Processo nº 655/2022
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)
Data: 19 de Janeiro de 2023
Requerente: A
Requerida: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar a presente acção para Revisão e Confirmação de Decisão Proferida por Tribunal Exterior de Macau, contra
B, também com os demais sinais dos autos.
Citada a Requerida para querendo contestar esta silenciou.
Pelo Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de nada opor ao pedido de revisão e confirmação formulado.
Foram colhidos os vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
1. Pelo Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou, Zhuhai, Guangdong foi proferida sentença em 01.03.2002 e transitada em julgado em 08.05.2002 na qual declarou dissolvido por divórcio o casamento celebrado entre A e B os quais haviam casado entre si em Zhuhai em 25.10.1986;
2. Da decisão referida na alínea anterior consta que:
«Tribunal Popular do distrito de Xiangzhou, Zhuhai, Guangdong
Sentença Civil
nº 463珠香民初(2002)
Autor: A (A), do sexo masculino, nascido em 17 de Maio de 1958, de etnia Han, residente de Macau, reside em Macau, na XXXXXXXXXX, nacionalidade chinesa, portador do BIR nº 7/412010/6.
Ré: B, do sexo feminino, de etnia Han, nascida em 28 de Março de 1964, residente de Macau, reside na cidade de Zhuhai, Gongbei, XXXXXXXXXX, portadora do BIR nº 1/XXXXXX/0.
Mandatário Judicial: C, advogado do Escritório de advogados D, Guangdong.
Admitida a acção de divórcio litigioso intentada pelo Autor, A, contra a Ré, C, o juiz substituto, E, procedeu à apreciação da acção nos termos da lei, tendo realizado publicamente audiência de julgamento. O Autor A, a Ré Cg e o mandatário judicial C tiveram presentes na audiência. Este processo encontra-se concluído.
Alegação do Autor: o Autor e a Ré casaram-se civilmente no dia 25 de Outubro de 1986. Os dois não se davam bem após o casamento. A Ré era viciada em jogos, às vezes perdeu os salários dos dois em jogos, e, por causa de jogar, ignorava a família e a situação financeira da mesma. Além disso, os dois deixaram de ter vida sexual nos últimos 11 anos após o nascimento da filha F, o que conduziu à quebra da relação conjugal. O Autor entende que é impossível manter a relação conjugal, pelo que intentou a acção junto do tribunal, na qual formulando os seguintes pedidos: 1. decretar o divórcio entre o Autor e a Ré; 2. decidir a guarda dos filhos F e G; 3. Partilhar os bens comuns do casal.
A Ré contestou na audiência, alegando o seguinte: 1. O Autor invoca como o motivo de divórcio o facto de que a Ré é viciada em jogos, mas isso não é verdade; 2. O Autor alegou que os dois vivem em separação por muitos anos, isso é verdade, pelo que a Ré concorda com o divórcio. A Ré pede também a decisão sobre a guarda dos filhos e a partilha de forma razoável dos bens.
Na contestação a Ré apresentou as seguintes provas: os recibos relativos ao pagamento do preço da fracção sita no Edf. Jardim XXXX, Zhongshan, e aos contratos de fornecimento de água e de energia electríca; 2. O recibo relativo a um montante recebido em 28 de Setembro de 2000; 3. O recibo da indemnização de terreno expropriado. Os documentos referidos são fotocópias.
