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Processo n.º 599/2022
(Autos de recurso cível)

Data: 9/Fevereiro/2023

Recorrente:
- C (opoente)

Recorridos
- A (autor)
- Companhia de Investimento Imobiliário B, Limitada (ré)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformado com a sentença que julgou parcialmente improcedente a oposição espontânea deduzida por C e, em consequência, absolveu o autor A e a ré Companhia de Investimento Imobiliário B, Limitada do pedido formulado por aquele opoente, recorreu o mesmo jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “1. 原審法院於2021年11月8日作出判決中作出了5項裁決,其中尤其包括宣告原告對所爭議之“ZR/C”獨立單位份額的10/262至少有5年的公然及和平占有,並開釋上訴人對原告及被告所作出的所有請求。
     2. 除應有的尊重外,上訴人不認同被上訴判決中原審法院之見解及決定,尤其是關於原審法院對事實部分之判定,由於被上訴判決所認定之事實是基於對事實事宜之裁判結果,因而上訴人在針對原審法院之上述合議庭判決提起平常上訴之同時,亦對該事實事宜之裁判在本上訴中提起爭議。
     一、上訴人對涉案車位的占有至少延續至2010年年中
     3. 根據獲證事實第w及第z項的內容原審法院認為對於2009年中至2010年中的一年間,涉案的XXXX花園編號24, 37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 及58號汽車停車位是由哪一位進行享益及使用存在疑問,因此沒有認定2009年中至2010年中的車位占有情況。
     4. 而在原審法院事實事宜之裁判中認為: 一方面上訴人在起訴狀中指稱D為上訴人管理該些車位直至2008年;另一方面,證人E指出在首次(即2010年6月24日)收取原告支付的該些車位的管理費前的約一年前,原告曾向證人E要求支付該些車位的管理費,但遭證人E拒絕收取。
     5. 上訴人認為根據上述之裁判理據,並無法得出上訴人對該些車位的享益及管理只是直至2009年年中的事實。雖然D為上訴人管理該些車位直至2008年一事並沒有被列作已證事實,然而也沒有任何原因導致原告占有。
     6. 然而,可知在2008年之前,D為上訴人出租該些車位並收取租金的,而在2008年D離開澳門後,上訴人沒有與其他人訂立車位的租約,並沒有容許任何人使用該些車位。
     7. 卷宗內亦沒有任何資料證明,在2010年6月24日以前,有任何人違反了上訴人不出租該些車位的意願而能夠使用及享益該些車位。
     8. 根據證人E的證言,原告約在2009年年中,曾要求支付該些車位的管理費,但遭證人E拒絕收取。
     9. 根據《民法典》第1181條第2款以及第1192條第1款的規定,單憑上述事實明顯不足以證明上訴人對這些爭議車位的占有喪失,且上訴人之占有狀態亦應認為一經占有推定繼續占有,而這一事實亦不足以推翻上訴人自1995年起占有該些車位的完全反證。
     10. 而卷宗內亦無任何證據證實在2009年年中出現任何使上訴人喪失該些車位占有的事實。
     11. 即使認為原告在2009年年中嘗試占有該些車位,但基於原告之新占有未超過一年,根據《民法典》第1192條第1款d項的規定,仍視為上訴人在2009年中至2010年年中為該些車位的占有人。
     12. 因此,關於已證事實z項中關於上訴人對該些車位的享益及管理僅存續至2009年年中,存在認定事實錯誤,應改判上訴人對該些車位的享益及管理存續至不早於2010年6月24日結束。
     13. 另外,結合已證事實第c項、第d項、第e項、第m項之事實可知上訴人在1995年5月16日與被告簽署該些車位的預約買賣合同,全數支付樓款並獲交付進入“ZR/C”獨立單位的鎖匙,而自1995年5月16日,上訴人開始佔用“ZR/C”獨立單位份額的10/262(對應該些車位)及以真實、唯一的所有權人身份公然地行事,持有且享益該些車位,已具備占有所要求的“心素”及“體素”。
     14. 即使不認為上訴人的占有為有依據之占有,但由於上訴人是獲被告(XXXX花園的發展商,同時為該些車位的所有權人)交付該些車位,因此上訴人在取得占有時明顯是不知其正侵害他人之權利的,因此根據《民法典》第1184條第2款的規定,上訴人亦屬於善意占有。
     15. 原告未能證明其在2010年6月24日前對該些車位行使管理權,根據《民法典》第1181條第2款的規定,上訴人對該些車位的占有,是從1995年5月16日起,至少直至2010年6月23日為止。
     16. 故上訴人認為,應裁定事實事宜裁判第z條的內容,改判為上訴人對該些車位的一如所有權人地公開管理及享益延續至不早於2010年6月24日結束,而非不遲於2009年年中結束。
     17. 因此,上訴人針對該些車位的善意占有已超逾15年之久,請求法官閣下廢止原審法院所作的判決,並根據《民法典》第1221條的規定,宣告上訴人因取得時效而取得“ZR/C”獨立單位的10/262份額(對應該些車位)的因租賃批地而生的權利包括建築物所有權。
     二、原告對於該些車位的占有在2018年已終止
     18. 根據獲證事實第p項、第q項、第r項、第s項、第v項及第w項的內容可見,原告自2010年年中開始,一直對該些車位進行享益及管理,從未間斷。
     19. 然而,原告提供的證人F卻非常清楚地表示,在2018年12月因為XXXX花園更換了管理委員會,新的管理委員會沒有向並非登記為業主的原告派發能夠出入XXXX花園停車場的匙卡,原告因無法出入XXXX花園停車場從而喪失了該些車位的管理權,亦無法繼續向證人F出租。
     20. 根據已錄製成視聽資料之Recorded on 01-Jul-2021 at 11.52.46 (3F#FJM1103520319) 30:27-32:00、33:58-34:12、36:20-39:02及Recorded on 01-Jul-2021 at 12.32.16 (3F#H!9JG03520319) 00:46-03:05、03:15-05:16,證人表示XXXX花園新上任的管理委員會對於沒有登記為所有權人的人士均沒有派發能夠進出XXXX花園停車場的匙卡,由於原告並沒有登記為該些車位的所有權人,因此XXXX花園管理委員會並沒有向原告派發XXXX花園停車場的出入匙卡,原告從而無法對該些車位進行管理,亦無法繼續出租予他人。
     21. 而且,根據原告附同於起訴狀的有關該些車位的租賃合約及銀行收取租金記錄(見卷宗第49頁至第71頁),並沒有2018年12月後的租賃與收租記錄。
     22. 因此,上訴人認為原告在2018年12月已終止了對該些車位的管理及享益,亦沒有被視為該些車位的所有權人,尤其是沒有被XXXX花園的管理委員會視為該些車位的所有權人。
     23. 結合《民法典》第1175條、第1192條第1款b項的規定,既然原告在2018年12月已喪失了對該些車位的管理及享益,因此其已失去對該些車位的占有,從而無法根據《民法典》第1220條第2款的規定作出單純占有的登記。
     24. 故應裁定獲證事實第p項、第q項、第r項、第s項、第v項及第w項的內容中,應加入原告對該些車位的管理及享益,僅至2018年12月便結束。
     25. 鑑於原告已失去對該些車位的占有,請求法官 閣下廢止被上訴判決中,關於宣告原告以公然及和平的方式占有“ZR/C”獨立單位的10/262份額(對應該些車位)超過5年的決定。
     三、原告對於該些車位的占有並非公然占有
     26. 根據獲證事實第w項的內容可見,被上訴的判決認為原告對該些車位的占有為公然占有,對此,除了應有的尊重外,上訴人並不認同上述的觀點。
     27. 根據葡萄牙學者Fenando Pereira Rodrigues對於公然占有的學說分析,認為對於是否為公然占有重點在於占有人是否有作出可以讓利害關係人知悉其占有之行為。
     28. 雖然已證明原告之親戚、朋友以及曾經的車位承租人均認為車位屬於原告,然而原告之占有主張及占有狀態並無任何可以讓與車位所有權有直接關係的被告以及上訴人所知悉,至少,上訴人完全不知悉。
     29. 原告在起訴狀中能夠明確指出上訴人於1995年5月16日向被告購入並獲交付該些車位的事實(原告起訴狀第8條至第10條事實),而有關事實均被視為獲證明。
     30. 然而,原告刻意扭曲其餘事實,指稱上訴人在1998年向其移轉該些車位,並收取了原告支付的價金及向原告支付了該些車位(原告起訴狀第13條至第15條事實),而原告所指稱的這些事實均沒有獲證實。
     31. 原告由始至終均得悉上訴人為該些車位的利害關係人,但是並沒有採用任何措施,使上訴人得悉原告對該些車位進行了占有。
     32. 更甚者,原告在起訴狀中,故意陳述為上訴人已將該些車位的全部權益移轉予原告,從而使得本案無須在傳喚上訴人的情況下得以進行,明顯原告是有目的地希望排除上訴人對本案及對其占有該些車位的情況的知悉。
     33. 在原告的刻意安排下,作為利害關係人的上訴人明顯並不處在一個“可知悉原告對該些車位作出占有”的情況,所以,即使認為原告對該些車位存在占有,原告之占有亦並非公然占有。
     34. 根據《民法典》第1220條第2款之規定,“僅在承認占有人已和平及公然占有標的物五年或五年以上之判決轉為確定後,單純占有方可予以登記。”
     35. 即使上訴人在對立參加本案後知悉有關情況,但根據《民法典》第1217條,結合《民法典》第318條第1款及第319條第1款的規定,有關的時效已中斷且不重新開始進行。
     36. 故獲證事實第w項的內容,關於原告一如真實及唯一所有權人公開地行事,其公開性應裁定為不獲得證實。
     37. 鑑於原告對該些車位的占有並非公然占有,請求法官 閣下廢止被上訴判決中,關於宣告原告以公然及和平的方式占有“ZR/C”獨立單位的10/262份額(對應該些車位)超過5年的決定。
     綜上所述,現懇請尊敬的中級法院法官 閣下裁定上訴人的上訴理由成立,並裁定:
     1. 上訴人依據《民事訴訟法典》第599條對原審法院在事實方面之裁判提出之爭執理由成立,因而對原審法院就事實事宜所作之裁判變更如下:
     I. 獲證事實第z項中,關於上訴人對於該些車位一如所有權人公開管理及享益的期間,由1995年5月16日至不遲於2009年年中結束,改為裁定由1995年5月16日至不早於2010年6月24日結束;
     II. 獲證事實第p項、第q項、第r項、第s項、第v項及第w項中,關於原告對於該些車位的管理及享益期間,裁定於2018年12月結束;
     III. 獲證事實第w項,關於原告對該些車位一如真實及唯一所有權人公開地行事,應裁定其公開性不獲得證實。
     2. 因而應部分廢止被上訴判決,並裁定上訴人針對位於澳門......大馬路...-...號、......廣場...-...號、......路...-...號及......廣場...-...號,標示於澳門物業登記局號局B114號簿冊第184頁,標示編號為2****之物業,其中作停車場用途,地下Z座,標示為“ZR/C”的獨立單位中不可分割的10/262份額的善意占有已超逾15年,並宣告上訴人因取得時效而取得上述“ZR/C”獨立單位的10/262份額(對應該些車位)的因租賃批地而生的權利包括建築物所有權;
     3. 以及裁定原告針對位於澳門......大馬路...-...號、......廣場...-...號、......路...-...號及......廣場...-...號,標示於澳門物業登記局號局B114號簿冊第184頁,標示編號為2****之物業,其中作停車場用途,地下Z座,標示為“ZR/C”的獨立單位中不可分割的10/262份額(對應該些車位)的占有並非公然占有,且其占有已於2018年12月終止,從而裁定原告的單純占有該些車位的請求不成立;
     4. 針對上訴第1項第I點、第II點及第III點之請求,懇請中級法院根據《民事訴訟法典》第629條第3款之規定,再次調查現時載於卷宗之證據資料;但如法庭認為未具充分證據再次調查有關事實,則亦根據《民事訴訟法典》第629條第4款之規定,裁定發還並重新作出審理;
     5. 判處由兩名被上訴人承擔本案之訴訟費用。”

