打印全文
Processo nº 743/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Fevereiro de 2023
Recorrente: A
Recorrida: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  B, com os demais sinais dos autos,
  vem instaurar acção de despejo contra
  A, também, com os demais sinais dos autos,
  Pedindo a Autora que:
- seja declarada a resolução dos contratos de arrendamento da fracção em causa e a cessação da relação jurídica de arrendamento entre a Autora e a Ré;
- seja decretado o despejo imediato da fracção autónoma em causa e seja decretada a restituição à Autora da mesma fracção no bom estado e condições em que a Ré a recebeu.
- seja condenada a Ré no pagamento das rendas desde o dia 9 de Fevereiro de 2020 até à resolução do contrato de arrendamento. O valor das rendas devidas até à data da propositura da presente acção é de cento e quarenta mil e oitenta patacas (MOP140.080,00);
- seja condenada a Ré a indemnizar a Autora pelos danos que esta sofre em consequência do pagamento tardio das rendas. O valor da indemnização é calculado até à data de cumprimento efectivo. O valor da indemnização até à data da propositura da presente acção é de cento e trinta e quatro mil, quatrocentas e quinze patacas (MOP134.415,00); e
- seja condenada a Ré a indemnizar a Autora pelos danos resultantes da restituição tardia da coisa locada se a Ré não restituir imediatamente a coisa locada após a resolução do contrato. O valor da indemnização é calculado com base na renda de onze mil dólares de Hong Kong (HKD11.000,00), equivalente a onze mil, trezentas e trinta patacas (MOP11.330,00), até à restituição da coisa locada; e
- seja elevada a indemnização ao dobro nos termos do artº 1027º do CC em case de a Ré se constituir em mora.
  Citada a Ré para contestar veio esta deduzindo reconvenção, pedindo que seja condenada a Autora a lhe pagar uma quantia de HKD52.000,00, que abrange o montante indevidamente recebido dela e as despesas gastas com a aquisição de aparelhos electrodomésticos.
  Proferida sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e em consequência, decidiu-se:
1. declarar a resolução dos contratos de arrendamento celebrados entre a Autora e a Ré nos dias 20 de Setembro de 2015, 10 de Setembro de 2017 e 26 de Agosto de 2019 sobre a fracção autónoma “X16” no prédio sito em Macau, na Rua de XX nºs XX, Rua de XX nºs XX, Alameda XX nºs XX e Avenida do XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 21935, inscrito na matriz predial urbana sob o n° 73019;
2. condenar a Ré a despejar imediatamente a fracção autónoma “X16” e entrega-la à Autora no bom estado e condições em que a recebeu;
3. condenar a Ré no pagamento à Autora das rendas vencidas no montante de MOP140.080,00 e das rendas relativas ao período entre Maio de 2021 e a prolação da presente sentença;
4. condenar a Ré no pagamento à Autora da indemnização pelos prejuízos causados no valor mensal de HKD11.000,00 (equivalente a MOP11.330,00), a contar da presente sentença até à restituição do imóvel arrendado. O valor concreto será calculado na execução da sentença;
5. No caso de a Ré não proceder ao despejo imediato da fracção autónoma “X16” após o trânsito em julgado da presente sentença, é obrigada a pagar uma indemnização equivalente ao dobro da renda, ou seja, MOP22.660 por mês. O valor concreto será calculado na execução da sentença;
6. Indeferir os restantes pedidos, incluindo o pedido reconvencional deduzido pela Ré.
  Não se conformando com a decisão proferida vem a Ré e agora Recorrente interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões:
1. Na óptica da Recorrente a sentença recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova.
2. A Recorrente entende que das fotografias nos anexos 2 a 14 da contestação resultou claramente que existem no quarto da fracção locada por ela os defeitos acima mencionados.
3. Portanto, segundo a Recorrente, as fotografias referidas provam claramente, pelo menos, que o quarto da fracção em causa sofre de infiltração de água.
4. Pelo exposto, entende a Recorrente que a excepção peremptória (infiltração de água no quarto) deduzida por ela deve ser considerada parcialmente procedente. Assim, sob o princípio da equidade, deve-se deduzir um montante de três mil dólares de Hong Kong (HKD3.000,00) do valor mensal da renda, fixando-se a renda mensal em oito mil dólares de Hong Kong (HKD8.000,00).
5. Face ao exposto, a Recorrente entende que deve ser alterado o teor dos pontos 3 a 6 da sentença para a seguinte forma:
1) condenar a Ré no pagamento à Autora das rendas vencidas no montante de MOP85.490,00 e das rendas relativas ao período entre Maio de 2021 e a prolação da presente sentença;
2) condenar a Ré no pagamento à Autora da indemnização pelos prejuízos causados no valor mensal de HKD8.000,00 (equivalente a MOP8.240,00), a contar da presente sentença até à restituição do imóvel arrendado. O valor concreto será calculado na execução da sentença;
