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Processo n.º 407/2022
(Autos de recurso cível)

Data: 9/Fevereiro/2023

Recorrente:
- A, S.A. (ré)

Recorridos
- B Limited (autora no processo principal)
- C (autora no apenso A)
- D (autora no apenso B)
- E, S.A. (ré no processo B)
- F Limitada (interveniente)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformada com a sentença que julgou parcialmente procedente a acção intentada pelos autores no processo principal e nos apensos, recorreu a ré A, S.A., melhor identificada nos autos, jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos, pela qual o Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a acção, condenando a Ré A S.A. a:
     - Pagar à Autora B Limited, a quantia de MOP$1.365.525,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
     - Pagar à Autora D, a quantia de MOP$1.287.025,97, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde até integral pagamento, desde a citação sobre a quantia de MOP$12.025,97 e desde a data de notificação da presente decisão sobre o restante.
     - Pagar à Autora C, a quantia de MOP$1.360.008,50, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, desde a citação sobre a quantia de MOP$85.008,50 e desde a data de notificação da presente decisão sobre o restante.
     II. Tudo isto, decorrente do facto de o Tribunal a quo ter considerado que o acidente em apreço nos autos se ter ficado a dever ao risco próprio dos dois veículos que colidiram, considerando que o veículo pesado de mercadorias contribuiu com 85% daquele risco e o motociclo com 15%.
     III. Com tal decisão não se pode a Recorrente conformar, por entender que a mesma padece de graves erros de julgamento, em termos que põem seriamente em causa a sua bondade e o respectivo conteúdo.
     IV. Bem como uma errada subsunção dos factos ao direito, não tendo o Tribunal a quo atendido e tirado as devidas consequências dos factos assentes e dos factos dados como provados e não provados, acabando por decidir no sentido de condenar as partes pelo Risco sem ter o necessário substrato nos factos provados.
     V. Analisada a decisão recorrida, não se entende qual a base factual em que se suportou o Tribunal a quo para a final, considerar que o acidente se ficou a dever ao risco próprio dos dois veículos que colidiram.
     VI. A consequência é que, com o devido respeito, a decisão recorrida, para além de inconsistente, é profundamente injusta para a Recorrente, na medida em que, sem qualquer suporte fáctico, o Tribunal a quo acabou por considerar que o acidente se deveu ao risco próprio dos dois veículos, em vez de, condenar pela culpa, sendo que, no nosso entender, a maior parte da culpa foi, sem dúvida, do condutor do motociclo MM-37-XX.
     VII. A manter-se a decisão recorrida, entende a Recorrente que a mesma legitima uma situação injusta.
     VIII. A verdade é que, no presente caso, sem que se perceba porquê, o Tribunal a quo acaba por legitimar que o mesmo num acidente que ocorreu por clara culpa de uma ou de ambas as partes, se condene pelo risco, situação que, aos olhos da Recorrente, uma vez mais, é inaceitável e extremamente injusta.
     IX. Por último, entende ainda a Recorrente que o Tribunal a quo procedeu a um errado julgamento da matéria de facto ao dar como provados alguns dos quesitos da base instrutória, em termos que motivam a respectiva impugnação, tudo nos termos que se passa a expor.
     X. Nos presentes autos foi dado como Assente e resultou como Provado e Não Provado o seguinte:
     s) O acidente dos autos deu origem a um processo-crime CR4-15-0451-PCC, tendo G sido absolvido por sentença transitada em julgado.
     u) Antes da ocorrência do acidente, o veículo pesado MK-47-XX circulava pela terceira e última via de trânsito a contar do lado esquerdo da Avenida de Wai Long, na direcção da Estrada de Pac On para a Avenida do Aeroporto e, seguindo para o seu lado esquerdo, num trajecto diagonal relativamente ao eixo da faixa de rodagem, começou a entrar progressivamente, primeiramente com o seu canto frontal esquerdo, na via de trânsito central da mesma Avenida Wai Long (Quesito 1º).
     v) Quando o MK-47-XX já se encontrava parcialmente na via de trânsito do meio e parcialmente na via de trânsito do seu lado direito, atento o seu sentido de marcha, parou devido ao facto de os demais veículos que circulavam à sua frente terem também parado face ao sinal luminoso de cor vermelha situado na confluência da Avenida Wai Long com a Rotunda do Aeroporto e quando o MK-47-XX reiniciava a sua marcha em diagonal continuando progressivamente a entrar na via de trânsito do meio da Avenida Wai Long, H conduzia o motociclo com a matrícula MM-37-XX na via de trânsito mais à esquerda da Avenida Wai Long, também na direcção da Estrada do Pac On para a Rotunda do Aeroporto e entrou também na via de trânsito do meio na parte lateral esquerda do MK-47-XX e na zona da via não ocupada pelo MK-47-XX (quesito 2º).
     w) O táxi de matrícula M-28-XX circulava na mesma Avenida Wai Long, também na direcção à Rotunda do Aeroporto, mas na via mais à esquerda, atento o seu sentido de marcha, que era o mesmo do MK-47-XX e do MM-37-XX (Quesito 3º).
     x) Na altura, o sinal do semáforo estava vermelho e o veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G, parou à espera de mudança do sinal e retomou a marcha na altura em que o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, se aproximava e chegava ao mesmo local pelo lado esquerdo do veículo pesado em causa sem ter chegado a parar (Quesito 3ºA).
     y) Depois de o sinal passar a verde e quando o MK retomava a marcha, o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, que circulava nas imediações passou a circular na lateral do veículo pesado de matrícula MK-47-XX, conduzido por G (Quesito 3ºB).
     z) Quando o MK-47-XX e o MM-37-XX se encontravam já próximos da Rotunda do Aeroporto, e perto do poste de iluminação n.º 752C01, o MM-37-XX circulou à esquerda do MK-47-XX na mesma via de trânsito (Quesito 4º).
     aa) O motociclo, conduzido por H, com a matrícula MM-37-XX circulava entre o veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G, e o táxi com a matrícula M-28-XX, conduzido por I, num espaço de largura não apurada (Quesito 4ºB).
     bb) O MK-47-XX e o MM-37-XX embateram entre si, o MK com o lado esquerdo do para-choques dianteiro e o MM com a sua parte lateral traseira direita (Quesito 5º).
     nn) Durante a marcha, o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, circulava sempre ao lado esquerdo do veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G (Quesito 20ºA).
     oo) Quando se encontravam a circular a poucos metros de chegar à Rotunda do Aeroporto, perto do poste de iluminação n.º 752C01, o MK-47-XX e o MM-37-XX não mantiveram a distância suficiente entre si para evitar o embate um com o outro e efectivamente embateram, o MK com a sua parte lateral esquerda dianteira e o MM com a sua parte lateral esquerda traseira (Quesito 20ºC).
     XI. O presente recurso incide ainda sobre o julgamento da matéria de facto efectuado pelo Douto Tribunal a quo quanto à resposta aos quesitos 1º, 2º, 3ºA, 3ºB, 4º, 4ºB, 5º, 20ºA e 20ºC da douta Base Instrutória.
     XII. Salvo o devido respeito por melhor opinião, entendem os Recorrentes que a decisão sobre a matéria de facto não é correcta e deverá ser alterada, constando do processo todos os elementos de prova, designadamente prova testemunhal gravada, cuja avaliação feita pelo Tribunal a quo se impugna nos termos do disposto no artigo 629º do CPC.
     XIII. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 599º, n.º 2 do CPC, “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.”
     XIV. Conforme infra se desenvolverá, o vício de erro de julgamento da matéria de facto que os Recorrentes estão em crer inquinar a decisão ora recorrida, prende-se também com a apreciação que é feita do depoimento das testemunhas ouvidas no âmbito dos presentes autos.
     XV. Os depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento que teve lugar nos dias 8 e 9 de Março de 2021 foram registados e suporte de disco compacto, pelo que, indicaremos, juntamente com as transcrições, as passagens das gravações em que se fundam.
     XVI. No vertente processo, foi determinada a documentação das declarações prestadas na audiência de julgamento, existindo por isso suporte de gravação, o que permitirá a este Venerando Tribunal de Segunda Instância melhor avaliar, e decidir, sobre o invocado erro na apreciação da prova, aqui expressamente se requerendo a reapreciação da matéria de facto, nos termos admitidos no artigo 629º do CPC.
     XVII. A Recorrente, ao invocar no presente recurso o erro na apreciação da prova, que, na sua óptica, inquina a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, não pretendem apresentar apenas uma simples discordância relativamente à interpretação dos factos feita por aquele douto Tribunal, tendo bem presente o dispositivo do artigo 558º do CPC, e a natureza insindicável da livre convicção relativamente à apreciação da prova efectuada pelo Tribunal recorrido, e estando bem cientes da jurisprudência firmada nos Tribunais Superiores da RAEM.
     XVIII. A verdade é que, é entendimento da Recorrente que tal erro de julgamento é manifesto na situação dos autos, e que o vício apontado à decisão recorrida resulta, por si só, dos próprios elementos constantes dos autos, ou com recurso às regras da experiência comum.
     XIX. É que, se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artigo 558º, n.º 1 do CPC, o Tribunal aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção dos factos, não é menos verdade que a matéria de facto assente em primeira instância pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 629º do CPC, quando, analisada a prova produzida em primeira instância, nomeadamente atendendo aos depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento e à prova documental carreada para os autos, vislumbra-se um qualquer erro grosseiro e manifesto por parte do Tribunal recorrido na análise dessa prova, isto é, um erro manifesto na apreciação da matéria de facto.
     XX. Com efeito, e com tem vindo a ser sufragado pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância, a respeito do Princípio da livre apreciação das provas:
     “(…) o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e revaloração das provas com vista à sua eventual alteração da matéria de facto só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis. Portanto, para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatório de provas, v.g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.” Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 13/06/2019, proferido no âmbito do processo n.º 638/2018.
