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Processo nº 117/2021
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, (“甲”), intentou contra “B”, (“乙”), ambas com sede em Macau, acção declarativa de condenação com forma ordinária, e, alegando (essencialmente) que a R. não cumpriu o acordado em três contratos-promessa de compra e venda que celebraram, formulou, a final, pedido no sentido de:

“(i) ser proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré faltosa, designadamente os efeitos translativos da propriedade para a Autora das Fracções identificadas; e
(ii) ser a Ré condenada na entrega à Autora do montante do débito garantido correspondente às fracções objecto dos contratos, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos até integral pagamento para o efeito de expurgação da hipoteca.
Subsidiariamente, caso assim não entenda, deve:
(iii) ser a Ré condenada por não cumprimento dos Contratos-Promessa a pagar à Autora o dobro das quantias que este lhe pagou, bem como a indemnização pelo dano excedente – correspondente à diferença entre o preço acordado entre as partes na data da celebração dos Contratos-Promessa e o valor de mercado das fracções prometidas na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (artigo 560/5 do CCivil), i.e., no momento do encerramento da discussão e julgamento (artigo 566/1 do CPC) – mais o valor dos impostos pagos pelas respectivas transmissões intercalares, o que, à data da proposição da presente acção, se cifra já em (MOP74.899.745,00 = MOP16.927.058,00 + MOP23.543.103,00 + MOP34.429.584,00), tudo com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, caso assim não entenda, deve:
(iv) ser a Ré condenada pelo não cumprimento dos Contratos-Promessa a pagar à Autora o dobro das quantias que este lhe pagou, mais o valor dos impostos pagos pelas transmissões intercalares das Fracções ora em causa (MOP7.409.025,00 = (MOP841.510,00 + MOP1.119.610,00 + MOP1.722.160,00) x 2 + MOP42.465,00), tudo com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
(…)”; (cfr., fls. 2 a 10 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, após contestação (e reconvenção) da R., (cfr., fls. 114 a 159), proferiu-se sentença onde em sede do dispositivo se fez constar que:

“Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga procedente a acção e, improcedente a reconvenção, em consequência, decide:
- Substituir-se à Ré B a emitir a declaração de no sentido de vender à Autora, pelo preço de HKD$817.000.00, HKD1.087.000,00 e HKD1.672.000,00, respectivamente, as fracções autónomas designada por “A1”, “F1” e “G1” do 1° andar “A”, “F” e “G”, para escritório, do prédio urbano sito em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona A, Lote 6, descrito na CRP de Macau sob o número XXXXX, inscrita a favor da Ré sob a inscrição o n°XXXX, a fls. 88 do Livro FXXK; e
- Julgar-se improcedente o restante pedido formulado pela Autora, absolvendo a Ré do pedido;
- Julgar-se improcedentes todos os pedidos reconvencionais formulados pela reconvinte/Ré, absolvendo a Autora/reconvinda desses pedidos.
(…)”; (cfr., fls. 427 a 437-v).

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Inconformada, a R. recorreu; (cfr., fls. 448 a 493).

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Por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 04.04.2019, (Proc. n.° 327/2017), decidiu-se “conceder provimento ao presente recurso, revogando a sentença de primeira instância recorrida e declarando resolvidos os contratos-promessa identificados nos autos com a notificação judicial avulsa”, devolvendo-se “os autos ao Tribunal a quo para este apreciar o pedido subsidiário formulado em tempo pela Autora/Recorrida, se outra circunstâncias impeditivas não existirem”; (cfr., fls. 544 a 578).

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Do assim decidido, para este Tribunal de Última Instância recorreu a A., e por Acórdão de 29.11.2019, (Proc. n.° 111/2019), decidiu-se “conceder parcial provimento ao recurso, declarando-se nulo o acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância na parte em que alterou as respostas aos quesitos 5.° e 6.° da base instrutória, por excesso de pronúncia”, e, negando-se “provimento ao recurso na parte restante, manteve-se o acórdão recorrido nesta mesma parte”; (cfr., fls. 689 a 697-v).

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Assacadas nulidades várias ao assim decidido, por Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 26.02.2020 deram-se as mesmas por inverificadas; (cfr., fls. 723 a 735-v).

