Processo nº 850/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 16 de Fevereiro de 2023
ASSUNTO:
- Acidente de viação
- Cálculo da indemnização
- Danos materiais
SUMÁRIO:
- O dano consiste no prejuízo que a conduta do agente causou a outrem, estando aquele obrigado a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – artºs 556º e 557º ambos do C.Civ. –;
- O lesante é assim obrigado a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o embate o que pressupõe que seja pago o valor da reparação que repõe o carro na situação em que se encontrava;
- Não se confunde a reposição do veículo no estado em que se encontrava, e que consiste no pagamento da reparação do mesmo ou o pagamento do valor dessa reparação nos termos das disposições do C.Civ. nos artºs 556º, 557º e 560º nº 1, com aquelas outras situações em que a reparação já não é possível e em que há perda total do veículo, ou quando o valor da reparação é superior ao valor venal do veículo, sendo nestes casos a indemnização fixada em função da depreciação do veículo decorrente da idade, do uso e do estado em que se encontra.
_____________________
Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 850/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 16 de Fevereiro de 2023
Recorrente: A
Recorrida: Companhia de Seguros da XXX (Macau), S.A.
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa sob a forma de processo sumário contra
Companhia de Seguros da XXX (Macau), S.A., também, com os demais sinais dos autos,
Pedindo o Autor/Recorrente que seja condenada a Ré Seguradora/Recorrida a lhe indemnizar por danos do seu veículo na sequência de acidente causado por B no montante de MOP175.000,00, sendo MOP155.000,00 a título de danos patrimoniais e MOP20.000,00 a título de dano morais.
Proferida sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e em consequência, condena-se a Ré a pagar o Autor a quantia de MOP104,571.48, MOP94,571.48 a título dos danos patrimoniais, MOP10,000.00 a título dos danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal a contar da data desta sentença até integral pagamento, absolvendo-se a Ré do remanescente pedido.
Não se conformando com a decisão proferida vem o Autor e agora Recorrente interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões:
I. O presente é interposto da douta sentença de fls. 99 a 105 verso proferida pelo Tribunal a quo que julgou parcialmente improcedente o pedido de condenação formulado pelo Autor, ora Recorrente, contra a Companhia de Seguros da XXX (Macau), S.A., ora Recorrida, no pagamento do montante global de MOP175,000.00, a título de indemnização pelos danos emergentes do acidente de viação causado pelo condutor do veículo com a matrícula MQ-**-**, cuja responsabilidade civil se encontra transferida para a identificada companhia seguradora.
II. Decidindo o Tribunal a quo condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas a quantia global de MOP104,571.48, sendo MOP94,571.48, a título de danos patrimoniais com o custo de reparação do seu veículo automóvel, e MOP10,000.00, a título de danos morais, absolvendo a primeira do remanescente pedido.
III. O Recorrente é proprietário do veículo automóvel da Marca LOTUS, modelo ELISE 1.6 M/T, com a chapa de matrícula MT-**-**, adquirido em 2014.
IV. Na sequência do acidente de viação da exclusiva responsabilidade do condutor do veículo automóvel com a chapa de matrícula MQ-**-**, cuja responsabilidade civil se encontra transferida para a Recorrida, o automóvel do Recorrente sofreu danos na parte frontal do lado direito.
V. O custo efectivo da reparação do veículo automóvel do Recorrente ascendeu a MOP155,000.00.
VI. O Recorrente procedeu ao pagamento dessa reparação no valor de MOP155,000.00.
VII. Consta da Sentença ora impugnada que do acidente descrito resultou um dano, traduzido num prejuízo concreto (danos materiais no veículo automóvel do Recorrente) causado pela conduta do B, estando este obrigado a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
VIII. Sustenta assim o Tribunal a quo a sua decisão no regime previsto nos artigos 556º e 557º do CC, preceitos legais que são expressamente indicados neste segmento da Sentença.
IX. O regime a que se reporta a M. Juiz do Tribunal a quo estabelece o princípio geral da obrigação de indemnizar traduzido na reposição natural (cfr. artigo 556º do CC).
X. Resulta desse regime que a lei opta pela reconstituição in natura em detrimento da indemnização pecuniária, cumprindo-se a obrigação de indemnização através da reparação do objecto danificado ou da entrega de outro idêntico.
XI. Apenas quando a reconstituição natural for impossível, não repare integralmente os danos ou for excessivamente onerosa para o devedor, a lei estabelece no artigo 560º do CC, a título subsidiário, que a indemnização deve ser fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos (cfr. nºs 1, 2, 3,4 e 5 do artigo 560º do CC).