     XXI. O princípio da livre apreciação plasmado no artigo 558º, n.º 1 do CPC não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova, isto é, a livre apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária da prova, “mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais”, cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 11/10/2018, proferido no âmbito do processo n.º 906/2016.
     XXII. Entendem, pois, os Recorrente que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não valorou correctamente os depoimentos das testemunhas inquiridas na audiência de julgamento, pelo que existe um erro notório e manifesto na apreciação da prova produzida, por parte desse Tribunal, que inquina a decisão recorrida de (manifesto e grosseiro) erro de julgamento, tudo conforme infra melhor explanado.
     XXIII. Ao longo de todo o processo e nomeadamente na audiência de julgamento, esteve sempre em causa qual o posicionamento de todos os intervenientes no local antes e durante a ocorrência do acidente, havendo testemunhas que se encontravam no local do acidente e que testemunharam a ocorrência dos factos, parece-nos indubitável de que tais testemunhos seriam decisivos para esclarecer cabalmente o referido posicionamento.
     XXIV. No entanto, realizada a sessão de audiência de discussão e julgamento, entendeu o douto Tribunal a quo responder conforme transcrito supra aos quesitos 1º, 2º, 3ºA, 3ºB, 4º, 4ºB, 5º, 20ºA e 20ºC da base instrutória.
     XXV. O Douto Tribunal a quo não deu como provado que o condutor do MK-47-XX já se encontra totalmente a circular na faixa do meio.
     XXVI. Também não deu como provado que o condutor do motociclo MM-37-XX, se encontrava a conduzir entre o veículo MK-47-XX e o veículo M-28-XX, não respeitando a distância lateral a que se encontrava adstrito.
     XXVII. Ora, estamos em crer que da prova produzida em sede de julgamento, conjugada com os demais elementos dos autos, teriam necessariamente de ser diferentes as respostas conferidas aos referidos quesitos.
     XXVIII. De acordo com a prova produzida resulta que o veículo pesado MK-47-XX, circulava na faixa do meio, por inteiro, e não apenas parcialmente.
     XXIX. E resulta também claro que o condutor do motociclo MM-37-XX, quis passar da faixa da esquerda para a faixa do meio, sendo que esta já se encontrava ocupada pelo veículo pesado MK-47-XX.
     XXX. Tendo ainda, ficado provado, no nosso entender, que o embate entre os veículos foi promovido exclusivamente pelo condutor do motociclo MM-37-XX, pois, conforme ficou provado, este é que pretendeu mudar de faixa, passando da faixa à esquerda para a faixa do meio, onde já se encontrava o veículo pesado MK-47-XX.
     XXXI. Salvo o devido respeito, estamos aqui perante um claro erro de julgamento.
     XXXII. Na verdade, resulta do depoimento prestado por J, Sub-Chefe da PSP, a explicação em detalhe o posicionamento dos veículos aquando do acidente. (passagem gravada em 08.03.2021 à 1 hora e 20 segundos até 1 hora e 48 segundos, segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 09.46.00): “sim, de acordo com o documento, quanto ao camião estava na 2ª faixa de rodagem, o táxi estava na faixa do lado esquerdo e a motorizada estava de entre esses dois veículos.”
     XXXIII. Outro depoimento esclarecedor quanto ao posicionamento dos veículos foi o da testemunha K, também ele agente da PSP: [passagem gravada em 08.03.2021 à 1 hora e 12 minutos e 43 segundos até 1 hora e 13 minutos e 15 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 09.46.00]: “Havia 3 faixas de rodagem, e o táxi estava mais do lado esquerdo, o que eu estou a dizer foi o que vi, estava mais ao lado esquerdo, aqui era o camião (apontando para a faixa do meio), estava aqui, e uma motorizada, motociclo, estava na linha descontinua, na linha do meio.”
     XXXIV. Outro testemunho importante foi o de L, porquanto afirma cabalmente que a mota estava ao lado do camião e que depois desvia um pouco para a direita. [passagem gravada em 08.03.2021 às 3 hora e 22 minutos e 37 segundos até 3 hora e 24 minutos e 39 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 09.46.00]:
     Advogado da 2ª Ré: quem é que estava primeiro?
     Testemunha: O camião estava primeiro.
     Advogado da 2ª Ré: depois chegou a mota?
     Testemunha: sim.
     Advogado da 2ª Ré: ao lado do camião?
     Testemunha: sim.
     Advogado da 2ª Ré: Diz que a moto saiu primeiro, partiu primeiro, arrancou primeiro?
     Testemunha: sim.
     Advogado da 2ª Ré: e que desviou ligeiramente para a direita?
     Testemunha: sim.
     XXXV. Ademais, também o condutor do táxi, I, que circulava juntos dos dois veículos envolvidos no acidente diz o seguinte: [passagem gravada em 08.03.2021 aos 14 minutos até 14 minutos e 49 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 15.24.15]: “O camião seguia precisamente no meio da faixa de rodagem (…) ele não ficou em cima da linha descontinua, estava precisamente no meio da faixa de rodagem.”
     XXXVI. De todos os das testemunhas acima transcritos, resulta evidente que o veículo pesado MK-47-XX circulava totalmente na faixa do meio, e não apenas parcialmente, como resulta da convicção do tribunal a quo, e, ainda mais importante, foi o condutor do motociclo MM que desviou para a Direita, promovendo o contacto entre os dois veículos.
     XXXVII. Pela leitura dos supratranscritos depoimentos, não contrariados por nenhum dos documentos juntos aos autos, nunca poderia o douto Tribunal a quo ter dado por provado que deu como provado na resposta aos quesitos 1º, 2º, 3ºA, 3ºB, 4º, 4ºB, 5º, 20ºA e 20ºC da base instrutória.
     XXXVIII. Com efeito, do depoimento das testemunhas supratranscritos, resulta de forma inequívoca que o veículo pesado MK-47-XX circulava totalmente na faixa do meio, e não apenas parcialmente, como resulta da convicção do tribunal a quo, e, ainda mais importante, foi o condutor do motociclo MM que desviou para a direita, promovendo o contacto entre os dois veículos.
     XXXIX. Os depoimentos das testemunhas supratranscritos encontram-se comprovados pelos documentos juntos aos autos.
     XL. Em complemento aos depoimentos testemunhais supratranscritos, e aos documentos vertidos nos autos, não poderemos ignorar um outro facto, também, que o condutor do motociclo, com a sua conduta, incumpriu, grosseiramente a regra prevista no artigo 21º, n.º 2 da Lei do Trânsito Rodoviário de Macau, não mantendo a distância de segurança para com os outros veículos; já o veículo pesado, tendo sempre circulado corretamente na faixa do meio, não incumpriu qualquer norma da referida Lei.
     XLI. É assim manifesto o erro de julgamento da matéria de facto levado a cabo pelo Tribunal a quo, o qual veio a ter uma influência nefasta na decisão final do caso concreto.
     XLII. A alteração da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto implicará necessariamente uma alteração da aplicação do Direito, conduzindo naturalmente à improcedência da pretensão dos Autores, contra a 1ª Ré.
     XLIII. Constando dos autos todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto – quais sejam documentos e depoimento das testemunhas supratranscritos – está esse Venerando Tribunal na condição de modificar a decisão do Tribunal de Primeira Instância sobre a matéria de facto, merecendo os quesitos 1º, 2º, 3ºA, 3ºB, 4º, 4ºB, 5º, 20ºA e 20ºC da base instrutória resposta diferente.
     XLIV. Na eventualidade de V. Exa. considerarem que não existe culpa por parte do condutor do motociclo MM-37-XX, o que não se concede mas por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se diga que, na possibilidade de responsabilizar objectivamente ambos os intervenientes, entende a aqui Recorrente atribuir uma percentagem de 85% pelo risco ao condutor do veiculo pesado e 15% ao condutor do motociclo, incorre claramente em violação da lei.
     XLV. Andou mal o Tribunal a quo ao imputar a responsabilidade civil pelos danos verificados nos autos a título de responsabilidade pelo risco nas percentagens acima referidas.
     XLVI. É que, e como diz o próprio tribunal a quo na sentença recorrida, o risco relevante é o risco concreto do caso sub judice e não um risco abstrato, ou seja, tem de se atender ao grau de risco que cada um dos veículos introduziu na situação concreta.
     XLVII. Assim, não se pode fazer tabula rasa, como fez o Tribunal a quo, e atribuir uma percentagem apenas pelas características dos veículos, suportando-se no douto acórdão do TUI 60/2012, para essa mesma graduação da percentagem do risco.
     XLVIII. Aliás, o referido acórdão, refere que: “Na determinação da contribuição do risco de cada um dos veículos para a produção dos danos, a regra que resulta da lei é no sentido de que a medida da contribuição de cada um dos veículos intervenientes deve ser encontrada em função da dinâmica do acidente, que se revela através dos factos provados nos autos… ou seja, a questão de repartição do risco, há de ser apreciada caso a caso, consoante a contribuição de cada um dos veículos intervenientes no acidente de viação em concreto.”
     XLIX. Assim, entende a ora Recorrente, que andou mal o Tribunal a quo, ao arbitrar as percentagens que arbitrou, limitando-se a aplicar as mesmas do acórdão do TUI em referência, atentas as características de cada um dos veículos.
     L. Em face da factualidade provada, conjugada com as regras de experiência comum, o Tribunal a quo teria necessariamente de ter concluído por uma percentagem de risco parecida para ambas as partes, ou até mesmo maior por parte do condutor do motociclo.
