Processo n.º 361/2022
(Autos de recurso contencioso ― excepções dilatórias de irrecorribilidade e de ilegitimidade)
Data:19/Janeiro/2023
Recorrente:
- A
Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos, notificado do despacho do Exm.º Secretário para a Segurança de 4 de Abril de 2022, que revogou o despacho de aplicação da pena disciplinar de suspensão pelo período de 90 dias e que ordenou a realização de novas diligências com vista ao apuramento de outros factos constitutivos de infracção disciplinar, dele não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto.
Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, tendo suscitado a excepção de ilegitimidade do recorrente, nos seguintes termos que se transcrevem:
“司法上訴人針對保安司司長2022年4月4日所作批示提起本司法上訴。
在被訴批示中,保安司司長廢止了治安警察局對司法上訴人科處90日停職處分的決定,並著令對司法上訴人兩次向他人借取巨額款項一事作跟進調查,且在作出處分決定時須對司法上訴人杂在的累犯的加重情節作考慮。
《行政訴訟法典》第33條a)項規定,自認擁有被司法上訴所針對之行為侵害之權利或受法律保護之利益之自然人或法人,又或指稱在司法上訴理由成立時有直接、個人及正當利益之自然人或法人具有提起司法上訴之正當性。
在被訴批示中,儘管著令對司法上訴人所實施事實作跟進調查,並在作出處分時須考慮累犯的加重情節,然而,當中並未包含任何對司法上訴人權利或受保護法益構成實質性不利的決定。事實上,在所提交的起訴狀中,司法上訴人由始至終未有就被訴批示侵害了其哪一權利或受法律保護的利益作出陳述或予以指明。
因此,基於司法上訴人不具有提起司法上訴的正當性,不應受理本司法上訴。”
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Aberta vista inicial ao Digno Magistrado do Ministério Público, suscitou o mesmo a irrecorribilidade do acto, nos seguintes termos transcritos:
“在起訴狀中,司法上訴人請求(中級法院)撤銷第22/SS/2022號批示(見卷宗第19頁),該批示得出之結論是:由於本案存在調查不足的情況,以及對嫌疑人科處紀律處分時存在違反法律規定的瑕疵,治安警察局局長的處分決定屬可撤銷。鑑於此,本案被訴實體(保安司司長閣下)作出決定:廢止治安警察局局長於2022年2月17日作出的對嫌疑人科處90日停職紀律處分的決定,並著令對嫌疑人兩次向他人借取巨額款項一事作跟進調查,且在作出處分決定時須對嫌疑人存在的累犯的加重情節作考量。
顯然,第22/SS/2022號批示包含兩項決定:其一是廢止治安警察局局長於2022年2月17日作出的對嫌疑人(即本案司法上訴人)科處90日停職紀律處分的決定;另一是著令(治安警察局局長)對其兩次向他人借取巨額款項一事作跟進調查且在作出處分決定時須考量上述加重情節。
性質上,第22/SS/2022號批示之第二項決定——著令(治安警察局局長)對司法上訴人兩次向他人借取巨額款項一事作跟進調查且在作出處分決定時須考量上述加重情節——只是上級對下級就具體個案之工作指令,而且,毫無疑問它不界定(definir)司法上訴人之法律狀況。這意味著,第二項決定之效力僅存在於行政機關之間,基於此且質言之,其不產生外部效力。
的確,針對治安警察局局長於2022年2月17日作出的對其科處90日停職紀律處分的決定,司法上訴人並未提起訴願,從而,這項紀律處分已經轉為確定並付諸執行(見P.A. 第227-229頁)。然則,揆諸邏輯規則,毋庸置疑而且不言而喻的是,第22/SS/2022號批示第一項決定之“廢止”是其第二項決定之必要前提;無此廢止,第二項決定勢必是徒勞無益之舉。再者,無論如何,該“廢止”對司法上訴人必然不產生任何損害。質言之,作為第二項決定之前提,此“廢止”僅對司法上訴人間接地產生有利的影響。
在尊重不同觀點之前提下,我們認同Mário Aroso de Almeida和Carlos Alberto Fernandes Cadilhe的精闢論述(in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina 3ª ed. 2010, p.339):內部行為存在於機關間關係或者等級關係領域,它們只能是間接地影響一般法律秩序(actos internos são aqueles que se inscrevem no âmbito das relações interorgânicas ou das relações da hierarquia e que apenas indirectamente se poderão reflectir no ordenamento jurídico geral)。據此,我們傾向於認為:作為本案之訴訟客體的第22/SS/2022號批示具有“內部行政行為”的法律屬性。
此外,我們相信終審法院在其第56/2018號程序之合議庭裁判中確立的權威司法見解同樣適用於本案,茲引證如下:運輸工務司司長——在撤銷經公開招標而作出的判給行為的司法裁判轉為確定之後——作出的命令履行上述司法裁判的批示,是一項面向其下屬部門作出的不產生對外效力的內部行為,不影響各競投人參與公開招標的權利,故不可被提起司法上訴。
遵循上述學說與司法見解,尤其是依據《行政訴訟法典》第28條第1款我們認為:由於本案之被訴行為——第22/SS/2022號批示——屬內部行政行為,因此它不具有可訴性。鑑於此,儘管與答辯狀第五條之角度並不完全一致,基於《行政訴訟法典》第46條第2款c項和本案所處之程序階段,應駁回起訴(參見中級法院在第20/2013號程序之合議庭裁判)。
