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Processo nº 843/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Fevereiro de 2023

ASSUNTO:
- Interpretação da cláusula contratual
- Isenção de horário
- Formulação do quesito
- Litigância de má fé

SUMÁRIO:
- A interpretação da cláusula contratual não deve ser parcial e de forma isolada
- A cláusula contractual com o seguinte teor: “Work Schedule Exemption: The Employee might not be subject to a working schedule and is not subject to a limit of 8h/day and 48h/week working hours (normal working hours). The Employee acknowledges that the total amount of the monthly salary already compensates this situation.” é claro no sentido de que o trabalhador não está sujeito ao limite máximo de 8 horas por dia e 48 horas por semana de trabalho, e o seu salário mensal já abrange a compensação do caso de excesso.
- Uma vez que a existência ou não do acordo escrito quanto à isenção do horário constitui uma questão controversa, o mesmo não pode ser objecto do quesito, antes deveria dar objectivamente assente o conteúdo das cláusulas contratuais em causa, analisando posteriormente se o teor das mesmas consubstancia ou não num acordo de isenção de horário de trabalho.
- Tendo o Autor pelos menos conhecimento, ou não devia ignorar, de que existia um acordo de isenção de horário de trabalho no contrato de trabalho de 01/03/2013, continuou a peticionar o pagamento das horas extraordinárias no período da vigência do referido contrato, bem omitido que tinha promovido para o cargo de Supervisor a partir de 15/03/2012, a sua conduta consubstancia na litigância de má fé prevista no artº 385º do CPCM.
O Relator,
















Processo nº 843/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Fevereiro de 2023
Recorrente: A (Autor)
Recorrida: B (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – RELATÓRIO
Por sentença de 05/09/2022, julgou-se a acção totalmente improcedente e em consequência absolveu-se a Ré B do pedido.
Dessa decisão vem recorrer o Autor A, alegando, em sede de conclusões, o seguinte:
1. Versa o presente Recurso sobre a douta Decisão na parte em que a mesma julgou “(...) totalmente improcedente a presente acção (...) e condena o Autor a pagar 8 UC de multa por ter litigado de má fé”;
2. Salvo o devido respeito - que é muito - está o ora Recorrente em crer que a douta Sentença se encontra inquinada por uma errada apreciação da matéria de facto e, bem assim, por um erro de direito no que respeita à correcta interpretação e aplicação do disposto no art. 35.º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual deve a mesma ser julgada nula e de nenhum efeito, o que desde já se requer. Depois, está o Recorrente em crer que não se justifica a condenação em litigância de má-fé, por manifesta falta dos pressupostos legais para o efeito, razão pela qual deverá a Decisão recorrida ser revogada.
3. Em concreto, são três as questões que se põem à apreciação do douto Tribunal de Recurso, a saber:
iv) Se promoção do Autor, a partir de 15 de Março de 2012, para o cargo de “Supervisor” configura, por natureza, uma situação de isenção de horário de trabalho? (Cfr. penúltimo parágrafo da pág. 12 da Sentença e quesito 13.º da Base Instrutória);
v) ii) Se a cláusula nos termos da qual se dispõe que: “The Employee might not be subject to a working Schedule (...)” é suficiente para se concluir pela existência de um “acordo” de isenção de horário de trabalho, conforme exigido pelo n.º 3 do art. 35.º da Lei n.º 7/2008?
vi) Se a postura do Autor nos presentes autos - ao interpretar de forma diferente da levada a cabo pelo Tribunal a quo o conteúdo do(s) seu(s) contrato(s) de trabalho - justifica a sua condenação como litigante de má-fé?
  Mais detalhadamente.
4. Contrariamente ao avançado pelo Tribunal a quo, a promoção do Autor, a partir de 15 de Março de 2012, para o cargo de “Supervisor” (trabalhador de Classe D) não configura, por si só, uma situação de isenção de horário de trabalho.