     LI. Não o tendo feito, a decisão recorrida mostra-se inquinada do vício de erro notório na apreciação da prova.
     LII. Assim, e tendo ficado provado nos presente autos que o condutor do motociclo chegou ao local depois do veículo pesado que se encontrava parado, de se ter colocado ao lado deste e não respeitando a distância lateral de segurança, aliado ao facto de constar também dos autos duas informações de especial importância para esta questão.
     LIII. Em primeiro lugar, que o condutor do motociclo tinha a sua habilitação para conduzir aquele tipo de veículos há menos de um ano, e que, de acordo com a lei do trânsito rodoviário de Macau, não poder transportar qualquer passageiro no período de um ano após a obtenção desse título de condução.
     LIV. Tal regra existe, devido ao facto de se considerar que os condutores pouco experientes, correm um maior risco de terem acidente se transportarem um peso extra no motociclo.
     LV. Ora, o condutor do motociclo, violou a regra supramencionada, potenciando a ocorrência de acidentes, algo que não foi tido em conta pelo douto tribunal a quo e que, no nosso entender deveria ter sido valorado em termos de aumento do risco de produzir acidentes.
     LVI. Acresce ainda que, consta igualmente nos autos Recorridos, que o passageiro do motociclo, tinha uma taxa de álcool no sangue bastante elevada.
     LVII. Se bem que não era ele quem ia a conduzir, há que admitir que, num veículo como o motociclo em causa, o facto de o passageiro se encontrar num estado de embriaguez, também, só por si, afectar a estabilidade da condução e assim, poderá potenciar a ocorrência de acidentes.
     LVIII. E também tal facto não foi tido em conta pelo douto Tribunal a quo.
     LIX. Por fim, e como foi dito por mais do que uma testemunha, o condutor do motociclo, ia a caminho do trabalho e iria a conduzir com alguma “pressa”.
     LX. Ora, o facto de querer chegar depressa a algum local, leva, regra geral, a uma imprudência na condução, e entendemos que também esse facto deveria ter sido valorado pelo Douto Tribunal na definição das percentagens do risco que cada uma das partes contribuiu para a ocorrência do acidente.
     LXI. Regras básicas que o condutor do motociclo violou!
     LXII. Salvo devido respeito por opinião diversa, parece por demais evidente que houve uma serie de factos que não foram tidos em conta pelo douto tribunal a quo, que, no caso concreto e por parte do condutor do motociclo, criaram um maior risco para a ocorrência do acidente!
     LXIII. Em face da factualidade provada e não provada, o Tribunal nunca poderia ter, na definição da responsabilidade pelo risco a que alude o n.º 1 do artigo 496º do Código Civil, atribuído uma percentagem tão elevada ao condutor do veículo pesado e uma tão baixa ao condutor do motociclo.
     LXIV. Ao decidir de outro modo, andou mal o Tribunal a quo, mostrando-se, assim, a decisão posta em crise inquinada do vício de nulidade por erro notório na apreciação da prova, pelo que deve ser revogada por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância e proferido douto Acórdão que determine uma percentagem de 50% pelo risco a cada uma das partes intervenientes.
     Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso, nos termos supra explanados e, em consonância com o acima alegado, revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue procedentes todos os pedidos aduzidos pela ora Recorrente.
     Assim se fazendo a costuma JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu a autora B Limited nos seguintes termos conclusivos:
     “1. A Seguradora Recorrente impugnar no presente recurso a decisão da matéria de facto, invocando padecer o douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo de errada interpretação dos factos e subsunção dos factos ao direito, mais alegando inconsistência e injustiça da decisão por falta de suporte fáctico, concluindo que existe erro na apreciação da prova, erro de julgamento e violação de lei.
     2. Alega a Recorrente que o douto Tribunal a quo valorou e interpretou incorrectamente os depoimentos de quatro testemunhas inquiridas nas várias sessões da audiência de julgamento – J, Sub-Chefe da PSP, K, L e I.
     3. A Recorrente discorda ainda no seu recurso da percentagem de “culpa” atribuída aos intervenientes no acidente, postulando que as regras da experiência comum permitiriam uma conclusão diversa relativamente aos factos 1º, 2º, 3ºA, 3ºB, 4º, 4ºB, 5º, 20ºA e 20ºC da Base Instrutória.
     4. Ao contrário do que afirma nas suas alegações de recurso, a Recorrente apenas suporta as suas razões de divergência relativamente ao Acórdão ora em crise em mera discordância relativamente à interpretação dos factos, e à apreciação da prova feita pelo douto Tribunal a quo, pondo assim em causa a natureza insindicável da livre apreciação das provas, princípio consignado no art. 558º do Código de Processo Civil, tendo por isso que soçobrar o seu recurso neste segmento.
     5. Quando analisada a prova produzida em primeira instância, designadamente todos os depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento, e toda a prova documental constante dos autos, inexiste qualquer erro grosseiro e manifesto por parte do douto Tribunal a quo na análise dessa prova.
     6. A douta decisão recorrida revela o extremo cuidado com que foi apreciada toda a prova testemunhal e documental que foi carreada para os autos, o respeito escrupoloso por parte do douto Tribunal a quo relativamente às regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, e o manifesto acerto do Tribunal recorrido quanto à aplicação das regras de experiência de vida e à lógica das cosas na formação da sua convicção íntima relativamente aos vários depoimentos de testemunhas prestados na audiência de julgamento.
     7. Outrossim se verifica na apreciação correcta que o Tribunal a quo fez de toda a prova documental carreada para os presentes autos, e igualmente no que se refere à prova pericial constante dos autos.
     8. Não oferece qualquer dúvida a forma cuidadosa, lógica, fruto da experiência de vida e acertada como o douto Tribunal a quo estabeleceu como ocorreu o acidente e a respectiva dinâmica.
     9. No entendimento da aqui Recorrida, não existem por isso quaisquer dúvidas sobre a bondade das decisões tomadas pelo douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto em causa nos vertentes autos, inexistindo quaisquer erros de apreciação ou julgamento relativamente à apreciação feita ao depoimento das quatro testemunhas referidas pela Recorrente nas suas alegações.
     10. A audição dos seus respectivos depoimentos prestados na audiência de julgamento, quando considerados outros segmentos desses depoimentos, e não só aqueles reproduzidos pela Seguradora Recorrente, revelam à saciedade a correcção do douto Tribunal a quo quanto à forma como foram ponderados e avaliados nas decisões tomadas em primeira instância.
     11. Verifica-se que o depoimento da testemunha J não esclarece quanto à responsabilidade do acidente; o depoimento da testemunha K também não esclarece minimamente quanto à forma como se produziu o acidente e a responsabilidade pelo mesmo; o depoimento dz testemunha L, sendo presencial, esclarece apenas esclarece que os dois veículos estavam lado a lado e quando o sinal verde surgiu, e que o motociclo terá arrancado primeiro, sem no entanto esclarecer a direcção da marcha imprimida por ambos os veículos que vieram a embater um no outro; e a testemunha I encontrava-se no local do acidente, mas não viu o acidente.
     12. Quando confrontadas as transcrições dos depoimentos das quatro sobreditas testemunhas efectuadas pela Seguradora Recorrente, com a transcrição ora efectuada de trechos mais desenvolvidos dos mesmos depoimentos, percebe-se bem não ser minimamente sustentado nem se ter verificado o alegado erro de julgamento alegado pela Recorrente, não se justificando uma decisão sobre a matéria de facto diversa daquela que consta da douta decisão do Tribunal a quo.
     13. Toda a matéria testemunhal, documental e pericial em causa nos vertentes autos, e a forma extremamente cuidadosa e correcta como foi apreciada e decidida pelo douto Tribunal recorrido, teria que conduzir necessariamente ao conteúdo do douto Acórdão proferido a final, o qual não poderá merecer qualquer censura por serem perfeitamente correctas as soluções de Direito aí estabelecidas.
     14. Não se tendo provado que o acidente dos autos foi causado por qualquer acto ilícito, nem que foi causado por dois ou mais actos ilícitos em concorrência, faltou um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, a ilicitude, cabendo concluir que a mesma não ocorre, mas ocorrendo a obrigação de indemnizar os danos sofridos com fundamento no exercício de uma actividade susceptível de causar danos, sendo o risco próprio dessa actividade atribuído a pessoa diferente do lesado, designadamente à pessoa que exerce no seu próprio interesse a actividade incrementadora de risco, sendo um dos casos especificados é o que consta nos arts. 496º a 501º do Código Civil, reportando-se aos danos provenientes dos riscos próprios dos veículos de circulação terrestre, e estes danos com esta proveniência são indemnizáveis com fundamento naquele risco se não forem atribuídos a acto ilícito e culposo de alguém nem a força maior estranha ao funcionamento do veículo – vidé art. 498º do Código Civil.
     15. No caso dos presentes autos, a situação fáctica reconduz-se a uma colisão de dois veículos que embateram entre si quando estavam ambos em circulação, sem que se tenha provado que o embate foi devido a qualquer comportamento ilícito e culposo de quem quer que seja, dos condutores ou de terceiros e sem que se tenha provado que o embate se deveu a causa de força maior.
     16. É assim forçoso concluir que os danos reclamados pelos autores, e pela aqui Recorrida, são provenientes dos riscos próprios dos veículos envolvidos no acidente de viação que se discute nos presentes autos.
     17. Resulta dos factos provados que um veículo pesado de mercadorias e um motociclo embateram entre si vindo o motociclo a cair ao chão e a ser colhidas mortalmente pelo veículo pesado as duas pessoas que seguiam no motociclo, sendo que, nesta situação, dispõe o referido n.º 1 do art. 499º do CC que “a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos”.
     18. Dos factos provados não restam dúvidas quanto ao titular passivo da obrigação de indemnizar em controvérsia nos presentes autos: as seguradoras dos veículos que colidiram entre si, as quais, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 3º do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28/1 1, garantem a responsabilidade do proprietário e do condutor do veículo segurado.