Ao recurso respondeu o autor nos seguintes termos conclusivos:
     “1. O recurso a que ora se responde tem por objecto a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo de 8 de Novembro de 2021 (a “Decisão Recorrida”), na parte em que i) declarou que o Autor, aqui Recorrido, possui de forma pública e pacífica há, pelo menos, 5 anos, 10/262 avos indivisos da fracção autónoma designada por “Z/RC”, do rés-do-chão “Z”, para estacionamento, do prédio urbano sito em Macau na Av. ...... n.º ... a ..., Alameda da ...... n.º ... a ..., Rua dos ...... n.º ... a ... e Praceta do ...... n.º ... a ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 2****, a fls. 184 do Livro B114, e ii) absolveu o Autor, ora Recorrido, e a Ré, do pedido formulado pelo Opoente, aqui Recorrente, nos termos melhor detalhados na Decisão Recorrida, alegando o Recorrente que a decisão em crise enferma de erro na apreciação da prova e respectiva aplicação do direito.
     2. Pese embora o maior respeito que nos merece opinião diversa, é firme convicção do Autor, ora Recorrido, que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece reparo, razão pela qual deverá a mesma ser mantida, está forçosamente condenado a não colher, dada a improcedência dos argumentos nele enunciados.
     3. Genericamente, a ora Recorrente fundamenta o seu recurso alegando que o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova, reclamando que a decisão da matéria de facto quanto aos quesitos w) e z) deveria ser reformulada, alegando ainda que a posse do Autor, ora Recorrido, findou em 2018, e, por fim, que, em todo o caso, a posse deste não era pública.
     4. Assim, quanto à duração das posses do Recorrente e do Recorrido, alega o Recorrente que a Sentença Recorrida padece de alegada errada apreciação da prova no que diz respeito à factualidade questionada nos quesitos 18º-A e 21º da base instrutória e dada como assente nas alíneas w) e z) da motivação de facto constante da Fundamentação da Decisão Recorrida.
     5. O percurso decisório do Tribunal a quo não é minimamente afectado com os argumentos avançados pelo Recorrente, que mais não são do que a manifestação da sua discordância com a conclusão do Tribunal a quo sobre o facto de que o Recorrido apenas ter utilizado e fruir os 10/262 avos da Fracção Autónoma correspondente aos dez lugares de estacionamento em causa até meados de 2009.
     6. O Recorrente recorre ao estatuído no artigo 1192º, n.º 1), alínea d) do Código Civil para defender que a sua posse não se perdeu em meados de 2009, mas sim em meados de 2010, mas o que é essencial chamar a atenção aqui, em primeiro lugar, é o reconhecimento, expresso, por parte do Recorrente de que perdeu a sua posse.
     7. Saliente-se, lateralmente, que praticamente todos os factos alegados pelo Opoente, ora Recorrente, e trazidos para o questionário foram dados como não provados, consequência de nula ou inexistente prova feita dos mesmos.
     8. Em particular, o Recorrente não logrou provar que incumbiu o Sr. D nem o Autor, ora Recorrido, para gerir em seu nome os respectivos parques de estacionamento, quer em 2008, quer em 2010, nem sequer que incumbiu efectivamente alguém para tal.
     9. Entretendo a realidade hipotética do Recorrente, dir-se-á que, da versão da história relatada pelo Opoente, ora Recorrente – totalmente descartada pelo Tribunal a quo pela total ausência de prova apresentada nos autos e, em concreto, na audiência de discussão e julgamento -, os únicos factos alegados que se revestem de relevância são os que dizem respeito, por um lado, à circunstância de o Recorrente se ter ausentado de Macau durante mais de 20 anos e, por outro lado, à circunstância de o alegado Sr. D em 2008 se ter ausentado de Macau.
     10. Os referidos factos alegados servem, pelo menos em termos indiciários, para sustentar que, pelo menos desde 2008 o Autor, ora Recorrente, deixou de praticar factos que sustentassem a posse presumida que detinha (e, realce-se, que não decorrida do facto de ser proprietário registado – alego que nunca sucedeu).
     11. Ao invés, perante a factualidade produzida, não restam dúvidas que o Recorrido, pelo menos a partir de 2009, já exercia poderes de facto sobre os 10/262 avos da Fracção Autónoma.
     12. De resto, as passagens transcritas pelo Recorrente em nada infirmam essa conclusão, pelo contrário confirmam o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo no sentido de que em meados de 2010 o Autor pagou todas as despesas de administração, de limpeza e outras, e que a sua reivindicação formal como possuidor dos parques ocorreu com a apresentação de documentação em meados de 2009.
     13. Por outro lado, e como decorre das passagens registadas em 06:20 – 09:20 do ficheiro Translator 1 (Recorded on 01-Jul-2021 at 11.49.05 (3F#FETLW03420319)), o facto de o Recorrido apenas ter pago, retroactivamente, as despesas de condomínio em 2010 justifica-se com o facto de, até então, a exigência de pagamento não ser uma realidade, apenas se tendo verificado o pagamento generalizado a partir de 2010.
     14. Ou seja, há grande probabilidade de que a posse do Autor, ora Recorrido, tenha acontecido em momento anterior a 2010, daí que o Tribunal a quo tenha concluído com uma expressão mais abrangente e indeterminada, mormente “pelo menos a pedir de 2010”.
     15. Nesta sede, será de refutar a conclusão do Recorrente a respeito de os actos de tentativa de pagamento e de pagamento das despesas de administração não serem idóneos para fazer perder a posse.
     16. Ora, não obstante ser o mesmo um indício fortíssimo de que quem pretende pagar as referidas despesas é possuidor, na verdade não é relevante para os presentes autos, pois, de facto, andou bem o Tribunal a quo ao determinar que o Recorrido obteve a posse pelo menos em meados de 2010, altura em que as despesas de administração foram pagas por este e, formalmente, este se viu possibilitado de praticar, de forma pública e pacífica, todos os actos e poderes de facto correspondentes ao direito de propriedade sobre os 10/262 avos da Fracção Autónoma.
     17. O facto de ser indiscutível, em face da prova produzida, que o Autor, ora Recorrido, adquiriu a posse, pelo menos, em 2010, torna desnecessário saber quando é que o Recorrente perdeu a sua, porquanto, mesmo considerando que a posse do Recorrente se manteve simultaneamente com a do Recorrido, essa simultaneidade apenas se verificou durante um ano, prazo estabelecido ex lege para que quem se considera esbulhado perante nova posse – contra a vontade do possuidor inicial – possa lançar mão dos meios de defesa da posse legalmente disponíveis.
     18. E a verdade é que o Recorrente nada fez, o que não é surpreendente se tivermos em conta que ele esteve ausente de Macau, desinteressando-se por tudo o que contendia com o Território, por mais de 20 anos, tal como este alegou.
     19. E, assim sendo, decorrido esse prazo sem que nada tenha sido feito, considera-se caducado o direito em causa, e extinta a posse anterior, conclusões suportadas pela doutrina e jurisprudência individualizada no corpo das contra-alegações.
     20. Assim, é com grande estupefacção que se constata a conclusão do Recorrente, no sentido de lhe ser reconhecido o direito a adquirir os 10/262 avos da Fracção Autónoma por via de usucapião pelo alegado decurso de 15 anos da sua posse entre 1995 e 2010, sendo totalmente ilógico, e verdadeiramente carecido de sentido jurídico, que o Opoente, ora Recorrente venha somar o prazo de caducidade para exercício do direito de defesa da posse esbulhada para, nessa senda, concluir que estavam verificados os requisitos da aquisição por usucapião e, assim, exigir a declaração de aquisição dos 10/262 avos da Fracção Autónoma, quando é manifesto e está provado que a posse que o Recorrente deteve em tempos – há mais de 10 anos atrás – já cessou e se encontra extinta, em detrimento da posse do Autor, ora Recorrido.
     21. Como é óbvio, não é possível haver duas posses incompatíveis, de sujeitos diferentes, sobre a mesma coisa – in casu, os parques de estacionamento correspondentes aos 10/262 avos da Fracção Autónoma objecto dos presentes autos – sendo de concluir que a existência de uma posse posterior a uma que, em teoria, pudesse conduzir à aquisição da propriedade por via de usucapião, tem a virtualidade de extinguir a anterior e, com isso, extinguir todos os direitos associados à mesma, nomeadamente o da aquisição por usucapião.
     22. Ou seja, o facto de a posse de que o Recorrente alega deter não ser actual – e que nem sequer resulta de ser proprietário -, isto é, ter já cessado (há mais de dez anos) em detrimento de outra posse de terceiro, essa sim, actual, desqualifica qualquer pretensão de aquisição de bens por via de usucapião por parte do anterior possuidor.
     23. De facto, ainda que o Tribunal ad quem venha entender que o Opoente, ora Recorrente, teve uma posse pública e pacífica de duração igual ou superior a 15 anos, e que isso significaria que estaria condições de, teoricamente, adquirir o direito a usucapir os 10/262 avos da Fracção Autónoma, a verdade é que essa posse não é actual (id est, já se extinguiu pelo menos a partir de 2010), pelo que da mesma não poderão agora serem extraídos quaisquer direitos para o possuidor anterior.
