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Processo nº 670/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 9 de Fevereiro de 2023

ASSUNTO:
- Revogação do contrato de arrendamento por acordo das partes
- Despejo
- Falta de pagamento de rendas
- Indemnização
- Erro na decisão da matéria de facto

SUMÁRIO:
- Para que se pudesse concluir pela existência de acordo de revogação do contrato nos termos do nº 3 do artº 1016º do C.Civ. pelo menos haveria o locador de ter aceite a restituição ou ter-se demonstrado que esse acordo havia sido celebrado;
- Nos termos do artº 996º do C.Civ. o locador pode optar por uma de duas soluções:
1. Pedir a condenação do locatário no pagamento das rendas vencidas e respectiva indemnização mantendo o contrato em vigor,
OU
2. Pedir a resolução do contrato e o despejo por falta de pagamento de rendas e a condenação no pagamento das rendas devidas;
- Resolvido o contrato por falta de pagamento de rendas nos termos do artº 996º nº 1, 1017º nº 2, 1034º al. a) do C.Civ. não há lugar ao pagamento da indemnização pela falta de pagamento de rendas;
- O tribunal apenas pode dar como provados os factos invocados pelas partes – artº 5º e 567º do CPC -.


____________________
Rui Pereira Ribeiro












Processo nº 670/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 9 de Fevereiro de 2023
Recorrentes: A Dailys (Recurso Principal)
Sociedade de Investimento Imobiliário B S.A. (Recurso Subordinado)
Recorridos: Os Mesmos
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  Sociedade de Investimento Imobiliário B S.A., com os demais sinais dos autos,
  vem instaurar acção de despejo contra
  A Dailys
  Pedindo:
1. Resolução do contrato celebrado entre a Autora e a Ré, relativo ao arrendamento da fracção autónoma “X**” do Finance and IT Center of Macau, sita em Macau, na Travessa Sul da Praia Grande nºs 14 a 32, na Avenida Doutro Mário Soares, n.ºs 300 a 322 e na Avenida Comercial de Macau, n.ºs 26 a 121, destinada a escritório;
2. Ordenação de desocupação da Ré da supracitada fracção arrendada, bem como desocupação de todas as pessoas ou bens eventualmente existentes na fracção e restituição da fracçao à Autora no estado em que originalmente se encontrava no arrendamento;
3. Condenação da Ré a pagar à Autora as rendas vencidas, no valor total de HK$137.280,00 (HK$34.320X4=HK$137.280,00), equivalente a MOP141.604,32, bem como as rendas vencendas até à data da restituição efectiva da fracção, acrescidas dos juros de mora, vencidos ou vencendos à taxa anual de 11,75%, até seu efectivo e integral pagamento;
4. E caso a Ré não queira resolver o supracitado contrato de arrendamento, pede-se a condenação da Ré ao pagamento das rendas já vencidas no valor de HK$137.280,00 (HK$34.320X4=HK$137.280,00), equivalente a MOP141.604,32, bem como ao pagamento da indemnização no valor de HK$120.120,00 (HK$34.320X3+HK$34.320X1/2=HK$120.120), totalizando HK$257.400,00, equivalente a MOP265.508,10, bem como das rendas vencendas até à data da restituição efectiva da fracção, acrescidas dos juros de mora, vencidos ou vencendos à taxa anual de 11,75%, até seu efectivo e integral pagamento;
5. Caso a Ré não pague as rendas já vencidas nem as deposite, pede-se que seja ordenado o despejo imediato e;
6. Proferida a decisão de despejo contra a Ré e ordenada a mesma a restituir a supracitada fracação à Autora e;
7. Condenada a Ré ao pagamento à Autora das rendas vencendas e dos juros legais resultantes desde a presente acção até à desocupação efectiva e;
8. Condenada a Ré ao pagamento das custas judiciais e dos honorários resultantes da presente acção.
  Proferida sentença, foi:
1. declarado que o contrato de arrendamento celebrado em 20 de Outubro de 2020 entre a Autora SOCIEDADE DE INVESTIMETO IMOBILIÁRIO B, S.A. a Ré A Dailys, relativo à fracção autónoma “X**” do Finance and IT Center of Macau, sito em Macau, na Travessa Sul da Praia Grande nºs 14 a 32, na Avenida Doutro Mário Soares, n.ºs 300 a 322 e na Avenida Comercial de Macau, n.ºs 26 a 121, destinada a escritório, ficou revogado em 27 de Setembro de 2021, através da devolução e recepção da coisa locada;
2. a Ré condenada a pagar à Autora quatro meses das rendas já vencidas, contadas desde 20 de Fevereiro de 2021 até 19 de Junho de 2021 no valor total de HK$137.280,00, equivalente a MOP141.604,32, acrescidas dos juros de mora, contados à taxa anual de 11,75%, desde a data de vencimento de cada renda, até seu efectivo e integral pagamento;
3. a Ré condenada a pagar à Autora a indemnização pelo atraso no pagamento das rendas desde 20 de Fevereiro de 2021 até 19 de Junho de 2021, no valor total de HK$51.480,00, equivalente a MOP53.101,62, acrescida dos juros de mora, contados à taxa anual de 11,75%, desde a data de prolação da sentença até seu efectivo e integral pagamento;
4. Quanto às rendas já vencidas desde 20 de Junho de 2021 até 27 de Setembro de 2021 (calculadas conforme a quantia fixada entre a Autora e a Ré), aguarda-se a respectiva quantia para ser liquidada na execução.
  Não se conformando com a decisão proferida veio a Ré interpor recurso da sentença proferida quanto à condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pelo pagamento das rendas em atraso e por não se ter considerado no cômputo da indemnização o valor da caução pago, apresentando as seguintes conclusões de recurso e pedido:
A. Em 20 de Outubro de 2020, foi celebrado entre a Autora e a Ré um contrato de arrendamento da fracção autónoma “X**”, no edifício “Finance and IT Center of Macau”, pelo prazo de cinco anos, com uma renda mensal de HKD$34,320.00 (trinta e quatro mil trezentos e vinte Dólares de Hong Kong), a pagar no dia 1 de cada mês, através de transferência bancária ou de cheque (cfr. contrato de arrendamento, a fls. 69 a 75, dos autos).
B. Em 28 de Junho de -2021 foi intentada acção e pedido pela Autora a resolução do contrato per não pagamento das rendas referentes aos meses de Março, Abril, Maio e Junho desse mesmo ano.
C. Em 17 de Setembro de 2021 a Ré citada, veio de imediato, logo a 27 de Setembro; depositar as duas rendas mensais em falta, relativas aos meses de Maio e Junho, no valor de HKD$68,640.00 (HKD$34,320.00 X 2), equivalente a MOP$70,802.16, (setenta mil oitocentas e duas patacas e dezasseis avos).
