Processo nº 641/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 1 de Dezembro de 2022
Recorrente: A
Recorrida: B Resorts, S.A. (anteriormente denominada Sociedade de Jogos de Macau, S.A.)
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa em processo comum do trabalho contra
B Resorts, S.A. (anteriormente denominada Sociedade de Jogos de Macau, S.A.), também com os demais sinais dos autos.
Pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
1) MOP$ 9.270,00, a título de subsídio de efectividade, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento relativo ao período de 08/11/2009 a 31/07/2010;
2) MOP$ 6.952,50, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento relativo ao período de 08/11/2009 a 31/07/2010;
3) MOP$ 31.875,00, a título de trabalho extraordinário prestado, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento relativo ao período de 08/11/2009 a 17/05/2014;
4) MOP$ 21.250,00, a título de descanso compensatório não gozado, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento relativo ao período de 08/11/2009 a 17/05/2014;
5) MOP$ 55.500,00, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo acrescida de juros até efectivo e integral pagamento relativo ao período de 08/11/2009 a 17/05/2014;
6) MOP$ 55.500,00, a título de descanso compensatório não gozado, em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal, relativo ao período de 08/11/2009 a 17/05/2014;
7) Em custas e procuradoria condigna.
Proferida sentença, foi a Ré condenada a pagar ao Autor as seguintes:
1. Compensação de subsídio de efectividade:
MOP$ 7.500,00 / 30 dias x 4 dias / mês x 8 meses (de 08/11/2009 a 31/07/2010)
= MOP$ 8.000,00
2. Compensação das quantias de comparticipação no alojamento:
HKD$ 750,00 x 1,03 x 8 meses (de 08/11/2009 a 31/07/2010)
= MOP$ 6.180,00
3. Compensação por trabalho extraordinário prestado:
[MOP$ 7.500,00 / (30 dias x 8 horas) x 1,5 x 0,5 hora x 1351 dias (desde 08/11/2009, descontados os 108 dias de férias anuais / licença sem vencimento e os 193 dias de descanso]
= MOP$ 31.664,06
4. Compensação por descansos semanais e compensatórios:
[MOP$ 7.500,00 / 30 dias x (1544 dias / 7 dias - 1544 dias / 8 dias (desde 08/11/2009, descontados os 108 dias de férias anuais, arredondado))] x 2
= MOP$ 13.500,00,
as quais totalizam MOP$ 59.344,06.
Ao abrigo do art.º 794.º, n.º 4 do CC, em conjugação com a jurisprudência uniformizada consagrada pelo acórdão n.º 69/2010 do TUI, acrescem-se aos créditos acima referidos os juros legais desde o dia do proferimento da presente decisão até ao pagamento integral.
Não se conformando com a decisão proferida na parte relativa à condenação da Ré no pagamento da compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, uma vez que a forma de cálculo usada se distancia da que tem vindo a ser usada por este Tribunal de Segunda Instância e do trabalho extraordinário, vem o Autor interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1) Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à não concessão de descanso compensatório pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo e na parte relativa à condenação- da Ré na compensação devida ao Autor, ora Recorrente, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal;
2) Pelas razões que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do penado normal diário por cada dia de trabalho efectivo e, deste modo, se mostra em violação ao disposto nos artigos 36.º, 38.º, 42.º e 43.º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual se impõe que a mesma seja substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação a conferir aos referidos preceitos.
Em concreto,
3) Resultando da matéria provada que:
- Desde o início da- relação de trabalho até 17/05/2014, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (17º)
- Entre 08/11/2009 a Uj05/2014, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo da resposta aos quesitos 10º e 12º. (19º)
- A Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (20º)
- A Ré (B) nunca conferiu ao Autor o gozo de descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (21º)
4) Conclui-se que o Autor prestou trabalho extraordinário por determinação prévia do empregador e não deu o seu consentimento, conforme resulta da matéria assente. Tendo o trabalho extraordinário sido prestado independentemente do consentimento do Autor.