     24. Será caso para dizer que a errada apreciação da prova foi a feita pela Recorrente no presente recurso, pelo que, em suma, deverá o presente recurso ser, nesta parte, considerado totalmente improcedente e, nessa senda, ser mantida na integra a decisão recorrida, por inatacável e insusceptível de reparo.
     25. O segundo fundamento de recurso avançado pelo Recorrente prende-se com o alegado fim da posse do Recorrido em 2018, discordando, assim, do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo no sentido de reconhecer que o Autor, ora Recorrido, é possuidor, de forma pública e pacífica, dos 10/262 avos da Fracção Autónoma.
     26. Também relativamente a esta parte é firme a convicção do Recorrido que a Decisão Recorrida não é susceptível de ser posta em causa, devendo manter-se integralmente.
     27. Desde logo, haverá que salientar que este argumento em momento algum foi suscitado pelo Opoente, ora Recorrente, no decurso dos presentes autos.
     28. Com efeito, uma análise detalhada dos articulados apresentados por esta confirma, sem margem para dúvidas, que este jamais alegou qualquer facto que suporte a alegação de perda da posse por parte do Autor, aqui Recorrido.
     29. Ou seja, para todos os efeitos legais, a questão ora suscitada pelo Recorrente nunca foi abordada nos presentes autos, pelo que, em face do princípio da preclusão e da própria natureza e estrutura do recurso – que visa a reapreciação da decisão do Tribunal a quo e não o exame de factos novos – trata-se de questão nova levantada em sede de recurso não podendo, como tal, ser admitida.
     30. A doutrina e a jurisprudência são unânimes na conclusão de que a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina que este apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
     31. Ora, a verdade é que o ora Recorrente, nesta parte específica do seu recurso, alega matéria totalmente nova, nunca alegada por si ou brotada dos presente autos, para a qual convoca a sua apreciação, o que deverá ser rejeitado liminarmente.
     32. Assim, consubstanciando este fundamento matéria nova não anteriormente alegada ou suscitada nos presentes autos, estará o douto Tribunal ad quem impedido de se pronunciar sobre a mesma.
     33. Em todo o caso, recorde-se que a presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 1181º do Código Civil, relativamente ao Autor desde, pelo menos, 2010 em que se ancorou o Tribunal a quo não foi (nem poderia ter sido) elidida.
     34. Termos em que, pelas razões supra expendidas, terá também o presente fundamento de recurso formulado pelo Recorrente necessariamente de naufragar, devendo a sua improcedência ser declarada pelo douto Tribunal ad quem.
     35. Em todo o caso, na eventualidade de o Tribunal ad quem entender ser a matéria ora em discussão sindicável no âmbito do presente recurso – o que não se admite e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio – sempre se diga que a alegação adiantada pelo Recorrente é manifestamente infundada.
     36. Com efeito, todos os factos infirmam tal conclusão enunciada pelo Recorrente, nomeadamente a vastíssima prova documental apresentada nos presentes autos, e as declarações das testemunhas arroladas pelo Recorrido, toda ela devida e correctamente ponderada pelo Tribunal a quo no âmbito da audiência de discussão e julgamento.
     37. A este respeito, será conveniente recordar as conclusões do Tribunal a quo na resposta à matéria de facto que se seguiu à audiência de discussão e julgamento, onde afirmou que “quanto ao reconhecimento do autor como proprietário por parte de inquilinos, amigos, familiares e vizinhos (quesito 18º), foi unânime o depoimento muito espontâneo e convicto das seis primeiras testemunhas”.
     38. A própria versão do Opoente, aqui Recorrente – que não foi considerada provada, nem doutra forma poderia ter ocorrido, pela total e absoluta falta de elementos probatórios para suportar a sua tese – assenta no pressuposto do que este tinha conhecimento da utilização, rectius posse material e pública, dos 10/262 avos da Fracção Autónoma.
     39. E tal posse, note-se, não se extinguiu ou se perdeu pelo simples facto de, a partir dos inícios de 2019, a nova companhia de administração do Prédio onde se localizam os 10/262 avos da Fracção Autónoma ter impedido o Autor de continuar a explorar comercialmente os parques de estacionamento correspondentes aos 10/262 avos da Fracção Autónoma, por parte do Autor, ora Recorrido.
     40. Considerando os caracteres e noção da posse, a verdade é que, mesmo após 2019, o Autor, aqui Recorrido, continuou a praticar actos que a revelavam, nomeadamente utilizando ele próprio os parques de estacionamento a que correspondem os 10/242 avos da Fracção Autónoma objecto do presente recurso, instando a companhia de administração do Prédio a entregar-lhe os cartões e, perante as injustificadas recusas, lançando mão dos competentes meios de defesa, nomeadamente uma acção declarativa possessória de manutenção da posse.
     41. Ora, sendo certo que o Autor, ora Recorrido, cessou de arrendar os referidos parques de estacionamento, pela ilegítima recusa da administração do condomínio em lhe facultar os cartões de acesso, não é menos verdade que continuou a usufruir ele próprio dos mesmos ou a exercer poderes de facto sobre os mesmos, com permissão daquela mesma administração do condomínio.
     42. Donde resulta, assim, que o Autor jamais perdeu, em algum momento, quer o corpus, quer o animus da sua posse, sendo de realce referir que a utilização por parte do Autor, ora Recorrido, apenas se viu parcialmente impedida ou obstaculizada por parte dos actos de turbação desencadeados por uma postura injustificada por parte da companhia de administração do Prédio onde os 10/242 avos da Fracção Autónoma se situam.
     43. Mas estes actos de turbação ou esbulho não têm o condão, de per si, de fazer concluir pela perda da posse do Recorrida sobre os 10/242 avos da Fracção Autónoma, sobretudo porque tal perda ou cessação da posse com fundamento em esbulho não ser imediata, tendo o Recorrido reagido, com sucesso, contra a mesma e vindo a ser reconhecido como legítimo possuidor.
     44. Donde resulta, de forma inegável, que a posse do Autor, ora Recorrido, não só se mantém actual nos dias de hoje, como foi a mesma judicialmente reconhecida, caindo, assim, também as infundadas alegações do Recorrente, devendo, assim, concluir-se que a decisão do Tribunal a quo nesta sede não merece qualquer reparo, sendo declarado improcedente o recurso apresentado pelo Recorrente e mantida a Decisão Recorrida também nesta parte.
     45. Finalmente, quanto ao terceiro fundamento avançado pelo Recorrente, e que se prende com a existência de uma alegada posse oculta por parte do Recorrido, haverá também que referir que a decisão recorrida não é susceptível de ser posta em causa, devendo manter-se integralmente.
     46. Nesta sede, será conveniente recordar, a resposta do Tribunal a quo à matéria de facto controvertida e a Decisão Recorrida nesta sede, nos termos da qual se reconheceu unanimidade na publicidade da posse do Recorrido.
     47. Assim, haverá, desde logo, que refutar o argumento avançado pelo Opoente, ora Recorrente, de que a posse do Recorrido não poderia revestir-se de natureza pública porque não era conhecida dos interessados, nomeadamente, o próprio Recorrente, porquanto tal argumento, para além de ilógico, assenta numa premissa desprovida de verdade.
     48. Na verdade, o Recorrente sabia muito bem que o Autor, ora Recorrido, se encontrava a utilizar os 10/262 avos da Fracção Autónoma ora em crise e, em momento algum, nos mais de 10 anos anteriores suscitou qualquer irregularidade na utilização de tais poderes de facto conformes à posse do Recorrido.
     49. Ademais, nos termos do artigo 1186º do Código Civil, o conceito de posse pública faz referência à possibilidade de ser conhecida pelos interessados e não, como é óbvio, o efectivo conhecimento pelos interessados, ou seja, será pública a posse que seja idónea a ser conhecida ou identificável por quaisquer pessoas, designadamente quaisquer interessados. E tal cognoscibilidade não exige um contacto directo efectivo aos interessados, mas tão-somente que estes possam conhecer essa posse, se para tal tomarem as diligências adequadas.
     50. Essa possibilidade de conhecimento – e não o conhecimento em si mesmo – é que é o padrão da publicidade exigido pelo normativo em questão, tal como sustenta variada doutrina e jurisprudência, alguma dela exemplificativamente mobilizada supra no corpo das contra-alegações.
     51. Perante isto, não há como minimamente atender aos argumentos apresentados neste segmento do recurso do Recorrente, sendo totalmente descabido a sua conclusão de que o Recorrido nada fez para que o Recorrente conhecesse a posse daqueles lugares de estacionamento a que correspondem os 10/262 avos da Fracção Autónoma, sendo totalmente falsa tal alegação – porque na verdade o Recorrente tinha conhecimento de que o Recorrido possuía os 10/262 avos da Fracção Autónoma, sempre se reafirme que a conduta do Autor, ora Recorrido, foi sempre transparente, dando publicidade à sua posse a todos com quem contactou, sejam amigos, família, vizinhos, inquilinos ou conhecidos, sendo a mesma cognoscível a todos quanto o quisessem.