XII. A indemnização pecuniária apresenta-se como um sucedâneo a que se recorre apenas quando a reparação em forma específica se mostra materialmente impraticável, não cobre todos os prejuízos ou é demasiado gravosa para o devedor, verificando-se esta última situação “sempre que exista flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo da restauração natural para o responsável.”.
XIII. Transpondo o referido regime para o caso dos autos e de acordo com os factos provados, cabia ao Recorrente provar o custo do conserto com vista à restauração natural do seu veículo automóvel, danificado na sequência do acidente de viação cuja responsabilidade se deveu ao segurado da Recorrida.
XIV. O que o Recorrente fez, ficando provado nos autos que a reparação desses danos custou MOP155,000.00 e que aquele suportou esse custo, pagando a reparação.
XV. Sendo este o valor a que o Recorrente tem direito, de acordo com o regime previsto nos artigos 556º e 557º do CC.
XVI. No entanto, o Tribunal a quo decidiu, ao arrepio do citado princípio e disposições legais, que essa indemnização “… deve ter em conta a depreciação do veículo com a matrícula MT-**-**.”.
XVII. Decidindo o Tribunal a quo, para calcular o valor da indemnização a pagar ao Recorrente, considerar os anos de utilização do veículo (6 anos e 2 meses), as condições de utilização, os equipamentos a serem substituídos, os danos causados e o relatório de fls. 66 a 74 dos autos, fixando a indemnização a pagar ao Recorrente no valor de, apenas, MOP94,571.48, de acordo com a seguinte fórmula de cálculo: [4,500+(177,540-4,500) X 60%] X 155,000/177,540 X 100%.
XVIII. O Tribunal a quo decidiu que o valor da indemnização a pagar pela seguradora ao Recorrente não deve corresponder ao efectivo custo da reparação, incorrendo por isso numa errada interpretação da lei, em violação do disposto nos artigos 477º, 556º, 557º e 560º, nº 1, todos do CC.
XIX. Com efeito, tendo o Recorrente provado que a reparação do veículo ascendeu a MOP155,000.00, e cujo custo foi por si suportado com vista à restauração natural do veículo que ficou danificado, valor que já foi pago, competia por sua vez à Recorrida alegar e provar a excepção à regra da reparação integral dos danos resultantes do facto ilícito, demonstrando que o custo que lhe cabia suportar era, porventura, manifestamente desproporcional face ao interesse do lesado na reparação, ou, nas palavras da lei, que esse valor era, por hipótese, excessivamente oneroso.
XX. Matéria que não foi provada, nem sequer alegada, pela Recorrida, sendo por isso ilegal ilegal e despropositado o cálculo efectuado pela M. Juiz do Tribunal a quo através do qual considerou uma depreciação do veículo automóvel do Recorrente para fixar a indemnização devida.
XXI. Pretendendo o Recorrente que lhe seja pago o custo da reparação com vista à colocação do veículo em estado idêntico àquele em que se encontrava no momento anterior ao acidente, é este o direito que lhe assiste nos termos do regime previsto nos artigos 556º e 557º do CC.
XXII. Tendo por isso o Recorrente direito a uma indemnização em dinheiro de valor correspondente à quantia necessária que despendeu com vista à reparação integral do veículo automóvel, ou seja, MOP155,000.00, ao abrigo do referido regime legal, considerando que a Recorrida não mandou reparar o veículo, o que teve de ser feito pelo lesado, ora Recorrente.
XXIII. Não sendo atribuída uma indemnização correspondente ao efectivo custo da reparação já suportado na íntegra pelo Recorrente, este fica numa situação pior daquela em que se encontrava antes do acidente, daí resultando um benefício para o lesante, e não a reconstituição da situação que o lesado teria se não fossem os danos sofridos, o que é manifestamente contrário ao regime previsto nos artigos 556º, 557º do CC.
XXIV. Subjacente à fundamentação da M. Juiz do Tribunal a quo está, necessariamente, a desvalorização do veículo atendendo ao seu uso por um período de 6 anos e 2 meses.
XXV. Sucede que o valor dessa desvalorização não foi alegada nem provada e nem sequer faz qualquer sentido no âmbito dos presentes Autos, não encontrando o cálculo efectuado pela decisão recorrida qualquer suporte factual que permita alcançar essa conclusão.
XXVI. O que está aqui em causa é que o veículo automóvel ficou danificado, sendo que o custo da reparação desses danos importou o valor de MOP155,000.00, quantia que foi paga na íntegra pelo Recorrente.
XXVII. Sendo este o valor que foi peticionado e que a Recorrida deve ser condenada a pagar ao Recorrente.
XXVIII. Mesmo que assim não se entendesse, o certo é que a Recorrida limitou-se a alegar que o uso do veículo pelo período de cerca de 7 anos reduz o valor a pagar pela sua reparação ao montante de MOP80,000.00, suportando esse raciocínio no documento junto a fls. 66 a 68 dos autos, fazendo crer que o Motor Survey Report contém uma avaliação do veículo automóvel do Recorrente, o que não é verdade.