     19. Em caso de colisão de veículos sem culpa dos respectivos condutores, os danos causados devem ser ressarcidos pelos responsáveis pelo risco da circulação daqueles veículos na proporção em que o risco de cada um deles tiver contribuído para os danos a ressarcir, sendo o que se dispõe no n.º 1 do art. 499º do Código Civil.
     20. O douto Acórdão recorrido entendeu que é muito mais elevada a potencialidade de o veículo pesado contribuir para causar acidentes e danos semelhantes aos que estão em apreço nos presentes autos, atento o seu peso, a sua estrutura e a sua dimensão, designadamente embatendo com um motociclo muito mais leve, de estrutura menos estável e de muito menor dimensão, entendendo também que é também relevante a potencialidade do motociclo contribuir para causar os mesmos acidentes e danos, atentas também as suas características de pouca estabilidade, designadamente tombando e projectando os seus ocupantes na via em situação de desprotecção.
     21. Tendo em conta o anteriormente afirmado, entende a aqui Recorrida não oferecer qualquer censura a decisão do Tribunal a quo de atribuir ao veíuclo pessado 85% de contribuição de risco e ao ciclomotor 15%.
     22. É assim manifesto que deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pela Seguradora Recorrente, devendo ser mantida a decisão recorrida no seu todo.
     Assim se Fará JUSTIÇA.”
*
Ao recurso também responderam as autoras C e D, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
*
     Por sua vez, a ré E, S.A. apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
     “1. A recorrente insurge-se contra a decisão judicial, invocando errada interpretação dos factos e subsunção dos factos ao direito, inconsistência e injustiça da decisão por falta de suporte fáctico, concluindo que existe erro na apreciação da prova, erro de julgamento e violação de lei.
     2. A matéria da base instrutória dada por provada corresponde à dinâmica do acidente, o colectivo de juízes fez análise fundamentada dos factos e motivou corretamente a posição consubstanciada no Acórdão recorrido.
     3. Ao condutor do veículo pesado cabia um dever especial de cuidado e a violação das regras do Código da Estrada não consubstanciam qualquer valor para a imputação de culpabilidade no acidente, são contravenções com relevância administrativa.
     4. Não foi possível provar que o embate se deveu a comportamento ilícito e culposo dos intervenientes no acidente, não se verificaram os pressupostos da ilicitude, ao tribunal restou decidir com base na repartição pelo risco que teve em consideração as características dos veículos relativamente ao contexto em que seguiam e a dinâmica do acidente interpretada numa perspectiva crítica.
     5. O tribunal a quo não retirou qualquer conclusão inaceitável da apreciação da prova efectuada, a interpretação que fez dos factos não viola a exigência de prova, não se verifica que a decisão da matéria de facto seja deficiente, obscura, contraditória, omissa, ou que o julgamento de determinado aspecto do acidente não tenha sido submetido ao exercício da prova.
     6. A decisão está fundamentada, não havendo qualquer insuficiência atacável, não há erro na apreciação da prova, nem qualquer reparo a fazer à apreciação dos factos, pelo que deve julgar-se improcedente o recurso interposto.
     Termos em que deve manter-se a decisão do tribunal recorrido, assim se fazendo inteira justiça.”
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     Finalmente, a inteveniente F Limitada também respondeu ao recurso, tendo formulado as seguintes conclusões alegatórias:
     “A. O recurso interposto pela Recorrente tem por objecto as seguintes questões: (i) a subsunção dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo à figura da responsabilidade pelo risco; (ii) a repartição do risco; e (iii) a decisão sobre a matéria de facto a respeito dos quesitos 1º, 2º, 3ºA, 3ºB, 4º, 4ºB, 5º, 20ºA e 20ºC da base instrutória.
     B. Não se tendo provado que o acidente dos autos foi causado por qualquer acto ilícito, não pode ter lugar a aplicação da figura da responsabilidade civil por acto ilícito, a qual depende da verificação desse pressuposto.
     C. O Tribunal a quo fez uma correcta aplicação do Direito ao subsumir a matéria de facto à figura da responsabilidade pelo risco, sendo a douta sentença recorrida bastante clara e consistente quanto à base factual que a fundamentou.
     D. Corrobora-se a decisão do Tribunal a quo a respeito da repartição do risco, que atendeu ao risco concreto que cada um dos veículos introduziu na situação que culminou nos danos dados por provados nos autos, e considerou, de forma expressa e inequívoca, as características estruturais dos veículos em questão, incluindo o peso, estrutura, dimensão e estabilidade dos mesmos.
     E. O facto de as percentagens atribuídas pelo Tribunal a quo serem idênticas às decididas pelo Tribunal de Última Instância no Acórdão n.º 60/2012 não merece reparo, pois em ambos os casos estiveram envolvidos veículos com características semelhantes e ocorreu o mesmo tipo de danos.
     F. Não se tendo provado que o embate se deveu a qualquer comportamento ilícito e culposo dos intervenientes no acidente, não se pode pretender uma repartição de risco com base na eventual culpa com que cada um possa ter contribuído para a ocorrência do mesmo.
     G. Não se concorda que os depoimentos das testemunhas citados pela Recorrente no respectivo recurso impunham resposta diferente à dada pelo Tribunal a quo aos quesitos 1º, 2º, 3ºA, 3ºB, 4º, 4ºB, 5º, 20ºA e 20ºC da base instrutória.
     H. O Tribunal a quo avaliou a prova em conformidade com princípio da livre apreciação da prova, decidindo de forma lógica, fundamentada e de acordo com as regras de experiência comum, não se vislumbrado qualquer erro grosseiro, manifesto ou notório na análise que fez da mesma, em particular dos depoimentos com base nos quais a Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto.
     I. O recurso interposto pela Recorrente deve julgar-se improcedente em face do exposto.
     Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, condenando-se a Recorrente em custas e condigna procuradoria.”
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. – Dos autos principais
No dia 16 de Março de 2015, pelas 14.26 horas, na Avenida Wai Long, Rotunda do Aeroporto, em Macau, ocorreu um acidente de viação que veio a vitimar mortalmente H e M.
No dia de acidente, o motociclo com a matrícula MM-37-XX era conduzido pelo seu proprietário H e levava como passageiro M.
No dia do acidente, cerca das 14.20 horas, G conduzia o veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, propriedade da Companhia de Construção e Obras de Engenharia XX, Lda.
O condutor G é trabalhador da Companhia de Construção e Obras de Engenharia XX, Lda.
G encontrava-se ao serviço no momento em que se produziu acidente.
Em consequência do acidente, a vítima H sofreu graves lesões traumáticas crâneo-meningo-encefálicas, que vieram a determinar a sua morte no local da ocorrência do acidente.
A vítima M sofreu graves lesões traumáticas crânio-vásculo-encefálicas, torácicas e abdominais, tendo sido transportada em ambulância para o Centro Hospitalar Conde de S. Januário, mas vindo igualmente a falecer em consequência de tais lesões, com o respectivo óbito a ser declarado às 14.47h do mesmo dia do acidente.
Aquando da ocorrência do fatal acidente, o céu estava nebulado, o pavimento da estrada estava seco e o tráfego fluía normalmente.
A proprietária do MK-47-XX, a Companhia de Construção e Obras de Engenharia XX, Lda., havia transferido a responsabilidade civil emergente da condução do veículo para a Ré A, S.A. através de contrato de seguro titulado pela Apólice nº MTV-15-005816/E0/R1 R, com o capital por cada acidente de MOP$5.000.000,00.
A Autora, B Limited, é a seguradora responsável pela cobertura dos danos decorrentes de acidentes de trabalho dos trabalhadores da XXX, Ltd., nos termos da Apólice nº 61061931 EC.
A aludida apólice de seguro contém cláusula de extensão, prevendo que “Este seguro é estendido para cobrir acidentes sofridos por empregados cujas moradas de habitação normais sejam em Macau, Hong Kong ou Zhuhai na China, durante a viagem directa de e para o local de trabalho, mesmo quando o transporte utilizado não é fornecido pelo empregador”.
Hotel XXX é propriedade da empresa XXX, Ltd.
Na altura do acidente, o camião pesado, conduzido por G, circulava a uma velocidade entre 30 e 40 km/h.
Na altura do acidente, G tinha 28 anos de experiência de condução de veículos pesados para mercadorias.
A Autora do apenso A, C, é mãe de H.
Quando H faleceu, tinha 23 anos.
Quando H faleceu, estava solteiro.
Na altura em que ocorreu o acidente, a Autora do apenso A, C, tinha 45 anos.
O acidente dos autos deu origem a um processo-crime CR4-15-0451-PCC, tendo G sido absolvido por sentença transitada em julgado.
A Autora, B Limited, no âmbito de Proc. Nº LB1-15-0361-LAE, pagou a C a quantia de MOP$720.000,00 a título de indemnização por morte de seu filho.
Antes da ocorrência do acidente, o veículo pesado MK-47-XX circulava pela terceira e última via de trânsito a contar do lado esquerdo da Avenida de Wai Long, na direcção da Estrada de Pac On para a Avenida do Aeroporto e, seguindo para o seu lado esquerdo, num trajecto diagonal relativamente ao eixo da faixa de rodagem, começou a entrar progressivamente, primeiramente com o seu canto frontal esquerdo, na via de trânsito central da mesma Avenida Wai Long (Quesito 1.º).