     52. Sucede que, tal como resultou provado nos presentes autos, não obstante o Recorrente saber da posse dos 10/262 avos da Fracção Autónoma por parte do Recorrido, aquele ausentou-se forma voluntária de Macau, manifestando total desinteresse sobre os 10/262 avos da Fracção Autónoma, pelo que não pode vir agora reclamar que desconhecia a posse do Recorrido sobre os 10/262 avos da Fracção Autónoma.
     53. E ainda mais descabida é a conclusão do Recorrente de que seria este – e não o Recorrido – o verdadeiro proprietário dos 10/262 avos da Fracção Autónoma, isto sem prejuízo de não ter conseguido provar um único facto que pudesse suportar a sua mirabolante e quimérica história.
     54. Pelo que, caem aqui também as alegações do Recorrente, totalmente infundadas, pelo que há de concluir-se que a decisão do Tribunal a quo nesta sede não merece qualquer reparo, devendo ser declarado improcedente o fundamento do Recorrente também nesta parte.
     Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência, ser mantida a decisão recorrida nos seus exactos e precisos termos.”
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Relativamente às quotas-partes correspondentes a 16/262 avos da fracção autónoma, destinada a estacionamento, designada por “ZR/C”, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 2****, a fls. 184 do Livro B114, sito em Macau na Av. ...... nºs ... a ..., Alameda da ...... nºs ... a ..., Rua dos ...... nºs ... a ... e Praceta do ...... nºs ... a ..., foi inscrito o direito resultante da concessão por arrendamento a favor da ré Companhia de Investimento Imobiliário B, Limitada sob a inscrição nº ****8, do Livro F36, conjugado com a inscrição nº ***2, do Livro F13M, conforme o documento a fls. 298 a 320 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido. (alínea A))
Os 16/262 avos da fracção autónoma referida em A. estão inscritos na matriz predial urbana sob o n.º ****1 com o valor matricial de MOP480.000,00, conforme o documento a fls. 36 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido. (alínea B))
Em 16 de Maio de 1995, a ré, na qualidade de promitente-vendedora, celebrou com F , na qualidade de promitente-comprador, 10 (dez) contratos-promessa de compra e venda, nos termos do qual aquela prometeu vender e este prometeu comprar os lugares de estacionamento identificados respectivamente nos ditos contratos como lugares nºs 24, 37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 e 58, correspondentes a 10/262 avos da fracção “ZR/C”, conforme os documentos a fls 37 a 46 os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos. (alínea C))
O F pagou à ré na totalidade os preços acordados nos contratos referidos em C. (alínea D))
A ré entregou ao F as respectivas chaves de acesso à fracção “ZR/C”. (alínea E))
Em finais de 1995, a ré, na qualidade de promitente-vendedora, celebrou com G, na qualidade de promitente-compradora, um contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual aquela prometeu vender e esta prometeu comprar o lugar de estacionamento identificado no dito contrato como lugar n.º 18, correspondente a 1/262 avos da fracção “ZR/C”, conforme o documento a fls. 47 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido. (alínea F))
A G pagou à ré na totalidade o preço acordado no contrato referido em F. (alínea G))
A ré entregou àG as respectivas chaves de acesso à fracção. (alínea H))
A cláusula 6ª dos contratos mencionados no ponto C dos factos assentes estabelece que: “A Parte B, caso alienar a fracção a terceiro antes de celebrar a escritura pública, deve cumprir as cláusulas estabelecidas no presente contrato, sendo as respectivas formalidades tratadas pela Parte A, e necessário de efectuar o pagamento das despesas de alienação.” (alínea I))
A ré nunca concordou com qualquer eventual cessão de posição nos contratos respeitantes aos lugares de estacionamento nºs 24, 37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 e 58, mencionados no ponto C dos factos assentes. (alínea J))
Em 3 de Janeiro de 2019, a ré publicou anúncio no Jornal Ou Mun, pedindo que o promitente-comprador, F, tratasse necessariamente das formalidades da escritura pública de compra e venda dos 10 lugares de estacionamento até 25 de Março de 2019. (alínea K))
Em 29 de Março de 2019, o autor intentou a presente acção. (alínea L))
Desde 16 de Maio de 1995, o F passou a ocupar os 10/262 avos da fracção “AR/C” (correspondentes aos referidos 10 lugares de estacionamento) e a comportar-se publicamente como verdadeiro e único proprietário dos mesmos, detendo-os e fruindo-os como tal. (Q1.º)
Desde finais de 1995, a G passou a ocupar 1/262 avos da fracção “ZR/C” (correspondente ao lugar de estacionamento n.º 18) e a comportar-se publicamente como verdadeira e única proprietária do mesmo, detendo-o e fruindo-o como tal. (Q5.º)
Em 5 de Dezembro de 2001, o autor celebrou um contrato de arrendamento por escrito relativo a 1/262 avos da fracção “ZR/C” (correspondente ao lugar de estacionamento n.º 18) com o H, conforme o documento a fls. 48 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido. (Q11.º)
Pelo menos, desde meados de 2010 o autor passou a dar de arrendamento, a diferentes inquilinos os lugares de estacionamento nºs 24, 37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 e 58. (Q12.º)
A partir de 2014 o autor celebrou contratos de arrendamento por escrito com diferentes inquilinos quanto aos lugares de estacionamento nºs 24, 37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 e 58. (Q13.º)
Desde, pelo menos, meados de 2010 o autor recebia as rendas devidas pelos inquilinos dos lugares de estacionamento nºs 24, 37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 e 58 que procediam ao seu pagamento através do depósito na conta bancária de que o autor era titular. (Q14.º)
Desde 2005, relativamente a 1/262 avos da fracção autónoma “ZR/C”, correspondentes ao lugar de estacionamento nº 18, e desde 2010, relativamente a 11/262 avos da mesma fracção, correspondentes aos lugares de estacionamento nºs 18, 24, 37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 e 58, o autor procedeu, a suas expensas, ao pagamento das despesas de condomínio e de todas as demais despesas relacionadas com o uso e fruição dos 11/262 avos da fracção “ZR/C”, correspondentes aos referidos 11 lugares de estacionamento, sendo que algumas das despesas pagas diziam respeito a datas anteriores à data do respectivo pagamento. (Q15.º)
Em 2014 e em 2016 o autor procedeu, a suas expensas, à realização de obras, nomeadamente à colocação de algumas coberturas na parte da fracção “ZR/C” correspondente aos referidos lugares de estacionamento com o nº 41, 44 e 49. (Q16.º)
O autor nunca pagou quaisquer rendas pela fruição e ocupação dos 11/262 avos da fracção “ZR/C”, correspondentes aos referidos 11 lugares de estacionamento. (Q17.º)
Desde data não apurada o autor tem sido sempre reconhecido como dono e legítimo proprietário dos 11/262 avos da fração “ZR/C”, correspondentes aos referidos 11 lugares de estacionamento, pelos seus inquilinos, amigos, familiares e alguns vizinhos. (Q18.º)
Pelo menos, desde 2005 relativamente ao lugar de estacionamento nº 18 e, pelo menos, desde meados de 2010 relativamente aos lugares de estacionamento nº 24, 37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 e 58, e até aos dias de hoje o autor tem vindo a comportar-se pubicamente como verdadeiro e único proprietário dos 11/262 avos da fracção “ZR/C” (correspondentes aos referidos 11 lugares de estacionamento), como tal tomando conta deles, os arrendando e recebendo a respectiva renda. (Q18.ºA)
Em 27 de Dezembro de 1995, o opoente, originalmente conhecido por F, alterou o seu nome para C . (Q19.º)
Em 16 de Maio de 1995, a ré entregou ao opoente os lugares de estacionamento nºs 24, 37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 e 58, mencionados no C) dos factos assentes. (Q20.º)
Desde 16 de Maio de 1995 até data não apurada, mas não posterior a meados de 2009, o opoente, gozava e utilizava, publicamente, os 10 referidos lugares de estacionamento, como sendo proprietário. (Q21.º)
O autor nunca pagou rendas ao opoente. (Q31.º)
No dia 10 de Maio de 2019, em Macau, o opoente pediu perante o autor a restituição imediata dos 10 referidos lugares de estacionamento, bem como todas as rendas correspondentes e respectivos recibos. (Q34.º)
*
O recorrente vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos quesitos 12º, 13º, 14º, 15º, 18º, 18º-A e 21º da base instrutória, com fundamento na suposta existência de erro na apreciação da prova.
O tribunal recorrido respondeu aos quesitos da seguinte forma:
Quesito 12º - “Quanto aos lugares de estacionamento nºs 24, 37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 e 58, desde meados de 1999, o autor passou a dar de arrendamento, por acordo verbal, a diferentes inquilinos?”, e a resposta foi: “Provado apenas que, pelo menos, desde meados de 2010 o autor passou a dar de arrendamento, a diferentes inquilinos os lugares de estacionamento nºs 24, 37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 e 58.”