D. Por entender que as restantes duas rendas em falta, relativas aos meses de Março e Abril, estariam pagas através da caução prestada em 20 de Outubro de 2020, aquando da assinatura do contrato de arrendamento, correspondente a duas rendas, aliás, como acordado verbalmente e vertido no artigo 4.º da contestação.
E. Acontece que a douta sentença do Tribunal a quo não deu como provado o citado acordo e decidiu que o contrato de arrendamento, apenas, foi tacitamente revogado, a partir de 27 de Setembro de 2021, ao abrigo do n.º 3, do artigo 1016.º do Código Civil.
F. Conforme e bem alega o Tribunal a quo, a interposição da acção pela Autora, em 28 de Junho de 2021, pedindo a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas e o facto de não ter aceitado a entrega das chaves do locado, em 27 de Setembro de 2021, consubstancia um “ventre contra factum proprium”, isto é uma contradição, tanto mais que este factum proprium da Autora foi susceptível de criar na Ré a convicção de que o contrato se extinguira.
G. Aliás, o envio pela Autora de carta, em 7 de Abril de 2021, a exigir o pagamento das rendas vencidas de Março e Abril, no prazo de 10 dias, sob pena de avançar judicialmente nos termos da alínea a) do artigo 1034.º do Código Civil, já tinha criado esse estado de espírito na Ré (cfr. doc. 6, carta junta aos autos pela Autora com a Petição Inicial).
H. Porém, o Tribunal a quo, ao qualificar juridicamente os factos que ocorreram como operando uma revogação tácita do contrato de arrendamento, não os subsumindo no regime da revogação por acordo das partes, dá como susceptível de indemnização, a mora do locatário, ao abrigo do n.º 1, do artigo 996.º.
I. Desta forma, o Tribunal a quo julgou incorrectamente a presente situação, por violação de lei por erro de direito uma vez que a declaração, mesmo tácita, manifesta a vontade as partes de pôr termo ao contrato, fazendo-cessar os seus efeitos jurídicos, razão pela qual, não tendo sido acordado in casu qualquer compensação indemnizatória a mesma não é susceptível de ser aplicada ao abrigo da citada norma (cfr. Acórdão de 17 de Janeiro de 2002, Processo n.º 79/2000, do T.S.I.).
J. Tal permite-nos concluir que o Tribunal a quo ao condenar a Ré, ora Recorrente, em pagamento indemnizatório fê-lo com violação da lei, o que-integra o vício de erro de direito e implica a nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n.º1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil.
K. Mais, in casu não podemos olvidar que a douta sentença decidiu que ocorreu a revogação tácita do contrato de arrendamento, que constitui figura jurídica diversa da resolução do contrato, conforme pedido formulado pela Autora daí que, a existir qualquer obrigação de indemnizar, seria com base na aplicação do regime da revogação por acordo entre as partes, previsto no artigo 1016º, conjugado, com o preceituado, quanto à perfeição da declaração negocial, nos artigos 216.º e seguintes, todos do Código Civil, mas nunca no regime da resolução do contrato de arrendamento, como decretou o Tribunal a quo.
L. Tanto mais que a Autora peticionou que se declarasse resolvido o contrato de arrendamento celebrado com a Ré com base no incumprimento desta, por mora, manifestando claramente a vontade da sua extinção, observando para o efeito, o regime estatuído nos artigos 1017.º e segs do Código Civil;
M. Aliás, a Autora sustenta o pedido invocando que o não pagamento das rendas dos meses de Março, Abril, Maio e Junho por parte da Ré, a constituiu no direito de resolver o contrato ao abrigo da alínea a) do artigo 1034.º, do Código Civil, sendo irrelevante o pedido formulado pela mesma no ponto IV da petição inicial, por resultar sempre da lei, designadamente, do artigo 1019.º do Código Civil, a necessidade de manutenção da vigência do contrato, caso fosse essa a intenção e a Ré, para o efeito, efectuasse o pagamento das rendas em falta, bem como, da respectiva indemnização.
N. A Ré, por seu turno aludiu à cessação do contrato por revogação real, alegando que tinha verbalmente acordado com a Autora em 8 de Junho de 2021, a entrega do locado em finais de Junho de 2021, não sendo sua intenção que o mesmo subsistisse e sempre acreditou que estaria extinto desde essa altura.
O. Acontece que, da factualidade provada resulta que o contrato de arrendamento cessou por via da revogação tácita mas, apenas, em 27 de Setembro de 2021, assistindo assim à Autora, somente o direito ao recebimento das quantias relativas às rendas que se venceram até essa data, tento mais que não foi- acordada qualquer cláusula compensatória tendo-lhe, inclusive, já sido restituído o imóvel e por si aceite.
P. Concluindo, merece censura, parte da douta sentença proferida-pelo Tribunal a quo, quando, decidindo pela cessação do contrato de arrendamento em 27 de Setembro de 2021 por revogação tácita, nos termos conjugados da alínea a) do n.º 1, do artigo 1013.º com o n.º 3, do artigo 1016.º, ambos, do Código Civil, vem por erro de direito decretar a aplicação da indemnização, totalizando o valor de MOP$123,903.78 (cento e vinte e três mil novecentas e tês patacas e setenta e oito cêntimos), ao abrigo do n.º 1, do artigo 996.º do Código Civil.
Q. E, também merece censura, consubstanciando erro na apreciação da prova, não ter na douta sentença sido considerada a dedução no cômputo do montante que a Ré foi condenada a pagar à Autora, o depósito da caução prestada por aquela aquando da assinatura do contrato de arrendamento, em 20 de Outubro de 2020, tanto mais que o Tribunal a quo entendeu que a Ré em 27 de Setembro de 2021, fez a entrega do locado e que a Autora aceitou a sua restituição, consequentemente, esta deixou de ter o direito de reter esse valor, correspondente a duas rendas, no montante de HKD$68,640.00 (HKD$34,320.00 X 2), equivalente a MOP$70,802.16 (setenta mil oitocentas e duas patacas e dezasseis avos) (cfr. artigo 6.º do contrato de arrendamento, a fls. 70 dos autos e douta sentença pago 237 verso, dos autos).