5. Com efeito, apenas poderá ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das situações enumeradas no n.º 1 do art. 35.º da Lei n.º 7/2008, e desde que a isenção de horário conste, obrigatoriamente, de um acordo celebrado por escrito (n.º 3 do art. 35.º);
6. A exigência da redução a “escrito” do acordo constitui um requisito de validade (formalidade ad substantiam) sem a qual a situação isenção de horário de trabalho não se mostra admissível (leia-se, tem-se como inexistente);
7. Salvo melhor opinião, nada nos autos permite concluir que a partir de 15 de Março de 2012 (e, pelo menos até 1 de Março de 2013) as partes tenham “acordado” um regime de isenção de horário...
8. Ao não entender assim, a douta Decisão deixa revelar um erro na apreciação da matéria de facto e erro na aplicação de Direito, traduzido, desde logo, numa errada interpretação e aplicação do art. 35.º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual deve a mesma, nesta parte, ser julgada nula e de nenhum efeito.
9. Resulta do ponto 9 do contrato de trabalho válido entre 1 de Março de 2013 e 30 de Novembro de 2014 que: “The Employee is not subject to work scheduling”, o que numa tradução livre para língua portuguesa significa: “O Trabalhador não está sujeito a horário de trabalho”;
10. Depois, resulta do ponto 11 do contrato de trabalho outorgado entre a Ré e o Autor - em vigor a partir de 07/07/2014, posteriormente repetido sob o ponto 9 dos contratos de trabalho de 21/04/2016, 21/04/2017 e 21/04/2018 - que: “The Employee might not be subject to a working Schedule”, o que numa tradução livre para língua portuguesa significa: “O Trabalhador poderá não estar sujeito a horário de trabalho”;
11. A leitura das referidas cláusulas deixa adivinhar uma diferença notória na redacção constante do Contrato de trabalho outorgado entre o Autor/Recorrente e a C em 1/03/2013 e os demais contratos de trabalho outorgados entre a B (Ré/Recorrida) e o Autor/Recorrente após 07/07/2013 e que se seguiram até ao termo da relação de trabalho;
12. Em concreto, enquanto no primeiro contrato se consagra expressamente que: “The Employee is not subject to work scheduling” (leia-se, “O Trabalhador não está sujeito a horário de trabalho”), nos contratos de trabalho seguintes passou a dizer-se que: “The Employee might not be subject to a working Schedule” (leia-se, “O Trabalhador poderá não estar sujeito a horário de trabalho”);
13. Ora, ninguém duvida que a expressão “não está sujeito a horário” em caso algum se confunde com a expressão “poderá não estar sujeito a horário”!
14. Ou melhor, enquanto a primeira expressão consagra uma situação presente e concreta: “O Autor não está sujeito a horário de trabalho”; a segunda configura uma situação abstracta e futura: “O Autor poderá não estar sujeito a horário de trabalho”;
15. De onde, a alteração do conteúdo da cláusula em questão deixa concluir uma vontade clara das partes em alterar a situação que até então existia, ou as partes teriam mantido a redacção da cláusula até então existente;
16. Isto é, se nos termos do contrato de trabalho de 01/03/2013 era claro e isento de dúvidas que o Autor estava numa situação de “isenção de horário de trabalho” (“The Employee is not subject to work scheduling”), tal situação alterou-se com a entrada em vigor do contrato de 07/07/2014, passando o Autor a estar numa situação de “poder não estar sujeito a horário de trabalho” (“The Employee might not be subject to a working Schedule”), contrariamente ao que terá sido concluído pelo douto Tribunal a quo;
17. A referida conclusão é, de resto, perfeitamente confirmada com recurso a um simples dicionário de língua inglesa, sabido que a “might” é definida da forma seguinte: is used to say that something is possible, or that there is a change something will happen, but it is not certain, and we don't know if is the most likely possibility; o que numa tradução livre para língua portuguesa quer dizer o seguinte: ““might”: é usado para dizer que algo é possível, ou que existe a hipótese de algo que vai acontecer, mas não é certo, e não sabemos se é a possibilidade mais provável”;