5) Devendo, por isso, ter sido concedido descanso compensatório nos termos e para os efeitos do artigo 38.º da Lei 7/2008. Não tendo sido, deve o mesmo ser compensado, em concreto, da seguinte forma: MOP$7,500 / 30 dias / 8 horas X 0.5 horas X 1351 dias = MOP$21,109.38.
Ao que acresce que,
6) Resulta ainda da matéria de facto assente, entre outra, que:
- Entre 08/11/2009 a 17/05/2014, a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias (...). (24.º)
- Entre 08/11/2009 a 17/05/2014, a Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (25.º).
7) Não obstante a referida matéria de facto provada, com vista a apurar o valor que o Autor tinha a receber relativamente ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, o tribunal a quo seguiu o seguinte raciocínio: dividiu o número de dias de trabalho efectivos prestados pelo Autor e descontou os dias em que o Autor havia descansado ao 8.º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença entre os dois.
8) E, a ser assim, salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer existir um erro de julgamento traduzido, entre outros, no facto de se acreditar que a douta Decisão não ter factos para se poder chegar a tal resultado, nem os mesmos constavam da Base Instrutória;
9) Ou melhor, o que impunha apurar era os dias de trabalho em que o Autor prestou trabalho para a Ré em cada 7.º dia, após 6 dias consecutivos de trabalho e não apurar a diferença entre o trabalho prestado ao 7.º dia com os dias de não trabalho que o Autor gozou no 8.º dia após 7 dias de trabalho consecutivo, e consequentemente nada havia a descontar aquando do apuramento do montante indemnizatório, a tal respeito;
10) De onde, salvo melhor opinião, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$55,000.00, a título de falta de marcação e gozo de descanso semanal - e não apenas MOP$6,750.00, conforme parece resultar da douta Sentença que, salvo o devido respeito, nesta parte poderia estar um pouco mais clara, correspondente ao seguinte: MOP$7,500 / 30 dias X 1544 dias / 7 dias;
11) Ao não entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do art. 42.º e 43.º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, o que em caso algum poderá deixar de conduzir, nesta parte, à nulidade da decisão recorrida, devendo manter-se a condenação da Recorrida na quantia a pagar a título de descanso compensatório não gozado o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
Contra-alegando veio a Recorrida pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
I. Veio o Autor, ora Recorrente, insurgir-se contra a decisão proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base na parte em que julgou parcialmente improcedente os pedidos deduzidos a título de trabalho extraordinário e trabalho prestado em dia de descanso semanal por entender que a sobredita decisão enferma de erro de aplicação de Direito quanto à concessão -de descanso compensatório pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal-diário por cada dia de trabalho efectivo e quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado nos artigos 36º, 38º, 42º e 43º da Lei n.º 7/2008.
II. Vem o Recorrente colocar em crise a Sentença Recorrida por entender que andou mal o Tribunal a quo ao não condenar a Recorrida a um período de descanso adicional remunerado, alegando que o Tribunal a quo não terá procedido a uma interpretação correcta do disposto nos artigos 36º e 38º do Lei n.º 7/2008, pelo que deverá a Recorrida B ser condenada a pagar ao Autor o montante de MOP$21,109.38 a título de descanso compensatório.
III. Dispõe o artigo 38.º, n.º 1 do referido diploma legal: “1. Nas situações previstas nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 36.º, o trabalhador tem direito de gozar um descanso adicional, remunerado nos termos gerais, com uma duração: 1) Não inferior a vinte e quatro horas, se o período de trabalho atingir o respectivo limite diário máximo; 2) Proporcional ao período de trabalho prestado, se o período de trabalho não atingir o respectivo limite diário máximo. (…)”.
IV. Dispõe ainda o artigo 36º n.º 2, alínea 1) e 2) do mesmo diploma legal: “2. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho extraordinário, independentemente do seu consentimento, quando: 1) Se verifique casos de força maior, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas; 2) O empregador esteja na iminência de prejuízos importantes, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas; (...)”