TERMOS EM QUE, nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, se requer que seja dado provimento ao presente recurso, proferindo-se decisão que, conhecendo os vícios alegados, nos termos das alíneas c) e d) do n,º 1 do artigo 571.º, do Código de Processo Civil, revogue a parte da douta sentença que:
-Por erro de direito decidiu, havendo revogação tácita do contrato de arrendamento, decretar a aplicação de indemnização por mora, nos termos do n.º 1, do artigo 996.º do Código Civil;
E,
- Por erro na apreciação da prova, não deduziu o valor da caução prestada e na posse da Autora, do cômputo do montante-que a Ré foi condenada a pagar-lhe, só assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!
  Pela Autora e Recorrida foi apresentado recurso subordinado com as seguintes conclusões e pedido:
1. No recurso subordinado, a recorrente (Autora) considera que há erro na aplicação da lei o que a sentença recorrida deu como provado que “o acto de a Ré ter tentado devolver as chaves da fracção arrendada à C物業管理有限公司e o acto desta de se ter recusado a recebê-las, igualmente devem produzir efeitos à Autora, ao abrigo do art.º 261.º, n.º2 do Código Civil”.
2. Considera a recorrente (Autora) que, na celebração do contrato de arrendamento, a Ré já sabia bem que o contrato de arrendamento e o contrato de gestão da despesa de condomínio foram celebrados entre ela e a proprietária Sociedade de Investimento Imobiliário B, S.A., bem como trabalhadores da C物業管理有限公司 também lhe disseram que só a proprietária quem tem o poder de rescindir o contrato de arrendamento e que deve ser formulado requerimento por escrito junto da proprietária para pedir a cessação do contrato de arrendamento, pelo que não é possível que pessoas em geral vão considerar ou entender que a companhia de gestão de propriedade (C物業管理有限公司) tem o poder para, em representação da Autora, resolver o respectivo contrato de arrendamento, e consequentemente não há margem para que seja aplicável o art.º 261.º, n.º2 do Código Civil, de modo que possam produzir os devidos efeitos à Autora, o acto de a Ré devolver as chaves à C物業管理有限公司, e o acto de esta se recusar a recebê-las. (vd. art.ºs 6.º a 15.º da alegação do recurso)
3. Além disso, o que indica a sentença recorrida que desde 28 de Junho de 2021, a Ré já não tinha intenção de procurar os interesses provenientes do contrato de arrendamento devido à sua manutenção contínua, evidentemente é um errado entendimento sobre o pedido da Autora na petição inicial.
4. Uma vez que, há vários pedidos na petição inicial da recorrente (vd. o conteúdo dos pedidos), mas não há só um pedido de resolução do contrato de arrendamento.
5. Tendo a recorrente (Autora), em 28 de Junho de 2021, intentado a acção junto do Tribunal, a fim de resolver o conflito sobre o arrendamento com a Ré e lhe exigir que procedesse ao tratamento adequado, sendo isso um dos pedidos (ou seja o 4.º pedido): caso a Ré não queira resolver o supracitado contrato de arrendamento, pede-se a condenação da Ré ao pagamento das rendas já vencidas e da indemnização..
6. Pelo que, não foi o que a Autora desde 28 de Junho de 2021 já não tinha intenção de procurar os interesses provenientes do contrato de arrendamento devido à sua manutenção contínua, mas, na verdade, a Autora tinha vontade de cumprir continuamente o contrato de arrendamento, desde que a Ré tivesse intenção do cumprimento do contrato celebrado por ambas as partes, pelo que não existe o “venire contra factam proprium” indicado pelo Tribunal. (vd. art.ºs 16.º a 32.º da alegação do recurso)
7. Além disso, o conteúdo do facto n.º13 dado como provado pela sentença recorrida, evidentemente violou o princípio dispositivo previsto no art.º 567.º do Código de Processo Civil, conjugado com o art.º 5.º do mesmo código, que o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, pelo que a recorrente considera que há apreciação excessiva de facto por parte do Tribunal a quo. (vd. art.ºs 26.º a 29.º da alegação do recurso)
8. Uma vez que a Ré, na contestação por si apresentada em 29 de Setembro de 2021, não alegou o facto de ela ter incumbido o seu trabalhador de entregar as chaves à C物業管理有限公司.
9. Mesmo que a Ré tenha requerido, em 18 de Janeiro de 2022, o facto superveniente de ter devolvido à Autora as chaves da coisa locada em causa, através do envio por correios feito pelo seu trabalhador, tal pedido foi rejeitado pelo Tribunal a quo, nos termos do art.º 425.º, n.º2 do Código de Processo Civil, por não ter sido apresentado tempestivamente. (vd. fls. 184 dos autos)
10. Pelo que o que a sentença recorrida deu como provado o facto provado n.º13, evidentemente, violou o princípio dispositivo previsto no art.º 567.º do Código de Processo Civil, conjugado com o art.º 5.º do mesmo código, que o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, pelo que deve o facto provado n.º13 da sentença recorrida ser revogado, devendo, em vez disso, ser considerado inexistente ou não dado como provado.
Pelo acima exposto e nos termos dos fundamentos de facto e de direito, pede-se a V. Ex.as que se dignem julgar procedente o presente recurso, revogando a parte da sentença a quo relativa à revogação do contrato de arrendamento da fracção autónoma “X**” em 27 de Setembro de 2021, através da devolução e recepção da coisa locada (vd. fls. 238 dos autos), e em vez disso, julgando que o contrato de arrendamento da fracção autónoma “X**” ficou revogado na data de prolação da sentença recorrida (em 9 de Março de 2022), condenando a Ré ao pagar as rendas já vencidas e indemnização, contadas até à data de prolação da sentença recorrida (em 9 de Março de 2022), acrescidas dos juros em mora calculados à taxa anual de 11,75% desde a data de prolação da sentença recorrida e dos honorários, Caso assim não se entendam, pede-se subsidiariamente que seja julgado que o contrato de arrendamento da fracção autónoma “X**” ficou revogado na data de devolução das chaves ao Tribunal (em 16 de Fevereiro de 2022) e condenada a Ré no pagamento das rendas já vencidas, indemnização e juros em mora, contadas até 16 de Fevereiro de 2022, acrescidas dos juros de mora calculados desde a data de prolação da sentença recorrida, à taxa anual de 11,75% e dos honorários.
  