3) No caso de a Ré não proceder ao despejo imediato da fracção autónoma “X16” após o trânsito em julgado da presente sentença, é obrigada a pagar uma indemnização equivalente ao dobro da renda, ou seja, MOP16.480 por mês. O valor concreto será calculado na execução da sentença;
4) julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional da Ré e indeferir os restantes pedidos, incluindo o pedido reconvencional deduzido pela Ré. (sic)
  Contra-alegando veio a Autora/Recorrida apresentar as seguintes conclusões:
1. Inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base em 3 de Março de 2022, dela recorreu ordinariamente a Recorrente A (adiante designada por “Recorrente”).
2. Dos fundamentos invocados pela Recorrente resultou saber que a mesma entende existir duas questões: uma respeitante à prova fotográfica e outra tem a ver com a redução do valor da renda sob o princípio da equidade.
3. No entendimento da Recorrente, as fotografias apresentadas em conjunto com a contestação provam claramente, pelo menos, que o quarto da fracção em causa sofre de infiltração de água. Todavia, a Recorrida não concorda com isso.
4. O Tribunal a quo indicou expressamente que não pode dar como assentes os factos suscitados pela Recorrente mediante as fotografias apresentadas, sobretudo por não lograr provar que tais fotografias foram tiradas na fracção autónoma em causa.
5. Aparentemente, não se encontra no teor da petição do recurso qualquer fundamento que possa esclarecer a dúvida supradita, nem se provou que as imagens nas fotografias fossem da fracção autónoma em questão.
6. No entendimento da Recorrente, “o Juízo a quo cometeu um erro notório na apreciação da prova ao julgar não provados os defeitos encontrados no imóvel por a Recorrente não conseguir apresentar testemunha...” Mas, de facto, o Tribunal a quo não se baseou somente num meio de prova (testemunha), isso deveu-se a que a Recorrente apenas apresentou as fotografias. Só as fotografias não são suficientes para provar que tais situações ocorreram nas fracção autónoma em causa.
7. Se não se provar o local onde foram tiradas as fotografias, não se pode provar que as imagens nas fotografias são do imóvel em questão, já para não falar da prova dos defeitos no imóvel.
8. Por outro lado, a Recorrida entende que a existência de infiltração de água não pode ser provada só pelas fotografias apresentadas pela Recorrente.
9. No entendimento da Recorrida, a “infiltração de água” e “mofo” são um estado continuado que não pode ser provado apenas com base nas fotografias sem data que foram apresentadas pela Recorrente.
10. Deste modo, a Recorrida entende que a sentença do Tribunal a quo não sofre de qualquer erro na apreciação da prova, devendo manter-se a sentença a quo.
11. Na óptica da Recorrente, a excepção peremptória deduzida por ela deve ser considerada procedente e, por consequência, deve ser deduzido um valor de três mil dólares de Hong Kong (HKD3.000,00) do valor mensal da renda, entendendo ainda que, quanto às rendas relativas ao período de Fevereiro de 2020 a Abril de 2021, o montante devido deve fixar-se em cento e doze mil de dólares de Hong Kong (HKD112.000,00), descontando as quantias já pagas (HKD10.000,00) no dia 16 de Junho de 2020, (HKD12.000,00) no dia 17 de Agosto de 2020 e (HKD7.000,00) no dia 21 de Setembro de 2020, a quantia em dívida relativa ao período referido deve ser de oitenta e três mil de dólares de Hong Kong (HKD83.000,00), equivalente a oitenta e cinco mil, quatrocentas e noventas patacas (MOP85.490,00). A Recorrida não concorda com tal entendimento.
12. As rendas vencidas supra referenciadas reportam-se a 10 de Fevereiro de 2020 em diante. Contudo, além de não for reconhecido que as fotografias foram tiradas no imóvel em questão, as fotografias apresentadas pela Recorrente não mostram a data em que elas foram tiradas, o que não permite saber quando a dita situação começou a aparecer.
13. Portanto, a ver da Recorrida, a Recorrente não tem nenhum fundamento para exigir a redução do valor das rendas a partir de 10 de Fevereiro de 2020 sob o princípio da equidade.
14. Por outro lado, a Recorrente referiu na petição de recurso que o problema de infiltração de água é “grave” e apontou na contestação que as paredes ficam mofadas e o mau cheiro persistente é “intolerável”.
15. Não se verificou, no entanto, que a Recorrente tivesse feito qualquer obras para resolver os problemas de infiltração de água e mofo alegados, nem tivesse apresentado as fotografias relacionadas com obra ou comprovativo de pagamento de obra.
16. Mas dos factos objectivos resultou que a Recorrente não só se recusa a pagar rendas, como não cumpriu a data de desocupação do imóvel que foi prometida por ela mesma, ocupando ainda a fracção autónoma locada no decorrer da presente acção de despeja.
17. A Recorrente continua a ocupar o imóvel arrendado, cujo comportamento contradiz a expressão “intolerável” alegada por ela, não podendo, de qualquer maneira, comprovar que a fracção autónoma sofre do vício pelo qual deve ser reduzido o valor da renda com base no princípio da equidade.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos
  