Quando o MK-47-XX já se encontrava parcialmente na via de trânsito do meio e parcialmente na via de trânsito do seu lado direito, atento o seu sentido de marcha, parou devido ao facto de os demais veículos que circulavam à sua frente terem também parado face ao sinal luminoso de cor vermelha situado na confluência da Avenida Wai Long com a Rotunda do Aeroporto e quando o MK-47-XX reiniciava a sua marcha em diagonal continuando progressivamente a entrar na via de trânsito do meio da Avenida Wai Long, H conduzia o motociclo com a matrícula MM-37-XX na via de trânsito mais à esquerda da Avenida Wai Long, também na direcção da Estrada de Pac On para a Rotunda do Aeroporto e entrou também na via de trânsito do meio na parte lateral esquerda do MK-47-XX e na zona da via de trânsito não ocupada pelo MK-47-XX (Quesito 2.º).
O táxi de matrícula M-28-XX circulava na mesma Avenida Wai Long, também em direcção à Rotunda do Aeroporto, mas na via mais à esquerda, atento o seu sentido de marcha, que era o mesmo do MK-47-XX e do MM-37-XX (Quesito 3.º).
Na altura, o sinal do semáforo estava vermelho e o veículo pesado com a matrícula n.º MK-47-XX, conduzido por G, parou à espera de mudança do sinal e retomou a marcha na altura em que o motociclo com a matrícula n.º MM-37-XX, conduzido por H, se aproximava e chegava ao mesmo local pelo lado esquerdo do veículo pesado em causa sem ter chegado a parar (Quesito 3.ºA).
Depois de o sinal passar para verde e quando o MK retomava a marcha, o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, que circulava nas imediações passou a circular na lateral do veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G (Quesito 3.ºB).
Quando o MK-47-XX e o MM-37-XX se encontravam já próximos da Rotunda do Aeroporto, e perto do poste de iluminação nº 752C01, o MM-37-XX circulou à esquerda do MK-47-XX na mesma via de trânsito (Quesito 4.º).
O motociclo, conduzido por H, com a matrícula MM-37-XX circulava entre o veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G, e o táxi com a matrícula M-28-XX, conduzido por I, num espaço de largura concreta não apurada (Quesito 4.ºB).
O MK-47-XX e o MM-37-XX embateram entre si, o MK com o lado esquerdo do pára-choques dianteiro e o MM com a sua parte lateral traseira direita (Quesito 5.º).
O embate ocasionou que o motociclo se desequilibrasse, e entrasse de imediato em oscilações descontroladas para a esquerda e para a direita (Quesito 7.º).
O motociclo MM-37-XX, caiu na faixa de rodagem e, pelo menos parcialmente, na via de trânsito do meio, a segunda via do lado esquerdo atento o sentido em que seguia em direcção à Rotunda do Aeroporto (Quesito 9.º).
E arremessado de encontro ao solo (Quesito 10.º).
Ficando o condutor H e o passageiro M estatelados no pavimento (Quesito 11.º).
Ficaram junto ao veículo pesado MK-47-XX, e no seu respectivo lado esquerdo (Quesito 12.º).
Tendo então o pneu traseiro esquerdo do MK-47-XX passado por cima dos corpos das vítimas H e M (Quesito 13.º).
O condutor do MK imobilizou o veículo que conduzia a escassos metros do local onde ocorreu o acidente (Quesito 15.º).
O pneu da frente do lado direito do MK-47-XX e o 2º pneu do lado direito traseiro encontravam-se “carecas” (Quesito 16.º).
Sem a profundidade do sulco do pneu com os valores mínimos de segurança (Quesito 17.º).
Potenciando a falta de contacto com o piso da estrada e o deslizamento do veículo (Quesito 18.º).
E reduzindo a capacidade de travagem do MK-47-XX (Quesito 19.º).
Durante a marcha, o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, circulava sempre ao lado esquerdo do veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G (Quesito 20.ºA).
Quando se encontravam a circular a poucos metros de chegar à Rotunda do Aeroporto, perto do posto de iluminação n.º 752C01, o MK-47-XX e o MM-37-XX não mantiveram distância suficiente entre si para evitar o embate um com o outro e efectivamente embateram, o MK com a sua parte lateral esquerda dianteira e o MM com a sua parte lateral direita traseira (Quesito 20.ºC).
O MK passou por cima do corpo de H, o que deu origem à sua morte (Quesito 20.ºD).
H morreu instantemente no local do acidente (Quesito 20.ºE).
Na altura do acidente, o pneu direito dianteiro e o 2º pneu traseiro do lado direito não satisfaziam os requisitos de qualidade, e tal veículo pesado precisava de mais distância do que um veículo normal para travar a fim de poder evitar embates de forma eficaz (Quesito 20.ºF).
O veículo pesado com a matrícula MK-47-XX tinha na parte dianteira do lado esquerdo, três espelhos em ângulos diferentes, através dos quais o motorista poderia ver claramente ou aperceber-se da presença de pessoas ou objectos que se encontravam ao lado da parte dianteira esquerda do veículo em causa (Quesito 20.ºG).
Através dos espelhos retrovisores e das janelas de ambos os lados do veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, G podia ver claramente ou aperceber-se da presença do motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, que se encontrava ao lado da parte dianteira esquerda do veículo pesado em causa (Quesito 20.ºH).
Durante o acidente, G não viu nem se apercebeu da presença do motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, que se encontrava ao lado da parte dianteira esquerda do veículo pesado em causa (Quesito 20.ºI).
H e M eram trabalhadores da empresa XXX, Ltd. (Quesito 21.º).
H era estagiário no restaurante XXX, sito no Hotel XXX (Quesito 22.º).
M era empregado de mesa no mesmo restaurante XXX (Quesito 23.º).
Aquando do acidente dos vertentes autos, H e M dirigiam-se no mesmo motociclo MM-37-XX para o seu local de trabalho no Hotel XXX, sito na Estrada do Istmo City of Dreams, no Cotai (Quesito 24.º).
Onde iriam ambos entrar ao serviço às 15 horas do dia do acidente (Quesito 25.º).
Vindos das suas residências, pelo trajecto mais directo (Quesito 26.º).
Residindo H no XXX, em Macau (Quesito 27.º).
…e M na XXX, em Macau (Quesito 28.º).
Tendo atravessado a Ponte da Amizade no sentido Macau-Taipa momentos antes de ocorrer o acidente (Quesito 29.º).
Para se dirigirem ao Hotel XXX, sito na Estrada do Istmo City of Dreams, no Cotai (Quesito 30.º).
H, deixou como única herdeira sua mãe, C (Quesito 31.º).
A quantia paga no âmbito de Proc. nº LB1-15-0361-LAE pela autora B a C, mãe de H, correspondente a 120 vezes a retribuição mensal de MOP$6,000.00 de H, por ter a vítima 23 anos (Quesito 33.º).
Bem como MOP$12,000.00 a título de despesas de funeral e transladação do corpo de H para a República Popular da China (Quesito 34.º).
M deixou como única herdeira sua mãe, N (Quesito 35.º).
A Autora, no âmbito de Proc. nº LB1-15-0361-LAE, pagou a N a quantia de MOP$858,600.00 a título de indemnização por morte de seu filho (Quesito 36.º).
Correspondente a 108 vezes a retribuição mensal de MOP$7,950.00, por ter a vítima 26 anos (Quesito 37.º).
Bem como MOP$15,900.00 a título de despesas de funeral e transladação do corpo de M para a República Popular da China (Quesito 38.º).
A Autora do apenso A, C, organizou rituais religiosos para H, comprou-lhe papéis para queimar, caixão ao defunto, arranjos florais e envelopes de agradecimento aos visitantes, e procedeu à cremação, somando as respectivas despesas MOP35.045 (Quesito 38.ºA).
A Autora do apenso A, C, comprou para H ossário (altar) para a prestação de culto, gastando no total MOP76.965,00 (Quesito 38.ºB).
H foi atropelado pelo veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G, e sentiu dores ao cair no chão (Quesito 38.ºC).
Antes de o veículo pesado passar por cima da sua cabeça, H, teve muito medo (Quesito 38.ºD).
A roda traseira esquerda do veículo pesado, conduzido por G, passou por cima da cabeça de H, o que lhe causou lesões traumáticas meningo-encefálicas, factura craneal, derramamento de grande volume de sangue, saliência do globo oscular esquerdo, desfiguramento facial e contusões no lado direito do abdómen e da mão esquerda, fazendo com que H sofresse de grande dor (Quesito 38.ºE).
H é o filho mais velho da família, e antes do falecimento gozava de boa saúde, e na altura do acidente estava a frequentar o 3º ano do curso de licenciatura de gestão de hotelaria no Instituto de Turismo de Macau (Quesito 38.ºF).
O veículo pesado acima referido passou por cima da cabeça de H, o que causou directa e necessariamente a sua morte (Quesito 38.ºG).
O falecimento súbito do filho H constituiu um grande choque para a Autora do apenso A, C, que sofreu de grande dor mental e foi difícil para ela aceitar o falecimento do filho (Quesito 38.ºH).
A Autora do apenso A, C, acompanhou o crescimento de H por 23 anos, e teve grandes esperanças nele, desejando que ele crescesse saudavelmente e tivesse bom trabalho e futuro brilhante (Quesito 38.ºI).
Após o falecimento de H, a Autora do apenso A, C, encontra-se frequentemente deprimida por ter saudades do filho, não consegue dormir nem tem apetite, estando o seu estado mental cada vez pior, até hoje em dia precisa de receber tratamento psíquico e de tomar os respectivos medicamentos, bem como de se socorrer de religião (Quesito 38.ºJ).
Após a ocorrência do acidente, a Autora do apenso A, C, está sempre com medo de que aos outros dois filhos menores aconteça algum acidente tal como o que se passou com H (Quesito 38.ºK).
Após a morte de H, a Autora do apenso A, C, precisa de tomar, todas as noites, comprimidos para dormir, mesmo assim, às vezes não consegue dormir por ter saudades do filho, tendo sofrido de palpitações e pesadelos (Quesito 38.ºL).