  Contra-alegando veio a Autora/Recorrida apresentar as seguintes conclusões contra o Recurso Principal:
➢ Quanto à errada aplicação do art.º 996.º, n.1 do Código Civil
1.º
  Quanto ao conteúdo do recurso relativo a esta parte, a recorrente mostrou o seu ponto de vista diferente da decisão da matéria de facto do Tribunal a quo, considerando que o Tribunal a quo erradamente aplicou o art.º 996.º, n.º1 do Código Civil, por ter condenado a recorrente ao pagar a indemnização indevida, isto quer dizer, a recorrente pretende, através do presente recurso, desafiar o Tribunal a quo sobre a aplicação da lei.
2.º
  Em primeiro lugar, nos termos do art.º 996.º, n.º1 do Código Civil, nele se estipula expressamente: “Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a metade do montante que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento; se o atraso exceder 30 dias, a indemnização referida é aumentada para o dobro.” (sublinhado nosso)
3.º
  Basta fazer uma interpretação contrária da supracitada disposição legal, podemos retirar que, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento das rendas, caso contrário, pode o senhorio, em qualquer situação, ter o direito de exigir ao locatário o pagamento da indemnização prevista no art.º 996.º, n.º1 do Código Civil, mesmo que o contrato de arrendamento tenha sido revogado tacitamente, ainda pode o senhorio exigir ao locatário o pagamento da indemnização.
4.º
  Tendo o Tribunal a quo, também se baseado na respectiva disposição do Código Civil e indicado na sua decisão perspicaz que:
  “(…) Se o contrato de arrendamento for cessado pela forma prevista no art.º 1016.º, n.º3 do CC, tal cessação não pertence à exclusão da indemnização acima indicada (…)”.
5.º
  Pelo que, a recorrida considera que, como o atraso no pagamento das rendas de Março a Maio de 2021 por parte da recorrente já excede 30 dias, tem o direito a receber o dobro da renda a título de indemnização, bem como, o atraso no pagamento da renda de Junho de 2021 excede 8 dias, a recorrida também tem o direito de receber metade da renda de Junho, a título de indemnização, quantias essas correspondentes a MOP106.203,24 e MOP17.700,54, respectivamente. Pelo que, é correcto o conteúdo da decisão tomada pelo Tribunal a quo sobre essa parte.
➢ Erro notório na apreciação da prova por não se ter reduzido propriamente o sinal que corresponde a dois meses de renda já pago à recorrida pela recorrente em 20 de Outubro de 2020, na celebração do contrato de arrendamento
6.º
  Segundo a cláusula 7.ª, n.º1 do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, pode-se saber que: “No termo do contrato (…) restitui-se o sinal sem juros ao locatário e entrega-se ao endereço por si indicado no prazo de 30 dias, depois de o locatário ter pago todos os montantes em dívida (prevalece o mais atrasado).”
7.º
  Quer dizer, caso a recorrente queira retomar o sinal, deve efectuar o pagamento de todos os montantes em dívida, e só depois disso há margem para a discussão. Contudo, segundo o facto provado n.º10 da sentença a quo, pode-se saber que: “Desde 20 de Fevereiro de 2021, a Ré começou a não pagar à Autora a renda fixada no contrato.”
8.º
  Pelo que, perante a situação em que a recorrente violou gravemente as cláusulas contratuais fixadas por ambas as partes sem cumprir totalmente o dever de pagamento das rendas na qualidade de locatária, de maneira nenhuma, a recorrente não tem o direito de exigir à recorrida a restituição do sinal que corresponde a dois meses de renda.
9.º
  Pelo que, a recorrida considera que o Tribunal a quo não necessita de proceder à redução do sinal que corresponde a dois meses de renda, dos montantes que a recorrente foi condenada a pagar necessariamente, assim sendo, quanto a esta parte, é totalmente correcto o conteúdo da decisão do Tribunal a quo, devendo ser sustentado.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
  Havendo sido interposto recurso da decisão proferida e recurso subordinado, pese embora este último verse sobre a matéria de facto é por aquele – recurso principal que urge conhecer primeiro.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS
  
