamos por apreciar a excepção dilatória de intempestividade da acçao suscitada pela digna Magistrada do Ministério Público, com a dispensa do exercício do contraditório por parte do Requerente, por ser da manifesta desnecessidade (conforme o disposto do artigo 3.º, n.º 3 do CPC).
  Se de acordo com a decisão da convolação do tribunal superior, o que está em discussão é a recusa da prestação de informação por parte da Administração, então a acção deveria ser interposta, conforme observou o Ministério Público, no prazo de 20 dias contado da ocorrência do primeiro dos seguintes factos “…b. Recusa expressa de satisfacção da pretensão” – conforme se prevê no artigo 109.º, alínea b) do CPAC.
  No caso dos autos, quando o Requerente interpôs, em 9/2/2022, o recurso contencioso da decisão da Requerida do indeferimento do recurso hierárquico, alegou ter acusado o recebimento da notificação da decisão em 10/1/2022. Assim, mesmo com aproveitamento dos efeitos da incompetência declarada pelo TSI e da consequente remessa, considerando a petição apresentada na data do primeiro registo de apresentação por força do artigo 33.º, n.º 1 do CPC, ex vi o artigo 1.º do CPAC, já havia decorrido entre 10/1/2022 e 9/2/2022 o prazo legal de 20 dias (com o termo desse prazo que recai em 4/2/2022).
  A que acresce que em torno da questão da legitimidade passiva, a jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância tem vindo a afirmar que “Em acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão tem legitimidade passiva o órgão administrativo que detém as informações ou onde corra ou tenha corrido o procedimento” (veja-se Acórdão n.º 279/2020, de 4/6/2020). E portanto, se é o órgão detentor das informações que deva ser intimado na acção para prestação de informação, e não o seu hierárquico superior, a recusa expressa para o efeito da contagem do referido do prazo de 20 dias ocorreu ainda na data muito mais anterior – quando o Director dos Serviços de Cartografia e Cadastro em 8/11/2021 respondeu por ofício n.º 1345/CADIV/02.01.199/2868/2021, notificando o Requerente da recusa do solicitado – e não na data da prática do acto de segundo grau pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas. Se assim é, é manifesto que havia esgotado muito o prazo até à data de propositura da acção em 9/2/2022. Tendo sido verificada a intempestividade da acção, fica prejudicado o conhecimento da questão de mérito por este Tribunal.
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  Assim sendo, julga-se procedente a excepção inominada de intempestividade, com a absolvição do Requerido da instância (cfr. o artigo 230.º, n.º 1, alínea e) e o artigo 109.º, alínea b) do CPAC).”».
  