V. Após a análise dos artigos em causa, não nos parece que o Autor, ora Recorrente, tenha qualquer razão, uma vez que, tal como ficou demonstrado, o briefing realizado nos 30 minutos antes do início de cada turno era usado para efeitos de transição de turnos, mormente, para que os colegas que-se-encontravam no final do turno pudessem entregar aos que iam começar-um novo turno os instrumentos de trabalho, tais como o “walkie talkie”.
VI. O trabalhador não tem direito a qualquer período de descanso compensatório, sempre que o trabalho extraordinário seja prestado por solicitação prévia do empregador e obtido o consentimento do trabalhador.
VII. Além disso, o trabalho antecipado de 30 minutos por dia, já foi considerado como trabalho extraordinário e a, ora Recorrida, condenada a pagar o montante de acordo com o cálculo de 1.5 do salário por hora.
VIII. Não nos parece, no caso ora em apreço, estarmos perante as situações previstas no artigo 36º, n.º 2, alínea 1) e 2) e do artigo 38º, n.º 2 da lei n.º 7/2008, logo não tem o Autor direito à compensação adicional pelas horas extraordinárias do trabalho.
IX. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao não condenar a ora Recorrida no pagamento do descanso compensatório adicional, pelo que nesta parte o recurso terá necessariamente de improceder.
X. O Recorrente vem, ainda, colocar em crise a sentença proferida pelo Tribunal a quo na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor uma quantia pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho), por entender que o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto nos artigos 42º e 43º da Lei n.º 7/2008 e deveria ter condenado a Ré, ora Recorrida, a pagar ao Autor a quantia de MOP$55,000.00, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho),
XI. Alega o Recorrente que não obstante a matéria de facto provada o Tribunal a quo: “(...) seguiu o seguinte raciocínio: dividiu o número de dias de trabalho efectivos prestados pelo Autor e descontou os dias em que o Autor havia descansado ao 8.º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos; apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença entre os dois.” e a ser assim a douta Decisão não tinha factos para se poder chegar a tal resultado, nem os mesmos constavam da Base. Instrutória.
XII. Não assiste razão ao Recorrente, nada havendo a-apontar à decisão proferida nesta parte pelo douto Tribunal Judicial de Base, porquanto diga-se desde logo que, quanto à actividade da empresa a mesma é pública e notória - é actividade de Casino e de laboração contínua -, ou seja, de vinte e quatro horas sobre vinte e quatro horas, como o Recorrente bem sabe pois foi guarda de segurança de um casino.
XIII. Ao que acresce, bem sabe o Recorrente porque alegou nos artigos 29º e 37º da sua petição inicial que após sete dias de trabalho consecutivo o Autor Recorrente gozava um período de vinte e quatro horas de descanso, o que foi confirmado pela testemunha ouvida em audiência de discussão e julgamento e ainda conforme consta da fundamentação na resposta dada à matéria de facto.
XIV. Assim, se o Recorrente gozou efectivamente de um dia de dispensa ao trabalho em cada oitavo dia, o cômputo efectuado a final pelo douto Tribunal a quo de compensar o Recorrente pelo trabalho prestado ao sétimo dia de trabalho consecutivo não poderia ter sido calculado de modo diferente.
XV. Com a entrada em vigor em 01/01/2009 da Lei n.º 7/2008, o legislador deixou de exigir o gozo consecutivo do descanso semanal por cada quatro semanas, conforme se prevê no nº 2 do art.s 42º da Lei nº 7/2008.
XVI. Sendo que, dispõe o art.º 43º, n.ºs 1, 2 e 4 do mesmo diploma: «1. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho em dia de descanso, independentemente do seu consentimento, quando: (...) 3) Quando a prestação do trabalho seja indispensável para garantir a continuidade do funcionamento da empresa. 2. A prestação de trabalho nos termos do número anterior confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório, fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e a direito a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração.de base ou gozar, dentro de trinta dias, um dia de descanso compensatório para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal; 4. Caso não goze o dia de descanso compensatório previsto no número anterior, o trabalhador tem direito a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal».