XXIX. Desse documento não consta nenhuma perícia ou avaliação que sustente qualquer valor de desvalorização desse veículo por referência à data da sua aquisição e à do acidente.
XXX. Mas mesmo que o fizesse, o que não se verifica, essa avaliação seria irrelevante, porque o Recorrente não peticionou a substituição do seu veículo por outro de valor equivalente, nem do acidente em causa nos presentes autos resultou a destruição total daquele automóvel.
XXXI. Sendo que só nestas duas situações é que a reparação do dano teria necessariamente que atender à respectiva desvalorização e respectivo cálculo, na medida em que, se assim não fosse, a indemnização imposta ao lesante acarretaria uma excessiva onerosidade.
XXXII. Excessiva onerosidade que, igualmente, não foi alegada nem demonstrada pela Recorrida, não se encontrando provada nos autos.
XXXIII. O que o relatório junto a fls. 66 a 68 dos autos se limita a fazer é uma dedução automática de 50% ao custo das peças necessárias à reparação, a título de Contribution to Betterment on Parts.
XXXIV. Este tipo de cláusula (Contribution to Betterment on Parts), susceptível de constar nos contratos de seguro automóvel, estipula que se do conserto ou da substituição das peças danificadas resultar uma melhoria para o veículo, a seguradora não pagará esse custo, assim evitando que o segurado lucre com essa reparação ou com a substituição de peças em situações nas quais seja impossível para a seguradora reparar ou substituir o bem sem melhorar a situação do segurado.
XXXV. No entanto, essa dedução a título de Contribution to Betterment on Parts consistirá, eventualmente, numa cláusula inserida no contrato de seguro automóvel celebrado entre o lesante, B, e a Recorrida.
XXXVI. Mas esse contrato não se encontra sequer junto aos Autos, não sendo possível saber se a mesma consta, efectivamente, desse contrato.
XXXVII. Provado nos Autos encontra-se, apenas, que entre a Recorrida e o B, foi celebrado o contrato que tem por objecto o seguro de responsabilidade civil pelos danos que a utilização do veículo com a matrícula MQ-**-** venha a causar a terceiros, contrato esse que era válido no momento da ocorrência do acidente.
XXXVIII. Nos termos deste contrato, o limite máximo da responsabilidade da Recorrida por cada acidente é de MOP1,500,000.00.
XXXIX. Donde, face ao acidente descrito nos presentes autos, a Recorrida é responsável pelos danos causados até ao referido limite.
XL. Não se encontrando provada a desvalorização do veículo automóvel do Recorrente, nem que a reparação em forma específica se mostra materialmente impraticável, não cobre todos os prejuízos ou que é demasiado gravosa para o devedor, é ilegal a fixação de uma indemnização de valor inferior ao efectivo custo da reparação do veículo danificado, atento o regime regra previsto nos artigos 556º e 557º do CC.
XLI. A solução encontrada pela Sentença ora impugnada deixa o Recorrente numa situação pior àquela em que se encontrava antes do acidente, o que é manifestamente contrário ao regime instituído nos aludidos artigos do CC.
XLII. Devendo a Recorrida proceder ao pagamento integral dessa reparação no valor de MOP155,000.00 a favor do Recorrente, atendendo a que esse montante já foi liquidado por este.
XLIII. No que respeita aos danos não patrimoniais peticionados pelo Recorrente, no valor de MOP20,000.00, decidiu o Tribunal a quo fixar uma indemnização no valor de MOP10,000.00, quantia que não é adequada, mostrando-se ainda escassa e desajustada em face dos danos que sofreu.
XLIV. Ficou provado nos Autos que o Recorrente tem uma particular estima pelo veículo automóvel com a matrícula MT-**-**, que é o seu predilecto por ser um carro desportivo que gosta de conduzir nos seus tempos livres.
XLV. A circunstância de ficar privado desse automóvel por longo período causou ao Recorrente tristeza e desconforto pela especial afectividade que nutre por esse bem, que é seu e que comprou especificamente para o afectar a passeios de lazer.
XLVI. Donde, a fixação do valor de MOP10,000.00 a título de reparação dos danos morais sofridos pelo Recorrente é manifestamente insuficiente face aos factos que nesta matéria foram dados por assentes no texto da decisão, considerando-se como equitativo e adequado o valor de MOP20,000.00 como peticionado.