18. De onde se deixa ver que, também por aqui, é possível concluir que a utilização pela Ré/Recorrida da expressão “might not be subject to working schedule” nos contratos de trabalho celebrados com o Autor a partir de 07/07/2014, expressa apenas uma mera possibilidade e/ou uma hipótese no sentido de a situação de “isenção de horário” poder, ou não, vir a ocorrer no futuro, mas sem que tal situação se tenha como certa (leia-se, no sentido de segura, definitiva);
Sem prescindir,
19. A alteração ao conteúdo da referida cláusula apresenta ainda uma outra importante consequência que, salvo o devido respeito, não terá sido devidamente levada em conta pelo Tribunal a quo: é que, sabido que a situação de “isenção de horário” exige a redução a um “acordo celebrado por escrito” por forma a ser exequível, a utilização da expressão “The Employee might not be subject to working schedule” constante dos contratos de trabalho celebrados com o Autor a partir de 07/07/2014 em caso algum se mostra suficiente para reflectir o “acordo” a que se refere o n.º 3 do art. 35.º da Lei n.º 7/2008 e, neste sentido, não poderá produzir qualquer tipo de efeitos;
20. Ou melhor, sabido que o n.º 3 do art. 35.º da Lei n.º 7/2008 exige um “acordo celebrado por escrito” com vista à possibilidade de isenção de horário, tratando-se de uma formalidade ad substantiam, a lei exige rigor e clareza na redação do “acordo”, sob pena de o mesmo não ser apto a produzir os efeitos visados pelas partes. Imagine-se, a título de exemplo, que as partes tinham fixado uma cláusula nos termos da qual se dispunha que: “O trabalhador poderá ficar sujeito a termo certo” (The employee might be subject to a fix contract), para se compreender a incerteza que cláusula representaria na relação contratual em causa ...
21. Ora, em concreto, a redação da cláusula aposta nos contratos de trabalho celebrados após 07/07/2014 - e nos termos da qual se dispõe que: “The Employee might not be subject to working schedule” - denota um conteúdo vago e/ou genérico que em caso algum se mostra suficiente para reflectir o “acordo” a que se refere o n.º 3 do art. 35.º da Lei n.º 7/2008 e, neste sentido, não pode a mesma produzir qualquer tipo de efeitos;
22. De onde se terá de concluir que, bem ou mal, o “acordo celebrado por escrito” a que se refere expressamente o n.º 3 do art. 35.º da Lei n.º 7/2008 não se basta com a aposição de uma cláusula de teor vago e abstracto, antes exige, por respeito aos princípios da certeza e segurança jurídica, que se trate de uma disposição contractual clara e isenta de dúvidas... o que manifestamente não se verifica na cláusula em apreciação;
23. Pelo exposto, terá de concluir-se que apenas e tão-só relativamente ao período relativo ao contrato de trabalho de 1 de Março de 2013 se pode concluir pela existência de uma situação de isenção de horário, traduzida, desde logo, na consagração de uma cláusula nos termos da qual se dispõe que: “The Employee is not subject to work scheduling” (leia-se, “O Trabalhador não está sujeito a horário de trabalho”) a qual se mostra suficiente para reflectir o “acordo por escrito” a que se refere o n.º 3 do art. 35.º da Lei n.º 7/2008;
24. Porém, após 07/07/2014, com a alteração do conteúdo dos contratos de trabalho, tendo a cláusula em causa passado a dispor que: “The Employee might not be subject to working schedule” (leia-se, “O Trabalhador poderá não estar sujeito a horário de trabalho”) - pela sua generalidade e indeterminação a mesma deixa de reflectir o “acordo” exigido pelo n.º 3 do art. 35.º da Lei n.º 7/2008 e, como tal, não se mostra apta a concluir, por si só, pela existência de uma situação de “isenção de horário”;