Quesito 13º - “No fim de formalizar os arrendamentos no item anterior, o autor celebrou contratos de arrendamento por escrito com diferentes inquilinos?”, e a resposta foi: “Provado que a partir de 2014 o autor celebrou contratos de arrendamento por escrito com diferentes inquilinos quanto aos lugares de estacionamento nºs 24,37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 e 58.”

Quesito 14º - “Desde meados de 1999, o autor recebia as rendas devidas pelos respectivos inquilinos, que procediam ao seu pagamento através do depósito na conta bancária de que o autor era titular?”, e a resposta foi: “Provado que desde, pelo menos, meados de 2010 o autor recebia as rendas devidas pelos inquilinos dos lugares de estacionamento nºs 24, 37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 e 58 que procediam ao seu pagamento através do depósito na conta bancária de que o autor era titular.”

Quesito 15º - “Desde finais de 1998, o autor procedeu, e a suas expensas, ao pagamento das despesas de condomínio e de todas as demais despesas relacionadas com o uso e fruição dos 11/262 avos da fracção “ZR/C”, correspondentes aos referidos 11 lugares de estacionamento?”, e a resposta foi: “Provado que desde 2005, relativamente a 1/262 avos da fracção autónoma “ZR/C”, correspondentes ao lugar de estacionamento nº 18, e desde 2010, relativamente a 11/262 avos da mesma fracção, correspondentes aos lugares de estacionamento nºs 18, 24, 37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 e 58, o autor procedeu, a suas expensas, ao pagamento das despesas de condomínio e de todas as demais despesas relacionadas com o uso e fruição dos 11/262 avos da fracção “ZR/C”, correspondentes aos referidos 11 lugares de estacionamento, sendo que algumas das despesas pagas diziam respeito a datas anteriores à data do respectivo pagamento.”

