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Processo n.º 844/2022
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 09 de Fevereiro de 2023

ASSUNTOS:

- Interpretação da cláusula que atribui jurisdição aos tribunais da RAEM


SUMÁRIO:

I – Em matéria da interpretação das cláusulas expressamente acordadas pelas partes, são aplicáveis as regras fixados pelos artigo 228º e 229º do CCM, por se tratar de negócios jurídicos celebrados pelas Partes.

II – Perante uma cláusula acordada pelas pelas partes com o seguinte teor: “este Acordo deve ser interpretado e regulado de acordo com o direito aplicável em Macau, sem consideração a escolha da lei ou conflito dos princípios jurídicos. As partes concorda mais a jurisdição exclusiva, a qual as partes consentem, e o foro para qualquer ação intentada por qualquer uma das partes para fazer cumprir os termos deste Acordo será exclusivamente nos tribunais de Macau, com excepção de que qualquer ação intentada envolve a interpretação de qualquer patente pendente ou emitida, deverá ser intentada e regulada pelo direito aplicável ao país em que a patente foi emitida,” não é de concluir-se pela ideia da “privação” do exercício da jurisdição pelos tribunais de Macau sobre as causas intentadas pelas Partes, pelo contrário, as Partes, mediante a 1ª parte da cláusula, atribuíram de modo expresso e exclusivo a jurisdição aos tribunais de Macau, só ressalvam na hipótese da última parte da cláusula citada.

III – Quando os pedidos formulados pela Autora se cingem às questões do cumprimento e incumprimento do acordo firmado com a Ré, não é de entender que estamos perante a hipótese da última parte da cláusula, pelo contrário, é força da 1ª parte da cláusula que os Tribunais da RAEM são competentes para julgar as causas nestes termos propostas.


O Relator,

________________
Fong Man Chong







Processo nº 844/2022
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 09 de Fevereiro de 2023

Recorrentes : Recurso Principal
A

Recurso Subordinado
B

Objecto do Recurso : - Despacho que julgou improcedente a excepção de incompetência (裁定無管轄權的抗辯理由不成立的批示)
- Despacho que admitiu os pedidos reconvencionais