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Em conformidade com o decidido, devolvidos os autos ao Tribunal Judicial de Base, e na sequência da tramitação processual entendida como adequada proferiu-se a sentença seguinte:

“I) RELATÓRIO
A (甲), com sede em Macau, na [Endereço(1)], registada na Conservatória do Registo Comercial sob o n.ºXXXXX (SO), vem intentar a presente
ACÇÃO ORDINÁRIA contra
B (乙), com sede em Macau, na [Endereço(2)], registada na Conservatória do Registo Comercial sob o n.ºXXXX (SO).
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Com base na p.i. constante de fls. 2 a 10, pretendeu a Autora, a título principal, a execução específica dos três contratos-promessa celebrados com a Ré e subsidiariamente, a condenação da Ré no pagamento de indemnização, fundamentando no incumprimento imputável à Ré.
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A Ré apresentou a contestação, excepcionando a falta de interesse de agir em relação ao pedido subsidiário constante da alínea iv), e, deduzindo a reconvenção no sentido de declarar-se validamente resolvidos os referidos contratos-promessa, tudo conforme consta do articulado de fls. fls. 114 a 159 dos autos.
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Saneados os autos, admite-se a reconvenção deduzida pela Ré e foram seleccionados factos considerados assentes e os factos que se integram na base instrutória.
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Realiza-se a audiência de discussão e julgamento por Tribunal Colectivo de acordo com o formalismo legal.
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Por sentença proferida em 08 de Novembro de 2106, foram julgados parcialmente procedentes os pedidos principais formulados pela Autora, decidindo a substituição da Ré para emitir a declaração de vender à autora as fracções autónomas designadas por "A1", "F1" e "G1"do 1º andar "A", "F" e "G" por escritório, do prédio descrito sob o nº XXXXX, inscritas a favor da Ré e julgada improcedente a reconvenção da Ré.
Essa sentença foi objecto de recurso interposto pela Ré, por acórdão tomado pelo Tribunal da Segunda Instância, já transitado em julgado, que concedeu provimento ao recurso, declarando resolvidos os contratos-promessa celebrados entre a Autora e a Ré com a notificação judicial avulsa, e mandar a baixa dos autos para apreciar os pedidos subsidiários formulados pela Autora.
*
Perante a improcedência dos pedidos principais, cumpra apreciar os pedidos subsidiários da Autora, na sequência do acórdão do T.S.I..
II. Factos
Com a alteração de matéria de facto ordenada pelo Tribunal de Segunda Instância e Tribunal de Última Instância, são considerados assentes os factos constantes de fls. 437 a 430 mais os seguintes factos: Quando a Autora assinou os contratos-promessa, sabia que os preços de compra das fracções eram abaixo dos preços do mercado (quesito 3° da base instrutória) e durante o ano de 2011, os custos de construção de fracções para comércio (em relação aos custos de 1995, época de início de construção do edifício das fracções), aumentaram em valor não apurado, mas não superior a HK$849.00 por pé quadrado (quesito 4° da base instrutória).
III. Enquadramento Jurídico
São seguintes pedidos formulados pela Autora, em subsidiariedade:
(a) A condenação da Ré no pagamento de MOP$74.899.745,00, correspondente ao dobro das quantias que este lhe pagou, bem como a indemnização pelo dano excedente - correspondente à diferença entre o preço acordado entre as partes na data da celebração dos Contratos-Promessa e o valor de mercado das fracções prometidas na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
(b) A condenação da Ré no pagamento de MOP$7.409.025,00, correspondente ao dobro das quantias que este lhe pagou, mais o valor dos impostos pagos pelas transmissões intercalares das Fracções ora em causa, com os juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Em relação aos pedidos subsidiários de restituição da quantia correspondente ao dobro do sinal, deduziu a Ré a excepção de falta de interesse processual por parte da Autora por a Ré disponibilizar à Autora a quantia em causa que esta recusou a receber.
Ao abrigo do disposto do art°72° do C.P.C., que "Há interesse processual sempre que a situação de carência do autor justifica o recurso às vias judiciais."
Conforme os factos alegados pela Autora, entende esta que a Ré incumpriu culposamente os contratos celebrados, pretendendo que esta seja condenada a indemnizar por danos a ele causados, que corresponde ao dobro do sinal mais os danos excedentes correspondente à diferença entre este e do valor actual das três fracções, assim como as despesas que ele tinha realizado para dar o cumprimento dos contratos.
Ainda que a Ré disponibilizasse a quantia correspondente ao dobro do sinal à Autora, essa quantia não satisfaz a totalidade dos prejuízos que a Autora entende ter direito a receber por incumprimento do contrato imputável à Ré, o que justifica o recurso ao Tribunal por parte da Autora para fazer tutelar o alegado direito, à míngua da questão se, ao abrigo do direito substantivo, a Autora terá ou não direito à indemnização reclamada.
Assim, não procede a excepção dilatória invocada pela Ré.