  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A Autora é a proprietária da fracção autónoma “X16” destinada a habitação no prédio sito em Macau, na Rua de XX nºs XX, Rua de XX nºs XX, Alameda XX nºs XX e Avenida do XX (adiante designada por “fracção autónoma “X16”), descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 21935, inscrito na matriz predial urbana sob o n° 73019. O número de inscrição da propriedade da Autora é 26651G.
2. No dia 20 de Setembro de 2015, a Autora e a Ré celebraram um “contrato de arrendamento urbano para habitação”, através do qual a Autora deu de arrendamento a fração autónoma supra identificada à Ré pelo período entre dia 20 de Setembro de 2015 e 19 de Setembro de 2017, pela renda mensal de dez mil e quinhentos dólares de Hong Kong (HKD10.500,00), vd. o documento de fls. 20 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. Depois, a Autora e a Ré assinaram outro “contrato de arrendamento urbano para habitação”, através do qual a Autora continuou a arrendar a mesma fracção autónoma à Ré pelo período de 20 de Setembro de 2017 a 19 de Setembro de 2019, pela renda mensal de onze mil dólares de Hong Kong (HKD11.000,00), vd. o documento de fls. 21 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. No dia 26 de Agosto de 2019, a Autora e a Ré assinaram mais um “contrato de arrendamento” (adiante designado por “contrato de arrendamento”) (sic), através do qual a Autora continuou a arrendar a fracção autónoma supradita à Ré, pelo período 10 de Setembro de 2019 a 9 de Setembro de 2021, pela renda mensal de onze mil dólares de Hong Kong (HKD11.000,00). O contrato de arrendamento foi reconhecido notarialmente, a fim de confirmar o acto de assinatura praticado pela Autora e Ré, vd. os documentos de fls. 22 e 23 dos autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
5. De acordo com o estipulado no contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e a Ré, nomeadamente nas cláusulas 2ª e 10ª, no período de arrendamento de 10 de Setembro de 2019 a 9 de Setembro de 2021, a Ré deve pagar a renda mensal de onze mil dólares de Hong Kong (HKD11.000,00) até ao dia 9 de cada mês e depositá-la na conta bancária no Banco C (nº da conta: 10XX1-20XX9-0, nome da titular: B).
6. No período de arrendamento da dita fracção autónoma, a Ré não cumpriu rigorosamente o estipulado nas cláusulas contratuais que dizem respeito ao pagamento de rendas, tendo efectuado pagamentos fora do prazo fixado.
7. A partir do dia 10 de Fevereiro de 2020, a Ré, além de ter pagado à Autora HKD10.000,00 no dia 16 de Junho de 2020, HKD12.000,00 no dia 17 de Agosto de 2020 e HKD7.000,00 no dia 21 de Setembro de 2020, não pagou mais nada à Autora.
8. A Autora tinha interpelado, verbalmente ou por escrito, a Ré para pagar as rendas em dívidas.
9. No dia de 29 de Dezembro de 2020, a Autora e a Ré assinaram um “acordo sobre a data de despejo da fracção e pagamento das rendas em dívida”. A Ré prometeu desocupar a fracção autónoma até ao dia 16 de Março de 2021, bem como pagar as rendas em dívida e as rendas até ao despejo do imóvel no valor de cento e catorze mil dólares de Hong Kong (HKD114.000,00), vd. o documento de fls. 33 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. A Ré não cumpriu o estipulado no referido “acordo sobre a data de despejo da fracção e pagamento das rendas em dívida”.
11. Até à data da propositura da presente acção, a Ré não pagou mais nenhuma renda, nem desocupou a fracção autónoma e entregou as chaves à Autora.
12. No dia 17 de Março de 2021, a Autora, através do seu advogado, enviou carta à Ré, interpelando de novo a Ré para pagar, até ao dia 31 de Março de 2021, as rendas devidas e a indemnização no valor total de duzentos e quarenta e quatro mil e quinhentos dólares de Hong Kong (HKD244.500,00), pelos danos causados por atraso em pagamento das rendas que excede 30 dias, vd. o documento de fls. 34 a 37 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. A Ré não respondeu, nem pagou à Autora qualquer renda vencida ou indemnização resultante de falta de pagamento das rendas, nem desocupou a fracção autónoma e entregou as chaves.