25. Ao não entender assim, a douta Decisão denota um erro manifesto na apreciação da prova, porquanto o Tribunal a quo não dispunha de elementos que, com um mínimo de segurança e certeza jurídica, lhe permitisse concluir que a situação de isenção de horário de trabalho terá sido estipulada pelas partes a partir de 15 de Março de 2012 até ao final da relação de trabalho, razão pela qual deverá a mesma ser declarada nula;
26. Por outro lado, em consequência do exposto, atento o teor da prova (leia-se do conteúdo dos contratos de trabalho) junto aos presentes autos, e concluído que tão-só relativamente ao período relativo ao contrato de trabalho de 1 de Março de 2013 terá existido um “acordo” das partes com vista à isenção de horário por parte do Autor - traduzido na expressão: “The Employee is not subject to work scheduling” (leia-se, “O Trabalhador não está sujeito a horário de trabalho”); e, bem assim, que a partir 07/07/2014 - com a alteração do conteúdo do contrato, tendo passado a dispor-se que: “The Employee might not be subject to working schedule” (leia-se, “O Trabalhador poderá não estar sujeito a horário de trabalho”) - a cláusula deixou de reflectir o “acordo” exigido pelo n.º 3 do art. 35.º da Lei n.º 7/2008, está o Recorrente em crer que se impõe uma alteração ao conteúdo do Quesito 13.º da Base Instrutória;
27. Em conformidade, deve o referido Quesito passar a dizer o seguinte: “A Ré e o Autor acordaram um regime de isenção de horário de trabalho na vigência do contrato de trabalho de 01/03/2013”, porquanto apenas relativamente ao referido contrato terá sido feita “prova” da existência de um “acordo escrito” entre as partes com vista à situação de isenção de horário de trabalho por parte do Autor/Recorrente, nos termos do qual se dispôs que: “The Employee is not subject to work scheduling” (leia-se, “O Trabalhador não está sujeito a horário de trabalho”), tendo tal “acordo” deixado de existir a partir do contrato de 07/07/2014 até ao final da relação de trabalho;
Por último,
28. Salvo o devido respeito, no decorrer dos presentes autos, o Autor/recorrente limitou-se a invocar e a defender aquela que lhe parecia a melhor - e única – “interpretação” do conteúdo dos contratos de trabalho que sucessivamente assinou com a C - para o período. compreendido entre 01/03/2013 e 30/11/2014 - e, posteriormente, com a Ré B até ao termo da sua relação de trabalho;
29. Em momento algum foi intenção do Recorrente faltar à verdade e/ou de omitir factos que se mostrem relevantes para a boa decisão da causa, razão pela qual desde já se requer que a condenação em litigância de má fé constante da douta Sentença ser revogada, por manifesta falta de fundamento para o efeito.
*
A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 471 a 484v, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1). Entre 12/02/2007 e 20/04/2019, o Autor esteve ao serviço da Ré, enquanto trabalhador não residente. (A)
2). O Autor, entre 12 de Fevereiro de 2007 e 31 de Janeiro de 2009, exerceu as funções de “Safety Supervisor” (ou “Supervisor de Segurança”); entre 16 Agosto de 2010 e 14 de Março de 2012, desempenhou as funções de “Security Agent” (ou “Agente de Segurança”); e, entre 15 de Março de 2012 e 20 de Abril de 2019, as funções de “Supervisor”. (B)
3). Entre 12/02/2007 a 20/04/2019, o Autor gozou de dias de férias anuais e de dias de dispensa ao trabalho por cada ano civil, nomeadamente: (4.º)
DATA DE SAÍDA DA RAEM
DATA DE ENTRADA NA RAEM
TOTAL DE DIAS DE AUSÊNCIA
28-07-07
29-07-07
2
11-04-08
01-05-08
21
01-01-10
10-01-10
10
03-08-10
21-08-10
19
01-09-11
16-09-11
16
10-06-12
23-06-12
14
06-06-13
15-06-13
10
20-12-13
13-01-14
25
10-12-14
28-12-14
19
04-11-15
25-11-15
22
20-05-16
06-06-16
18
12-11-16
27-11-16
16
02-06-17
22-06-17
21
30-04-18
13-05-18
14
27-11-18
10-12-18
14
4). No casino, propriedade da Ré vigora um sistema de registo pontométrico (relógio de ponto), onde o Autor através do “cartão pica ponto” registava diariamente a sua hora de entrada e saída de instalação da Ré. (8.º)
5). Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, no qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas.