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綜上所述,謹此建議法官閣下予以駁回起訴。”
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Devidamente notificado, apresentou o recorrente respostas pugnando pela improcedência das excepções acima referidas.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão das excepções dilatórias ora suscitadas.
Por despacho do Exm.º Secretário para a Segurança, de 17.2.2022, foi aplicada ao recorrente a pena disciplinar de suspensão por 90 dias.
O recorrente foi notificado do despacho em 23.2.2022, iniciando-se a execução da referida pena disciplinar no dia 11.3.2022.
No dia 4.4.2022, o Exm.º Secretário para a Segurança revogou o despacho de aplicação da pena disciplinar de suspensão por 90 dias e ordenou a realização de novas diligências destinadas ao apuramento de outros factos constitutivos de infracção disciplinar, tudo com vista à aplicação, a final, de uma outra pena disciplinar em que serão ponderadas todas as circunstâncias agravantes.
O recorrente foi notificado desse novo despacho em 11.4.2022.
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Coloca-se a questão de saber se o acto praticado pela entidade recorrida é ou não recorrível, e se o recorrente tem legitimidade para interpor recurso contencioso.
Preceitua-se no n.º 1 do artigo 28.º do CPAC que “são actos administrativos contenciosamente recorríveis os que, produzindo efeitos externos, não se encontram sujeitos a impugnação administrativa necessária.”
Observam Viriato Lima e Álvaro Dantas1, “…pode dizer-se que são externos os actos que produzem efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e os particulares ou que afectam a situação jurídico-administrativa de uma coisa. Ao que, hoje, se devem acrescentar os actos que se inscrevem no âmbito de relações entre entidades públicas. Por contraposição, actos internos são aqueles que se inscrevem no âmbito das relações inter-orgânicas ou das relações de hierarquia e que apenas indirectamente se poderão reflectir no ordenamento jurídico geral.”
Ora bem, é bom de ver que o despacho ora recorrido é composto por duas partes: a primeira é no sentido de revogação do despacho (anterior) de aplicação da pena disciplinar e a segunda consiste na realização de novas diligências destinadas ao apuramento de outros factos constitutivos de infracção disciplinar, tudo com vista à aplicação, a final, de uma outra pena disciplinar na qual serão ponderadas todas as circunstâncias agravantes.
A nosso modesto ver, entendemos que o acto administrativo objecto do presente recurso contencioso não deve ser aferido em duas partes autónomas, antes pelo contrário, estando as duas decisões inseridas no mesmo acto recorrido e que estão relacionadas entre si, devendo ser atendidas no seu todo e não separadamente, sob pena de a finalidade pretendida pela Administração não poder ser alcançada.