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 10/03/2022 (fls. 420 e ss.), que julgou improcedente a excepção da incompetência dos tribunais das RAEM na resolução do litígio em causa, veio, em 18/05/2022, interpor recurso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 3 a 29, tendo formulado as seguintes conclusões:
     A. A decisão recorrida faz uma errada apreciação da causa de pedir, na medida em que desvaloriza a relação entre o alegado incumprimento do Acordo e a suposta violação de direitos industriais da Recorrida;
     B. Não é exacto afirmar que o que está em causa é (apenas) a violação do Acordo;
     C. Do Acordo decorrem obrigações principais e imediatas, como sejam o pagamento de uma compensação e a recolha e descontinuação do desenvolvimento, fabrico e venda dos produtos Bee 888; e obrigações mediatas e futuras, como a proibição de desenvolvimento ou venda de outros produtos que utilizem a tecnologia protegida pelas patentes I/460, J/456 e J/069 registadas a favor da Recorrida em Macau;
     D. Apenas o incumprimento das primeiras corresponde a um "simples" incumprimento do Acordo;
     E. Por sua vez, as obrigações mediatas estão intrinsecamente ligadas à existência de direitos industriais, na medida em que envolvem a interpretação do conteúdo, efeitos e alcance das patentes l/460, J/456 e J/069;
     F. De facto, só será possível apurar o incumprimento destas obrigações após a determinação prévia da existência e validade dos direitos industriais conferidos pelas patentes supra identificadas, bem como da sua violação face a determinado produto, isto é, após apurar se os direitos industriais foram efectivamente infringidos e fixar os efeitos e alcance da protecção conferida por esses mesmos direitos;
     G. A questão a ser discutida nos presentes autos - saber se um novo produto comercializado pela Recorrente, o Bee-Tek, infringe ou não as patentes I/460, J/456 e J/069 e, nessa medida, o Acordo - diz apenas respeito a obrigações mediatas e futuras;
     H. A própria Recorrida fundamenta a causa de pedir e as alegadas condutas lesivas da Recorrente, indistintamente, na violação das obrigações decorrentes do Acordo e na violação das patentes I/460, J/456 e J/069, o que demonstra a relação indestrinçável entre ambas;
     I. Conforme o Tribunal a quo afirma, está-se perante uma causa de pedir complexa, "tendo a sua génese em alegadas patentes da A. na concorrência com os direitos que surgem para ela do acordo", mas de tal afirmação seria necessário extrair consequências, como a delimitação do objecto e do alcance da competência dos Tribunais da RAEM aos litígios decorrentes das obrigações mediatas e futuras em causa nos autos - o que o Tribunal a quo não fez;
     J. Tal delimitação é exigida por força do pacto de jurisdição contido na cláusula 9 do Acordo e do princípio da territorialidade;
     K. Nos termos do pacto de jurisdição, os Tribunais da RAEM têm competência para decidir os litígios decorrentes do Acordo, com excepção daqueles que envolvam interpretação de patentes, para os quais serão competentes os tribunais da jurisdição onde estas estejam registadas;
     L. Salvo o devido respeito, que é muito, a Recorrente não concorda com o entendimento do Tribunal a quo quando este refere que sempre estaria a competência dos Tribunais da RAEM afirmada no artigo 15.° do CPC;
     M. Na verdade, as partes são soberanas em reservar ou atribuir jurisdição a tribunais de determinada ordem jurídica, desde que o pacto de jurisdição seja válido e não ofenda normas imperativas;
     N. Atenta a cláusula em apreço (artigo 9.° do Acordo), as partes atribuíram competência, absoluta e exclusiva, aos Tribunais da RAEM para os litígios decorrentes das obrigações imediatas, mas expressamente afastam essa competência para os litígios que envolvam a interpretação de patentes;
     O. Tal excepção harmoniza o pacto de jurisdição com o princípio da territorialidade, princípio este inerente ao direito de propriedade industrial e consagrado, nomeadamente, no artigo 4.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do RJPI, no artigo 47.° do Código Civil e na Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial de 20 de Março de 1883, da qual Macau é membro;
     P. O princípio da territorialidade estabelece que os direitos de propriedade industrial são de base territorial, no sentido em que a sua protecção só pode ser feita por referência ao sistema jurídico onde se encontram registados (por via de registo directo ou de extensão);
     Q. Consequentemente, a determinação de uma eventual violação deverá ser feita pelos tribunais dessa mesma jurisdição e os danos daí eventualmente decorrentes deverão ser, nessa medida, circunscritos àqueles que se verifiquem no Estado (ou Região) que confere essa protecção;
     R. De outra forma, seria possível estender os efeitos e a protecção conferidos pela patente registada em certa jurisdição, a qualquer outra jurisdição do mundo, independentemente de se encontrar aí registada patente com conteúdo semelhante que mereça protecção;
     S. Ora, estando em causa na presente lide obrigações mediatas - de a Recorrente não poder desenvolver ou vender outros produtos cuja tecnologia esteja protegida pelas patentes registadas a favor da Recorrida -, intrinsecamente ligadas à existência de direitos industriais, esta está necessariamente abrangida pela limitação decorrente do princípio da territorialidade e da excepção prevista no pacto de jurisdição em causa;
     T. Assim, a competência do Tribunal a quo está circunscrita à decisão sobre a alegada violação das patentes n.ºs I/460, J/456 ou J/069 e, em consequência do Acordo, aos eventuais danos que a Recorrida comprovadamente tiver sofrido em Macau, região que confere essa protecção;
     U. O mesmo é dizer que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo é incompetente para decidir sobre os pedidos que digam respeito à comercialização do Bee-Tek fora da jurisdição de Macau e aferir dos danos aí eventualmente verificados, em particular os relativos:
     a. ao reconhecimento que os produtos Shoe USPC comercializados pela Ré fora de Macau violam o Acordo de Transacção e infringem os direitos de propriedade industrial e intelectual da Autora registados fora de Macau;
     b. à recolha e remoção dos mercados exteriores a Macau de todos os produtos Shoe USPC e Cartas de Jogar USPC e quaisquer outros produtos fabricados e comercializados pela Ré fora de Macau, sob diferentes designações, marcas ou nomes que violem os termos do Acordo de Transacção;
     c. à publicação, fora de Macau, da decisão judicial proferida, a expensas da Ré, no jornal diário de maior circulação em cada um dos mercados exteriores a Macau, nomeadamente, os de Singapura, Filipinas, Vietname, Camboja, Sri Lanka, Coreia do Sul, Nova Zelândia, EUA, Canadá, México, Panamá, França, Reino Unido, Chipre do Norte, Áustria, Mónaco e África do Sul, ou em qualquer outro território ou país no qual se venha a provar nos presentes autos terem ocorrido quaisquer violações ou incumprimentos;
     d. à indemnização em dinheiro pelos danos causados à Autora, nos mercados exteriores a Macau quer (i) correspondente aos proveitos obtidos pela Ré com a venda, fora de Macau, dos produtos em incumprimento do Acordo de Transacção e das patentes registadas, fora de Macau, da Autora, quer (ii) correspondente aos lucros que a Autora teria obtido, fora de Macau, com a venda dos produtos caso a Ré não tivesse vendido fora de Macau os contrafeitos em violação do Acordo de Transacção e das patentes da Autora;
     e. ao pagamento de uma quantia diária por cada unidade de Shoe e por cada baralho de cartas que a Ré venda fora de Macau; e
     f. ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia em que a Autora, fora de Macau, falte ao cumprimento integral de todas as suas obrigações nos termos da sentença de condenação.
     V. Ao decidir em sentido contrário, o douto acórdão em crise violou as normas jurídicas constantes dos artigos 4.º e 104.º do RJPI e dos artigos 15.º e 29.º do CPC, bem como o pacto de jurisdição contido na cláusula 9 do Acordo e as limitações impostas pelo princípio da territorialidade.
*
    B., a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 71 a 81, tendo formulado as seguintes conclusões:
     B, Autora nos autos de processo comum ordinário à margem cotados vem, em face da notificação das alegações de recurso que antecedem, apresentar as respectivas CONTRA-ALEGAÇÕES, nos termos e com os fundamentos seguintes:
     Venerandos Juízes do Tribunal de Segunda Instância
     Conforme resulta do disposto nos artigos 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
     Inexistindo questão de conhecimento oficioso e face às conclusões do recurso, são as seguintes questões que devem constituir objecto de apreciação:
     1) A de saber se o tribunal recorrido fez uma errada apreciação da causa de pedir; (Conclusão A a H)