Nestas sessões de briefing, os Team Leaders (ou “Chefes de Equipa”) prestam as informações e dão as instruções que serão relevantes para o concreto desempenho, nesse turno, da função dos diversos guardas e agentes do departamento de segurança. (9.º e 22.º)
6). Entre 12/02/2007 a 31/12/2008, a Ré não pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (10.º)
7). Entre 01/01/2009 a 20/04/2019, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (11.º)
8). A Ré nunca conferiu ao Autor o gozo de descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (12.º)
9). A Ré e o Autor acordaram um regime de isenção de horário de trabalho a partir de 15 de Março de 2012 e até ao final da sua relação de trabalho, ou seja, 20 de Abril de 2019. (13.º)
10). O salário de base mensal auferido pelo Autor durante o período de tempo em que prestou trabalho para a Ré foi, o seguinte:
- entre 12/02/2007 e 30/04/2007, MOP8.000,01;
- entre 01/05/2007 e 31/05/2007, MOP10.500,03;
- entre 01/06/2007 e 31/07/2007, MOP11.025,02;
- entre 01/08/2007 e 31/10/2007, MOP13.500,01;
- entre 01/11/2007 e 31/07/2010, MOP16.000,03;
- entre 01/08/2010 e 28/02/2011, MOP16.560,02;
- entre 01/03/2011 e 30/09/2011, MOP17.305,12;
- entre 01/10/2011 e 14/03/2012, MOP16.805,02;
- entre 15/03/2012 e 28/02/2013, MOP19.004,01;
- entre 01/03/2013 e 28/02/2014, MOP19.980,01;
- entre 01/03/2014 e 28/02/2015, MOP21.004,02;
- entre 01/03/2015 e 29/02/2016, MOP22.080,02;
- entre 01/03/2016 e 28/02/2017, MOP22.532,03;
- entre 01/03/2017 e 28/02/2018, MOP23.108,02;
- entre 01/03/2018 e 28/02/2019, MOP23.699,01; e
- entre 01/03/2019 e 20/04/2019, MOP24.304,02. (14.º)
11). Nenhum trabalhador foi alguma vez foi disciplinarmente punido, ou sequer informalmente advertido, por não comparecer ao serviço alguns minutos antes do início do seu turno, uma vez que não existe qualquer regra, instrução ou ordem da Ré que o imponha. (19.º)
12). O registo e controlo de entradas / saídas de funcionários serve apenas para marcar, as entradas e saídas, não serve para determinar o início e o fim da prestação diária de trabalho. (20.º)
13). Para efeitos de contagem dos limites máximos de trabalho diário, o turno já se tinha iniciado, daqui resultando que nenhuma sessão de briefing importou um acréscimo de tempo de trabalho à jornada diária, pois tal sessão já estava incluída na mesma. (21.º)
14). As sessões de briefing, normalmente, não excedem os 10 minutos de duração. (23.º)
15). A Ré sugere aos seus guardas do departamento de segurança que estejam presentes nas suas instalações alguns minutos antes do início do respectivo turno. (24.º)
16). À chegada das instalações da Ré, os guardas do departamento de segurança apresentam-se com as suas roupas civis. (25.º)
17). Para desempenharem as suas funções, é exigido aos guardas do departamento de segurança que enverguem os uniformes designados para o efeito. (26.º)
18). Esses mesmos uniformes são disponibilizados, diariamente, pela Ré, que assegura a sua limpeza e devida manutenção. (27.º)
19). Após a entrada nas instalações da Ré, os guardas do departamento de segurança deslocam-se ao vestiário onde, contra a apresentação da sua identificação enquanto ou funcionário da empresa, lhes é fornecido o seu uniforme. (28.º)
20). Cada guarda e agente do departamento de segurança é responsável pela gestão de tempo necessário para a troca de roupa, de modo a poder apresentar-se, no início do seu turno, já com o uniforme. (29.º)
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Do acordo de isenção de horário:
Admite o Autor, ora Recorrente que existe o acordo de isenção de horário contrato de trabalho de 01/03/2013, celebrado entre ele e a Ré, uma vez que no ponto nº 9 do mesmo contrato estipula de forma expressa que “The Employee is not subject to work scheduling” (O Trabalhador não está sujeito a horário de trabalho).