  Vem impugnada a matéria de facto invocando-se que as fotografias juntas como documentos 2 a 14 da contestação são suficientes para demonstrar que o quarto da fracção autónoma em casa sofre de infiltração de água.
  Sobre esta questão diz-se na decisão recorrida:
  «Quanto à existência de defeitos na coisa locada e ao não cumprimento por parte da Autora invocados pela Ré, esta somente apresentou, como prova, as fotografias que se encontram em fls. 63 a 75 dos autos. Atendendo a que apenas as fotografias de fls. 63 a 75 dos autos não logram provar que tais fotografias foram tiradas na fracção autónoma em causa, nem a data em que foram tiradas as fotografias. Na falta de outra prova, este Juízo não pode dar como assente o facto de que a fracção autónoma arrendada sofre com problemas tais como infiltração de água, paredes mofadas e descascadas apenas mediante as fotografias apresentadas.».
  
  Concordamos com a argumentação de que na falta de outra prova de quando as fotografias foram tiradas e onde, a simples exibição das mesmas não é bastante para se convencer o tribunal de que as fotografias em causa foram tiradas na fracção em causa e menos ainda a sua data. Haveria salvo melhor opinião que ter sido confrontada alguma testemunha com as mesmas declarando que correspondiam à fracção a que se reportam os autos.
  Por outro lado, ainda que se admitisse que tais fotos pertenciam à fracção em causa, destas apenas se pode constactar que o papel de parede está descolado nas juntas e que se apresenta envelhecido, o que não se sabe se já assim estava quando a fracção foi arrendada pela Ré/Recorrente ou se apenas aconteceu depois e neste caso porquê. Também não se vê nada que evidencie humidade ou água, e se as houvesse menos ainda a razão.
  Por fim o cheiro a mofo não se prova de forma alguma com fotografias.
  Destarte, como bem se concluiu na decisão recorrida as fotografias juntas aos autos não são bastante para provar o que de facto que se pretendia, não havendo erro a apontar à apreciação da matéria de facto.
  