O falecimento súbito de H fez com que a Autora do apenso A, C, se sinta desamparada sem saber como a vida vai continuar (Quesito 38.ºM).
Devido à morte do filho H, a Autora do apenso A, C, chora sempre e fica triste, sobretudo quando vê convívio de famílias (Quesito 38.ºN).
A Autora do apenso A, C, sendo a mãe de H, sente uma grande dor pela perda da pessoa mais próxima (Quesito 38.ºO).
H é o filho mais velho da família e os seus dois irmãos eram muito pequenos, pelo que H decidiu trabalhar quando frequentava o curso para sustentar as despesas diárias da família, incluindo os custos de vida da Autora do apenso A, C, e dos irmãos, sendo H pilar económico da família (Quesito 38.ºP).
Antes do falecimento, H entregou mensalmente à mãe, C (Autora do apenso A), duas mil patacas (MOP2.000) como pensão de alimentos (Quesito 38.ºQ).
Antes do falecimento de H, a Autora do apenso A, C, dependia economicamente dele (Quesito 38.ºR).
Antes da ocorrência do acidente, H desempenhava funções de estagiário no Hotel Grand Hyatt, auferindo seis mil patacas (MOP6.000) por mês (Quesito 38.ºS)
2. – Do apenso “B”
Em 16 de Março de 2015, aquando da ocorrência do acidente em causa, o veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G, encontrava-se segurado pela 1ª Ré através de seguro obrigatório de responsabilidade civil emergente da condução do veículo, cuja apólice é de n.º CTM/MTV-15-005816/E0/R1 R, com o capital por cada acidente de cinco milhões de patacas (MOP5.000.000,00).
Em 16 de Março de 2015, aquando da ocorrência do acidente em causa, o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, encontrava-se segurado pela 2ª Ré através de seguro obrigatório de responsabilidade civil emergente da condução do veículo, cuja apólice é de n.º 004100098818, com o capital por cada acidente de um milhão e quinhentas mil patacas (MOP1.500.000,00).
A morte de M foi declarada às 14H47 em 16 de Março de 2015.
Em 16 de Março de 2015, pelas 14H26, G conduzia o veículo pesado com a matrícula MK-47-XX pela Avenida de Wai Long da Taipa, na direcção da Avenida do Aeroporto, nos termos referidos em u) e v) (Quesito 1.º).
A Avenida de Wai Long da Taipa tem várias faixas de rodagem, o veículo conduzido por G circulava na segunda faixa do lado esquerdo, nos termos referidos em u) e v) (Quesito 2.º).
Ao mesmo tempo, o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, circulava pela mesma faixa da Avenida de Wai Long da Taipa e na mesma direcção, transportando, no assento traseiro, o ofendido M, nos termos referidos em u) e v) (Quesito 3.º).
Quando o veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G, e o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, se encontravam a circular na zona imediatamente antes da Rotunda do Aeroporto e perto do posto de iluminação n.º 752C01, não mantiveram entre eles distância suficiente para evitar embaterem um com o outro e ocorreu um embate entre tais veículos automóveis (Quesitos 4.º e 5.º).
O veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G e o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H embateram entre si, o MK com a parte esquerda do pára-choques dianteiro e o MM com a parte traseira do lado direito do motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, o que causou oscilações para a esquerda e para a direita deste último (Quesito 6.º).
De seguida, o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, perdeu o controlo e caiu para o lado direito, tendo H e M caído no pavimento, perto do lado esquerdo do veículo pesado com a matrícula MK-47-XX conduzido por G (Quesito 7.º).
Uma das rodas traseiras do lado esquerdo do veículo conduzido por G passou por cima dos corpos de H e de M (Quesito 8.º).
Após a ocorrência do acidente, G continuou a conduzir o veículo pesado com a matrícula MK-47-XX por alguns metros mais à frente (Quesito 9.º).
Após a ocorrência do acidente, H e M ficaram deitados no pavimento atrás do lado esquerdo do veículo pesado com a matrícula MK-47-XX (Quesito 10.º).
Após a ocorrência do acidente, M foi imediatamente transportado para o C.H.C.S.J. para ser socorrido (Quesito 11.º).
Após o exame, foi confirmado que os sulcos do pneu dianteiro e do segundo pneu traseiro do veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G, ambos do lado direito, não satisfaziam os padrões exigidos (Quesito 14.º).
Aquando da ocorrência do aludido acidente, o céu estava nebulado, o pavimento estava seco e o tráfego fluía normalmente (Quesito 17.º).
O embate entre o veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G e o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, causou, directa e necessariamente, graves lesões traumáticas cranianas, torácicas e abdominais e em vários órgãos internos a H, que vieram determinar a sua morte (Quesito 18.º).
Feita a autópsia pelo médico-legal, foi confirmado que M morreu de lesões externas cranianas, lesões vásculo-encefálicas e laceração torácica que, sendo fatais, coincidem com as lesões causadas por acidente rodoviário (Quesito 19.º).
Após a autópsia feita pelo médico-legal, foi confirmado que M sofria de graves lesões traumáticas cranianas, torácicas e abdominais e dos vários órgãos internos, incluindo e não se limitando às lesões seguintes (Quesito 20.º):
- Fractura fragmentada do crânio parietal;
- Várias lacerações de meninges principalmente no topo do cérebro;
- Fractura fragmentada da parte superior da órbita;
- Ruptura das orelhas;
- Fracturas das 2ª a 8ª costelas do lado esquerdo com hemorragia, fracturas das 2ª a 5ª costelas do lado esquerdo com hemorragia e perfuração do pulmão esquerdo;
- Deslocações dos diafragmas de ambos os lados e dos órgãos abdominais na cavidade torácica;
- Várias lacerações do pericárdio;
- Lacerações vasculares da artéria principal torácica;
- Cumulação de sangue de 150 ml em ambos os lados da cavidade pleural;
- Lacerações dos lóbulos pulmonares direitos e do pericárdio do pulmão esquerdo;
- Fracturas dos ílios e púbis de ambos os lados e do sacro com hemorragia.
Antes da morte, o falecido sofreu de várias lesões traumáticas físicas muito graves, tendo sofrido de muitas dores e tido muito medo (Quesito 21.º).
O pagou a quantia de MOP23.650,00 e de RMB4.936,00 no funeral do falecido M (Quesito 22.º).
A Autora já pagou a O o referido montante de trinta mil quarenta e oito patacas e vinte avos (MOP30.048,20) (Quesito 23.º).
O falecido M é filho da Autora (Quesito 24.º).
Quando faleceu, M tinha 26 anos (Quesito 25.º).
Quando faleceu, M era solteiro (Quesito 26.º).
Quando faleceu, M não tinha filhos (Quesito 27.º).
M é titular dum diploma do curso profissional da Escola Superior Profissional de Turismo de Guilin da China, tinha boas notas e foi-lhe atribuída uma bolsa de estudo (Quesito 28.º).
A Autora não aufere rendimentos, e vivia de pensões de alimentos pagas mensalmente por M (Quesito 29.º).
Antes do falecimento, M auferia mensalmente MOP7.950 (Quesito 30.º).
M entregava mensalmente à Autora RMB2.000 a título de sustento (Quesito 31.º).
Em 16 de Março de 2015, a Autora tinha 57 anos (Quesito 32.º).
Desde o nascimento de M, a Autora teve muito carinho por ele com a expectativa de ele crescer saudavelmente, contrair casamento e ter filhos dando continuidade à permanência da família Guo (Quesito 33.º).
Quando M era jovem, o seu pai abandonou a família, tendo a Autora vivido apenas com o filho e prestado lhe mais atenção (Quesito 34.º).
M, ao longo do tempo, tratou muito bem a Autora, a vida deles era harmoniosa e cada ano eles celebraram os festivais sempre em conjunto (Quesito 35.º).
Ainda que M viesse trabalhar para Macau, voltava semanal ou mensalmente a casa para visitar a Autora, e aproveitava para lhe entregar o dinheiro a título de sustento (Quesito 36.º).
Tendo tomado conhecimento da morte de M, a Autora, até agora, não consegue aceitar e sente uma dor e tristeza enormes polo facto de o filho ter falecido sem que ela pudesse testemunhar o filho a contrair casamento e ter filhos (Quesito 37.º).
A Autora não consegue aceitar que M, antes de falecer, tenha sofrido de várias lesões graves até a cabeça ter sido esmagada, o que fez com que a Autora viesse a sentir muita dor (Quesito 38.º).
Pela morte do filho, a Autora sente-se triste, passou dias a chorar e não consegue dormir (Quesito 39.º).
Pela morte do filho, M, a Autora necessitou de receber tratamento médico, após diagnóstico, o médico entendeu que ela sofre de insónias, muitos sonhos, e dificuldades em adormecer, sendo preliminarmente diagnosticado que a Autora estava em estado de ansiedade (Quesito 40.º).
A Autora recebeu, no processo do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base n.º LB1-15-0361-LAE, uma quantia de MOP874.500, correspondente às despesas do funeral e ao rendimento de M (Quesito 41.º).
O condutor do motociclo com a matrícula MM-37-XX, H, ao aproximar da rotunda abrandou a sua velocidade para verificar se podia prosseguir com segurança (Quesito 42.º)
*
A recorrente vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos quesitos 1º, 2º, 3º-A, 3º-B, 4º, 4ºB, 5º, 20º-A e 20º-C da base instrutória, com fundamento na suposta existência de erro na apreciação da prova.