Contra-alegando veio a Ré/Recorrida apresentar as seguintes conclusões:
I. O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base a fls. 99 a 105 verso dos autos, que julgou parcialmente procedente a presente acção intentada pelo Autor, ora Recorrente, e, em consequência, condenou a Ré, ora Recorrida, a pagar ao Recorrente a quantia de MOP104,571.48, sendo MOP94,571.48 a título de danos patrimoniais e MOP10,000.00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais à taxa legal calculados a partir da data da sentença, até efectivo e integral pagamento.
II. O Recorrente insurge-se contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, por entender que o valor da indemnização a título de danos patrimoniais a pagar pela Recorrida deveria ter tido em conta, exclusivamente, o custo de reparação do veículo automóvel.
III. O Recorrente insurge-se ainda quanto à quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais, no valor de MOP10,000.00, considerando equitativo e adequado o valor de MOP20,000.00, como peticionado em sede de petição inicial.
IV. O Tribunal a quo decidiu bem ao ter condenado a Recorrida a pagar ao Recorrente, tão-só, a quantia de MOP104,571.48, precisamente por ter sido provada a desvalorização do veículo automóvel do Recorrente, critério que se afigura in casu essencial para se apurar e decidir pela justa e equitativa quantia indemnizatória.
V. Dos elementos probatórios constantes dos autos, e de toda a prova produzida, mormente documental, não poderia o douto Tribunal a quo ter decidido de modo diferente.
VI. Ficou assente e provado que “à data do acidente, o veículo MT-**-** já tem 6 anos e 2 meses de uso”.
VII. No momento da ocorrência do acidente de viação o veículo automóvel do Recorrente já tinha 6 anos e 2 meses de uso, porquanto foi adquirido pelo Recorrente em 2014.
VIII. Aquando da ocorrência do acidente in casu o veículo automóvel do Recorrente tinha o estado de usado, e não de novo.
IX. O causador desse acidente de viação, que provocou danificações no referido veículo automóvel, está obrigado a reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, cfr. artigo 556.º do Código Civil que consagra o princípio geral da obrigação de indemnização.
X. A Recorrida é obrigada a reconstituir a situação que existiria se não tivesse verificado o embate.
XI. A situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação é, precisamente, a existência de um veículo automóvel ligeiro da marca LOTUS, modelo ELISE 1.6 M/T, com a chapa de matrícula MT-**-**, adquirido pelo Recorrente em 2014, i.e., com 6 anos e 2 meses de uso, sem os danos provocados pelo acidente de viação.
XII. Este factor foi devidamente tido em conta pelo Tribunal a quo, porquanto o valor da desvalorização ou depreciação de um veículo automóvel resultante do decurso do tempo, e que atinge qualquer veículo automóvel independentemente de ter sido objecto ou não de qualquer acidente, é determinante no momento do arbitramento da indemnização em consequência da verificação de um acidente de viação.
XIII. Se o Tribunal tivesse fixado uma indemnização atendendo, tão-só, ao custo da reparação do veículo danificado, não se estaria a reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o embate, com a inerente violação da base legal aplicável, e não se estaria a colocar o veículo em estado idêntico àquele em que se encontrava no momento anterior ao acidente.
XIV. O Recorrente ficaria numa situação melhor comparativamente àquela em que se encontrava antes do acidente, porquanto o documento junto a fls. 66 a 68 dos autos é deveras elucidativo do melhoramento do veículo automóvel do Recorrente após a respectiva reparação, locupletamento esse que não poderá ser imputado à Recorrida, que apenas é obrigada a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o acidente de viação.
XV. Ficou provada a desvalorização do veículo automóvel do Recorrente, o que, necessariamente, reduz o montante a que a Recorrida deverá ser condenada a pagar, razão pela qual o Tribunal a quo arbitrou uma indemnização, a título de reparação, inferior ao efectivo custo de reparação desse veículo, atento, precisamente, o disposto consagrado nos artigos 556.º e 557.º do Código Civil.
XVI. Em face da matéria de facto dada por provada, a decisão proferida nos presentes autos quanto ao valor da indemnização fixado a título de danos patrimoniais não merece qualquer censura.
XVII. O valor da indemnização arbitrado a título dos danos não patrimoniais foi fixado equitativamente pelo Tribunal a quo e não merece qualquer censura.
XVIII. Deve improceder o recurso interposto pelo Recorrente, mantendo-se na íntegra a douta decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. O Autor é proprietário do veículo automóvel ligeiro da marca LOTUS, modelo ELISE 1.6 M/T, com a chapa de matrícula MT-**-**, adquirido em 2014.
2. A Ré é uma sociedade comercial com sede em Macau, na Alameda Dr. Carlos D´Assumpção, nº ..., Edifício ......, ...º andar, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº 1**** (SO).