Apreciada a acção, foi apurado o seguinte: O Autor e a Ré começaram a namorar à volta de Dezembro de 1984 e casaram-se civilmente no dia 25 de Outubro de 1986 nos Serviços de Assuntos Cívicos da Cidade de Zhuhai. Os dois filhos legítimos: G, do sexo masculino, com idade de 14 anos; F, do sexo feminino, com idade de 11 anos. Bens comuns: a fracção autónoma sita em Macau, na XXXXXXXXXX, no valor de MOP320.000; 2. a fracção autónoma sita em Xiangzhou, XXXXXXXXXXXX, no valor de RMB140.000; 3. a fracção autónoma sita em Gongbei, XXXXXXXXXXXX, no valor de RMB300.000; 4. a fracção autónoma sita em Xiawan, XXXXXXXXXXXX, no valor de RMB110.000; 5. a fracção autónoma sita na cidade de Zhungshan, Edf. Jardim XXXX, XXXXXXXX, no valor de RMB80.000; 6. o direito sobre o terreno de cinco acres na área industrial “XXXX”, no valor de RMB300.000; 7. o veículo ligeiro de marca “XIALI” (com matrícula nº 粵C.AXXXX), no valor de RMB50.000; 8. o veículo ligeiro de marca “BUICK” (com matrícula nº 粵C.BXXXX), no valor de RMB288.000. Créditos comuns: o montante de MOP50.000 depositado no Banco da China, Macau. Dívidas comuns: O empréstimo no valor de MOP250.000 relativo à aquisição de casa em Macau; o remanescente empréstimo contraído para a aquisição do terreno na área industrial no valor de RMB200.000 (já pagou RMB100.000). Os dois não se davam bem após o casamento e deixaram de ter vida sexual após o nascimento da filha F, além disso, vivem em separação há 11 anos, o que conduziu à quebra da relação conjugal. O Autor entende que há ruptura definitiva do casamento e é impossível manter a relação conjugal, pelo que intentou a acção junto do tribunal, pedindo que seja decretado o divórcio entre o Autor e a Ré.
No decorrer da apreciação da acção, este tribunal procedeu à conciliação das partes, ambos concordaram com o divórcio mas não chegaram a acordo sobre a guarda dos filhos e a partilha dos bens, créditos e dívidas.
Este tribunal julga que o Autor e a Ré são de personalidades diferentes, não existindo nada em comum entre eles, o que fez com que ambos não conseguissem estabelecer o vínculo afectivo após o casamento. O Autor e a Ré vivem em separação há 11 anos, sendo o casamento apenas no nome e verificada a ruptura definitiva do casamento. Agora as partes concordam com o divórcio, deste modo, este tribunal decreta o divórcio entre eles. Quanto aos dois filhos legítimos, o Autor fica com a guarda de um e a Ré fica com a de outro, cada um suporta os alimentos do filho que fica na sua guarda. Os bens, créditos e dívidas comuns devem ser partilhados sob os princípios de fácil de gerir e utilizar, bem como da igualdade no valor. Os bens são partilhados da seguinte forma: O Autor fica com a fracção autónoma sita em Macau, na XXXXXXXXXX, a fracção autónoma sita na cidade de Zhungshan, Edf. Jardim XXXX, XXXXXXXXX, o direito sobre o terreno de cinco acres na área industrial “XXXX” e o veículo ligeiro de marca “BUICK” (com matrícula nº 粵C.BXXXX). A Ré fica com a fracção autónoma sita em Xiangzhou, XXXXXXXXXXXXX, a fracção autónoma sita em Gongbei, XXXXXXXXXXXXX, a fracção autónoma sita em Xiawan, XXXXXXXXXXXXXX e o veículo ligeiro de marca “XIALI” (com matrícula nº 粵C.AXXXX). Créditos comuns: O Autor fica com o montante de MOP50000 depositado no Banco da China, Macau. Dívidas comuns: O empréstimo no valor de MOP250.000 relativo à aquisição da fracção em Macau; o empréstimo no valor de RMB200.000 relativo ao terreno na área industrial são de responsabilidade do Autor. Quanto à loja sita em Zhongshan, XXXXXXXXXXXXXXX, os dois apresentaram versões diferentes sobre o imóvel, além disso, não conseguiram facultar prova, pelo que este tribunal não deu como provado o facto sobre o imóvel. O Autor alegou ter emprestado uma quantia de RMB300000 ao seu cunhado, mas para tal não apresentou prova, nem a Ré confirmou o facto, pelo que este tribunal não deu como provado o facto invocado. Nos termos dos artºs 32º, 36º, 39º, 41º da Lei Matrimonial da RPC, decide-se o seguinte:
1. Decreta-se a dissolução do casamento celebrado entre o Autor A e a Ré C, com efeitos a partir da data de trânsito em julgado da presente sentença.