Quesito 18º - “O autor é sempre reconhecido com dono e legítimo proprietário dos 11/262 avos da fração “ZR/C”, correspondentes aos referidos 11 lugares de estacionamento, pelos seus inquilinos, amigos, familiares e alguns vizinhos?”, e a resposta foi: “Provado que desde data não apurada o autor tem sido sempre reconhecido como dono e legítimo proprietário dos 11/262 avos da fração “ZR/C”, correspondentes aos referidos 11 lugares de estacionamento, pelos seus inquilinos, amigos, familiares e alguns vizinhos.”

Quesito 18º-A - “Desde finais de 1998 e até aos dias de hoje o autor tem vindo a comportar-se pubicamente como verdadeiro e único proprietário dos 11/262 avos da fracção “ZR/C” (correspondentes aos referidos 11 lugares de estacionamento), detendo-os e fruindo-os como tal?”, e a resposta foi: “Provado que, pelo menos, desde 2005 relativamente ao lugar de estacionamento nº 18 e, pelo menos, desde meados de 2010 relativamente aos lugares de estacionamento nº 24, 37, 41, 44, 47, 49, 55, 56, 57 e 58, e até aos dias de hoje o autor tem vindo a comportar-se pubicamente como verdadeiro e único proprietário dos 11/262 avos da fracção “ZR/C” (correspondentes aos referidos 11 lugares de estacionamento), como tal tomando conta deles, os arrendando e recebendo a respectiva renda.”

Quesito 21º - “Desde 16 de Maio de 1995 até à presente data, o opoente possuía, gozava e utilizava, publicamente, os 10 referidos lugares de estacionamento, como sendo proprietário?”, e a resposta foi: “Provado apenas que desde 16 de Maio de 1995 até data não apurada, mas não posterior a meados de 2009, o opoente, gozava e utilizava, publicamente, os 10 referidos lugares de estacionamento, como sendo proprietário.”

Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
Decidiu-se no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
A convicção do tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Assim, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova ou violação das regras de repartição do ónus da prova.
Vejamos por partes.
Pede o recorrente que a resposta ao quesito 21º seja alterada no sentido de que o opoente, ora recorrente, gozava e utilizava publicamente os 10 lugares de estacionamento, como sendo proprietário, até 24.6.2010 e não até meados de 2009 tal como se deu provado.
Entendeu o tribunal a quo não ser cognoscível em termos probatórios a situação de ocupação material dos referidos 10 lugares de estacionamento entre meados de 2009 e meados de 2010, por julgar que houve cessação da presunção de continuidade da posse material do opoente em meados de 2009 e começo de outra posse material do autor, ora recorrido, em meados de 2010.
No caso em apreço, é verdade que o opoente não logrou demonstrar a matéria por si alegada, no sentido de ter encarregado D de gerir os 10 lugares de estacionamento até 2008 nem depois, em 2010, ter encarregado o autor ora recorrido de gerir os mesmos.
Não há grande dúvida de que o autor só começou a exercer o poder de facto sobre os 10 lugares de estacionamento a partir de meados de 2010, nomeadamente quando passou a efectuar o pagamento das despesas de condomínio bem como a dá-los de arrendamento a diferentes inquilinos em meados de 2010.
Mas em relação ao opoente, será que deixou de ter a actuação material sobre aqueles 10 lugares de estacionamento a partir de meados de 2009 tal como ficou provado?
Face à prova produzida e à regra de repartição do ónus da prova, não assim entendemos.
É verdade que o opoente não logrou demonstrar que tinha incumbido D e o autor, respectivamente, de gerir os tais 10 lugares de estacionamento até 2008 ou depois de 2010.
Mas é facto provado que o opoente obteve a entrega daqueles 10 parques de estacionamento desde 16 de Maio de 1995 e desde então gozava e utilizava os mesmos publicamente como sendo proprietário.
E até quando? Decidiu a primeira instância que foi até meados de 2009, por considerar ilidida a presunção de continuação da posse, pela prova do contrário a que se reporta o artigo 343.º, n.º 2 do Código Civil.
Mais precisamente, decidiu-se nos seguintes termos:
“Perante esta situação probatória, designadamente a alegação do opoente e o depoimento da testemunha, o tribunal considerou ilidida a presunção de continuação da posse, pela prova do contrário a que se reporta o art. 343º, n.º 2 do C, pelo menos a partir de meados de 2009, altura em que o autor se terá apresentado munido das referidas cópias que a testemunha E colocou à consideração da administração do condomínio. É certo que a testemunha, na presença do documento de fls. 73, que lhe foi exibido em audiência, referiu que viu pela primeira vez autor em 2010, sendo que também assinou o documento de fls. 79 que data de 2005 e que acabou por afirmar que o autor se terá apresentado um ano antes da assinatura do documento de fls. 73 (Junho de 2010).
A forte divergência entre as partes colocou o tribunal perante fortes dúvidas que não foi possível remover com mais detalhe em face da debilidade da prova. Designadamente não se conseguiu esclarecer a situação dos dez lugares de estacionamento controvertidos pelo opoente durante o “hiato” entre a cessação da presunção de continuidade da posse material do opoente em meados de 2009 e o começo de outra posse material do autor em meados de 2010. Com efeito, cessando a presunção de continuação da posse pelo facto de o opoente ter dito e não ter provado que D cessou as sua gestão por volta de 2008 e pelo facto de haver indícios que o autor se terá apresentado em meados de 2009 perante os responsáveis de administração do condomínio intitulando-se “titular” dos referidos dez “lugares” e havendo apenas certeza de utilização pelo autor depois de ter sido “reconhecido” pelos referidos responsáveis em 2010, não é cognoscível em termos probatórios a situação de ocupação material dos referidos dez “lugares” entre meados de 2009 e meados de 2010.”