3. No dia 21 de Fevereiro de 2021, cerca das 17 horas, ocorreu um acidente de viação na Avenida de Luís de Camões, em Coloane, junto ao poste de iluminação com o n.º 928C13, foram intervenientes desse acidente de viação:
- A, Autor, enquanto condutor do automóvel com a chapa de matrícula MT-**-**; e,
- B, enquanto condutor do automóvel com a chapa de matrícula MQ-**-**.
4. No momento em que ocorreu o referido acidente, a responsabilidade civil do veículo automóvel do Autor, com a chapa de matrícula MT-**-**, encontrava-se transferida para a YY Insurance CO., Ltd..
5. A responsabilidade civil do veículo automóvel com a chapa de matrícula MQ-**-**, conduzido por B, encontrava-se transferida para a Ré, a Companhia de Seguros DA XXX (MACAU), através da apólice de seguro automóvel n.º ###-20-04**** E1/R1 N.
6. A Avenida de Luís de Camões situa-se em frente do Complexo Residencial Hellene Garden.
7. No dia do acidente, cerca das 17 horas, o Autor conduzia o seu automóvel ligeiro com a chapa de matrícula MT-**-**, na Estrada de Hac-Sá.
8. À frente do Autor circulava o automóvel com a chapa de matrícula MQ-**-**, conduzido por B.
9. O automóvel com a chapa de matrícula MQ-**-**, conduzido por B, e, logo depois, o veículo automóvel conduzido pelo Autor, viraram então à esquerda e entraram na Avenida de Luís de Camões, na via de trânsito do lado esquerdo junto ao separador central, em direcção à Estrada Nova de Hac-Sá.
10. O automóvel com a chapa de matrícula MQ-**-**, conduzido por B, e, logo depois, o veículo automóvel conduzido pelo Autor, fizeram inversão de marcha na Avenida de Luís de Camões, e passaram para a outra faixa de rodagem situada na mesma Avenida no sentido da Estrada de Hac-Sá, na via de trânsito do lado esquerdo, junto do passeio, em frente do Edifício Prestige Vila, Lot 1, do referido Complexo Residencial.
11. Quando entrou na faixa de rodagem na Avenida de Luís de Camões em direcção à Estrada de Hac-Sá, o automóvel ligeiro com a chapa de matrícula MQ-**-**, conduzido por B, parou mesmo em frente ao referido edifício, na via de trânsito do lado esquerdo.
12. O Autor travou e imobilizou o seu automóvel MT-**-** atrás do veículo com a chapa de matrícula MQ-**-**, tomando em conta que este mesmo veículo seguia à sua frente e tinha parado na via.
13. Cerca de alguns segundos depois do Autor ter imobilizado totalmente o seu veículo na via, o condutor do automóvel ligeiro com a chapa de matrícula MQ-**-** fez marcha atrás e embateu com a traseira do veículo que conduzia na parte frontal, do lado direito, do automóvel conduzido pelo Autor.
14. Em consequência directa do embate descrito, o veículo automóvel do Autor ficou com a parte frontal do lado direito danificada ao nível da chapa.
15. Bfez marcha atrás com falta de atenção e prudência.
16. B, enquanto condutor do automóvel ligeiro com a chapa de matrícula MQ-**-**, efectuou a manobra de marcha atrás de forma descuidada, desatenta e imprudente, a ponto de não se aperceber da presença do veículo do Autor na sua via de trânsito que estava totalmente imobilizado atrás de si.
17. O condutor do veículo com a chapa de matrícula MQ-**-** fez a referida manobra de marcha atrás sem tomar as devidas precauções em relação ao trânsito que circulava na mesma via mesmo atrás de si.
18. O condutor do veículo com a chapa de matrícula MQ-**-**, antes de iniciar a manobra de marcha atrás, não tomou precaução necessária para se certificar se na sua retaguarda não circulava ou não estava nenhum veículo.
19. Pela violação do disposto no artigo 45º, nº 1 da LTR, o Réu foi punido com a aplicação da multa prevista no nº 3 do mesmo artigo e lei.
20. À data e hora do referido acidente o tempo estava bom, o pavimento estava seco.
21. Na sequência do acidente, o veículo automóvel do Autor ficou danificado, atendendo ao embate que sofreu.
22. Numa primeira verificação dos danos pela oficina Resoma Motor Service Centre, a reparação do automóvel do Autor foi avaliada em MOP 177,540.00.
23. A oficina fez um desconto após a reparação, cujo custo efectivo se cifrou em MOP 155,000.00 (cento e cinquenta e cinco mil patacas).
24. Em resultado do acidente em causa, os danos provocados na parte frontal do lado direito do veículo do Autor, com a matrícula MT-**-**, implicaram as seguintes reparações:
- 人工:裝拆更換以下損壞之零件
- 零件:頭泵把連沙板
- 頭泵把中網
- 頭泵把右中網
- 右頭大燈
- 焗油:頭泵把連沙板.