  Assim sendo apenas pode improceder o recurso interposto quanto à matéria de facto.

b) Do Direito

  É o seguinte o teor da decisão recorrida:
  «Da factualidade provada resultou que a Autora e a Ré celebraram três contratos de arrendamento sobre a fracção autónoma “X16” (descrito no registo predial sob o nº 21935). O último contrato foi celebrado no dia 26 de Agosto de 2019 com prazo de 10 de Setembro de 2019 a 9 de Setembro de 2021.
  A questão a resolver nesta acção é se a Autora pode pedir a resolução do contrato de arrendamento celebrado por falta de pagamento das rendas por parte da Ré.
  Estipula o artº 969º do CC: “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.”
  Por sua vez, o artº 993º do mesmo diploma legal dispõe que “o pagamento de renda ou aluguer deve ser efectuado no primeiro dia de vigência do contrato ou do período a que respeita, e no domicílio do locatário à data do vencimento, se as partes não fixarem outro regime.”
  Segundo o acordo celebrado entre a Autora e a Ré, a segunda deve pagar a renda mensal de onze mil dólares de Hong Kong (HKD11.000,00) até ao dia 9 de cada mês e depositá-la na conta bancária no Banco C (nº da conta: 10XX1-20XX9-0, nome da titular: B).
  A factualidade provada revela que a partir do dia 10 de Fevereiro de 2020, a Ré começou a deixar de pagar rendas, apenas pagou à Autora HKD10.000,00 no dia 16 de Junho de 2020, HKD12.000,00 no dia 17 de Agosto de 2020 e HKD7.000,00 no dia 21 de Setembro de 2020.
  Quanto à excepção de existência de defeitos na fracção locada e de não cumprimento do contrato de arrendamento por parte da Autora e à excepção de não cumprimento do contrato deduzidas pela Ré, uma vez que os factos invocados pela Ré não foram dados como assentes, devem ser consideradas improcedentes as excepções de existência de defeitos na fracção locada e de não cumprimento do contrato.
  Nos termos do artº 1017º/nº 2 do CC, “A resolução do contrato fundada na falta de cumprimento por parte do locatário tem de ser decretada pelo tribunal; tratando-se de arrendamento, o senhorio só pode resolver o contrato nos casos previstos no artigo 1034.º”
  Segundo o disposto no artº 1034º/al. a) do CC, uma das situações em que o senhorio pode resolver o contrato é quando o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprios nem fizer depósito liberatório. 
  Devido a que a Ré deixou de pagar renda à Ré desde o dia 10 de Fevereiro de 2020, a Autora tem direito de pedir ao tribunal a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre elas nos termos do artº 1034º/al. a) do CC, como também intentar acção de despejo nos termos do artº 929º CPC.
  Deste modo, ao abrigo do artº 1017º/nº 2 e do artº 1034º/al. a), ambos do CC, deve ser julgado procedente o pedido da Autora de resolução do contrato de arrendamento e decretada a resolução do contrato.
*
  O artº 931º do CPC preceitua que “juntamente com o pedido de despejo, o autor pode pedir a condenação do réu no pagamento de rendas ou de indemnização.”
  No caso vertente, a Autora pede que a Ré pague as rendas desde o dia 9 de Fevereiro de 2020 até à resolução do contrato de arrendamento.
  A factualidade provada revela que a partir do dia 10 de Fevereiro de 2020, a Ré começou a deixar de pagar rendas, apenas pagou à Autora HKD10.000,00 no dia 16 de Junho de 2020, HKD12.000,00 no dia 17 de Agosto de 2020 e HKD7.000,00 no dia 21 de Setembro de 2020.