O tribunal recorrido respondeu aos quesitos da seguinte forma:
Quesito 1º - “Antes de ocorrência de acidente, o veículo pesado MK-47-XX circulava pela segunda via do lado esquerdo de Avenida de Wai Long, na direcção da Avenida do Aeroporto?”, e a resposta foi: “Provado que antes da ocorrência do acidente, o veículo pesado MK-47-XX circulava pela terceira e última via de trânsito a contar do lado esquerdo da Avenida de Wai Long, na direcção da Estrada de Pac On para a Avenida do Aeroporto e, seguindo para o seu lado esquerdo, num trajecto diagonal relativamente ao eixo da faixa de rodagem, começou a entrar progressivamente, primeiramente com o seu canto frontal esquerdo, na via de trânsito central da mesma Avenida Wai Long.”
Quesito 2º - “À frente de veículo pesado MK-47-XX, na mesma direcção e na mesma segunda via do lado esquerdo da Avenida Wai Long, H conduzia o motociclo com a matrícula MM-37-XX?”, e a resposta foi: “Provado que, quando o MK-47-XX já se encontrava parcialmente na via de trânsito do meio e parcialmente na via de trânsito do seu lado direito, atento o seu sentido de marcha, parou devido ao facto de os demais veículos que circulavam à sua frente terem também parado face ao sinal luminoso de cor vermelha situado na confluência da Avenida Wai Long com a Rotunda do Aeroporto e quando o MK-47-XX reiniciava a sua marcha em diagonal continuando progressivamente a entrar na via de trânsito do meio da Avenida Wai Long, H conduzia o motociclo com a matrícula MM-37-XX na via de trânsito mais à esquerda da Avenida Wai Long, também na direcção da Estrada de Pac On para a Rotunda do Aeroporto e entrou também na via de trânsito do meio na parte lateral esquerda do MK-47-XX e na zona da via de trânsito não ocupada pelo MK-47-XX.”
Quesito 3º-A - “Na altura, o sinal do semáforo estava vermelho e o veículo pesado com a matrícula n.º MK-47-XX, conduzido por G, estava parado à espera de mudança do sinal. Enquanto o motociclo com a matrícula n.º MM-37-XX, conduzido por H, se encontrava também parado no lado esquerdo dianteiro do veículo pesado em causa, mas a sua parte dianteira, ou seja, dois terços do motociclo estava mais à frente do veículo pesado?”, e a resposta foi: “Provado que na altura, o sinal do semáforo estava vermelho e o veículo pesado com a matrícula n.º MK-47-XX, conduzido por G, parou à espera de mudança do sinal e retomou a marcha na altura em que o motociclo com a matrícula n.º MM-37-XX, conduzido por H, se aproximava e chegava ao mesmo local pelo lado esquerdo do veículo pesado em causa sem ter chegado a parar.”
Quesito 3º-B - “Depois de o sinal passar para verde, o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, retomou primeiro a marcha seguida pelo veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G, na sua parte traseira?”, e a resposta foi: “Provado que depois de o sinal passar para verde e quando o MK retomava a marcha, o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, que circulava nas imediações passou a circular na lateral do veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G.”
Quesito 4º - “Quando o MK-47-XX e o MM-37-XX se encontravam já a circular na Rotunda do Aeroporto, e perto do poste de iluminação n.º 752C01, rodando então o MM-37-XX à esquerda e em frente do MK-47-XX na mesma via de trânsito?”, e a resposta foi: “Provado que quando o MK-47-XX e o MM-37-XX se encontravam já próximos da Rotunda do Aeroporto, e perto do poste de iluminação nº 752C01, o MM-37-XX circulou à esquerda do MK-47-XX na mesma via de trânsito.”
Quesito 4º-B - “O motociclo, conduzido por H, com a matrícula MM-37-XX circulava entre o veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G, e o táxi com a matrícula M-28-XX, conduzido por I, num espaço de cerca da 1,3 a 1,5 metros de largura?”, e a resposta foi: “Provado que o motociclo, conduzido por H, com a matrícula MM-37-XX circulava entre o veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G, e o táxi com a matrícula M-28-XX, conduzido por I, num espaço de largura concreta não apurada.”
Quesito 5º - “O MK-47-XX embateu com o lado esquerdo do para-choques dianteiro na parte traseira direita do MM-37-XX?”, e a resposta foi: “Provado que o MK-47-XX e o MM-37-XX embateram entre si, o MK com o lado esquerdo do pára-choques dianteiro e o MM com a sua parte lateral traseira direita.”
Quesito 20º-A - “Durante a marcha, o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, circulava sempre ao lado esquerdo da parte dianteira do veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G, e tal motociclo estava mais à frente do veículo pesado por cerca de metade do seu comprimento?”, e a resposta foi: “Provado que durante a marcha, o motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, circulava sempre ao lado esquerdo do veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G.”
Quesito 20º-C - “Quando se encontrava já a circular na Rotunda do Aeroporto, e perto do posto de iluminação n.º 752C01, como o veículo pesado com a matrícula MK-47-XX, conduzido por G, não manteve distância suficiente para evitar o embate, o seu para-choques dianteiro embateu, por várias vezes, no motociclo com a matrícula MM-37-XX, conduzido por H, que circulava ao lado esquerdo da sua parte dianteira?”, e a resposta foi: “Provado que quando se encontravam a circular a poucos metros de chegar à Rotunda do Aeroporto, perto do posto de iluminação n.º 752C01, o MK-47-XX e o MM-37-XX não mantiveram distância suficiente entre si para evitar o embate um com o outro e efectivamente embateram, o MK com a sua parte lateral esquerda dianteira e o MM com a sua parte lateral direita traseira.”

Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Por outro lado, estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
De facto, vigora no nosso ordenamento o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, cabendo ao tribunal fixar a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido.
A convicção do tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Assim, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova.
Analisada a prova produzida na primeira instância, entendemos não assistir razão à ré recorrente.
É evidente que o tribunal recorrido deu como provados e não provados, respectivamente, aqueles quesitos descritos com base no depoimento das testemunhas e nas provas documental e pericial.
Todos aqueles meios de prova estão sujeitos à livre apreciação do tribunal.
Se atentarmos na fundamentação da matéria de facto bem elaborada pelo tribunal recorrido que a seguir se transcreve, não restam dúvidas de que nenhuma censura merece a decisão quanto à matéria de facto questionada pela ré recorrente:
“A convicção do tribunal resultou da análise conjunta e crítica da prova produzida, ponderada segundo a sua verosimilhança e em confronto com as regras da lógica e da experiência, tendo em conta que não foram produzidos meios de prova com força probatória vinculada relativamente aos factos controversos da base instrutória, designadamente não foram juntos documentos com força probatória plena nem foram prestados depoimentos de parte.
Quanto à prova testemunhal, ponderou-a o tribunal tendo em conta a razão de ciência demonstrada pelas testemunhas inquiridas e a forma mais ou menos espontânea, clara, coerente, serena ou exaltada, pormenorizada ou vaga, fundamentada ou conclusiva e firme ou vacilante como foram prestados os respectivos depoimentos. Considerou o tribunal, designadamente, que as testemunhas presenciais do acidente obtiveram conhecimento dos factos em situação abrupta e de elevada carga emocional, situação que pode ter contribuído para que o conhecimento e memória que guardam dos trágicos factos tenha tido influência de espontâneos fenómenos psicológicos selectivos, dissociativos e/ou de outra natureza que, eventualmente, tenham impedido ou prejudicado a memorização pormenorizada e fidedigna (concretamente a testemunha L que foi o condutor do motociclo que seguia atrás do motociclo conduzido pelo falecido H e que, para seguir o seu caminho, teve de contornar os corpos das vítimas caídos na faixa de rodagem; a testemunha I, condutor do táxi que circulava no mesmo local do acidente no momento que este ocorreu, e que, surpreendida pelo barulho da colisão e da subsequente queda do motociclo onde seguiam os falecidos, viu pelo retorivsor do seu veículo o motociclo “a rebolar” e businou de imediato para alerta do camião “MK” e a testemunha G, condutor do veículo “MK” que interveio no acidente com o motociclo onde seguiam os falecidos e que saiu do seu veículo e constatou a fatalidade que acabara de ocorrer).
Quanto à prova documental, como já supra referido, foi valorada no âmbito da “livre convicção”, considerando, designadamente que os documentos juntos aos autos não foram impugnados pelas partes nem ao tribunal mereceram dúvidas.
Também a prova pericial constante dos autos foi avaliada no âmbito da livre convicção, designadamente os relatórios de autópsia e a perícia sobre os automóveis envolvidos no acidente, nomeadamente quanto aos pneumáticos e espelhos do MK e à localização dos riscos na lateral do pára-choques do mesmo MK compatível com a altura do punho do volante do motociclo MM (fls. 80 a 91 e 517 a 524 dos autos principais).
A matéria de facto apreciada e decidida pelo tribunal divide-se em dois grupos essenciais: factos relativos à forma como ocorreu o acidente e factos relativos às consequências do mesmo acidente, designadamente para as vítimas e para os respectivos familiares.
Relativamente às consequências do acidente, além das regras da experiência que vão no sentido da ocorrência de dores físcias e de medo para os envolvidos directamente no acidente e de dores psíquicas para as pessoas que lhes são próximas, foi determinante para a formação da convicção do tribunal a análise que fez do teor das informações médicas juntas aos autos, designadamente a fls. 72 a 79 dos autos principais, a fls. 213 e 214 do apenso “A” e fls. 27 a 34 e 77 do apenso “B” e o teor dos depoimentos das testemunhas XXX, XXX e XXX, a primeira sendo familiar da mãe do falecido H por ser casada com um irmão do marido desta, a segunda sendo irmão do falecido M e a terceira sendo cunhado deste, todas tendo, demonstrado conhecimento directo dos factos sobre que depuseram por conhecerem a situação familiar dos falecidos e a forma como o falecimento destes foi vivenciado com consternação e cerimónias fúnebres pelas suas famílias, designadamente pelas respectivas mães, autoras nos autos apensos, todas as referidas testemunhas tendo prestado depoimento claro, sereno, pormenorizado e espontâneo, de forma que ao tribunal se afigurou credível.