  Foi do seguinte teor o Douto Parecer do Ministério Público:
  «1.
  A, melhor identificado nos presentes autos, intentou acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão contra o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, pedindo a condenação deste a emitir planta cartográfica e planta de alinhamento cadastral necessárias à identificação da demarcação e confrontações de terreno junto à Estrada do Campo.
  Por douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo foi julgada procedente a excepção dilatória inominada da intempestividade com a consequente absolvição do Requerido da instância.
  Inconformado com essa decisão, veio o Requerente interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância, pugnando pela respectiva revogação.
  Foram apresentadas contra-alegações.
  2.
  Parece-nos, salvo o devido respeito, que o presente recurso não pode merecer provimento uma vez que, como procuraremos demonstrar de seguida, a douta decisão recorrida fez uma acertada aplicação da lei.
  Em termos muito breves, pelo seguinte.
  (i)
  (i.1)
  Alega o Recorrente que o juiz não observou o contraditório, em violação, portanto, do disposto no artigo 3.º do Código de Processo Civil (CPC) e que, com isso, cometeu nulidade processual nos termos previstos no artigo 147.º do CPC, a qual, em seu entender, se bem interpretamos as alegações, acarretaria a nulidade da própria decisão recorrida.
  Salvo o devido respeito, não é assim.
  A lei processual civil distingue e trata diferentemente as nulidades processuais e as nulidades da sentença, o que tem que ver com a dupla perspectiva pela qual a sentença pode ser olhada: a sentença pode ser vista como trâmite ou como acto. No primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença.
  Tendo presente esta distinção, uma decisão-surpresa, como aquela que, alegadamente foi proferida nos presentes autos, ou seja, uma decisão que não foi antecedida do contraditório, constitui, ela própria, um vício, ou mais concretamente, com MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, podemos dizer que «há um vício processual que é consequência da omissão de um acto. Se assim é, claro que o que há que considerar é o vício em si mesmo (a decisão-surpresa), e não separadamente a causa do vício e o vício. Em parte alguma do direito processual ou do direito substantivo se considera a causa do vício e o vício como duas realidades distintas. A única distinção que é possível fazer é ontológica: é a distinção entre a causa e a consequência» e assim, como prossegue aquele ilustre Processualista, «dado que a decisão-surpresa corresponde a um único vício e porque este nada tem a ver com a decisão como trâmite, o vício de que padece a decisão-surpresa só pode ser um vício que respeita à decisão como acto. Em concreto, a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se pode pronunciar» (nestes termos, veja-se o Post do Autor citado no blog do IPPC, de 22.9.2020, sob o título «Nulidades do processo, nulidades da sentença: em busca da clareza necessária» e, no mesmo sentido, em JOÃO DE CASTRO MENDES/MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de Processo Civil, Volume I, Lisboa, 2022, p. 102 e a jurisprudência portuguesa aí referida).
  (i.2)
  No caso em apreço, a decisão recorrida não foi antecedida da audição da parte. Ficou a isso dever-se a um juízo do Meritíssimo Juiz a quo no sentido de que tal audição se revelava manifestamente desnecessária.
  Bem, a nosso humilde ver.
  Como assinala a boa doutrina, a observância do principio do contraditório na sua dimensão positiva, «tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que que o tribunal possa conhecer oficiosamente e que nenhuma das partes suscitou ao longo dos autos: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com a concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em caso de manifesta necessidade» (assim, JOSÉ LEBRE DE FREITAS/JOÃO REDINHA/RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, volume I, Coimbra, 1999, p. 8).
  A «manifesta desnecessidade» é um conceito indeterminado de densificação necessariamente casuística, mas em relação é qual é possível, estamos em crer, definir alguns critérios que podem auxiliar na tarefa da sua concreta aplicação. Um desses critérios é aquele que aponta no sentido de que o contraditório deverá ser poderá ser dispensado quando em causa esteja o conhecimento de questões simples e incontroversas, relativamente às quais, portanto, o contributo que as partes possam trazer à decisão sempre e a qualquer luz se mostrará irrelevante, tornando, portanto, a respectiva audição num verdadeiro acto inútil.
  No caso, como veremos já de seguida, a questão decidenda reveste o apontado carácter simples e incontroverso, pelo que nada há a censurar, parece-nos, quanto à decisão do Meritíssimo juiz a quo de dispensar o contraditório com fundamento na sua manifesta desnecessidade.
  (ii)
  Quanto à questão de saber se a decisão recorrida sofre de erro de julgamento no que tange à questão da excepção dilatória da intempestividade do meio que julgou verificada, cremos ser evidente a falta de razão do Recorrente.
  Pelo seguinte.
  De acordo com o disposto na norma da alínea b) do artigo 109.º do CPAC, a intimação deve ser pedida no prazo de 20 dias a contar da recusa expressa de satisfação da pretensão, sendo que este prazo é de caducidade, ao qual, portanto, se não aplicam as regras do artigo 94.º do Código de Processo Civil (quanto à qualificação do prazo, veja-se VIRIATO LIMA/ÁLVARO DANTAS, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, RAEM, 2015, p. 318).
  No caso, verifica-se que o ora Recorrente:
  (-) Requereu ao Director dos Serviços de Cartografia e Cadastro a emissão de planta cartográfica e a planta de alinhamento cadastral;
  (-) Foi notificado dessa decisão e recorreu hierarquicamente para o Secretário para os Transportes e Obras Públicas o qual manteve a decisão de indeferimento, a qual foi notificada ao Recorrente no dia 10 de Janeiro de 2022;
  (-) Deduziu o presente meio processual, ainda que sob a errada forma do recurso contencioso, em 9 de Fevereiro de 2022.
  Como é bom de ver, o prazo para a intimação terminou no dia 30 de Janeiro, que foi domingo, pelo que, tratando-se de acto que tem de ser praticado em juízo o respectivo termo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte que foi o dia 4 de Fevereiro de 2022 [os dias 1, 2 e 3 foram dias feriado, sendo que, por força da natureza urgente do presente processo, a respectiva petição podia ser apresentada em férias judiciais face ao preceituado no artigo 6.º, n.º 1, alínea c) do CPAC].
  Assim, apresentada a petição inicial no dia 9 de Fevereiro de 2022, é patente a sua intempestividade, irrelevando, como é bom de ver, a errada escolha na forma processual feita pelo Recorrente, uma vez que a mesma lhe é exclusivamente imputável e não pode, por isso, reverter em seu injustificado benefício, fazendo renascer um direito de impugnação contenciosa que já se havia extinguido por caducidade.
  Andou bem, pois, a douta decisão recorrida ao julgar verificada a excepção dilatória da intempestividade e ao absolver, em consequência, o Recorrido da instância, não sendo, pois, em nosso modesto entendimento, merecedora de censura que justifique a respectiva revogação.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.».
  
  Acompanhamos o parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, concordando integralmente com a fundamentação daquele constante à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, entendendo que a sentença recorrida não enferma dos vícios que lhe são apontados, devendo em consequência manter-se.
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
  
  Custas a cargo do Recorrente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 14 de Dezembro de 2022
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Fong Man Chong
  Ho Wai Neng
  *
  Mai Man Ieng

825/2022 ADM 41