No entanto, nos contratos de trabalhos posteriores, ou seja, a partir de 07/07/2014, tal cláusula contratual passou a ser “The Employee might not be subject to a working schedule” (O Trabalhador poderá não estar sujeito a horário de trabalho).
Assim, no seu entender, a alteração do conteúdo da cláusula em questão evidencia a vontade das partes em modificar a situação que até então existia, no sentido de em vez duma situação certa da isenção de horário de trabalho, passava a ser uma situação incerta, uma mera possibilidade.
Para o Autor, ora Recorrente, um acordo duma mera possibilidade da isenção do horário de trabalho não consubstancia verdadeiramente um acordo escrito da isenção do horário de trabalho a que se alude o nº 2 do artº 35º da Lei nº 7/2008, por entender que para o acordo produzir os seus efeitos legais, o mesmo tem de ser claro e preciso tendo em conta os princípios da certeza e segurança jurídica, nunca podendo ser uma cláusula abstracta e indeterminada.
Pelo exposto, imputa à sentença recorrida erro nos pressupostos de facto e de direito.
Quid iuris?
Não achamos que lhe assiste razão.
Vejamos.
Em primeiro lugar, entendemos que a interpretação da cláusula contratual em causa não deve ser parcial e de forma isolada, tal como é pretendida pelo Autor.
Na verdade, a cláusula em questão tem o seguinte teor:
“Work Schedule Exemption: The Employee might not be subject to a working schedule and is not subject to a limit of 8h/day and 48h/week working hours (normal working hours). The Employee acknowledges that the total amount of the monthly salary already compensates this situation.”
Resulta desde logo do título da cláusula de que está em causa uma cláusula respeitante à isenção do horário de trabalho.
O teor da mesma é claro no sentido de que o trabalhador não está sujeito ao limite máximo de 8 horas por dia e 48 horas por semana de trabalho, e o seu salário mensal já abrange a compensação do caso de excesso.
Ora, uma pessoa de diligência média consegue perceber perfeitamente o alcance da cláusula em questão, daí que entendemos que a mesma é válida, podendo produzir os seus efeitos legais.
Além disso, o Team Member Handbook da Ré também estipula que os trabalhadores com a categoria igual ou superior a D não têm direito a compensação das horas extraordinárias, a saber:
  “Overtime is defined as having to work hours beyond those scheduled or work on a scheduled day off. Overtime pay is higher than normal hourly pay. Team Members Grades E and below receive overtime pay. Overtime is paid for hours worked over 44 per weeks for Administrative and 48 per week for Operations Team Members.
  All Administrative and Operations Team Member Grade E and below are paid for overtime at 1.1 times their annual expected hourly rate for hours worked over 44 or 48 hours per week, respectively. Team Members in gaming tip pools will receive salary plus tip income for overtime hours worked.
  Overtime is calculated on a weekly basis and is accumulated through the cut-off day of each month. It is paid with the monthly payroll. Supervisors must approve overtime in advance of the work being performed.
  Grades D and above are exempt from overtime pay.”.
Ora, o Autor foi promovido para o cargo de Supervisor, correspondente à categoria D2.
De qualquer forma, como não ficaram provados os factos vertidos nos quesitos 5º a 7º, a saber:

  Desde o início da relação de trabalho, por ordem da Ré, para além de cumprir o horário de trabalho estabelecido pela Ré, o Autor estava obrigado a comparecer com uma antecedência de 30 minutos relativamente ao início de cada turno?

  Durante o referido período de tempo, o Autor (e os demais guardas de segurança) encontrava-se à disposição da Ré?

  Durante o referido período de tempo, o Autor não podia abandonar as instalações da Ré, v.g., para tratar de assuntos da sua vida pessoal?
E provado o quesito 19º:
19º
  Nenhum trabalhador foi alguma vez foi disciplinarmente punido, ou sequer informalmente advertido, por não comparecer ao serviço alguns minutos antes do início do seu turno, uma vez que não existe qualquer regra, instrução ou ordem da Ré que o imponha?
e não tendo o Autor impugnado esta decisão da matéria de facto, o seu pedido de pagamento das horas extraordinárias por esses 30 minutos nunca pode proceder.