25. A reparação ascendeu ao montante total de MOP 155,000.00, custo que foi suportado pelo Autor.
26. O Autor procedeu ao pagamento do custo de reparação no valor de MOP 155,000.00 em 21 de Maio de 2021.
27. O Autor gosta particularmente do modelo em causa, razão pela qual o comprou.
28. Em consequência do referido acidente e dos danos provocados, o Autor ficou privado do uso do seu automóvel, o qual ainda se encontra imobilizado para reparação há mais de três meses.
29. O longo período de imobilização do veículo automóvel do Autor deve-se o facto de a reparação aguardar a chegada das peças importadas do Reino Unido.
30. O Autor perdeu a utilidade do meio de transporte necessário às suas comodidades, encontrando-se impedido de dispor, no imediato, do meio de locomoção que era o veículo MT-**-**.
31. O Autor teve de recorrer a outro veículo automóvel não podendo, desta forma, exercer o direito de utilizar o veículo MT-**-** da sua eleição, impedimento provocado por motivo completamente alheio à sua vontade.
32. O veículo MT-**-** é o carro da preferência do Autor, por ser um automóvel desportivo que utiliza para a fruição do seu tempo livre.
33. O acidente causou o Autor sentimento de tristeza e desconforto de se ver impossibilitado de utilizar o seu veículo automóvel predilecto.
34. À data de acidente, o veículo MT-**-** já tem 6 anos e 2 meses de uso.
b) Do Direito
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Segundo o nº 1 do artº 477º do C.Civ. «aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
São, assim, pressupostos da responsabilidade civil:
- O facto;
- A ilicitude;
- A imputação do facto ao lesante;
- O dano;
- Nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Quanto ao facto este tanto pode ser positivo, traduzido num acto ou acção, como também, negativo traduzido numa omissão quando «haja o dever jurídico de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente teria impedido a consumação desse dano.»1
A ilicitude pode consistir na violação do direito de outrem (entre as várias formas que aquela pode revestir).
Da prova produzida resultou demonstrado que o condutor do automóvel ligeiro com a chapa de matrícula MQ-**-**, B, fez marcha atrás sem tomar as devidas precauções em relação ao trânsito que circulava na mesma via atrás de si e embateu com a traseira do veículo que conduzia na parte frontal, do lado direito, do automóvel conduzido pelo Autor.
Segundo o artigo 45.º/1 da Lei n.º 3/2007, Lei do Trânsito Rodoviário, a marcha atrás só é permitida como manobra auxiliar ou de recurso, devendo realizar-se lentamente, no menor trajecto possível e de modo a não prejudicar o trânsito.
Os utentes da via pública devem abster-se de quaisquer actos que possam impedir ou embaraçar o trânsito ou comprometer a segurança ou comodidade dos outros utentes (artigo 6.º/2 da Lei n.º 3/2007, Lei do Trânsito Rodoviário). O condutor não pode retomar a marcha sem assinalar com a necessária antecedência a sua intenção e sem adoptar as precauções necessárias para evitar qualquer acidente (artigo 17.º/1 da Lei n.º 3/2007, Lei do Trânsito Rodoviário).
B, ao fazer a marcha atrás com falta de atenção e prudência e embater o veículo que o Autor seguia, violou o artigo17.º/1 e 45.º/1 da Lei n.º 3/2007, Lei do Trânsito Rodoviário, dando assim causa ao embate entre os veículos.
Como consequência de embate, o veículo do Autor com matrícula MT-**-** ficou danificado.
O embate e subsequente danificação do veículo do Autor são o facto ilícito a que alude a disposição legal, sendo que, no caso em apreço não há dúvidas que a danificação haja sido causado pela conduta deBenquanto fez marcha atrás.
No caso dos autos, não resulta em momento algum que B apesar de ter violado norma legal reguladora do trânsito rodoviário a que estava obrigado, haja, em momento algum equacionado a eventualidade do embate ocorrer e as suas consequências, pelo que, a hipótese do dolo está afastada.
«Temos, pois, a figura da negligência, sempre que o agente omitiu ou esqueceu o seu dever de diligência, não chegando sequer a prever o evento como consequência possível da sua conduta, quando podia e devia tê-lo previsto (negligência inconsciente); ou sempre que o agente, tendo previsto o evento como consequência meramente possível da sua conduta, não usou das adequadas cautelas para o evitar, confiando, precipitada ou levianamente, em que não se verificasse (negligência consciente). Esta última figura está justamente na fronteira do dolo eventual».