Ora bem, sem entrar na questão de direito, atenta apenas a apreciação da prova, consagra-se no n.º 2 do artigo 1181.º do Código Civil que se presume a posse continuar em nome de quem a começou.
Trata-se de presunção legal iuris tantum, a qual pode ser ilidida mediante prova em contrário, nos termos do n.º 2 do artigo 343.º do mesmo Código.
Observam Gil de Oliveira e Cândido de Pinho1, “presunções relativas ou “iuris tantum”: limitam-se a inverter o ónus da prova. Quem as tem a seu favor, escusa de provar o facto correspondente. Todavia, precisamente porque são relativas, dizem-se ilidíveis e podem ser afastadas mediante prova em contrário feita pela contra-parte.”
No caso dos autos, feita a prova de que o opoente obteve a entrega dos 10 lugares de estacionamente, e depois gozava e utilizava-os publicamente como sendo proprietário, está assim presumido que a posse continua em nome de quem a começou, ou seja, em nome do opoente ora recorrente.
Uma vez que há presunção de posse, não cabe ao opoente provar que continuou a exercer a posse daqueles lugares de estacionamento até determinada data, antes pelo contrário, compete aos contra-interessados, neste caso o autor ou a ré, a prova do contrário, isto é, estes têm o ónus de alegar e demonstrar que o opoente perdeu a posse ou deixou de a exercer a partir de determinada data.
E que prova foi feita pelos autor e ré?
Em primeiro lugar, entende o tribunal a quo que cessou a presunção de continuação de posse pelo facto de o opoente ter dito e não ter provado que D cessou a sua gestão por volta de 2008. Ora bem, tal como acima referido, presume-se que a posse continua em nome de quem a começou e não compete ao próprio possuidor, ora recorrente, ilidir essa presunção, antes é ao autor ou à ré que cabe o ónus da prova da perda da posse pelo recorrente.
Sendo assim, o primeiro argumento adoptado pelo tribunal a quo não pode proceder.
Em segundo lugar, refere ainda o tribunal a quo que cessou a presunção de continuação de posse por haver indícios que o autor ora recorrido se terá apresentado em meados de 2009 perante os responsáveis de administração do condomínio intitulando-se “titular” dos referidos 10 lugares de estacionamento, mas só havendo certeza de utilização pelo autor depois de ter sido reconhecido pelos referidos responsáveis em 2010. Ora bem, a prova produzida em audiência apenas vem indiciar que o autor se terá apresentado e munido de umas cópias junto da testemunha E, pessoa responsável pelo recebimento de despesas de condomínio, intitulando-se “titular” dos 10 lugares de estacionamento, tendo a tal testemunha colocado a questão à consideração da administração do condomínio. Admitiu ainda a mesma testemunha que cerca de um ano depois, ou seja, provavelmente em meados de 2010, o autor é que foi reconhecido pelos responsáveis da administração do condomínio e aceite o pagamento das respectivas despesas de condomínio.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, perante essa prova testemunhal ou demais produzidas no âmbito do processo, não vemos em que termos foi ilidida a presunção de continuação de posse do opoente.
Efectivamente, aquela testemunha apenas veio dizer que o autor se apresentou perante ele, provavelmente em meados de 2009, munido de umas cópias pedindo para pagar as despesas de condomínio, mas como a testemunha tinha dúvidas colocou a questão à consideração da administração do condomínio. Sinceramente, o tribunal a quo não considerou, e bem, que o tal acto praticado pelo autor em meados de 2009 constituia o exercício do poder de facto sobre os referidos 10 lugares de estacionamento, caso contrário dar-se-ia como provado que o autor tem vindo a comportar-se publicamente como verdadeiro e único proprietário dos 10 lugares de estacionamente desde meados de 2009, e não a partir de meados de 2010 tal como ficou provado.
Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 1192.º do Código Civil, o possuidor perde a posse pelo abandono, pela perda ou destruição material da coisa ou por esta ser posta fora do comércio, pela cedência ou pela posse de outrem. O mero facto de o autor se ter apresentado em meados de 2009, munido de umas cópias pedindo para pagar as despesas de condomínio, não constitui acto material correspondente ao exercício do direito. Ao que acrescerá o facto de que, segundo a prova documental apresentada pelo próprio autor e constante dos autos, para além de o autor ora recorrido só ter pago as despesas de condomínio em Junho de 2010, também começou a receber as alegadas rendas provenientes do arrendamento daqueles lugares de estacionamento a partir de Setembro de 2010, daí que, não havendo motivo para ilidir a presunção de continuação de posse exercida pelo opoente em meados de 2009, procedem as razões aduzidas pelo recorrente nesta parte, devendo a resposta ao quesito 21º da base instrutória ser alterada para o seguinte:
- “Desde 16 de Maio de 1995 até meados de 2010, o opoente gozava e utilizava, publicamente, os 10 referidos lugares de estacionamento, como sendo proprietário.”
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Vem ainda o opoente ora recorrente impugnar a resposta dada aos quesitos 12º, 13º, 14º, 15º, 18º e 18º-A da base instrutória, entendendo que deveria constar da resposta a esses quesitos o facto de que o autor perdeu o gozo e fruição dos referidos 10 lugares de estacionamento a partir de Dezembro de 2018.
Ora bem, tal como vem defendido pelo recorrido, e bem, trata-se de uma excepção que deveria ser alegada em sede própria, sob pena de preclusão.
Uma vez que não é lícito invocar no recurso questões que não tenham sido objecto de apreciação na sentença recorrida, a questão agora colocada pelo recorrente, com vista a obter os efeitos decorrentes da perda de posse do autor, não pode ser apreciada em sede de recurso.
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Finalmente, o recorrente impugna a resposta dada ao quesito 18º-A na parte respeitante à natureza pública da posse exercida pelo autor ora recorrido, entendendo que, como o recorrente não tinha conhecimento daquela situação de facto, não se deve dar como provado que o autor tem vindo a comportar-se publicamente como verdadeiro e único proprietário dos 10 lugares de estacionamento.
A nosso ver, julgamos não assistir razão ao recorrente quanto a esta parte.
Estabelece o artigo 1185.º, n.º 1 do Código Civil que “Posse é pública é a que foi adquirida ou se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados.”
No caso dos autos, mesmo que se considere não ter o opoente ora recorrente conhecimento efectivo da situação de facto reportada nos autos, tal podia ser conhecida por quaisquer pessoas, daí que, havendo essa possibilidade de conhecimento, a resposta dada ao quesito 18º-A não merece qualquer reparo, improcede o recurso nesta parte.
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Uma vez alterada a resposta dada ao quesito 21º, temos que reapreciar a pretensão invocada pelo opoente ora recorrente.
O opoente pretende o reconhecimento da aquisição por usucapião de 10/262 avos da fracção autónoma “ZR/C”.
In casu, provado está que o opoente gozava e utilizava, publicamente, os 10 referidos lugares de estacionamento da fracção autónoma “ZR/C”, como sendo proprietário desde 16 de Maio de 1995 até meados de 2010, a partir dessa data o autor ora recorrido passou a dar de arrendamento a diferentes inquilinos os referidos 10 lugares de estacionamento.
Atenta a circunstância de as despesas de condomínio daqueles 10 lugares de estacionamento serem pagas pelo autor ora recorrido, respectivamente, em 12.6.2010, 24.6.2010, 15.7.2010, 24.7.2010 e 3.8.2010, isto vem demonstrar que desde 16 de Maio de 1995 até, pelo menos, 11 de Junho de 2010, quem esteve a exercer o poder de facto sobre os referidos lugares de estacionamento era ainda o opoente, comportando-se publicamente como verdadeiro e único proprietário dos mesmos, detendo-os e fruindo-os como tal, desta forma podemos concluir que a posse do opoente ocorreu durante mais de 15 anos.
A posse invocada pelo opoente não é titulada nem registada, mas sendo de boa fé, pode ter lugar a usucapião no termo de 15 anos, ao abrigo do disposto no artigo 1221.º do Código Civil, como é o caso dos autos.
Decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28.9.2010, no âmbito do Processo n.º 239/08.0TBALB.C1, citado a título de direito comparado, que “A circunstância de os AA. já não serem possuidores do imóvel em litígio na data da propositura da acção não lhes retira legitimidade para invocarem a usucapião, se desde a perda da posse a favor de outrem não tiver decorrido um lapso de tempo suficiente para ter repercussões sobre o direito de propriedade.”
Ora bem, sufragando esse entendimento, a posse do autor não tem a virtualidade de impedir a aquisição originária do direito de propriedade invocado pelo opoente, se este já tiveram reunidos os pressupostos de usucapião no momento da perda da posse, salvo a posse do autor já durou o tempo suficiente para conduzir a aquisição originária, nesse caso, extinguirá o direito do opoente.
Por tudo quanto deixou exposto, concede-se parcial provimento ao recurso interposto pelo opoente ora recorrente C, declarando-se que o mesmo adquiriu, por usucapião, 10/262 avos do direito inscrito no Registo Predial a favor da ré Companhia de Investimento Imobiliário B, Limitada, resultante da concessão por arrendamento, incluindo a propriedade da construção, relativo à fracção autónoma designada por “ZR/C” do rés-do-chão “Z”, para estacionamento, do prédio urbano sito em Macau na Avenida ...... n.º ... a ..., Alameda da ...... n.º ... a ..., Rua dos ...... nº ... a ... e Praceta do ...... n.º ... a ..., descrito na Conservatória do Registo predial de Macau sob o n.º 2****, a fls. 184 do Livro B114.
Como esta decisão não é incompatível, em termos processuais, com a decisão em que se declarou que o autor ora recorrido possui de forma pública e pacífica há, pelo menos, cinco anos, 10/262 avos da fracção autónoma “ZR/C”, há-de manter a sentença recorrida no demais.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo opoente C e, em consequência:
- julga improcedente a impugnação da matéria de facto vertida na resposta aos quesitos 12º, 13º, 14º, 15º, 18º e 18º-A da base instrutória;
- julga procedente a impugnação da matéria de facto vertida na resposta ao quesito 21º da base instrutória, alterando a resposta para o seguinte: “Desde 16 de Maio de 1995 até meados de 2010, o opoente gozava e utilizava, publicamente, os 10 referidos lugares de estacionamento, como sendo proprietário.”;
- revoga a sentença recorrida na parte em que absolveu o autor A e a ré Companhia de Investimento Imobiliário B, Limitada do pedido formulado pelo opoente e, por conseguinte, declara que o mesmo adquiriu, por usucapião, 10/262 avos do direito inscrito no Registo Predial a favor da ré Companhia de Investimento Imobiliário B, Limitada, resultante da concessão por arrendamento, incluindo a propriedade da construção, relativo à fracção autónoma designada por “ZR/C” do rés-do-chão “Z”, para estacionamento, do prédio urbano sito em Macau na Avenida ...... n.º ... a ..., Alameda da ...... n.º ... a ..., Rua dos ...... nº ... a ... e Praceta do ...... n.º ... a ..., descrito na Conservatória do Registo predial de Macau sob o n.º 2****, a fls. 184 do Livro B114.
Em tudo o mais, mantém-se o decidido.
Custas, nesta instância, pelo autor e opoente, na proporção de 3/4 e 1/4, respectivamente.
Quanto às custas, na primeira instância, relativas à oposição, são da responsabilidade do autor e da ré, na proporção de metade para cada um.
Admite-se a junção da certidão apresentada em 23.9.2022 pelo recorrido, cuja cópia foi junta como documento n.º 1 nas contra-alegações de recurso.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 9 de Fevereiro de 2023

Tong Hio Fong
(Relator)

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Primeiro Juiz-Adjunto)

Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, Volume V, CFJJ, 2018, página 222
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Recurso cível 599/2022 Página 25