Por fim, uma nota particular para a resposta do quesito 13º, a saber:
Provado que “A Ré e o Autor acordaram um regime de isenção de horário de trabalho a partir de 15 de Março de 2012 e até ao final da sua relação de trabalho, ou seja, 20 de Abril de 2019”.
Ora, salvo o devido respeito, achamos que uma vez que a existência ou não de tal acordo escrito constitui uma questão controversa, o mesmo não pode ser objecto do quesito1, antes deveria dar objectivamente assente o conteúdo das cláusulas contratuais em causa, analisando posteriormente se o teor das mesmas consubstancia ou não num acordo de isenção de horário de trabalho.
2. Da litigância de má-fé:
A sentença recorrida nesta parte tem o seguinte teor:
“…
  Da litigância de má fé
  Dispõe o artigo 385º do Código do Processo Civil:
  1. Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa.
  2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
  a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
  b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
  c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
  d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
  …
  Pediu a Ré na contestação a condenação da litigância de má fé por parte do Autor por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e ter alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.
  A Ré alegou que o Autor, tinha demorado quase 15 anos desde o início da relação laboral ligada com a Ré para denunciar uma situação que o mesmo entendia ser lesiva dos seus direitos.
  Alegou a Ré também que o Autor bem sabe que durante o período entre 17/08/2007 e 07/01/2018, não trabalhou para a Ré todos os dias mesmo em que esteve na RAEM, nomeadamente o Autor gozou dias de férias, dias de descanso, dias de feriado obrigatório, dias em que esteve ausente em regime de licença sem vencimento, assim como faltou ao trabalho por doença etc.
  Ainda alegou a Ré que o Autor bem sabe que desde 15 de Março de 2012, sendo promovido para “Supervisor” (trabalhador de Classe D), não mais voltou a estar sujeito ao sistema de registo e controlo do tempo de entradas e saídas, ou foi isento de horário de trabalho.
  Defende o Autor que à luz da al. 5) do n.º 3 do artigo 23 da Lei n.º 21/2009 (《Lei da contratação de trabalhadores não residentes》), do contrato de trabalho celebrado com trabalhador não residente deve constar o horário e período normal de trabalho. Assim, resultante da norma citada, afasta-se à aplicação subsidiária (art. 20º da Lei mencionada) o regime de isenção de horário de trabalho previsto no artigo 35º da Lei n.º 7/2008. Pelo que, as cláusulas de isenção de horário de trabalho celebradas nos contracto de trabalho entre o Autor e a Ré são nulas.
  Salvo devido respeito, ao Autor não assiste razão.
  Em primeiro lugar, dispõe o n.º 5 do artigo 23ºda Lei n.º 21/2009 que na falta das demais menções obrigatórias, pode o trabalhador arguir a anulabilidade do contrato no prazo de um ano a contar da data de produção de efeitos. Ou seja, ainda não se aplicar ao contrato de trabalho celebrado com trabalhador não residente o regime de isenção de horário de trabalho (por mera hipótese), as respectivas cláusulas no contracto de trabalho não são nulas mas antes apenas sujeitas à arguição da anulabilidade. Uma vez o Autor nunca o tinha feito dentro do prazo legal, caducou seu o direito, e em consequência, o vício das respectivas cláusulas no contracto de trabalho ficou “sanado”.
  Também não se vê a razão de não ser aplicado subsidiariamente o regime de isenção de horário de trabalho ao contrato de trabalho celebrado com trabalhador não residente. Designadamente no caso concreto, o Autor foi promovido em 15 de Março de 2012 para “Supervisor” (trabalhador de Classe D). Por natureza de trabalho prestado (o cargo de chefia), o Autor estava naturalmente isento de horário de trabalho.
  O Autor defende também que “horário de trabalho” e “período normal de trabalho” são conceitos jurídicos distintos. Ou seja, “Na falta de acordo das partes em contrário, a situação de isenção de horário não afasta (isto é, não prejudica) a observância dos períodos normais de trabalho (diário e semanal) e, como tal, o trabalhador isento de horário de trabalho não está obrigado a prestar mais do que 8 horas de trabalho por dia e 48 horas de trabalho por semana.”