     2) A de saber se o artigo 4º do RJPI e a cláusula 9ª do Acordo obrigam à "delimitação do objecto e do alcance da competência dos Tribunais da RAEM aos litígios decorrentes das obrigações mediatas e futuras em causa nos autos" (conclusão I a R)
     3) Se, em consequência "a competência do Tribunal a quo está circunscrita à decisão sobre a alegada violação das patentes nos. 1/460, J/456 ou J/069 e, em consequência do Acordo, aos eventuais danos que a Recorrida comprovadamente tiver sofrido em Macau, região que confere essa protecção" - Conclusão S e ss.
     Motivou-se na douta sentença recorrida:
     “A R. invoca a excepção da incompetência absoluta (parcial), referindo que os Tribunais de Macau estão impedidos de decidir os pedidos que id. no artº75 da sua douta contestação.
     Para o efeito chama-se à colação uma questão de direito internacional privado, a saber, as leis aplicáveis ao litígio por serem várias as conexões com outras ordens jurídicas.
     Com o devido respeito, não obstante os doutíssimos argumentos, a questão parece-nos lateral.
     O que aqui está em crise é, se bem surpreendemos a causa de pedir, a violação pela R. de um acordo firmado a propósito de litígios a correr termos nos processos CV3-08-0072-CAO, CV1-09-0067-CAO, CV3-09-0068-CAO e CV1-10-0058-CAO.
     E em relação a esta causa de pedir aplicar-se-á no momento próprio o direito substantivo que tiver de ser aplicado, o que estiver convencionado ou, na ausência de convenção, o que resultar das regras de direito internacional privado.
     [...]
     De facto, e a benefício daquela primeira conclusão e desta, diremos que a causa de pedir da presente acção é complexa, tendo a sua génese em alegadas patentes da A. na concorrência com os direitos que surgem para ela do acordo (e suas adendas) supra citado, alegadamente violado.
     Pelo exposto, julga-se improcedente a excepção invocada de incompetência dos Tribunais de Macau."
     Decorre claramente do trecho transcrito que o Mmo. Juiz interpretou claramente a causa de pedir da presente acção, bem como correlacionou a) a existência do Acordo de Transacção que na petição se pretende ver cabalmente cumprido, com b) a violação das patentes da Autora cuja violação originara a celebração desse Acordo.
     Ora, nesse Acordo de Transacção, a Recorrente voluntariamente obrigou-se a estender os respectivos efeitos ao "território mundial", pelo que as questões que agora levanta, conforme motiva o despacho recorrido são, verdadeiramente, laterais.
     Aliás, a Conclusão E das alegações da Recorrente faz transparecer que esta pretende mesmo deslocar as questões em discussão dos autos da dimensão da violação dos direitos derivados do Acordo para a dimensão da interpretação das patentes da Autora, o que transportaria a discussão dos presentes autos para a "excepção" constante do artigo 9º do Acordo.
     Em primeiro lugar, há que sublinhar que a Recorrente tenta deliberadamente criar confusão sobre a natureza dos pedidos formulados pela Autoral Recorrida. Por outras palavras, a Recorrente argumenta que os pedidos formulados pela Autora/Recorrida estão intrinsecamente ligados ao argumento da violação de patentes, ignorando a apropriação indevida de segredos comerciais e reduzindo a acção intentada pela Autora à violação de patentes.
     Ora, a competência dos Tribunais de Macau é determinada, nos termos do disposto no artigo 15º/1 do CPC, pela causa de pedir.
     Ora, os factos alegados pela Autora na sua petição inicial consistem na violação do Acordo de Transacção pela Ré e o pedido corresponde ao cumprimento das obrigações assumidas pela Ré nesse mesmo Acordo de Transacção - e os danos decorrentes dessa violação.
     O objetivo do Acordo de Transacção é a cessação de vários litígios judiciais que correram seus termos nos Tribunais da RAEM, nomeadamente nos processos no. CV3-08-0072-CAO (instaurado pela aqui Recorrida), e CV2-09-0067-CAO, CV3-09-0068-CAO e CV1-10-00058-CAO (instaurados pela aqui Recorrente). Nestes processos, à aqui Recorrente foi imputada a violação de direitos conferidos por patentes, direitos de autor, violação de segredos comerciais e concorrência desleal.
     A estrutura desse Acordo de Transacção pode resumir-se em:
     1) no artigo 1º.1, a aqui Recorrente pede desculpas por ter desviado os segredos comerciais da aqui Recorrida no decurso do desenvolvimento do "aparelho", tal como definido no artigo 2º;
     2) No artigo 2.º, a Recorrente comprometeu-se a não desenvolver, fazer, vender ou oferecer para venda o Aparelho nem (ii) quaisquer cartas de jogo que sejam concebidas para serem lidas pelo Aparelho em território mundial. A definição de Aparelho é feita por referência às respetivas características técnicas e independentemente de quaisquer direitos de patente e o seu âmbito territorial excede o que qualquer patente permitiria. Tem, portanto, uma natureza contratual clara.
     A referência à patente I/460 é feita apenas para definir a duração das obrigações assumidas nos termos do artigo 2º, mas não o seu conteúdo e âmbito.
     Por conseguinte, ao ler os artigos 1º.1 e 2º com enfoque na definição do Aparelho, torna-se claro que o artigo 2º do Acordo de Transacção se destina a evitar novas apropriações indevidas dos segredos comerciais da Recorrida, que anteriormente tinham sido desviados pela Recorrente, identificando que tipo de actos constituem apropriação indevida dos segredos comerciais da Recorrida e impondo contratualmente à aqui Recorrente a obrigação de não recidivar em tais práticas.
     Por conseguinte, quando a aqui Autora/Recorrida se socorre da violação do artigo 2º não está a estabelecer qualquer relação com a violação das suas patentes. Isto é igualmente evidente pelo facto de a proibição de violação das patentes da Autora/Recorrida estar prevista no artigo 5º do Acordo, em cláusula separada do artigo 2º (onde também está incluída a patente I/460).
     Com efeito, saber se o desenvolvimento, venda ou comercialização dos produtos com a designação Bee-Tek ou similar pela Ré/Recorrente violam o artigo 2.º do Acordo de Transacção, é uma questão exclusivamente do domínio da interpretação desse artigo 2º do Acordo de Transacção. Embora o tribunal possa referir-se a terminologia específica na indústria dos casinos descrita nas artes anteriores após a interpretação do artigo 2º, não se trata de qualquer delimitação do âmbito ou duma interpretação das patentes da Recorrida.
     Além disso, ocorre o caso de ter sido celebrada uma adenda ao referido Acordo de Transacção que altera a redacção deste Artigo 9º. Com efeito, nos Artigos 7º e 8º do Acordo celebrado a 10 de Fevereiro de 2012, as partes solenizaram a seguinte fórmula:
     "Artigo 7. Direito aplicável
     Este Acordo deve ser interpretado e regulado de acordo com o direito aplicável em Macau, sem consideração a escolha da lei e conflito dos princípios jurídicos. As partes concordam ainda que a jurisdição exclusiva, com a qual as partes consentem, e o foro para qualquer ação intentada por qualquer uma das partes para fazer cumprir os termos deste Acordo será exclusivamente nos tribunais de Macau."
     Artigo 8. Acordo Integral
     Este Acordo constitui e contém a totalidade do acordo e entendimento entre as Partes. Este Acordo prevalece sobre e substitui quaisquer e todos os acordos, entendimentos, negociações, discussões ou promessas prévias, escritas ou orais, sobre esta transacção, excepto o Acordo de Transacção, que mantém plena eficácia e efeitos além daqueles são aqui expressamente alterados. Isto é um acordo integral. Nenhumas mudanças, alterações, suplementos ou modificações do presente Acordo podem ser válidas salvo se forem por escrito e assinadas por todas as Partes do presente Acordo. Para evitar dúvidas, as partes reconhecem e confirmam que quaisquer termos do presente Acordo não devem estar em conflito com qualquer termo do Acordo de Transacção.
     Ou seja, no acordo de 10 de Fevereiro de 2012 as partes expressamente alteraram o pacto de jurisdição e removeram a "excepção" na qual a Recorrida baseia toda a sua argumentação.
     Tal basta, no nosso modesto entendimento, para que as Conclusões do recurso caiam, por se sustentarem exclusivamente no texto daquele Artigo 9º, entretanto revogado.
     Com a nova redacção dada ao pacto de jurisdição, dúvidas não restam que foi intenção das partes submeter a apreciação de qualquer litígio entre si à jurisdição exclusiva dos Tribunais da RAEM.
     Nos termos dos artigos 399º/1 e 400º/1 do Código Civil, "Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver." e "O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contra entes ou nos casos admitidos na lei."
     Além disso, dispõe o artigo 230º/1 do CC que "Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso."
     Ainda que assim não fosse, a Recorrente labora num outro erro que é o de imputar à Autora/Recorrente a pretensão de querer impor ao Tribunal que exceda os limites da sua competência territorial, o que não é o caso.