Relativamente à forma como ocorreu o acidente e à sua dinâmica partiu o tribunal para formar a sua convicção da análise do teor das imagens de CCTV recolhidas por câmara de videovigilância instalada próximo do local do acidente e orientada para a faixa de rodagem no sentido da Rotunda do Aeroporto e na direcção da Estrada de Pac On para a referida Rotunda. De tais imagens, semelhantes às que são reproduzidas a fls. 93, 95 e 97 a 99 dos autos principais, resulta, designadamente, que o local do acidente era na altura uma zona de obras várias para construção das infra-estruturas do Metro Ligeiro e que a faixa de rodagem não estava nitidamente marcada por linhas no que tange à via de circulação de onde proveio o MK, a do lado direito atento o sentido que segue quem vem da Estrada de Pac On para a Rotunda do Aeroporto. Além disso é também visível que a faixa de rodagem fica mais esteita naquela zona à medida que se aproxima da Rotunda do Aeroporto e que o trânsito que ali aflui se concentra quando o sinal luminoso o obriga a parar e que esse trânsito se orienta em trajectórias não lineares e muda de via de trânsito com frequência porquanto se prepara para se distribuir por várias direcções na rotunda que fica próxima. Pôde também o tribunal constatar que o camião “MK” aparece nas imagens quando estas exibem a hora 14:25:16, proveio da via mais à direita, atento o seu sentido de marcha e se orientou para a via central, onde chegou antes de ali ter chegado o motociclo “MM”, o qual proveio da via mais à esquerda da faixa de rodagem e fez sinal luminoso para a direita, vulgarmente designado de “pisca-pisca”, e se orientou em tentativas e em percurso não rectilíneo para a via central já parcialmente ocupada pelo “MK” que ainda se mantinha também parcialmente na via da direita. É também visível que o MK chegou a parar por breves instantes e que reiniciou a marcha sem que o MM passasse para a sua frente, não sendo visível se o MM passou posteriormente para a frente do MK porquanto os veículos seguem para local onde ficam ocultados por um pilar de betão que se interpõe entre eles e a câmara de CCTV e que é o local onde ocorreu o embate.
Perante isto, o tribunal convenceu-se que o “MK” pretendia seguir para a Avenida do Aeroporto que se orienta para o lado esquerdo de quem vem do lado da Estrada de Pac On, o que também foi confirmado pela testemunha que conduzia o MK, G. E convenceu-se também o tribunal que o “MM” não pretendia seguir nessa direcção, mas entrar na rotunda do Aeroporto, pois que fez “pisca” para a direita, dirigiu-se para o seu lado direito e foi referido pela testemunha XXX, conhecedora do local, dos falecidos e da situação profissional destes, que pelo lado direito (e não pela Avenida do Aeroporto do lado esquerdo onde havia obras) era o melhor percurso para o local de trabalho onde se dirigiam os ocupantes do “MM” para iniciar o seu turno às 15:00 horas.
Estando ambos os veículos lado-a-lado na mesma via de trânsito, havendo aglomeração de veículos nas imediações do sinal luminoso, pretendendo o veículo que se encontrava do lado esquerdo seguir para a direita e pretendendo o que se encontrava do lado direito seguir para a esquerda, reuniram-se condições favoráveis à colisão que veio a ocorrer. É também da experiência comum que manobrar um motociclo com um passageiro é muito mais difícil do que manobrá-lo sem passageiro, o que também favorece o acidente, designadamente em zona de confluência e distribuição de trânsito. Também consta do relatório feito no inquérito crime que o condutor do motociclo MM tinha licença de condução havia menos de um ano (fls. 348 verso – tradução), o que coloca o tribunal perante a obrigação de ponderar a possibilidade de pouca experiência na condução. Também o relatório de autópsia do falecido M manifesta que esta tinha uma taxa de alcoolémia de 1,29 g/L (fls. 79) o que obriga a colocar a hipótese de o comportamento deste no motociclo poder ter tornado mais difícil o seu domínio para manter o equilíbrio em espaço exíguo, sendo visível das imagens que o táxi e o veículo automóvel branco de passageiros que segue atrás daquele ajudam a tornar exígou tal espaço porquanto circulam na via da esquerda bem perto da linha divisória com a via do meio parcialmente ocupada pelo MK. Também os destroços e a localização dos veículos imobilizados após o embate não esclarecem mais pormenores sobre a forma como ocorreu o acidente. A tudo acresce que a existência de um pilar de betão entre a câmara que colheu as imagens de CCTV e o local do embate impediu o registo das imagens desse embate.
Perante depoimentos de testemunhas presenciais que não são exactamente coerentes entre si nem com as imagens de CCTV recolhidas; considerando que as testemunhas presenciais do acidente formaram a sua memória em ambiente hostil à memorização clarividente, precisa e não distorcida da realidade; perante a falta de imagens do momento e do local do embate; perante a situação de trânsito algo confusa; perante a possível inexperiência do condutor do MM; perante o possível comportamento dificultante da condução do passageiro do MM; perante o facto de o MK e o MM seguirem lado-a-lado e pretenderem seguir trajectórias conflituantes, o tribunal não logrou esclarecer-se da forma como ocorreu o embate entre os veículos, designadamente se algum deles, alterando a orientação da sua marcha, “cortou” a direcção em que o outro seguia. Por isso o tribunal considerou apenas provado que os veículos colidiram entre si, não considerando provado que um deles embateu no outro nem que o embate se deveu a velocidade que não permitiu parar qualquer dos veículos antes de embaterem nem que a colisão se deveu a falta de atenção de qualquer dos condutores que não lhes permitiu reacção atempada eficaz para evitar o embate.
Também as imagens de CCTV foram determinantes para a formação da convicção do tribunal no que respeita à dinâmica dos veículos nos momentos anteriores ao acidente, pois que é visível que o MK mudou da via direita de onde provinha para a via central, que chegou a parar por breves instantes quando estava a ocupar parte da via central e parte da via da direita, que arrancou muito ligeiramente antes de o MM chegar junto dele, que os veículos seguiam em velocidade reduzida e em curva para a esquerda e que pararam breves momentos após, quando o acidente já tinha ocorrido.”

A matéria ora impugnada corresponde à dinâmica do acidente até ao momento em que deu o embate e que causou o acidente.
Em boa verdade, a maioria das testemunhas não viram o acidente, enquanto outras que, em seus depoimentos, disseram ter presenciado o acidente, verifica-se que os seus depoimentos não foram coerentes entre si.
Para além dos depoimentos das testemunhas, as imagens de CCTV foram também relevantes para a formação da convicção do tribunal recorrido, que mostraram a dinâmica dos veículos nos momentos anteriores ao acidente.
Considerando o acima exposto e reapreciada a prova constante dos autos, julgamos, a nosso ver, não enfermar de qualquer erro grosseiro e manifesto a valoração das provas efectuada pelo tribunal recorrido, pois a ré recorrente pretende ao fim e ao cabo sindicar a íntima convicção do tribunal recorrido formada a partir da livre apreciação e valoração global daquelas provas.
Na medida em que os elementos probatórios trazidos aos autos permitam chegar à mesma conclusão a que o tribunal a quo chegou, nenhum reparo merece a convicção formada pelo tribunal recorrido, improcedendo assim, forçosamente, esta parte do recurso.
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Suscita ainda a ré recorrente que o tribunal recorrido não teve em conta uma série de factos que, no caso em apreço, criaram um maior risco para a ocorrência do acidente, e que andou mal ao imputar a responsabilidade civil pelos danos verificados nos autos a título de responsabilidade pelo risco na percentagem de 85% ao veículo pesado e 15% ao motociclo, pedindo neste recurso que altere a percentagem para 50% pelo risco a cada uma das partes intervenientes.
Dispõe o n.º 1 do artigo 499.º do Código Civil que “Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos;…”
Isto é, em caso de colisão de veículos sem culpa dos respectivos condutores, os danos causados devem ser ressarcidos pelos responsáveis pelo risco da circulação dos respectivos veículos na proporção em que o risco de cada um dos veículos tiver contribuído para os danos.
Conforme decidido pelo tribunal recorrido, e bem, a potencialidade de o veículo pesado contribuir para causar acidentes e danos é muito mais elevada, atento o seu peso, a sua estrutura e a sua dimensão, designadamente quando se trata de um embate com um motociclo muito mais leve, de estrutura menos estável e de muito menor dimensão. Mas também não deixa de ser relevante a potencialidade de o motociclo contribuir para causar os mesmos acidentes e danos, atentas as suas características de pouca estabilidade, designadamente tombando e projectando os seus ocupantes na via em situação de desprotecção.
Sinceramente, na colisão não culposa de veículos, o facto de o condutor do motociclo ter a sua habilitação para conduzir aquele tipo de veículos há menos de um ano e não poder transportar qualquer passageiro no período de um ano após a obtenção da carta de condução não deve ser considerado como risco inerente ao próprio veículo exigido na lei civil, daí que aquelas circunstâncias não podem ser tidas em consideração na atribuição da percentagem do risco contribuído pelos veículos para os danos.
O mesmo acontece com a verificação de elevada taxa de alcoól no sangue do passageiro do motociclo, que também não se trata de um risco próprio do veículo.
Isto posto, não merece censura a decisão recorrida ao atribuir ao veículo pesado 85% e ao motociclo 15% de contribuição de risco.
Por tudo quanto deixou exposto, o recurso interposto pela ré recorrente tem que soçobrar.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela ré A, S.A., confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 9 de Fevereiro de 2023
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Fong Man Chong



Recurso Cível 407/2022 Página 25