打印全文
Processo n.º 245/2022 Data do acórdão: 2023-2-16
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– contravenção por grave excesso de velocidade na ponte
– pagamento voluntário da multa contravencional
– sentença aplicadora da inibição de condução
– legitimidade para impugnar a matéria de facto provada na sentença
S U M Á R I O
1. Um lapso manifesto de escrita no texto da sentença, cuja eliminação não importa modificação essencial do sentido e alcance da sentença, nunca gera qualquer nulidade da sentença, dado que a sua verificação fica resolvida através da respectiva correcção, nos termos previstos e permitidos na alínea b) do n.o 1 do art.o 361.o do Código de Processo Penal.
2. A partir do momento em que o arguido recorrente pagou voluntariamente a multa pela prática da contravenção por condução automóvel com grave excesso de velocidade na Ponte da Amizade em causa nos autos então imputada a ele pelo Departamento de Trânsito, jamais lhe assiste a legitimidade de vir defender, na motivação do recurso da sentença aplicadora da pena de inibição de condução pela prática dessa contravenção, que no caso não é possível determinar ou provar o facto “excesso de velocidade”, visto que este modo dele de agir processualmente na sua minuta do recurso equivale a uma autêntica conduta, inadequada, de venire contra factum proprium.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 245/2022
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 85 a 86v do Processo Contravencional n.° CR5-21-0195-PCT do 5.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material, na forma consumada, de uma contravenção (por condução automóvel com inobservância do limite máximo de velocidade na Ponte da Amizade) p. e p. mormente pelo art.o 98.o, n.o 6, alínea 2), da Lei do Trânsito Rodoviário (doravante abreviada como LTR), na pena acessória (efectiva) de inibição de condução por seis meses e quinze dias.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar a sua absolvição daquela contravenção, ou o reenvio do processo para novo julgamento, imputando àquela decisão condenatória os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação, e a violação dos princípios de in dubio pro reo, nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege, para além de preconizar que sendo sancionável a conduta de condução com excesso de velocidade, sem instrumentos de detecção de velocidade na condução na Ponte da Amizade aprovados nos termos legais mas sim apenas com uso de experiências e métodos experimentais de detecção de velocidade, não se pode determinar o facto “excesso de velocidade”, por um lado, e, por outro, não se percebe por quê é que o Tribunal recorrido “aplica duas penas acessórias de medida diferente, o no 4 do art. 98o e o no 6 do mesmo artigo” da LTR, daí que a sentença recorrida nesta parte também violou o disposto no art.o 355.o, n.os 2 e 3, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal (CPP), devendo a sentença ser declarada nula nos termos do art.o 356.o, n.o 1, do CPP, para além de violar o disposto nos art.os 64.o e 65.o, n.o 2, alíneas a), b), c) e e), do Código Penal (CP) (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação do recurso apresentada a fls. 96 a 123 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 125 a 132v dos autos) o Digno Delegado do Procurador, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 140 a 145), pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. Em 13 de Agosto de 2021, o arguido procedeu ao pagamento voluntário da multa (em quatro mil patacas) pela contravenção p. e p. pelos art.os 31.o, n.o 1, e 98.o, n.o 6, alínea 2), da LTR, cometida em 21 de Julho de 2021, na Ponte da Amizade (cfr. o teor de fl. 10 dos autos), na óptica do Departamento de Trânsito do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
2. Em 14 de Fevereiro de 2022, passou a ser disponibilizado (a fls. 85 a 86v dos autos) o texto da sentença ora recorrida, condenatória do arguido recorrente pela prática daquela contravenção.
3. Segundo esse texto decisório judicial:
– O Ministério Público imputou ao ora recorrente a prática de uma contravenção p. e p. pelos art.os 31.o, n.o 1, e 98.o, n.o 6, alínea a), da LTR (cfr. o escrito nas linhas 20 a 22 da fl. 85 dos autos);
– À conduta praticada pelo ora recorrente, p. e p. pelos art.os 31.o, n.o 1, e 98.o, n.o 6, alínea 2), da LTR, é aplicável a multa de 4000 a 20000 patacas, e é aplicável, como pena acessória, a inibição de condução por seis meses a um ano (cfr. o escrito no primeiro parágrafo da fl. 86 dos autos);
– “Como pena acessória, com base no disposto no n.o 4 do art.o 98.o da “Lei do Trânsito Rodoviário”, e com ponderação da situação concreta do excesso de velocidade do presente caso, decide-se em proibir a condução do arguido, pelo período de seis meses e quinze dias (…)” (cfr. o escrito nas linhas 11 a 13 da fl. 86 dos autos, aqui traduzido literalmente para português pelo ora relator).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Veio o ora recorrente, na sua motivação, sindicar primeiro do resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal sentenciador, alegando existirem na sentença recorrida, mormente, os três vícios previstos no n.o 2 do art.o 400.o do CPP, para além de imputar à mesma sentença a violação dos princípios de in dubio pro reo, nullum crimen sine lege e de nulla poena sine lege, sem ter deixado de levantar, inclusivamente, a questão de nulidade dessa sentença, por alegada violação do art.o 355.o, n.o 2, do CPP.