     Na verdade, o artigo 9º do Acordo de Transacção original apenas impõe que a violação duma patente seja apreciada pelo Tribunal da jurisdição onde essa patente foi concedida. Ora, resulta amplamente da leitura da p.i. que a Autora/Recorrida não pede ao Tribunal da RAEM que se pronuncie sobre quaisquer outras patentes senão as que lhe pertencem e foram registadas em Macau, pelo que não existe qualquer violação do princípio da territorialidade.
     Outra questão seria saber se a Autora/Recorrida pretende obter para si os efeitos da patente registada em Macau, para obter a satisfação dos danos sofridos noutras jurisdições. Mas mesmo aqui, o tribunal competente seria sempre o da RAEM.
     Conforme bem refere o despacho recorrido, as obrigações da Recorrida abrangem "todo o território mundial". Do aditamento ao acordo de 10 de Fevereiro de 2012 e dos respectivos anexos constam até tabelas com as infracções ao acordado detectadas até essa data, onde se incluem entregas de produtos nos Estados Unidos, Vietname, África do Sul, entre outros.
     Ora, por maioria de razão, se as partes tivessem querido subtrair da jurisdição da RAEM as violações ao acordo e às patentes da Recorrida noutros territórios, certamente tê-lo-iam feito neste aditamento ao acordo; ou, no limite, não teriam alterado o pacto privativo de jurisdição ...
     Na verdade, a causa de pedir da presente acção concentra-se sobretudo numa violação culposa do Acordo de Transacção pela Ré/Recorrente, que a Autora/Recorrida pretende ver corrigida, com recurso à via judicial.
     O Acordo de Transacção foi celebrado para pôr cobro às condutas de apropriação ilícita de segredos comerciais da Autora, da violação dos seus direitos, incluindo os de propriedade intelectual, através da imposição de obrigações contratuais que complementam e se sobrepõem às que derivam da lei.
     Saber se os produtos desenvolvidos pela Ré violam ou não o Acordo de Transacção não implica, ao contrário do que a Recorrente pretende, a interpretação de quaisquer patentes registadas fora da RAEM, implica antes a aplicação do Artigo 2º daquele Acordo.
     Conforme se motivou no despacho recorrido:
     "Todavia uma coisa é o direito concreto aplicável ao caso, outra é a competência do Tribunal.
     E esta está, cremos, insofismavelmente clara na afirmação que consta do acordo de transacção que seriam os Tribunais de Macau a decidir qualquer litígio relacionado com o acordo supra referido / , nos termos do qual, além do mais, a R. se obriga a não desenvolver, fabricar, vender ou colocar à venda qualquer aparelho distribuidor de cartas (....) e quaisquer cartas de jogar que sejam destinadas a serem lidas pelo aparelho no território mundial.
     Aquela afirmação consubstancia um pacto de jurisdição válido ao abrigo do arto 29 do CPC, não tendo sido o mesmo posto em crise."
     Donde decorre que a causa de pedir dos presentes autos, apesar de complexa, culmina num pedido relativamente simples: que à conduta culposa e violadora do Acordo sejam aplicadas as sanções correspectivas, independentemente do lugar onde essas violações clamorosas ocorreram no território mundial.
     O pedido está directamente relacionado com as obrigações decorrentes do Acordo de Transacção - com a sua violação - e não envolve qualquer outra questão adicional, que não seja a de enfatizar a origem do conflito entre as partes e contextualizar a acção, para que se perceba claramente que o montante dos danos pedidos deriva directamente da conduta recorrente, voluntária, culposa e recalcitrante da Ré, não cabendo aqui cuidar de saber se os danos pedidos são avultados: são os que a Ré causou e são aqueles que a Autora se arroga o direito de ver ressarcidos.
     Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1º/2 e 29º/1 do CPC:
     "A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como as providências necessárias para acautelar o efeito útil da acção."
     e
     "As partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação material controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica."
     Ainda, considerando o Acordo de Transacção ter sido celebrado para pôr termo às acções judiciais instauradas pelas partes na RAEM, e seguindo de perto a motivação do despacho recorrido:
     "Mais, e está ainda a competência afirmada pela própria lei no arto 15 do CPC quando se refere que são competentes os Tribunais de Macau quando alguns dos factos que integram a causa de pedir ocorreu em Macau, coisa que se verifica no caso."
     O artigo 5º.1 do Acordo de Transacção reporta-se à obrigação de Recorrente não infringir as Patentes Registadas da Recorrida sem a autorização prévia da Recorrida, bem como que, caso a Recorrente pretenda comercializar produtos que se enquadram no âmbito de quaisquer patentes, tem a obrigação de discutir de boa fé a emissão de uma licença. Sem prejuízo dos direitos da Recorrida que decorrem directamente da propriedade das patentes, as obrigações jurídicas e compromissos previstos no presente artigo 5º têm uma natureza contratual.
     Subsidiariamente, e sem prescindir da supra alegada revogação da Cláusula 9ª do Acordo de Transacção, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a competência dos Tribunais da RAEM baseia-se numa cláusula de jurisdição inserida no Acordo de Transacção, segundo a qual as partes acordaram em submeter quaisquer litígios resultantes do Acordo de transacção à competência exclusiva dos Tribunais da RAEM, com exceção de qualquer acção que envolva “a interpretação de qualquer patente pendente ou emitida, deverá ser intentada e regulada pelo direito aplicável ao país em que a patente foi emitida".
     Como tal e em resumo, nos termos do artigo 9.º do Acordo de Transacção na sua versão original (que, repete-se, entendemos revogada):
     Quaisquer acções baseadas na interpretação de quaisquer patentes devem ser submetidas à jurisdição de emissão da respectiva patente;
     Quaisquer acções baseadas na violação de quaisquer outras obrigações, incluindo as do artigo 2º, são submetidas à jurisdição exclusiva dos Tribunais de Macau.
     Ora, na presente acção, a causa de pedir não se baseia na violação directa de qualquer patente estrangeira, mas sim na violação de outras obrigações contratuais, nomeadamente aquelas do artigo 2º, nos termos do qual o seu âmbito de aplicação é contratualmente definido e é aplicável "no território mundial". Por conseguinte, insere-se claramente no âmbito de aplicação da competência do Tribunal de Macau, tal como acordado nos termos do artigo 9º.
     Além disso, por mera hipótese de raciocínio, o facto de aos Tribunais de Macau ter sido conferida competência para se pronunciarem sobre patentes emitidas por outras jurisdições não é contrário à Lei de Macau nem ao princípio da territorialidade das patentes. Tal como indicado no douto despacho saneador, a determinação da lei substantiva aplicável é uma questão diferente daquela da competência.
     Os limites territoriais das patentes implicam apenas que:
     O âmbito e os efeitos substantivos de uma patente regem-se pela lei da jurisdição em que a patente foi emitida.
     Tal lei aplica-se apenas aos factos ocorridos no território sujeito a tal jurisdição.
     No entanto, pelo menos nos termos da lei de Macau, esta questão não é da competência exclusiva dos tribunais onde as patentes foram emitidas. Como tal, as partes podem apresentar quaisquer litígios relativos à violação de patentes à arbitragem ou à jurisdição de outros tribunais, como dos tribunais de Macau, desde que essa cláusula satisfaça os requisitos do artigo 29.º do Código do Processo Civil.
     Tais requisitos são os seguintes:
     1. Que o diferendo diz respeito aos direitos que estão à disposição das partes (isto é, não relacionados com a ordem pública); É o caso, uma vez que as partes podem livremente dispor dos direitos concedidos por qualquer patente.
     2. Que a apresentação seja aceite pelas leis da jurisdição escolhida (isto é, que não seja rejeitada por esses tribunais ou que tal jurisdição nomeie expressamente outra jurisdição como exclusivamente competente). Os Tribunais de Macau não rejeitam a competência nesta matéria, sob reserva apenas do cumprimento do artigo 29.º do CPC.
     3. Que a escolha da competência corresponde a um interesse sério de ambas ou de uma das partes, desde que, neste último caso, não implique inconvenientes graves para a outra. Pelas razões indicadas, é inequívoco que existia um interesse sério para ambas as partes relacionadas com a conexão directa entre o âmbito do Acordo de Liquidação e a jurisdição de Macau (as obrigações assumidas pela Recorrida estão diretamente ligadas à transacção sobre os litígios que correram os seus termos nos tribunais de Macau).
     4. Que o assunto não está reservado à jurisdição exclusiva dos Tribunais de Macau. Não é esse o caso e, em última análise, esta exigência aplica-se apenas às cláusulas de jurisdição que excluem a jurisdição dos Tribunais de Macau.