  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A Autora é proprietária da fracção autónoma “X**” do Finance and IT Center of Macau, sita em Macau, na Travessa Sul da Praia Grande nºs 14 a 32, na Avenida Doutro Mário Soares, n.ºs 300 a 322 e na Avenida Comercial de Macau, n.ºs 26 a 121, destinada a escritório. Tal propriedade encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número 2**** e inscrito na matriz predial sob o número 7****, daqui em diante designada como “fracção”.
2. Em 20 de Outubro de 2020, a Autora deu de arrendamento à Ré a supracitada fracção, tendo ambas as partes celebrado um contrato de arrendamento, daqui em diante designado como “contrato”. (vd. fls. 69 a 75 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
3. Segundo a cláusula 4.ª do contrato de arrendamento, o contrato foi celebrado pelo prazo de 5 anos, contado a partir de 20 de Outubro de 2020 até 19 de Outubro de 2025.
4. Segundo a cláusula 2.ª do contrato, a Autora deu de arrendamento à Ré a supracitada fracção destinada a escritório ou à finalidade respeitante a escritório.
5. Segundo o n.º1 da cláusula 5.ª do contrato, a renda mensal é de HK$34.320,00, equivalente a MOP35.401,08.
6. Segundo o n.º4 da cláusula 5.ª do contrato, deve a Ré, no dia 1 de cada mês, depositar a renda na conta da Autora em dólares de Hong Kong, do Banco Industrial e Comercial da China (Macau), Lda. n.º0119-1002-00-*******-36, ou na conta em pataca n.º0119-1002-00-*******-60, tituladas também pela Sociedade de Investimento Imobiliário B, S.A., ou passar um cheque a favor da mesma sociedade para o pagamento da renda.
7. Segundo o n.º2 da cláusula 5.ª e o n.º2 da cláusula 8.ª do contrato, a supracitada renda não conta ou inclui a despesa de condomínio, e no pagamento da renda mensal, deve a Ré pagar cumulativamente à Autora a despesa de condomínio.
8. No dia em que foi celebrado o supracitado contrato de arrendamento, a Autora e a Ré também celebraram um contrato da despesa de condomínio, daqui em diante designado como “contrato de condomínio”. (vd. fls. 77 a 83 dos autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos)
9. Segundo a cláusula 1.ª do contrato de condomínio, tendo a Autora e a Ré concordado que o serviço de gestão foi prestado pela companhia C物業管理有限公司(“Companhia de gestão de propriedade C, Lda.”) designada pela Autora.
10. Desde 20 de Fevereiro de 2021, a Ré começou a não pagar à Autora a renda fixada no contrato.
11. Quanto à falta de pagamento das rendas e do condomínio, bem como à outra matéria respeitante ao contrato de arrendamento (não incluindo a decisão de celebração do contrato de arrendamento e de resolução do contrato), a Autora incumbiu a companhia C物業管理有限公司 de tratar, e através do auxílio feito pelo pessoal desta companhia de gestão, por várias vezes notificou a Ré do pagamento das rendas em divida.
12. Desde a propositura da presente acção, a Ré deve à Autora quatro meses de renda, no valor total de HK$137.280,00 (HK$34.320,00X4=HK$137.280,00), equivalente a MOP141.604,32.
N.º
Período
Valor em HK$
Valor em pataca
1
2
3
4
20/02/2021 a 19/03/2021
20/03/2021 a 19/04/2021
20/04/2021 a 19/05/2021
20/05/2021 a 19/06/2021
Valor total por pagar:
34.320,00
34.320,00
34.320,00
34.320,00
137.280,00
35.401,08
35.401,08
35.401,08
35.401,08
141.604,32.
13. Em 21 de Setembro de 2021, a Ré deixou de usufruir a fracção arrendada, entretanto, em 27 de Setembro de 2021, a Ré tentou entregar as chaves da fracção à Autora, por via da entrega das mesmas a C物業管理有限公司, que esta se recusou a recebê-las.
14. A Ré procedeu ao depósito das duas rendas referentes a Maio e Junho, no dia 27 de Setembro de 2021.
  