  Assim sendo, a Ré deve pagar à Autora as rendas devidas dos meses de Fevereiro de 2020 a Abril de 2021, o que perfaz o valor total de HKD136.000,00, equivalente a MOP140.080,00 (deduzidas já as quantias pagas no dia 16 de Junho de 2020 (HKD10.000,00), no dia 17 de Agosto de 2020 (HKD12.000,00) e no dia 21 de Setembro de 2020 (HKD7.000,00), além disso, deve pagar ainda as rendas relativas ao período entre Maio de 2021 e a resolução do contrato.
*
  A Autora pede que a Ré pague, a título de indemnização pela falta de pagamento das rendas, um montante de HKD130.500,00, equivalente a MOP134.415,00.
  O artº 996º/nº 1 do CC estipula que “constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a metade do montante que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento; se o atraso exceder 30 dias, a indemnização referida é aumentada para o dobro.”
  Visto que o artº 996º/nº 1 do CC dispõe que no caso de o contrato for resolvido com base na falta de pagamento, o locador não tem o direito de exigir a indemnização pela falta de pagamento de renda, deve ser julgado improcedente o pedido da Autora de exigir à Ré a indemnização pela falta de pagamento das rendas.
*
  A Autora pede que seja condenada a Ré a lhe pagar uma indemnização pelos prejuízos resultantes do atraso na entrega da coisa locada, no valor calculado com base na renda de onze mil dólares de Hong Kong (HKD11.000,00), equivalente a onze mil, trezentas e trinta patacas (MOP11.330,00), até à restituição do imóvel arrendado.
  De acordo com as disposições do artº 1027º do CC, se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro. Fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver.
  Deste modo, deve ser julgado procedente o pedido da Autora de condenar a Ré a pagar uma indemnização pelos prejuízos resultantes do atraso na entrega da coisa locada, no valor calculado com base na renda de onze mil dólares de Hong Kong (HKD11.000,00), equivalente a onze mil, trezentas e trinta patacas (MOP11.330,00), até à restituição do imóvel arrendado.
*
  A Autora pede que a Ré restitua a fracção autónoma “X16” no bom estado e condições em que a recebeu.
  Nos termos do artº 1025º/nº 1 do CC, “Na falta de convenção em contrário, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.”
  Deste modo, deve ser julgado procedente o pedido da Autora de restituição da fracção autónoma “X16” no bom estado e condições em que a Ré a recebeu.
*
  Relativamente ao pedido reconvencional deduzido pela Ré, uma vez que não foram provados os factos invocados pela Ré tais como o não cumprimento do contrato de arrendamento por parte da Autora e a aquisição de novos aparelhos eletrodomésticos, deve ser julgado improcedente o pedido da Ré de condenar a Autora a restituir-lhe a quantia indevidamente recebida e a quantia despendida por ela na aquisição de novos aparelhos eletrodomésticos.».
  
  Com base no erro de julgamento da matéria de facto pretendia a Ré/Recorrente que fossem dados por assente factos que o não haviam sido, desiderato que não logrou alcançar face à improcedência do recurso nessa parte.
  
  Com base nesses factos – que não se provaram – pretendia a Ré/Recorrente atacar a decisão recorrida quanto ao valor da renda devida, a qual haveria de ser reduzida por força do defeito da coisa.
  Ora, não se tendo provado os alegados factos, também só pode improceder o recurso nesta parte.
  
  Destarte, nada mais havendo a acrescentar aos fundamentos da decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo-a nos seus precisos termos.

III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo da Recorrente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 23 de Fevereiro de 2023
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(2o Juiz-Adjunto)

743/2022 CÍVEL 4