XVII. No caso dos autos, a Lei admite a concessão do descanso em cada oitavo dia como descanso semanal nos termos do nº 2 do art.s 42º da Lei nº 7/2008.
XVIII. Conforme o alegado pela B, ora Recorrida, nos artigos 57º e 58º da Contestação, por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem como, em função da natureza do sector de actividade da Recorrida - Casino - que é de laboração contínua, poderá o empregador ter a necessidade de fixar e atribuir esses dias de descanso semanal não ao sétimo dia, mas num outro dia do mês.
XIX. Nesta medida, verificando-se no caso sub judice uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 42º da Lei n.º 7/2008 e resultando da matéria de facto dado como provada que o Recorrente gozou o descanso compensatório ao 8º dia, bem andou o douto Tribunal a quo no apuramento do montante indemnizatório.
XX. Pelo que e, face a todo o exposto, não tem o Recorrente qualquer razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser considerado totalmente improcedente.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
- Desde 08/11/2009 até 17/05/2014 o Autor esteve ao serviço da Ré (B), prestando funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente. (A)
- Entre 08/11/2009 e 17/05/2014, a Ré (B) pagou ao Autor a quantia de MOP$7500,00 a título de salário de base mensal. (B)
- Por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem assim, em função da natureza do sector de actividade da Ré – Casino – que é de laboração contínua. (C)
- O Autor foi recrutado pela sociedade C – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. para exercer funções de "guarda de segurança" para a D, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003, aprovado pelo Despacho n.º 001949/IMO/SEF/2003 (cfr. fls. 15 a 20, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (1.º e 2.º)
- O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (7.º)
- Era a Ré quem fixava o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (8.º)
- Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e as instruções da Ré. (9.º)
- Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 07/12/2010 e 29/12/2010 (23 dias) e entre 07/08/2012 e 25/08/2012 (19 dias), bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da Ré. (10.º e 12.º)
- Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003 ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré até 31/07/2010, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) "(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço". (11.º)
- Entre 08/11/2009 e 31/07/2010, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade (13.º)
- Entre 08/11/2009 e 31/07/2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HKD$750,00 sobre o salário mensal do Autor, a título de "comparticipação nos custos de alojamento" (15.º)
- A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática. (16.º)
- Desde o início da relação laboral até 17/05/2014, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (17.º)
- Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) o os "guardas de segurança", na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (18.º)
- Entre 08/11/2009 e 17/05/2014, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo da resposta aos quesitos 10.º e 12.º. (19.º)
- A Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (20.º)
- A Ré (B) nunca conferiu ao Autor o gozo de descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (21.º)
- Desde 08/11/2009 a 17/05/2014, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (22.º)
- A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia. (23.º)
- Entre 08/11/2009 a 17/05/2014, a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias, sem prejuízo da resposta aos quesitos 10.º e 12.º. (24.º)
- Entre 08/11/2009 a 17/05/2014, a Ré (B) não pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (25.º)
2. DO DIREITO
O objecto do presente recurso versa sobre o cálculo da indemnização devida pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal não gozados e do trabalho extraordinário relativo ao período de 08.11.2009 a 17.05.2014.
Vejamos então.
Sobre esta questão na decisão recorrida diz-se o seguinte:
«Averiguada a matéria de facto, ora convém considerar a aplicação da lei, de modo a decidir sobre os requerimentos das partes.
Já que este juízo sentenciou num processo do mesmo género relativo à mesma ré mediante a mesma jurisprudência, ora se reitera a nossa posição para conhecer dos presentes requerimentos.