2. DO DIREITO
  
  É o seguinte o teor da decisão proferida na parte impugnada no presente recurso:
  «Nos autos, a Autora exige a resolução do contrato de arrendamento com base na falta de pagamento das rendas por parte da Ré.
  De acordo com os factos provados, a relação jurídica entre a Autora e a Ré pode ser classificada como uma relação de arrendamento do bem imóvel para a finalidade comercial.
  Nos termos do art.º 969.º do Código Civil: “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.”
  Nos termos do art. 993.º, n.º 1 do CC, “O pagamento de renda ou aluguer deve ser efectuado no primeiro dia de vigência do contrato ou do período a que respeita, e no domicílio do locatário à data do vencimento, se as partes não fixarem outro regime.”
  De acordo como os factos provados e as disposições legais acima indicadas, a Ré fica obrigada a pagar a renda no dia primeiro de cada mês conforme o contrato de arrendamento celebrado por ambas as partes, mas desde 20 de Fevereiro de 2021, a Ré deixou de pagar a renda, e até à data de propositura da acção, deve quatro meses de rendas (Março a Junho).
  Nos termos do art.º 788.°, n.º 1 do CC, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua. Mas segundo jurisprudência dominante, tal disposição também é aplicável à mora do devedor. Uma vez que, nos autos não se verificou que a devedora tenha feito prova para derrubar tal presunção jurídica, pelo que, sem dúvida, a Ré já se encontra em situação da mora da locatária.
  Nos termos do art.º 1017.º, n.º2 do CC, a resolução do contrato fundada na falta de cumprimento por parte do locatário tem de ser decretada pelo tribunal.
  Nos autos, evidentemente, na falta de pagamento das rendas por parte da Ré, a Autora, como locadora, nos termos da lei, tem o direito a exigir junto do Tribunal a resolução do contrato de arrendamento celebrado por ambas as partes.
  Quanto a isso, na contestação, a Ré alegou que o contrato de arrendamento entre ela e a Autora já tinha sido resolvido através do acordo verbal por si estabelecido; contudo, nos autos, não foi provado tal facto, pelo que, na falta de fundamento de facto, não procede a excepção da Ré.
  Contudo, segundo os factos provados, no presente caso, existem circunstâncias especiais, isto é, após a Autora ter intentado a acção, a Ré, em 27 de Setembro de 2021, tentou devolver as chaves da fracção arrendada, mas a companhia C物業管理有限公司, responsável pelo assunto de arredamento em nome da Autora, recusou-se a receber as respectivas chaves. Tendo em consideração que a C物業管理有限公司é responsável pela gestão de arrendamento do Edifício “Finance and IT Center of Macau”, e mesmo que se tratasse da falta de pagamento das rendas ou do condomínio fora do âmbito da gestão de propriedade, a Autora ia incumbir a C物業管理有限公司 de cobrar as despesas, até ao tratamento do pedido de cessação antecipada do contrato, também foi feito pela C物業管理有限公司 e depois cabe a esta passar à Autora para tomar decisões. Pelo que. embora nos autos não se possa confirmar se a relação de incumbência entre a Autora e a C物業管理有限公司 tem a ver com o poder de representação, o que a Autora confiou à companhia C物業管理有限公司tratamento de numerosos trabalhos respeitantes ao arrendamento fora do âmbito da gestão de propriedade em geral, leva a Ré a acreditar razoavelmente que a C物業管理有限公司tem legitimidade de receber as chaves, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, consideramos que, nos termos do art.º 261.º, n.º2 do CC, a conduta de a Ré ter tentado devolver as chaves da fracção arrendada à companhia C物業管理有限公司 e a conduta desta de se ter recusado a recebê-las, igualmente produzem efeitos à Autora nos autos.
  Nos termos do art.º 1016.º, n.º3 do CC, “A revogação será sempre válida, independentemente da forma, quando o locatário restitua o gozo da coisa ao locador e este aceite a restituição.”
  Contudo, nos autos a questão reside em que, a posição da Autora é que a Ré não observou o acordo fixado no contrato de arrendamento, não tendo formulado, por escrito, o pedido de cessação antecipada do contrato, razão pela qual a Autora tem direito a recusar-se a receber as chaves devolvidas pela Ré. Quanto a isso, o Tribunal considera que, segundo as disposições contratuais, na verdade, não pode a Ré devolver a fracção a qualquer tempo e de forma arbitrária para resolver o contrato de arrendamento, uma vez que, segundo o contrato, a Autora tem direito a exigir a continuação de cumprimento do contrato de arrendamento de tal modo a obter os interesses resultantes do contrato.
  Porém, através da petição inicial apresentada em 28 de Junho de 2021, nele tendo a Autora expressamente deduzido pedido de resolução do contrato de arrendamento com base na falta de pagamento das rendas e exigido ao Tribunal que ordenasse imediatamente a Ré a devolução da coisa locada. Quer dizer, em 28 de Junho de 2021, a Autora já não tinha intenção de procurar os interesses resultantes do contrato de arrendamento, devido à sua manutenção contínua, e já que a Autora, por um lado, intentou a acção exigindo à Ré a devolução imediata da fracção, então como podia a mesma, por outro lado, contra a Ré continuar a alegar que devido à não observação do acordo contratual, e se recusou a receber a devolução da fracção feita pela Ré? Sendo isto, evidentemente, o “venire contra factam proprium”1 indicado na doutrina.
  De facto, mesmo que a Autora considere que a Ré não tenha pago as rendas e despesas de condomínio, nem tenha reconstituído a fracção no estado em que originalmente se encontrava, perante a situação em que a Autora já não tinha intenção de manter a relação de arrendamento, isto não obsta a que podia a Autora, em primeiro lugar, retomar a fracção e depois ia cobrar as despesas em dividas por outra via. Na realidade, tal como na acção de despejo, também deve-se aceitar a devolução da fracção feita voluntariamente pela Ré e vai apenas resolver a questão da falta de pagamento das rendas e de outra indemnização. Pelo que, é de salientar que, após a Autora ter intentado a acção de despejo, já não tem razão de se recusar a receber a coisa locada devolvida pela locatária, caso contrário, é equivalente à permissão da ocorrência do supracitado “venire contra factum proprium”.
  Assim sendo, já que a Autora tinha intenção de exigir à Ré a devolução imediata da coisa locada, e a Ré, por sua vez, em 27 de Setembro de 2021, também tentou devolver as chaves da fracção à C物業管理有限公司, representante da Autora, o presente Tribunal entende que, nos termos do art.º 1016.º, n.º3 do CC, deve o contrato de arrendamento celebrado por ambas as partes ser considerado revogado efectivamente em 27 de Setembro de 2021.
*
  Além disso, nos termos do art.º 996.º, n.º1 do CC:
  “Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a metade do montante que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento; se o atraso exceder 30 dias, a indemnização referida é aumentada para o dobro.”
  Isto quer dizer, na resolução do contrato de arrendamento causada por falta de pagamento das rendas, caso o locador tenha intentado a acção de despejo com base na falta de pagamento das rendas, não pode exigir cumulativamente a indemnização por atraso previsto no art.º 996.º, n.º1 do CC, pode o locador escolher ou a indemnização por atraso, ou a resolução do contrato, e uma vez escolhida a resolução do contrato, extingue-se o direito de receber a indemnização prevista no art.º 996.º, n.º1 do CC2.
  Contudo, se o contrato de arrendamento for cessado pela forma prevista no art.º 1016.º, n.º3 do CC, tal cessação não pertence à exclusão da indemnização acima indicada, pelo que, nos termos da lei, deve a Ré pagar à Autora a indemnização resultante do atraso no pagamento das rendas.
  Por outro lado, embora o n.º4 do pedido que exige a Autora na petição inicial seja dependente de que “se a Ré não queira resolver o supracitado contrato de arrendamento”, o presente Tribunal entende que tal expressão da Autora foi devido a que a Autora sabia que, entre o pedido de despejo deduzido com base na falta de pagamento das rendas e a indemnização por atraso no pagamento das rendas, só se pode escolher um, pelo que não pode excluir que a Autora tinha intenção de receber a indemnização prevista no art.º 966.º, n.º1 do CC.
  De acordo com os factos provados, confirmou-se que desde o início em 20 de Fevereiro de 2021 até ao termo em 19 de Outubro de 2025, a renda mensal é de HK$34.320,00, equivalente a MOP35.401,08, tendo a Ré, desde 20 de Fevereiro de 2021 já deixado de pagar as rendas, assim sendo, até à data de propositura da acção (em 28 de Junho de 2021), a Ré deve quatro meses de renda, no valor total de HK$137.280,00 (HK$34.320,00X4=HK$137.280,00), equivalente a MOP141.604,32.
  Tendo em consideração que, até à data de propositura da acção, o atraso no pagamento das rendas de Março a Maio de 2021 já excede 30 dias, pelo que a Autora tem o direito de receber adicionalmente o dobra das rendas a título de indemnização, ou seja MOP106.203,24, e o atraso no pagamento da renda de Junho já excede 8 dias, tem a Autora o direito de receber adicionalmente 50% da renda do referido mês, a título de indemnização, ou seja MOP17.700,54.
  Uma vez que provou-se que a Ré, em 27 de Setembro de 2021, tinha pago à Autora dois meses de renda (alegado que são rendas de Maio e Junho), tais quantias podem servir de contrapartida das supracitadas rendas em dívida e da indemnização. Nos termos do art.º 774.º n.ºs 1 e 2 do CC, na falta de consentimento do credor, as rendas pagas pela Ré não podem contrabalançar o capital em primeiro lugar, mas sim, nos termos do n.º1 do mesmo artigo, sucessivamente as despesas, a indemnização, os juros e do capital.
  Pelo que, as rendas de dois meses pagas pela Ré devem, em primeiro lugar, imputar na indemnização, e feita a dedução, deve a indemnização pelo atraso no pagamento das rendas ser reduzida de MOP123.903,78 para MOP53.101,62.».
  