  Sendo certo que “horário de trabalho” e “período normal de trabalho” são conceitos jurídicos distintos, porém, dispõe o n.º 3 do artigo 35º la Lei n.º 7/2008: “A isenção de horário pode afastar a observância dos períodos normais de trabalho mas não prejudica o direito do trabalhador ao gozo do intervalo para descanso, descanso semanal, feriados obrigatórios, férias e demais garantias.” Uma vez que (apenas) o gozo do intervalo para descanso, descanso semanal, feriados obrigatórios, férias e demais garantias é protegido, não se abrange manifestamente o direito à compensação do trabalho extraordinário.
  Alega ainda o Autor que só resulta do ponto 9 do contrato de trabalho válido entre 1 de Março de 2013 e 30 de Novembro de 2014 que “The Employee is not subject to work scheduling”, pelo que existia apenas no período referido algum acordo entre o Autor e A Ré com vista a uma isenção de horário de trabalho mas nunca a qualquer outro período em concreto da relação de trabalho.
  No entanto, constata-se no ponto 11 do contrato de trabalho em vigor a partir de 04/07/2014 que “The Employee might not be subjecto to a working Schedule and is not subject to a limit of 8h/day and 48h/week working hours (normal working hours). The Employee acknowledges that the total amount of the monthly salary already compensates this situation.” (fls. 398)
  Igualmente constatam-se no ponto 9 do contrato de trabalho em vigor a partir de 21/04/2016, 21/04/2017 e 21/04/2018 que “The Employee might not be subjecto to a working Schedule.
  …
  Due to the nature of the company’s business activity and the Employee position and job duties, both parties agree that the Employee may be required to work more than 8 hours per day and/or 48 hours per week. The Employee acknowledges that the total amount of the monthly salary already compensates this situation.” (fls. 402, 407 e 412)
  Assim, facilmente conclui-se que o Autor bem sabe que estava isento de horário de trabalho, pelo menos a partir de 01/03/2013, e podia ser requerido a trabalhar mais de 8 horas por dia e/ou mais de 48 horas por semana, sem receber compensação de trabalho extraordinário prestado por estar considerada no seu salário mensal (saltando de MOP16.805,02 para MOP19.004,01 após a promoção em 13/03/2012).
  Nesta circunstância, vem ainda o Autor nos presentes autos, pedir a compensação pela prestação de 30 minutos de trabalho prestado para além do período normal de trabalho, e pelo descanso compensatório não gozado até 20/04/2019, ao qual bem sabe que não tem direito!
  Pelo exposto, o Autor já litigou de Má Fé nos termos da al. a) do n.º 2 do artigo 385º do Código do Processo Civil, e em consequência, se deve condenar em pagar 8UC de multa (artigo 101º, n.º 2 do RCT).
  …”.
Trata-se duma decisão que aponta para a boa solução do caso e com a qual concordamos na sua íntegra.
Assim, ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, julgamos improvido o recurso nesta parte com os fundamentos invocados na decisão impugnada.
Na verdade, como resulta da sua motivação do recurso, o Autor pelos menos tem conhecimento, ou não devia ignorar, de que existia um acordo de isenção de horário de trabalho no contrato de trabalho de 01/03/2013.
Contudo, continuou a peticionar o pagamento das horas extraordinárias no período da vigência do referido contrato.
Além disso, omitiu que tinha promovido para o cargo de Supervisor a partir de 15/03/2012, bem como a existência do acordo de isenção de horário de trabalho no contrato de trabalho de 01/03/2013.
Tudo isto demonstra que a sua condenação como litigante de má fé é correcta.
*
IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
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Custas do recurso pelo Autor.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 23 de Fevereiro de 2023.

Ho Wai Neng
(Relator)

Tong Hio Fong
(1o Juiz-Adjunto)

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(2o Juiz-Adjunto)




1 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, Viriato de Lima, CFJJ, 2005, pág. 396.
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843/2022