     5. Que existe um acordo escrito entre as partes.
     A mais abalizada doutrina acrescenta ainda que o litígio subjacente deve ter uma ligação com a jurisdição de Macau. Isto é óbvio nos presentes autos, dado que a Causa de Pedir consiste na violação do Acordo de Transacção, que está sujeito à Lei da RAEM e cujo objeto fora a resolução de uma disputa em curso nos Tribunais de Macau.
     Quaisquer litígios quanto ao âmbito do Acordo de Transacção e sobre as obrigações nele incluídas são uma questão de mérito dos pedidos da ora Recorrida e, portanto, estão incluídas no âmbito da cláusula de jurisdição.
     O facto de a jurisdição do Tribunal de Macau se basear numa cláusula de jurisdição torna irrelevantes quaisquer argumentos relativos ao artigo 15.º do CPC. A aplicação do artigo 9º do Acordo de Transacção depende apenas do cumprimento dos requisitos do artigo 29º do CPC, que se encontram cumpridos.
     Em todo o caso, a exigência prevista na alínea a) do artigo 15º do CPC também é cumprida, uma vez que se exige apenas que qualquer um dos factos que integram a causa de pedir tenha ocorrido na RAEM. O Acordo de Transacção é submetido à Lei de Macau e, entre outros nos artigos 166º a 177.º e 213º da petição inicial, a Autora, aqui Recorrida, alegou factos concretos relativos à violação do contrato que ocorreram em Macau.
     Das considerações acima expostas decorre, cremos, a desnecessidade de atender àquilo que sejam "obrigações mediatas e futuras" ou não, bem como será desnecessário chamar à colação o princípio da territorialidade, ao contrário do pretendido pela Recorrida.
     Em resumo, a celebração do aditamento ao Acordo de Transacção revogou explicitamente o artigo 9º do Acordo de Transacção no qual a Recorrente baseia as suas alegações e, ainda que assim não fosse, o despacho recorrido não violou as normas nem os princípios citados nas Conclusões da Recorrente.
     Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exa. deverá o presente recurso ser julgado improcedente, sendo proferido acórdão que mantenha o despacho recorrido, assim se fazendo Justiça!
*
    B, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datada de 10/03/2022 (fls. 420 e ss.), veio, em 09/06/2022, interpor recurso subordinado para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 34 a 67, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. O presente recurso circunscreve-se à questão da admissibilidade do pedido reconvencional formulado pela Recorrida.
     2. Nos termos do artigo 218º do CPC, "2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
     a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
     b) Quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
     c) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter."
     3. A Sentença recorrida afirma que a reconvenção assenta:
     a) "quer nos fundamentos da acção, atrás referido genericamente como tendo por génese alegadas patentes da A. na concorrência com os direitos que surgem para ela do acordo (e suas adendas), alegadamente violado",
     b) "como assenta também na defesa por ela consubstanciar uma versão segundo a qual as patentes citadas supra são nulas e o comportamento da demandada tem sido escrupuloso no cumprimento do citado acordo e patentes, ao invés do da A."
     4. Ora, a Reconvinda/Recorrente alegara que "o pedido de indemnização a título de responsabilidade extracontratual - ou seja, a imputada prática de actos de concorrência desleal por parte da Autora - não emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção nem à defesa".
     5. Porém, os pedidos reconvencionais são:
     1) A declaração que a Ré não infringe as patentes I/460, J/456 e J/069 da Autora, nem o acordo (ou seja, a mera contradição do pedido da Autora);
     2) A declaração que a Autora, ao intentar a presente acção contra a Ré sem fundamento, violou o Acordo e praticou actos que consubstanciam concorrência desleal devendo ser, por isso, condenada ao pagamento de uma indemnização à Ré decorrente de:
     a. Violação da cláusula de confidencialidade do Acordo;
     b. danos não patrimoniais, causados à reputação, bom nome e imagem comercial da Ré, que prejudicaram a sua capacidade de prossecução do seu fim social;
     c. danos patrimoniais, em montante a ser liquidado em execução de Sentença.
     6. Da leitura da Contestação resulta que a indemnização reclamada pela Reconvinte tem origem, pura simplesmente, no facto de a Reconvinda ter proposto a acção judicial de que tratam os presentes autos e dos danos decorrentes dos alegados comportamentos ilícitos de concorrência desleal da Recorrente.
     7. Ou seja, os factos jurídicos que servem de fundamento
     à acção (violação dum acordo e de determinadas patentes) ou
     à defesa (pela ordem apresentada na Contestação: 1) o tribunal não é competente, 2) a Ré não violou as patentes e 3) estas são inválidas, 4) a Autora age com abuso de direito, 5) a Ré não violou o acordo)
     não são os mesmos que fundamentam o pedido reconvencional (o comportamento da Recorrente no mercado foi de tal modo desonesto que causou danos à Reconvinte/Recorrida) - v. p. ex. artigos 539º, 581º, 583º da Contestação.
     8. De acordo com a melhor doutrina, o pedido reconvencional deve ser autónomo, na medida em que transcende a simples improcedência da pretensão do autor e os corolários dela decorrentes.
     9. Assim, na parte em que a reconvenção é apenas o pedido de declaração de não violação das patentes em crise, nem do acordo, não há ainda pedido reconvencional, porque a pretensão deduzida pelo réu (contra o autor) não passa de uma pura consequência da excepção invocada e, por conseguinte, da carência de fundamento da pretensão do autor.
     10. O pedido 5 b) da Reconvenção não é autónomo e não deve ser admitido.
     11. A reconvenção deve consistir numa uma contra-acção que se cruza com a proposta pelo autor.
     12. Sendo uma verdadeira acção instaurada num outro processo não pode ser admitida independentemente de qualquer conexão com a acção inicial.
     13. O facto invocado (como simultâneo fundamento da reconvenção), a verificar-se, tem que produzir «efeito defensivo útil» , ou seja, deve possuir a virtualidade para reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor.
     14. Logo, não basta a existência de forte conexão entre as causas de pedir da acção e da reconvenção para que possa entender-se que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.
     15. A reconvenção deve assumir autonomia perante o pedido da acção e funcionar como um instrumento jurídico de aplicação do princípio da economia processual, pois que viabiliza que num mesmo processo sejam reunidas pretensões materiais contrapostas, para além de proporcionar melhores condições para o julgamento unitário de todo o litígio estabelecido entre as partes, evitando a prolação de decisões divergentes a propósito de realidades próximas ou interdependentes.
     16. No entanto, esse ganho em economia de meios e de processo não deve contender com a eficácia das decisões ou com a justiça que destas deve emanar, o que justifica a introdução de limites à dedução pelo réu de uma pretensão autónoma dirigida contra o autor, de onde podem resultar graves inconvenientes para este, decorrentes sobretudo do retardamento da decisão a proferir sobre a pretensão por ele formulada.
     17. Assim se afirma que "Todos os pedidos reconvencionais devem ser conexos com o pedido do autor, porque seria inadmissível que ao réu fosse lícito enxertar na acção pendente uma outra que com ela não tivesse conexão alguma."
     18. Quem dirige uma pretensão ao Tribunal tem de expor a situação de facto com base na qual se afirma a titularidade do direito que pretende ver tutelado.
     19. É a causa de pedir, entendida como "o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida", que assume uma função individualizadora do pedido e, como tal, do objecto do processo - cf. art. 417º, n.º 4 do CPC.
     20. A causa de pedir, para efeitos de admissibilidade de reconvenção, deve ser definida através do facto principal comum a ambas as pretensões", ou seja, que "os factos alegados devem ser seleccionados através das normas jurídicas alegadas, assim se determinando quais são os principais. Estabelecidos estes, se um deles for principal para a acção e para a reconvenção, haverá identidade de causa de pedir e, logo, estará preenchido o requisito do art. 218, n.º 2, al. a)".
     21. Ora, os pedidos relativos a danos da Ré derivados de imputados actos de concorrência desleal à Autora estão fundados apenas no facto da demanda da Autora/Recorrente, isto é, da interposição da presente acção contra a Ré, ser alegadamente infundada e falsa.