  Conclui-se na sentença recorrida que o contrato de arrendamento foi revogado por acordo das partes nos termos do artº 1016º nº 3 do C.Civ, vindo depois a condenar no pagamento da indemnização prevista no artº 996º nº 1 do C.Civ. pelas rendas em atraso.
  Ora, salvo melhor opinião confunde-se a decisão recorrida em considerações jurídicas relativamente à hipotética intenção de entrega das chaves pelo arrendatário em 27.09.2021 qualificando-a como uma revogação por acordo do contrato de arrendamento quando tal era perfeitamente desnecessário.
  O que interessava retirar deste facto a provar-se era se a oferta da entrega das chaves foi feita ao locador ou a quem o representava e se este podia ou não recusar-se a recebê-las uma vez que havia intentado acção de despejo por falta de pagamento de rendas pedindo a entrega do locado.
  Provando-se o facto (que a oferta das chaves foi feita ao locador ou a quem o represente) na pendência da acção de despejo alcançou-se por cumprimento voluntário do arrendatário um dos desideratos a que a acção de despejo se destina, o qual é, a entrega da coisa arrendada.
  Bem se concluiu que – a provar-se a oferta da entrega das chaves ao locador ou a quem o representava com poderes para o acto - o locador ou quem o representava não podia recusar receber as chaves uma vez que já tinha pedido o despejo por falta de pagamento de rendas, salvo se tivesse invocado (e provado) outro motivo bastante para justificar a recusa.
  Porém, a conclusão que havia a retirar daí não era de que o contrato terminou por revogação por acordo das partes, mas tão só que o arrendatário voluntariamente quis entregar a coisa arrendada, pelo que, recusando-se o locador a recebê-la e não havendo outro motivo que o justificasse (a recusa) uma vez que já havia instaurado acção de despejo, deixaria o arrendatário de ser devedor a partir dessa data das rendas que se viessem a vencer na pendência da acção a partir do momento em que se havia oferecido para entregar a fracção.
  Para que se pudesse concluir pela existência de acordo de revogação do contrato nos termos do nº 3 do artº 1016º do C.Civ. pelo menos haveria o locador de ter aceite a restituição ou ter-se demonstrado que esse acordo havia sido celebrado, não se tendo demonstrado nem um nem outro destes pressupostos.
  Assim sendo, não há nos autos matéria alguma para concluir pela revogação por acordo das partes.
  Não é por o locador instaurar uma acção de despejo e o arrendatário querer entregar a coisa que houve “acordo de revogação”. Este acordo tem ser expresso entre as duas partes no sentido de que vão terminar/revogar o contrato.
  O que poderia ter havido aqui a provar-se a oferta da entrega das chaves é que o locador como não lhe pagavam a renda veio pedir a resolução do contrato e o despejo da coisa e o arrendatário conformou-se com aquele pedido e demonstrando-se esse facto – oferta da entrega das chaves – quis entregar a coisa.
  Isto não é em momento algum um “acordo entre locador e arrendatário” de modo a que a situação pudesse ser subsumida ao artº 1016º nº 3 do C.Civ..
  
  Destarte, enferma a decisão recorrida de erro na aplicação do direito quando qualifica que o contrato de arrendamento terminou por revogação por acordo das partes nos termos do artº 1016º nº 3 do C.Civ., sem prejuízo desta qualificação ter sido inócua para a decisão que foi proferida.
  
  Mais se condena no pagamento da indemnização igual ao dobro do valor das rendas vencidas e não pagas.
  Reza o artº 996º do C.Civ o seguinte:
  1. Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a metade do montante que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento; se o atraso exceder 30 dias, a indemnização referida é aumentada para o dobro.
  2. Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário fizer cessar a mora no prazo de 8 dias a contar do seu começo.
  3. Enquanto não forem cumpridas as obrigações a que o n.º 1 se refere, o locador tem direito a recusar o recebimento das rendas ou alugueres seguintes, os quais são considerados em dívida para todos os efeitos.
  4. A recepção de novas rendas ou alugueres não priva o locador do direito à resolução do contrato ou à indemnização referida, com base nas prestações em mora.
  5. À mora do locatário no pagamento das rendas ou alugueres não pode ser aplicada a sanção prevista no artigo 333.º
  Nos termos do citado artigo o locador pode optar por uma de duas soluções:
  1. Pedir a condenação do locatário no pagamento das rendas vencidas e respectiva indemnização mantendo o contrato em vigor,
OU
  2. Pedir a resolução do contrato e o despejo por falta de pagamento de rendas e a condenação no pagamento das rendas devidas.
  No caso em apreço o locador fazia também um pedido oferecendo a possibilidade do locatário poder continuar no locado se pagasse as rendas em falta e a indemnização devida, sem prejuízo deste direito do arrendatário resultar do artº 1019º do C.Civ. independentemente da vontade do locador.
  Parece-nos não ser boa técnica fazer este género de pedidos o qual em rigor haveria de ter sido objecto de aperfeiçoamento.
  O Tribunal não pode condenar a fazer isto ou a fazer aquilo. A decisão do tribunal tem de ser precisa e expressa, ou se declara a resolução por falta de pagamento de rendas e condena no despejo ou se condena no pagamento das rendas e indemnização, e cabe à Autora e não ao tribunal decidir qual das soluções que a lei lhe dá pretende.
  O pedido nunca pode ser feito de forma ambígua à escolha de quem vai ser condenado ou pior ainda do tribunal que não goza do dispositivo e está sujeito ao pedido das partes na sua decisão, não podendo arbitrariamente escolher entre um ou outro.
  Logo, haveria que no liminar ter sido indeferida liminarmente a p.i. por ineptidão face à incompatibilidade de pedidos ou ter sido a Autora convidada a aperfeiçoar sob pena de indeferimento.
  
  Assim não se fez, o processo prosseguiu e quanto a esta matéria não foi interposto recurso algum.
  Concluiu-se no entanto, que haveria de proceder a solução que conduzia ao despejo do locado mas por resolução do contrato por acordo das partes condenando-se no pagamento das rendas devidas e indemnização.
  
  Ora, isto é que não pode ser de forma alguma.
  
  Ou o contrato terminou por revogação por acordo das partes ou há resolução por falta de pagamento de rendas ou há condenação no pagamento das rendas e indemnização e mantém-se o contrato.
  