À míngua de factos que nos levem a concluir em sentido contrário, temos que o embate ocorreu por negligência deB, pelo que, face ao disposto no nº 1 do artº 477º do C.Civ. incorre na obrigação de indemnizar o lesado pelos danos causados.
Como consequência directa e necessária do embate, os danos provocados na parte frontal do lado direito do veículo do Autor implicaram reparações no valor de MOP155,000.00.
O dano consiste no prejuízo que a conduta do agente causou a outrem, estando aquele obrigado a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – artºs 556º e 557º ambos do C.Civ. -.
Ou seja, B é obrigado a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o embate.
Assim, a fixação de indemnização devida deve ter conta a depreciação do veículo com matrícula MT-**-**.
Da factualidade resulta que o veículo MT-**-** já tem 6 anos e 2 meses de uso. Das fotografias junto a fls. 70 a 73 resulta que as condições do veículo com matrícula MT-**-** são normais.
Tendo em consideração os anos de utilização do veículo com matrícula MT-**-**, as condições de utilização de veículo com matrícula MT-**-**, os equipamentos a serem substituídos, os danos causados e o relatório de fls. 66 a 74, entendemos que a indemnização a título de reparação do veículo deve ser fixado em MOP94,571.48. A forma de cálculo é de〔4,500+ (177,540-4,500)X 60%〕 X 155,000/177,540X100%.
*
A reconstituição de situação anterior visará não só os prejuízos patrimoniais como ainda aqueles que, embora insusceptíveis de expressão pecuniária, mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito – danos morais ou não patrimoniais.
Segundo o nº 1 do artº 489º do C.Civ. «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».
Ficou provada a seguinte factualidade:
- Em consequência do referido acidente e dos danos provocados, o Autor ficou privado do uso do seu automóvel, o qual ainda se encontra imobilizado para reparação há mais de três meses.
- O Autor teve de recorrer a outro veículo automóvel não podendo, desta forma, exercer o direito de utilizar o veículo MT-**-** da sua eleição, impedimento provocado por motivo completamente alheio à sua vontade.
- O veículo MT-**-** é o carro da preferência do Autor, por ser um automóvel desportivo que utiliza para a fruição do seu tempo livre.
- O acidente causou o Autor sentimento de tristeza e desconforto de se ver impossibilitado de utilizar o seu veículo automóvel predilecto.
In casu, a tristeza, o desconforto, a privação do uso do veículo que resultam de embate e impossibilidade de reparação imediata do veículo, são danos indemnizáveis.
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critério de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular de indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidade da vida2.
A reparação obedecerá ao critério de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso3.
A fixação de um valor de MOP10.000,00 a título de danos não patrimoniais mostra-se equitativo para compensar o Autor pelo tristeza e desconforto a que foi e passou a estar sujeita na sequência do acidente.
*
SendoBresponsável pelo pagamento da indemnização a favor do Autor, face à transferência da responsabilidade por força do seguro para a Ré e situando-se o valor da indemnização dentro do limite da responsabilidade transferida para a seguradora é esta obrigada a satisfazer a indemnização devida por aquele nos termos do respectivo contrato e Decreto-Lei nº 57/94/M.
*
Pede o A. a condenação da Ré nos juros contados desde a citação até integral pagamento.
A este respeito o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido no processo n.º 69/2010 afirmou que a indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.º, n.º 5, 794.º, n.º 4 e 795.º, n. os 1 e 2 do Código Civil, seja sentença de 1.ª Instância ou de tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação.
Pelo que, a condenação em juros deve respeitar a indicada Jurisprudência.».
Vem interposto recurso da decisão recorrida na parte em que o valor da indemnização é reduzido ao considerar a depreciação do carro em função da idade e quanto ao valor dos danos morais.
Concluindo, e bem, na decisão recorrida diz-se que, «o dano consiste no prejuízo que a conduta do agente causou a outrem, estando aquele obrigado a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – artºs 556º e 557º ambos do C.Civ. -» e concluindo-se e bem, também, que «B é obrigado a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o embate» o que pressupõe que seja pago o valor da reparação que repõe o carro na situação em que se encontrava.
Contudo, numa decisão que não se compreende e não encontra na lei fundamento, vem depois a decidir-se aplicar ao valor da reparação dos danos materiais uma depreciação que não se percebe com base em que é calculada e que, menos ainda encontra na lei fundamento algum.
Diz-se a este respeito na decisão recorrida que «a fixação de indemnização devida deve ter conta a depreciação do veículo com matrícula MT-**-**.
Da factualidade resulta que o veículo MT-**-** já tem 6 anos e 2 meses de uso. Das fotografias junto a fls. 70 a 73 resulta que as condições do veículo com matrícula MT-**-** são normais.