2. Os filhos legítimos: G fica na guarda do Autor e F fica na guarda da Ré.
3. Bens comuns: O Autor fica com os seguintes bens: a fracção autónoma sita em Macau, na XXXXXXXXXX, a fracção autónoma sita na cidade de Zhungshan, Edf. Jardim XXXX, XXXXXXXXXXXXX, o direito sobre o terreno de cinco acres na área industrial “XXXX” e o veículo ligeiro de marca “BUICK” (com matrícula nº 粵C.BXXXX). A Ré fica com os seguintes bens: a fracção autónoma sita em Xiangzhou, XXXXXXXXXXXXXX, a fracção autónoma sita em Gongbei, XXXXXXXXXXXXX, a fracção autónoma sita em Xiawan, XXXXXXXXXXXXXX e o veículo ligeiro de marca “XIALI” (com matrícula nº 粵C.AXXXX).
4. Crédito comum: O Autor fica com o montante de MOP50000 depositado no Banco da China, Macau. Dívida comum: O empréstimo no valor de MOP250.000 relativo à aquisição de casa e o empréstimo no valor de RMB200.000 relativo ao terreno na área industrial são de responsabilidade do Autor.
A taxa de admissão desta acção é de RMB9980 - RMB4990 a cargo do Autor, RMB4998 a cargo da Ré. (O Autor pagou antecipadamente a taxa, não lhe é restituída o montante já pago, a Ré pagará a sua parte directamente ao Autor na data de trânsito em julgado da presente sentença.)
As partes podem, querendo, recorrer da sentença para Tribunal Popular Intermédio da Cidade de Zhuhai da Província de Guangdong, no prazo de 15 dias a contar desde a data de notificação. Deve-se entregar a este Tribunal a petição de recurso e os duplicados conforme o número de pessoas da outra parte.
Ao 1 de Março de 2002.
O Juiz Substituto: E
(Carimbo do Tribunal)
Secretária Judicial: H»
b) Do Direito
De acordo com o disposto no nº 1 do artº 1199º do CPC «Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.».
Como é sabido nos processos de revisão e confirmação de decisões proferidas no exterior de Macau o Tribunal não conhece do fundo ou mérito da causa limitando-se a apreciar se a decisão objecto dos autos satisfaz os requisitos de forma e condições de regularidade para que possa ser confirmada.
Esses requisitos são os que vêm elencados no artº 1200º do CPC, a saber:
«1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.».
Vejamos então.
Da certidão junta aos autos resulta que pelo Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou, Zhuhai, Guangdong foi decretado o divórcio entre o Requerente e Requerida, nada havendo que ponha em causa a autenticidade da mesma e o sentido da decisão, estando assim preenchido o pressuposto da al. a) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Igualmente resulta da certidão junta que a decisão se tornou definitiva o que equivale nos termos da legislação da China Continental a que já transitou em julgado, não provindo de tribunal cuja competência haja sido provocada em fraude à lei e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau, estando preenchidos os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Igualmente não consta que a questão tenha sido submetida a qualquer tribunal de Macau, não havendo sinais de poder ser invocada a litispendência ou caso julgado, pelo que se tem por verificada a condição da alínea d) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Não resulta das certidões juntas que a decisão haja sido tomada sem que a Ré haja sido regularmente citada ou em violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes, pelo que se tem por verificada a condição da alínea e) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
A sentença revidenda procede à dissolução do casamento por divórcio, direito que a legislação de Macau igualmente prevê – artº 1628º e seguintes do C.Civ. -, pelo que, a decisão não conduz a um resultado incompatível com a ordem pública, tendo-se também por verificada a condição da alínea f) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Termos em que se impõe concluir no sentido de estarem verificados os requisitos para a confirmação da sentença proferida por tribunal exterior a Macau.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder a revisão e confirmar a decisão do Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou, Zhuhai, Guangdong nos termos acima transcritos.
Custas pelo Requerente.
Registe e Notifique.
RAEM, 19 de Janeiro de 2023
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
655/2022 8
REV e CONF DE DECISÕES