Sem qualquer dúvida, entre as partes estabeleceu-se a relação de contrato de trabalho (TNR). Segundo a jurisprudência predominante desta RAEM, o contrato de prestação de serviços assinado entre a Ré e a Empresa de agência de trabalho qualifica-se como contrato a favor de terceiro, aplicável à relação laboral entre o Autor e a Ré.
Ao mesmo tempo, à esfera jurídica referente às relações laborais de antes de 31/12/2008 aplica-se, por analogia, o Decreto-Lei n.º 24/89/M, enquanto à esfera jurídica depois daquela data aplica-se a Lei n.º 7/2008, pela aplicação analógica e ao abrigo do 20.º da Lei n.º 21/2009.
(…)
Quanto à compensação por trabalho extraordinário prestado, ao abrigo do art.º n.º 33.º, n.º 1 e n.º 5 da Lei n.º 7/2008, tendo em conta ao mesmo tempo a jurisprudência da RAEM, os 30 minutos diários para os preparativos ou para concluir trabalhos inacabados aplicam-se tão-somente a casos ocasionais, não sendo uma disposição rotineira e regular para prolongar o período de trabalho normal. Por força do art.º 37.º, n.º 1, o salário corresponde à remuneração normal do trabalho prestado com um acréscimo de 50%.
No presente caso, se segundo as instruções o Autor devia comparecer no serviço com 30 minutos de antecedência todos os dias antes do início do período de trabalho normal, então se trata de um prolongamento regular do período de trabalho, pelo que se consideram como trabalho extraordinário aqueles 30 minutos. Logo, o Autor tem direito à compensação por trabalho extraordinário prestado correspondente à remuneração horária normal do trabalho prestado com um acréscimo de 50%. Por outro lado, não se tendo verificado qualquer um dos casos previstos pelo art.º 36.º, n.º 2 e pelo art.º 38.º da Lei n.º 7/2008, a Ré não se obrigava a conceder descanso compensatório ao Autor pelo trabalho extraordinário.
Quanto ao desacato do dia semanal por cada 7 dias por parte da Ré, ao abrigo do art.º n.º 42.º, n.º 2 e do art.º n.º 43.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 4 da Lei n.º 7/2008, o legislador eliminou a disposição sobre o gozo de descanso semanal por 4 dias consecutivos, estabelecendo ao mesmo tempo que se o empregado trabalhou durante o descanso semanal, tem direito a um acréscimo do salário normal, para além do salário de base e a um dia de descanso compensatório, conversível em salário.
No presente caso, atentendo à necessidade de funcionamento contínuo do casino da Ré, o dia de descaso por cada 8 dias de trabalho do Autor é considerado como gozo efectivo de descanso semanal. Então a compensação por descansos semanais e compensatórios devida ao Autor será calculada pela Ré simplesmente com base na diferença entre o número de dias de descanso semanal gozáveis (um por cada 7 dias) e o de dias de descanso semanal efectivamente gozados (um por cada 8 dias).
Então, quanto ao requerimento do autor, tendo em conta o seu período de serviço (de 08/11/2009 a 17/05/2014), os respectivos períodos referentes às compensações requeridas e o número de dias de trabalho efectivo, tem direito às seguintes compensações:
(…)».
Quanto ao período a partir de 08.11.2009, verifica-se que contrariamente ao que estipula o artº 42º da Lei nº 7/2008 a Ré B não fixou ao Autor um período de descanso de 24 horas em cada semana (ou período de 7 dias).
O Autor trabalhava consecutivamente durante 7 dias e descansava ao 8º dia, conforme resulta da matéria de facto assente.
Relativamente a esta matéria tem «Este TSI tem entendido de forma unânime, que o trabalho prestado no sétimo após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana deve ser qualificado como trabalho prestado no dia do descanso semanal, não obstante o Autor ter gozado um dia de descanso ao oitavo dia.
A razão de ser consiste em “o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade” (cfr. Ac. do TSI, Proc. nº 89/2020, de 16/04/2020).