     22. Isto são factos totalmente estranhos à relação contratual, posteriores a esta, à execução desta, atribuídos à Autora em modo voluntário, e em modo culposo e ilícito, como actos de concorrência desleal que "ofendem o direito de personalidade da Ré, pondo em causa o seu prestígio e a sua credibilidade a tal ponto que danifica a sua capacidade de prossecução do seu fim social, i.e., a produção e comercialização dos seus produtos," (artigo 594op da Contestação/Reconvenção)
     23. Estamos então manifestamente em face de responsabilidade civil extracontratual e por isso não estamos em presença do mesmo facto jurídico, do mesmo complexo fáctico que serve de causa de pedir à acção, não sendo assim admissíveis os pedidos reconvencionais referidos.
     24. Pois esses pedidos transcendem a área da defesa útil na presente acção.
     25. O pedido cruzado em que se resolve a deduzida reconvenção, não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção nem reveste natureza impugnatória, não tendo a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o direito do demandante.
     26. A aceitação de um tal nexo, relativamente a reconvenções como a deduzida pela Recorrida, implicaria um alargamento da possibilidade de dedução daquelas que contrariaria as preocupações subjacentes ao carácter excepcional deste instituto processual.
     27. Em qualquer acção de dívida o Autor estaria sujeito a contra-acção de Réu que se considerasse lesado no seu bom nome e reputação com as imputações que lhe tivessem sido feitas em matéria de incumprimento contratual, e, ou por causa da própria propositura da acção, o que é inadmissível.
     28. No presente processo a aceitação a título excepcional da possibilidade de a Ré formular uma reconvenção cede perante o princípio da estabilidade da instância.
     29. E cede também perante a garantia de acesso aos tribunais ínsita no artigo 1º do CPC:
     “1. A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar."
     30. A Recorrida pretende enxertar no processo uma causa de pedir que é completamente paralela às questões colocadas pela Autora na sua petição inicial, que não as intersecta.
     31. Não há qualquer conexão entre ambas as causas.
     32. Finalmente, caso a situação de facto alegada pela Reconvinte na sua reconvenção se verificasse, o que por mera cautela de patrocínio se ficciona, ou seja, caso as condutas e atitudes ali imputadas à Autora fossem verdadeiras, não configura uma situação de concorrência desleal, nem de incumprimento contratual, mas simplesmente de litigância de má-fé.
     33. Por força do princípio da iniciativa das partes, a Reconvinte está agora inibida de formular esse pedido.
     34. A sentença recorrida violou as normas do artigo 6º/3 da Lei 9/1999, e as dos artigos 1º, 5º/1, 212º, 218º/2-a), 419º e 425º do CPC.
*
    A, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 109 a 130, tendo formulado as seguintes conclusões:
     A. O recurso subordinado da Recorrente não é admissível por não se encontrarem preenchidos os requisitos legais para a sua interposição, porquanto, nos termos do n.º 1 do artigo 587.º do CPC, o recurso subordinado só é admissível quando uma dada decisão seja (parcialmente) desfavorável às duas partes;
     B. As decisões em causa no recurso principal e no recurso subordinado relativas, respectivamente, à excepção de incompetência e à de inadmissibilidade de reconvenção, são distintas e autónomas e, quer uma quer outra, foram, na íntegra, desfavoráveis à parte que invocou a excepção sobre a qual essa decisão recaiu;
     C. Ainda que a doutrina tenha vindo a admitir, como excepção, a interposição de recurso principal e recurso subordinado quanto a decisões distintas quando entre elas se verifique uma relação de prejudicialidade, resulta claro que, in casu, as decisões ora em crise assentam em pressupostos e fundamentos, de facto e de direito, diversos e sem qualquer conexão ou dependência;
     D. Na medida em que não se verificam os requisitos necessários para a interposição do recurso subordinado pela Recorrente, deverá o recurso subordinado ser, em sede de exame preliminar, julgado inadmissível in limine, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 621.º do CPC, com as consequências legais;
     E. O presente recurso incide sobre o despacho que julgou improcedente a excepção de inadmissibilidade da reconvenção, deduzida pela Recorrente na sua replica e cuja discussão foi ali reduzida à questão de saber se o pedido de indemnização apresentado pela Ré, ora Recorrida, a título de responsabilidade extracontratual, por actos de concorrência desleal, emerge ou não do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção ou defesa;
     F. Todavia, a Recorrente pretende agora expandir o presente recurso a novas questões que não se encontram abrangidas pela decisão em crise, invocando, ex novo, que (a) a parte em que a Recorrida peticiona a declaração de que não viola nem as patentes da Recorrente, nem o Acordo carece de autonomia e que, por isso, é inadmissível; (b) no presente caso, a aceitação a título excepcional da possibilidade de a Ré formular uma reconvenção cede perante o princípio da estabilidade da instância e também perante a garantia de acesso aos tribunais; e que (c) ainda que a situação fáctica alegada pela Recorrida na reconvenção se verificasse, nunca tal seria uma situação de concorrência desleal, nem de incumprimento contratual, mas de litigância de má fé;
     G. O objecto do presente recurso está circunscrito à revisão da decisão em crise e, consequentemente, as novas questões invocadas pela Recorrente não poderão ser objecto de revisão ou reponderação pelo Tribunal ad quem;
     H. Doutro passo, também não assiste qualquer razão à Recorrente quando afirma que a reconvenção da Recorrida, no que diz respeito à responsabilidade por concorrência desleal, é inadmissível por tal responsabilidade não emergir do facto jurídico que serve de fundamento à acção, nem ao da defesa;
     I. Esteve bem o Tribunal a quo ao concluir que "a reconvenção assenta, quer nos fundamentos da acção, atrás referido genericamente como tendo por génese alegadas patentes da A. na concorrência com os direitos que surgem para ela do acordo (e suas adendas), alegamente violado, como assenta também na defesa por ela consubstanciar uma versão segundo a qual as patentes citadas supra são nulas e o comportamento da demandada tem sido de escrupuloso cumprimento do citado acordo e patentes, ao invés do da A.";
     J. A Recorrente deduziu reconvenção com fundamento no facto de a presente acção consistir simultaneamente um incumprimento do Acordo por parte da Recorrida e revestir actos de concorrência desleal;
     K. A Recorrente incumpre o Acordo na medida em que nele expressamente reconheceu que a Recorrida poderia desenvolver e comercializar um distribuidor electrónico de cartas que utilizasse uma câmera - como é o caso do distribuidor Bee-Tek - , que não intentaria qualquer acção com fundamento num produto que o fizesse e que não divulgaria os termos do mesmo Acordo;
     L. A propositura da acção constitui uma actuação desleal por parte da Recorrente porque é, ela própria, um incumprimento do Acordo e a divulgação, por essa via, de segredos comerciais da Ré e porque, nessa medida, tem o objectivo e a capacidade de restringir e limitar a livre actuação no mercado da Recorrida;
     M. Assim, resulta claro que o incumprimento do Acordo e a actuação desleal de Recorrente, materializados com a propositura desta acção são, não só conexos, como mesmo indissociáveis;
     N. Nessa medida, ao contrário do que a Recorrente alega, a reconvenção da Recorrida emerge e está conexa com os factos invocados na sua defesa, quer por excepção quer por impugnação;
     O. Sendo a reconvenção admissível nos termos da lei processual civil, como aliás decidiu, e bem, o Tribunal a quo, ficam prejudicados os restantes argumentos aduzidos pela Recorrente na sua alegação;
     P. A Recorrente não tem razão quando afirma que "a reconvenção é apenas o pedido de declaração de não violação das patentes em crise, nem do acordo", carecendo, assim de autonomia;
     Q. Para além de tal pedido não se reconduzir, única e exclusivamente, ao pedido de ver declarado pelo Tribunal que a Recorrida não infringe as patentes da Recorrente ou viola o Acordo, o efeito de tal declaração não é alcançado pela mera improcedência da acção ou pela procedência de qualquer das excepções deduzidas na defesa;
     R. Por um lado, a improcedência da acção pode não ser acompanhada pela afirmação de que os factos em que a mesma se baseia efectiva e comprovadamente não ocorreram;
     S. Por outro, atenta a gravidade dos actos de que a Recorrida vem acusada, esta tem todo o interesse que o Tribunal declare afirmativamente que a Recorrida não infringe as patentes de Macau da Recorrente, nem viola o Acordo, por ser a única forma de ver a sua reputação e bom nome devidamente repostos;
     T. Por conseguinte, andou bem o douto Tribunal a quo ao admitir a reconvenção ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 218.° do CPC, devendo, em consequência, ser mantida na íntegra a decisão recorrida.