Ora, desde já, é de verificar um lapso manifesto de escrita no texto da sentença, pois onde se lê, originalmente em chinês, na linha 11 da fl. 86, acerca da indicação da norma da LTR sancionatória da conduta contravencional cometida pelo arguido como sendo o n.o 4 do art.o 98.o desta Lei, se deve ler-se, correctamente, como sendo a alínea 2) do n.o 6 do art.o 98.o da mesma Lei (isto porque da leitura integral do texto dessa sentença, especialmente nas passagens referidas na parte II do presente acórdão de recurso, resulta, do seu contexto, nítido que a pena acessória de inibição de condução aplicada ao arguido é a prevista na alínea 2) do n.o 6 do art.o 98.o da LTR), sendo certo que um lapso manifesto de escrita deste tipo, cuja eliminação não importa modificação essencial do sentido e alcance da sentença, nunca gera qualquer nulidade da sentença, dado que a sua verificação fica resolvida através da respectiva correcção, nos termos previstos e permitidos na alínea b) do n.o 1 do art.o 361.o do CPP.
Por identidade da razão, aquele lapso manifesto de escrita nem é susceptível de acarretar a alegada violação, pelo Tribunal recorrido, do exigido pelo n.o 2 do art.o 355.o do CPP. De resto, da leitura do texto da sentença em causa, vê-se que esse Tribunal já cumpriu o seu dever de fundamentação exigido por este preceito.
Apesar da arguição, na motivação do recurso, de todos os três vícios referidos no n.o 2 do art.o 400.o do CPP, a partir do momento em que o arguido pagou voluntariamente a multa, pelo seu montante mínimo legal, pela prática da contravenção em causa nos autos então imputada a ele pelo Departamento de Trânsito, a ele jamais assiste a legitimidade de vir defender, na motivação do recurso da sentença aplicadora da pena de inibição de condução pela prática da mesma contravenção, que no caso dos autos não é possível determinar ou provar o facto “excesso de velocidade”. Este modo dele de agir processualmente na sua minuta do recurso equivale a uma autêntica conduta, inadequada, de venire contra factum proprium.
Na verdade, se ele não se tivesse conformado com a contravenção de excesso de velocidade em questão então imputada pela Polícia fiscalizadora do trânsito, não deveria ter pago voluntariamente a multa pela mesma contravenção; e se a já pagou voluntariamente, então não pode vir alegar, na motivação do recurso da decisão aplicadora da pena acessória de inibição de condução por prática da mesma contravenção, que não ficou provado o facto “excesso de velocidade”, isto também porque esse facto “excesso de velocidade” não é matéria indisponível para o arguido.
Assim sendo, fica prejudicado, dada a acima referida perda superveniente da legitimidade para a arguição por parte do recorrente, o conhecimento de todas as questões levantadas na sua motivação no respeitante aos três vícios de julgamento da matéria de facto previstos no n.o 2 do art.o 400.o do CPP, aos princípios de in dubio pro reo, nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege, por um lado, e, por outro, à questão do método ou instrumento de detecção do excesso de velocidade na Ponte da Amizade.
A contravenção ora em causa perpetrada pelo arguido na Ponte da Amizade é punível com pena acessória de inibição de condução de seis meses a um ano, nos termos do art.o 98.o, n.o 6, alínea 2), da LTR.
Atenta esta moldura legal da pena acessória em mira, não é plausível, desde logo, a tese de alegada violação, na decisão judicial recorrida, do critério de escolha da pena plasmado no art.o 64.o do CP.
E dentro da mesma moldura legal, o Tribunal recorrido só aplicou a inibição de condução automóvel de seis meses e quinze dias, tendo acrescentado, pois, apenas quinze dias à duração mínima de seis meses, não obstante ser punível a mesma contravenção com inibição de condução até um ano, daí que a mesma decisão judicial já é muito benévola ao arguido, aos critérios da medida concreta da pena à luz do n.o 2 do art.o 65.o do CP.
Decai, assim, o recurso, sem mais indagação por ociosa ou por prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso, mas determinam a rectificação do seguinte lapso manifesto de escrita verificado na versão original chinesa da sentença recorrida: onde se lê na linha 11 da fl. 86 dos autos, acerca da indicação da norma da Lei do Trânsito Rodoviátrio sancionatória da conduta contravencional cometida pelo arguido como sendo o n.o 4 do art.o 98.o desta Lei, se deve ler-se, correctamente, como sendo a alínea 2) do n.o 6 do art.o 98.o da mesma Lei.
Custas do recurso pelo arguido, com seis UC de taxa de justiça.
Comunique o presente acórdão (com cópia da sentença recorrida) ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 16 de Fevereiro de 2023.
__________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
__________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
__________________________
Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



Processo n.º 245/2022 Pág. 4/4