Assim, o descanso remunerado do trabalhador no oitavo dia não pode ser qualificado como descanso semanal sem acordo das partes ou quando a natureza da actividade da empresa não torne inviável o gozo no sétimo dia, antes deve ser qualificado como dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado no dia de descanso semanal a que se alude o nº 2 do artº 43º da Lei nº 7/2008.
Tem o Autor já gozado os dias de descanso compensatório a que se alude o nº 2 do artº 43º da Lei nº 7/2008, só fica por pagar-lhe o acréscimo de uma remuneração de base correspondente aos (…) dias de trabalho prestado no descanso semanal.» - cfr. Ac. do TSI, Proc. nº 83/2021, de 29.04.2021.
Pelo que, de acordo com o que tem vindo a ser o entendimento deste TSI, e tendo em consideração a matéria de facto apurada, tendo o Autor já gozado o dia de descanso compensatório a que teria direito (o descanso ao 8º dia), pelo trabalho prestado ao 7º dia tem este direito a receber apenas o acréscimo da remuneração correspondente a um dia de trabalho nos seguintes valores:
- Entre 08.11.2009 e 17.05.2014 por (1544/7) 220 dias de trabalho ao 7º dia, tem a receber MOP55.000,00 (MOP7.500,00/30x220);
Cálculo da indemnização devida pelo trabalho extraordinário.
Vem também interposto recurso da sentença recorrida porquanto na indemnização em que a Ré B foi condenada pelo trabalho extraordinário prestado não foi considerado o direito ao descanso compensatório consagrado.
Relativamente a esta matéria alegava o Autor na p.i. – e agora em sede de recurso – que tendo sido prestado trabalho extraordinário para além do direito à remuneração do mesmo, tem ainda o trabalhador direito a descanso compensatório nos termos do artº 38º da Lei nº 7/2008.
É a seguinte a redacção do preceito em causa:
Artigo 38.º
Descanso compensatório
1. Nas situações previstas nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 36.º, o trabalhador tem direito a gozar um descanso adicional, remunerado nos termos gerais, com uma duração:
1) Não inferior a vinte e quatro horas, se o período de trabalho atingir o respectivo limite diário máximo;
2) Proporcional ao período de trabalho prestado, se o período de trabalho não atingir o respectivo limite diário máximo.
2. O disposto no número anterior aplica-se à situação prevista na alínea 3) do n.º 2 do artigo 36.º se o trabalhador prestar trabalho extraordinário durante dois dias consecutivos.
3. O direito ao descanso compensatório é gozado nos quinze dias seguintes ao da prestação do trabalho extraordinário, em dia escolhido pelo trabalhador, com a concordância do empregador.
4. Na falta de acordo entre trabalhador e empregador quanto ao dia em que o descanso compensatório deve ser gozado, o mesmo é fixado pelo empregador.
Os nºs 1) e 2) do nº 2 do artº 36º estipulam que:
«2. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho extraordinário, independentemente do seu consentimento, quando:
1) Se verifiquem casos de força maior, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas;
2) O empregador esteja na iminência de prejuízos importantes, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas;»
No caso em apreço não se alega, nem se demonstra que o trabalho extraordinário prestado o haja sido por alguma daquelas razões, pelo que, bem se andou na decisão recorrida ao não conceder compensação alguma a este título uma vez que o Autor não tinha direito ao descanso compensatório.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
- Concede-se parcialmente provimento ao recurso interposto pelo Autor, quanto à condenação da Ré revogando a sentença recorrida na parte respeitante à compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP55.000,00 a título de descanso semanal acrescida dos juros moratórios fixados nos termos daquela decisão a qual em tudo o mais se mantém, negando-se provimento ao recurso no remanescente.
Custas pelo Autor e Ré na proporção do decaimento.
Registe e Notifique.
RAEM, 1 de Dezembro de 2022
Rui Pereira Ribeiro
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
641/2022 CÍVEL 1