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    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
  III – FACTOS ASSENTES:
    - Em 13/07/2020 pela Autora C foi proposta uma acção no TJB contra a Ré A (fls. 144);
    - Citada, veio a Ré contestar a acção, tendo invocado a excepção da incompetência dos tribunais da RAEM no julgamento da causa, para além de deduzir reconvenções contra a Autora;
    - Em 10/03/2022 foi proferido o despacho saneador pelo qual foi julgada improcedente a excepção da incompetência alegada pela Ré;
    - Em 18/05/2022 a Ré/Recorrente apresentou as alegações do recurso conforme o teor de fls. 2 e seguintes dos autos;
    - Em 09/06/2022, a Autora veio a apresentar o recurso subordinado conforme o teor de fls. 34 e seguintes dos autos.

* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
    
    A – Recurso independente:
    É o seguinte despacho que constitui o objecto deste recurso, proferido pelo Tribunal de primeira instância:
     “(…)
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     Da competência dos Tribunais de Macau (artº44 a 75 da contestação).
     A R. invoca a excepção da incompetência absoluta (parcial), referindo que os Tribunais de Macau estão impedidos de decidir os pedidos que id. no artº75 da sua douta contestação.
     Para o efeito chama-se à colação uma questão de direito internacional privado, a saber, as leis aplicáveis ao litígio por serem várias as conexões com outras ordens jurídicas.
     Com o devido respeito, não obstante os doutíssimos argumentos, a questão parece-nos lateral.
     O que aqui está em crise é, se bem surpreendemos a causa de pedir, a violação pela R. de um acordo firmado a propósito de litígios a correr termos nos processos CV3-08-0072-CAO, CV1-09-0067-CAO, CV3-09-0068-CAO e CV1-10-0058-CAO.
     E em relação a esta causa de pedir aplicar-se-á no momento próprio o direito substantivo que tiver de ser aplicado, o que estiver convencionado ou, na ausência de convenção, o que resultar das regras de direito internacional privado.
     Todavia uma coisa é o direito concreto aplicável ao caso1, outra é a competência do Tribunal.
     E esta está, cremos, insofismavelmente clara na afirmação que consta do acordo de transacção que seriam os Tribunais de Macau a decidir qualquer litígio relacionado com o acordo supra referido2/3, nos termos do qual, além do mais, a R. se obriga a não desenvolver, fabricar, vender ou colocar à venda qualquer aparelho distribuidor de cartas (....) e quaisquer cartas de jogar que sejam destinadas a serem lidas pelo aparelho no território mundial4.
     Aquela afirmação consubstancia um pacto de jurisdição válido ao abrigo do artº29 do CPC, não tendo sido o mesmo posto em crise.
     Mais, e está ainda a competência afirmada pela própria lei no artº15 do CPC quando se refere que são competentes os Tribunais de Macau quando alguns dos factos que integram a causa de pedir ocorreu em Macau, coisa que se verifica no caso.
     De facto, e a benefício daquela primeira conclusão e desta, diremos que a causa de pedir da presente acção é complexa, tendo a sua génese em alegadas patentes da A. na concorrência com os direitos que surgem para ela do acordo (e suas adendas) supra citado, alegadamente violado.
     Pelo exposto, julga-se improcedente a excepção invocada de incompetência dos Tribunais de Macau.
*
     (...)”.

*
    Quid Juris?
    O que está em causa é a interpretação da 9ª cláusula do acordo firmado pelas partes que tem o seguinte teor:
    Artigo 9. Direito aplicável
    Este Acordo deve ser interpretado e regulado de acordo com o direito aplicável em Macau, sem consideração a escolha da lei ou conflito dos princípios jurídicos. As partes concorda mais a jurisdição exclusiva, a qual as partes consentem, e o foro para qualquer ação intentada por qualquer uma das partes para fazer cumprir os termos deste Acordo será exclusivamente nos tribunais de Macau, com excepção de que qualquer ação intentada envolve a interpretação de qualquer patente pendente ou emitida, deverá ser intentada e regulada pelo direito aplicável ao país em que a patente foi emitida.
    (...)
    A sua versão inglesa é:
    Article 9. Governing Law
    This Agreement shall be construed in accordance with, and governed by, the laws applicable in the country of Macau, without regard to choice of law or conflict of laws principles. The Parties further agree that exclusive jurisdiction, to which the Parties consent, and venue for any action brought by either Party to enforce the terms of this Agreement shall be solely in the courts of Macau, with the exception that any action brought involving the interpretation of any pending or issue patent shall be brought in and governed by the laws applicable to the country in which the patent was issued.
    
    No entender da Recorrente/Ré, por força da cláusula 9ª acima citada, os tribunais da RAEM ficam “privados” do exercício da jurisdição nos procesos em que as partes intentaram com base no acordo citado nos autos.
    Será?
    Ora, salvo melhor respeito, não seguimos este raciocínio da Recorrente, visto que:
    1) – A redacção da cláusula em causa não é muito feliz, realmente ela pode dar azo a problemas interpretativos complexos. Só que, à luz da maneira como ela está redigida, é de concluir-se que a vontade real das partes não reside na privação da jurisdição de Macau, pelo contrário e porque foi uilizada a palavra “exclusivamente” em matéria da fixação da competência dos tribunais de Macau, conforme a 1ª parte da cláusula, verdadeiramente o que as partes querem é atribuir a jurisdiçao exclusiva aos tribunais da RAEM;
    2) - O que se gera controvérsia é justamente a última parte da cláusula em análise, que consagra “(…) com excepção de que qualquer ação intentada envolve a interpretação de qualquer patente pendente ou emitida, deverá ser intentada e regulada pelo direito aplicável ao país em que a patente foi emitida.
    Parece-nos, levados aos termos extremos, esta última parte poderá revogar a 1ª parte da cláusula, pois o acordo firmado pelas partes tem a ver e necessarimaente assim com a patente em causa, e os actos praticados pelas partes, se não todos, pelo menos, na sua maior parte, têm conexão com o exercício dos direitos decorrentes das respectivas patentes, nestes termos, não nos parece ser esta maneira correcta de interepretar a clásula em causa, sob pena de cairmos num resultado aburdo, para além de violar a regra básica da interpretação dos negócios jurídicos fixados pelos artigos 228º e 229º do CCM.
    3) – Mais, para bem marcar o posicionamento das questões discutidas, importa ver também os pedidos formulados pela Autora nos autos, que são:

    “A. A reconhecer que os produtos Shoe USPCC comercializados pela Ré violam o Acordo de Transacção e infringem os direitos de propriedade industrial e intelectual da Autora;
    B. A recolher e remover do mercado todos os produtos Shoe USPCC e Cartas de Jogar USPCC e quaisquer outros produtos fabricados ou comercializados pela Ré sob diferentes designações, marcas ou nomes que violem os termos do Acordo de Transacção;
    C. A publicar a decisão judicial proferida, a expensas suas, no jornal diário de maior circulação nacional em cada mercado onde a Ré tem vindo a violar as patentes da Autora e os termos do Acordo de Transacção, nomeadamente em Macau, Singapura, Filipinas, Vietname, Camboja, Sri Lanka, Coreia do Sul, Nova Zelândia, EUA, Canadá, México, Panamá, França, Reino Unido, Chipre do Norte, Áustria, Mónaco e África do Sul, e em qualquer outro território ou país no qual se venha a provar nos presentes autos terem ocorrido aquelas violações e incumprimento.
    D. A pagar uma quantia a título de indemnização em dinheiro pelos danos causados à Autora:
    a. No montante de pelo menos MOP1,323,079,667.28, correspondente aos proveitos obtidos pela Ré com a venda dos produtos em incumprimento do Acordo de Transacção e das patentes registadas da Autora;
    b. Subsidiariamente, no montante de MOP815,128,074.01, correspondente aos lucros que a Autora teria obtido com a venda dos produtos caso a Ré não tivesse vendido os contrafeitos em violação do Acordo de Transacção e das patentes da Autora;
    c. Ainda subsidiariamente, um montante a determinar pelo Tribunal a título de compensação determinada nos termos dos artigos 3º e 560º do Código Civil;
    E. A pagar uma quantia diária de USD 3,000 (MOP23,960.36) por cada unidade de shoe e de USD 0.85 (6.79 MOP) por cada baralho de cartas que a Ré venda desde a data da citação para a presente acção e até à data da douta sentença;
    F. A pagar uma sanção pecuniária compulsória de MOP80,000 por cada dia em que a Ré falte ao cumprimento integral de todas as suas obrigações nos termos da sentença de condenação.
    G. A pagar juros à taxa legal anual de 11.75% sobre todas as quantias peticionadas, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
    H. A pagar custas e procuradoria condigna.”
    