Tendo em consideração os anos de utilização do veículo com matrícula MT-**-**, as condições de utilização de veículo com matrícula MT-**-**, os equipamentos a serem substituídos, os danos causados e o relatório de fls. 66 a 74, entendemos que a indemnização a título de reparação do veículo deve ser fixado em MOP94,571.48. A forma de cálculo é de〔4,500+ (177,540-4,500)X 60%〕 X 155,000/177,540X100%.».
Não acompanhamos a decisão recorrida neste sector da decisão.
Salvo melhor opinião, confunde-se a reposição do veículo no estado em que se encontrava, e que consiste no pagamento da reparação do mesmo ou o pagamento do valor dessa reparação nos termos das disposições do C.Civ. nos artº 556º, 557º e 560º nº 1 como muito bem se cita, com aquelas outras situações em que a reparação já não é possível e em que há perda total do veículo, ou quando o valor da reparação é superior ao valor venal do veículo, sendo nestes casos a indemnização fixada em função da depreciação do veículo decorrente da idade, do uso e do estado em que se encontra4.
Diga-se a propósito, que se na maioria dos veículos ocorre depreciação decorrente do tempo e do uso, esta regra ainda assim não é automática, não tem fundamento na lei e haverá de resultar da situação concreta, pois há veículos que pelas suas características, por serem de colecção, por já não se fabricarem, etc. em vez de o seu valor depreciar, aumenta com o decorrer do tempo.
Ora, no caso dos autos não há factualidade alguma sobre esta matéria, nomeadamente quanto ao valor venal – e não comercial -do veículo em causa na data do acidente, pelo que, a decisão em causa não tem qualquer fundamento factual.
Por outro lado, não resulta em momento algum que a reparação do veículo e a reposição do mesmo no estado em que se encontrava não é possível.
O desconto do valor de depreciação no cálculo da indemnização que é referida por alguma Doutrina é usada para as situações de perda total da coisa, mas atente-se, neste caso é preciso demonstrar o valor da coisa ao tempo do facto gerador da responsabilidade civil, entendendo-se que esse valor é o valor venal do veículo o qual resulta do seu estado de conservação, do uso que dele faz o seu proprietário e da utilidade do mesmo, do valor de mercado, etc..
Ora, no caso em apreço não resulta da factualidade apurada em momento algum que a reparação do veículo não seja possível.
A indemnização consiste em reconstituir a situação que existiria se a lesão não tivesse ocorrido, isto é, consiste em repor o carro na situação em que estava antes de ter sofrido o dano, ou seja proceder à sua reparação.
No rigor até o que deveria ter acontecido era ter sido o lesado ou aquele para que a responsabilidade foi transmitida - a Companhia de Seguros – a mandar reparar o carro e pagar a respectiva factura.
Não tendo sido o que aconteceu, e tendo o lesado de pagar a reparação para que o carro volte a estar no estado em que se encontrava o valor que pagou foi uma perda no seu património provocada pelo lesante, pelo que, é essa perda – do valor da factura da reparação – que deve ser reparada consistindo no valor da indemnização.
Neste sentido ia e bem a decisão recorrida até resolver aplicar o valor da depreciação ao custo da reparação sem fundamento legal nem de facto.
Destarte, deve proceder o recurso no que concerne ao valor da indemnização por danos patrimoniais.
Mais se recorre do valor da indemnização por danos morais/não patrimoniais o que se pedia que fosse arbitrado em MOP20.000,00 e foi fixado em MOP10.000,00.
A indemnização por danos não patrimoniais é fixada pelo impedimento do Autor usar o carro da sua eleição, a tristeza e desconforto daí decorrente dado que segundo consta dos autos a reparação do mesmo demorou cerca de 3 meses.
Ora, em face dos fundamentos para a fixação desta indemnização e da factualidade apurada o valor arbitrado mostra-se adequado, não havendo reparo a fazer ao decidido, sendo de manter a decisão recorrida nesta parte aderindo aos seus fundamentos que aqui se dão por reproduzidos.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida no que concerne ao valor da indemnização por danos patrimoniais condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP155.000,00, mantendo-se em tudo o mais a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrida e do Recorrente na proporção do decaimento.
Registe e Notifique.
RAEM, 16 de Fevereiro de 2023
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Cit. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 4ª ed., pág. 448.
2 Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CÓDIGO CIVIL ANOTADO VOLUME I, 4.ª ed., Coimbra Editora, p. 501.
3 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almeida, 10.ª edição, revista e actualizada, vol. I, p. 600 e seguintes.
4 Sobre esta matéria Veja-se “A indemnização dos danos causados por acidentes de viação – Algumas questões controversas, de Laurinda Guerreiro Gemas, em Revista Julgar nº 8 – 2009.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
850/2022 CÍVEL 4