Sendo assim, atento o conteúdo do acto administrativo no seu todo, dúvidas de maior não restam de que o mesmo é apto de produzir efeitos externos numa situação individual e concreta, no âmbito da relação estabelecida entre a Administração e o recorrente, tendo em conta que a Administração não se limitou apenas a revogar o acto anterior, mas também ordenou ao mesmo tempo a realização de novas diligências destinadas ao apuramento de outros factos constitutivos de infracção disciplinar, para que, a final, seja aplicada ao recorrente uma outra pena disciplinar na qual serão tidas em consideração todas as circunstâncias agravantes.
Isto posto, salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos ser recorrível o acto ora em crise.
Também não se diga que o recorrente não tem legitimidade para recorrer.
Preceitua-se na alínea a) do artigo 33.º do CPAC que “têm legitimidade para interpor recurso contencioso as pessoas singulares ou colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido ou que aleguem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso.”
Na densificação do que seja tal interesse, citando Viriato Lima e Álvaro Dantas o ensinamento de Marcello Caetano: referindo-se que existe interesse directo “quando o provimento do recurso implique a anulação ou a declaração de nulidade de acto jurídico que constitua obstáculo à satisfação de pretensão anteriormente formulada pelo recorrente (quer essa pretensão seja positiva, quer seja negativa) ou seja causa imediata de prejuízos infligidos pela Administração”; existe interesse pessoal “quando o recorrente alegue esperar uma utilidade concreta para si próprio ou para a sua função, do provimento do recurso, isto é, seja a pessoa em cuja carreira, em cuja esfera jurídica ou actividade se vá produzir o efeito da declaração pretendida”; e existe um interesse legítimo “se a utilidade proveniente do recurso não for reprovada pela ordem jurídica”2.
No fundo, entendem aqueles mesmos autores que “carecerão de legitimidade para interpor recurso contencioso aqueles que, com a prática do acto, apenas sofrem um prejuízo indirecto, mediato, reflexo ou meramente eventual.”3
No caso dos autos, a Administração não só determinou a revogação do despacho anterior que lhe aplicara ao recorrente a pena disciplinar, além do mais, ordenou que se procedesse a outras diligências investigatórias com vista a aplicar ao recorrente, a final, uma pena disciplinar mais severa.
Ora bem, se não existisse o acto recorrido, o recorrente apenas cumpriria a pena (mais leve) aplicada no despacho anterior, daí que não se vislumbra que o prejuízo sofrido pelo recorrente seja meramente indirecto, reflexo ou eventual, antes o recorrente tem interesse em ver anulado o acto para poder cumprir aquela pena mais leve. Sendo assim, o recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso contencioso.
A nosso ver, se a Administração tivesse revogado pura e simplesmente o acto administrativo anterior e que não viesse dar outras decisões, nomeadamente ordenar a prática de outras diligências de investigação e a ponderação das respectivas circunstâncias agravantes, a situação seria diferente uma vez que o recorrente sairia beneficiado. Também seria coisa diferente se a Administração apenas tivesse ordenado a realização de investigações sobre determinada situação, pois inscrevendo-se as tais diligências de investigação no âmbito das relações internas da Administração, não produzem efeitos jurídicos (externos) para o recorrente.
Isto posto, julgam-se improcedentes as excepções suscitadas nos autos.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedentes as excepções de irrecorribilidade e de ilegitimidade suscitadas pelo Ministério Público e pela entidade recorrida.
Sem custas por a entidade recorrida e o Ministério Público beneficiar de isenção subjectiva.
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RAEM, aos 19 de Janeiro de 2023
Tong Hio Fong
Rui Pereira Ribeiro
Fong Man Chong
Mai Man Ieng
1 Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, CFJJ, 2015, página 102
2 Obra citada, páginas 133 e 134
3 Obra citada, página 134
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Recurso Contencioso – excepções Página 4