    Nesta conformidade, bem atendidos a causa de pedir e os pedidos expressamente invocados pelas Partes nos autos, o que se discute justamente é o cumprimento ou incumprimento do acordo firmado por elas (que, tal como se refere anteriormente e forçosamente se prende com a patente, aqui, é pertinente distinguir duas realidades diferentes: interpretar os elementos que compõem o conteúdo das patentes; outra são os direitos decorrentes da patente registada!), as questões discutidas nestes autos não se situam no âmbito da última parte da cláusula 9ª em análise, o que é razão bastante para manter a decisão recorrida, por bem andar o Tribunal recorrido ao julgar improcedente a excepção invocada pela Recorrente/Ré.
*
    B – Recurso sobordinado:
    
    A Autora interpôs recurso subordinado contra a decisão do TJB que admitiu os pedidos reconvencionais deduzidos pela Ré, por entender que tal decisão violou as normas do artigo 6º/3 da Lei 9/1999, e as dos artigos 1º, 5º/1, 212º, 218º/2-a), 419º e 425º do CPC.
    Será?
    Ora, importa ver quais são os pedidos reconvencionais que foram deduzidos pela Ré, os quais são:
    1) A declaração que a Ré não infringe as patentes I/460, J/456 e J/069 da Autora, nem o acordo (ou seja, a mera contradição do pedido da Autora);
    2) A declaração que a Autora, ao intentar a presente acção contra a Ré sem fundamento, violou o Acordo e praticou actos que consubstanciam concorrência desleal devendo ser, por isso, condenada ao pagamento de uma indemnização à Ré decorrente de:
    a. Violação da cláusula de confidencialidade do Acordo;
    b. danos não patrimoniais, causados à reputação, bom nome e imagem comercial da Ré, que prejudicaram a sua capacidade de prossecução do seu fim social;
    c. danos patrimoniais, em montante a ser liquidado em execução de Sentença.
    
    Ora, nestes termos é de destacar os seguintes aspectos:
    a) – Os factos e os pedidos invocados assumem natureza diversa, e não única tal como a leitura que a Recorrente/Autora fez;
    b) – Bem vistas as coisas, é de verificar que os factos jurídicos que servem de fundamento:
    à acção (violação dum acordo e de determinadas patentes) ou
    à defesa (pela ordem apresentada na contestação: 1) o tribunal não é competente, 2) a Ré não violou as patentes e 3) estas são inválidas, 4) a Autora age com abuso de direito, 5) a Ré não violou o acordo).
    Uns factos são os mesmos que fundamentam o pedido reconvencional e outros são conexos, por exemplo, o comportamento da Recorrente no mercado foi de tal modo desonesto que causou danos à Reconvinte/Recorrida) – (vidé artigos 539º, 581º, 583º da Contestação). Dada a particularidade da situação e da matéria em discussão, é de concluir que, grosso modo, os argumentos invocados pelas partes se situam no âmbito do acordo celebrado por elas, em conexão com as patentes em causa.
    Porém, importa deixar aqui duas notas importantes:
    1) – Os pedidos reconvencionais são, de algum modo, “estranhos”, e existem entre eles (pelo menos, alguns), contradições, nomeadamente o “pedido de declaração de violação do acordo” e o “pedido da declaração da invalidade das patentes”, este último pedido não pode ser apreciado pelos tribunais da RAEM por força da última parte da cláusula 9ª nos termos acima citados e assim cai, resta apenas o primeiro pedido. Com este raciocínio desparece a referida contradição;
    2) – O pedido de indemnização decorrente da propositura da acção, em rigor, é matéria que se subsume na figura da litigância de má-fé (ou boa fé), mas como é questão de mérito, e de algum modo, também questão da aplicação do Direito, deixemos a apreciação ao Tribunal recorrido em sede própria.
    Nesta óptica, é da nossa conclusão que o despacho não merece censura por não violar o artigo 218º/2-a) do CPC.
    c) – Por outro lado, a Ré não está obrigada a deduzir reconvenção, agora se é por via de reconvenção ou por via de acção é que representa a melhor forma de proteger os seus interesses, é uma questão de opção das partes. Uma vez escolhida, bem ou mal, há-de aceitar as consequências que daí decorra!
    d) – Pelo que, não encontramos razões suficientes para nos concluirmos pela incorrecta decisão do Tribunal recorrido, motivo pelo qual é de negar provimento ao recurso subordinado, mantendo-se a decisão recorrida.
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    Síntese conclusiva:
    I – Em matéria da interpretação das cláusulas expressamente acordadas pelas partes, são aplicáveis as regras fixados pelos artigo 228º e 229º do CCM, por se tratar de negócios jurídicos celebrados pelas Partes.
    II – Perante uma cláusula acordada pelas pelas partes com o seguinte teor: “este Acordo deve ser interpretado e regulado de acordo com o direito aplicável em Macau, sem consideração a escolha da lei ou conflito dos princípios jurídicos. As partes concorda mais a jurisdição exclusiva, a qual as partes consentem, e o foro para qualquer ação intentada por qualquer uma das partes para fazer cumprir os termos deste Acordo será exclusivamente nos tribunais de Macau, com excepção de que qualquer ação intentada envolve a interpretação de qualquer patente pendente ou emitida, deverá ser intentada e regulada pelo direito aplicável ao país em que a patente foi emitida,” não é de concluir-se pela ideia da “privação” do exercício da jurisdição pelos tribunais de Macau sobre as causas intentadas pelas Partes, pelo contrário, as Partes, mediante a 1ª parte da cláusula, atribuíram de modo expresso e exclusivo a jurisdição aos tribunais de Macau, só ressalvam na hipótese da última parte da cláusula citada.
    III – Quando os pedidos formulados pela Autora se cingem às questões do cumprimento e incumprimento do acordo firmado com a Ré, não é de entender que estamos perante a hipótese da última parte da cláusula, pelo contrário, é força da 1ª parte da cláusula que os Tribunais da RAEM são competentes para julgar as causas nestes termos propostas.
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos recursos (independente e subordinado) interpostos pelas Recorrentes, mantendo-se as decisões recorridas.
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    Custas pelas Recorrentes na proporção de 1/2 para cada uma delas.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 9 de Fevereiro de 2023.
Fong Man Chong
(Relator)

Ho Wai Neng
(1º Juiz-Adjunto)

Tong Hio Fong
(2º Juiz-Adjunto)

1 De resto se convencionando livre e legalmente ao abrigo do artº40 do CC ser o direito de Macau o aplicável - Cfr. cláusula 9 do acordo junto como doc.12 com a pi
2 Cfr. cláusula 9 do acordo junto como doc.12 com a p.i.
3 Que inclui a tutela das patentes da A. I/460, I/157 e J/69 - Cfr. Anexo A do acordo a fls.329/341.
4 Cfr. cláusula 2 do junto como doc.12 com a p.i.
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