  Como já disse não há nos autos matéria para concluir pela revogação por acordo das partes, tendo havido erro na aplicação do direito quanto a esta parte.
  
  Em face da matéria de facto apurada o que sucede é que se deu como provado que o arrendatário não pagava as rendas e até queria entregar a coisa, logo não queria pagar as rendas em atraso e a indemnização devida para obstar à resolução do contrato nos termos do artº 1019º do C.Civ. e assim se resolveu a imprecisão decorrente dos dois pedidos incompatíveis feitos, concluiu-se que o contrato haveria de acabar, mas errou-se quanto ao à causa do termo do contrato, a qual haveria de ter sido a resolução por falta de pagamento de rendas nos termos do artº 996º nº 1, 1017º nº 2, 1034º al. a) do C.Civ., e não por acordo das partes.
  
  Ora, terminando o contrato não há lugar ao pagamento da indemnização pela falta de pagamento de rendas. Isto é o que resulta do artº 996º nº 1 do C.Civ.
  Pese embora a incompatibilidade de pedidos formulados, ninguém ataca a decisão recorrida no sentido de concluir pelo “fim” do contrato.
  
  A única divergência das partes é que a Ré entende que se o contrato se resolveu nos termos do nº 1 do artº 996º do C.Civ. não tem de pagar a indemnização devida pela falta de pagamento de rendas. E a Autora vem no seu recurso opor-se a que seja dado como provado que houve a oferta de entrega das chaves em 27.09.2021.
  
  Em face da matéria de facto provada a solução em direito possível é a de decretar a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas nos termos do nº 1 do artº 996º do C.Civ.
  
  Assim concluindo, impõe-se revogar a decisão recorrida no que concerne à condenação da Ré no pagamento da indemnização devida pela falta de pagamento de rendas, procedendo nesta parte o recurso da Ré.
  Mais recorre a Ré alegando que houve erro de cálculo no valor em que a Ré foi condenada a pagar pelas rendas devidas e não pagas por não se ter considerado o valor da caução devida.
  O contrato de arrendamento foi dado por provado e integralmente reproduzido no facto nº 2 dos factos provados.
  Na cláusula 6ª do contrato de arrendamento consta que o arrendatário entregou uma caução no valor de dois meses de renda – HKD68.640,00 – (cf. fls. 70).
  Logo asiste razão ao arrendatário quando alega que o valor da caução haveria de ter sido considerado no cômputo das rendas vencidas e não pagas.
  Pelo que, também nesta parte há que proceder o recurso.
  
  Procedendo na integra o recurso interposto pela Ré, cabe apreciar do recurso subordinado apresentado pela Autora.
  
  Em síntese invoca a Autora que o facto dado por provado sob o nº 13 não havia sido alegado por nenhuma das partes pelo que viola o princípio do dispositivo – artºs 5º e 567º do CPC -.
  Assiste razão à Autora.
  Nem da p.i. nem da contestação consta que tal facto haja sido invocado.
  Supostamente – e supostamente porque pese embora haja cópia nos autos por razões de segurança é como se não existisse porque foi ordenado o seu desentranhamento – só num requerimento da Ré entregue em momento posterior à contestação – cf. fls. 179 – terá sido alegado este facto, sendo que, por despacho de fls. 184 o requerimento em causa não foi admitido.
  Logo, não podendo o tribunal basear a decisão noutros factos que não os que hajam sido invocados pelas partes – artº 5º e artº 567º do CPC -, não sendo de forma alguma o facto dado por assente sob o nº 13 instrumental uma vez que dele resulta a data que se considera para entrega da coisa e o momento até onde são devidas as rendas, enferma a decisão recorrida de erro quanto à fixação da matéria de facto por dar por provado facto que não foi invocado pelas partes.
  Assim sendo, impõe-se excluir da factualidade apurada o facto dado por assente sob o nº 13.
  Procedendo desta forma, também, o recurso subordinado.
  
  Destarte, retirando-se da factualidade apurada o facto nº 13, haverá a Ré de ser condenada no pagamento das rendas vencidas desde 20.02.2021 até efectiva entrega do locado, que consta dos autos ter ocorrido em 05.05.2022 (cf. fls. 247), deduzido do valor das duas rendas pagas e do valor da caução prestada.
  Sendo assim é devido o valor de HKD360.360,00 calculado da seguinte forma:
  a) Rendas vencidas desde 20.02.2021 a 19.04.2022, no total de 14 meses completos no valor de HKD480.480,00 (14 x HKD34.320);
  b) Renda devida de 20.04.2022 a 05.05.2022 no total de 15 dias no valor de HKD17.160,00 (34.320 : 30 x 15),
  Total de a) + b) igual a HKD497.640,00, valor este ao qual há que deduzir duas rendas pagas e o valor da caução igual a duas rendas no montante de HKD137.280,00 (2 x 34.320 + 2 x 34.320), totalizando HKD360.360,00 que corresponde MOP371.170,80.
  
III. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgando procedentes todos os recursos interpostos revoga-se parcialmente a decisão recorrida declarando resolvido o contrato de arrendamento a que se reportam os autos condenado a Ré a pagar à Autora o valor de MOP371.170,80 acrescido dos juros nos termos fixados na decisão recorrida por nesta parte dela não ter sido interposto recurso.
  
  Custas pela Ré em ambas as instâncias considerando o valor em que foi condenada e pela Autora em ambas as instâncias quanto ao valor da indemnização pelo atraso no pagamento das rendas em que a Ré havia sido condenada e de que vai absolvida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 9 de Fevereiro de 2023
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  
  Fong Man Chong
  (Primeiro Juiz-Adjunto)
  
  Ho Wai Neng
  (Segundo Juiz-Adjunto)
1. “Há abuso de direito, por venire contra factum proprium, em primeira linha, numa de duas situações: a) quando uma pessoa, em termos que, especificamente, não a vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado ato, e depois, o pratique; b) quando uma pessoal de modo também a não ficar especificamente adstrita, declare pretender avançar com certa atuação e, depois, se negue.” Vide o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º1257/18.6YLPRT.P1, que se pode obter no www.dgsi.pt.
2 Partindo do ponto de vista do direito comparado, vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Fevereiro de 2007 (Proc. 10385/2006-2 www.dgsi.pt).
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670/2022 CÍVEL 33