Debruçamos sobre a questão de mérito dessas pretensões subsidiárias.
Dispõe-se o disposto do art°787° do C.C., que "O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor."
Prevê-se, por outro lado, o nº2 do art°436° do C.C. que "Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este ultimo, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado."
É pacífico que estão condicionadas as indemnizações preceituadas desse preceito com incumprimento definitivo do contrato imputável à outra parte.
No caso em apreço, os dois pedidos subsidiários têm como causa de pedir o incumpirmento definitivo e culposo por parte da Ré, os dois pedidos só se divergem no valor da indemnização.
Ora, na consequência lógica do acórdão tomado pelo Tribunal da Segunda Instância que declaram os três contratos-promessa celebrados entre a Autora e a Ré validamente resolvidos com a notificação judicial avulsa, a partir desse momento, jamais poderá haver lugar o incumprimento dos contratos.
Pois, com a resolução válida dos contratos-promessa, deixando de produzir os efeitos entre as partes, então, não tendo Ré a obrigação de os cumprir, ou seja, de vender as fracções autónomas à Autora, assim, nem podendo dizer que a Ré incumpriu os três contratos, menos a ela imputável.
Não ocorrendo o incumprimento contratual imputável à Ré, única fundamentação para sustentar o direito de indemnização, logo, cairá por terra toda a argumentação da Autora das pretensões indemnizatórias.
Assim, há de improceder os pedidos subsidiários pretendidos pela Autora.
*
IV. Decisão
Nestes termos, em face de tudo fica exposta, julga-se improcedente a acção formulada pela Autora A contra a Ré B, absolvendo-a de todos os pedidos subsidiários formulados por aquela.
*
Custas da acção e da reconvenção pela Autora.
(…)”; (cfr., fls. 743 a 745-v).

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Apreciando o recurso que a A. interpôs da transcrita sentença proferiu o Tribunal de Segunda Instância o Acórdão de 18.03.2021, (Proc. n.° 948/2020), onde se decidiu:

“conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e passando-se a sentenciar da seguinte forma:
1) - Ser a Recorrida condenada pela inexecução dos contratos- promessa a pagar à Recorrente/Autora o dobro das quantias que este lhe pagou, acrescida de juros legais desde a data da prolação deste acórdão.
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2) - Manter-se o demais decidido na sentença recorrida e julgar-se improcedentes os restantes pedidos.
(…)”; (cfr., fls. 797 a 806-v).

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Ainda inconformada, traz a referida recorrente A. o presente recurso, alegando para, a final, produzir as seguintes conclusões:

“I. A Recorrente sucumbiu por força da improcedência do 1.° pedido subsidiário por si formulado, pelo que o acórdão é recorrível – art.° 583.°, n.° 1, do CPC.
II. Por acórdão de 04.04.2019 (Processo n.° 327/2017), o TSI decidiu mandar baixar os presentes autos à primeira instância porque não dispunha de todos os elementos necessários para proferir uma decisão sobre os pedidos subsidiários.
III. No acórdão ora sob recurso, o TSI refere agora, em 18.03.2021, que em 04.04.2019 mandou baixar os autos ao TJB para apreciar as pretensões com base nos factos já devidamente provados, e nunca para fazer novo julgamento de factos.
IV. Mas processualmente e do ponto de vista lógico, a motivação da decisão de reenvio ao TJB só podia assentar na circunstância do TSI não dispor dos elementos necessários para conhecer do recurso por insuficiência da matéria de facto.
V. Tal estava implícito da primeira decisão do TSI, caso contrário o tribunal superior ter-se-ia socorrido do disposto no art.° 630.°, n.° 2, do CPC e decidido os pedidos subsidiários.
VI. E a decisão de reenvio do processo ao TJB por falta de todos os elementos necessários para proferir uma decisão sobre os pedidos subsidiários estava, necessária e exclusivamente, relacionada com o primeiro dos dois pedidos subsidiários.
VII. Pois, em 04.04.2019, o processo já continha todos os elementos necessários para apreciar o segundo pedido subsidiário sem necessidade de reenvio, bastando calcular o valor do dobro das quantias pagas pela Autora à Ré a título de preço das fracções autónomas e somar ao seu resultado o valor dos impostos indicados da resposta ao quesito 1.° da base instrutória, como agora, em 18.03.2021, se acabou por fazer no acórdão recorrido.
VIII. Portanto, aquele desiderato do TSI fixado no seu acórdão de 04.04.2019 só era possível de alcançar mediante a ampliação da matéria de facto pela 1.ª instância, para efeitos de apuramento do dano excedente, nos termos formulado no primeiro pedido subsidiário.
IX. A Instância manteve-se estabilizada quanto aos pedidos subsidiários, isto é, nos mesmos termos em que foi colocada ao TSI antes da prolação do acórdão de 04/04/2019 no Processo n.° 327/2017.
X. A decisão de 04/04/2019, de reenvio dos autos ao TJB, transitou em julgado, constituindo por isso caso julgado formal – art.° 575.° do CPC, o qual abrange os fundamentos lógico-jurídicos que constituem antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da decisão.
XI. Motivo pelo qual a decisão ora sobre recurso deverá ser revogada e substituída por outra que remeta o processo à primeira instância para apuramento do valor das fracções autónomas na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal.
Em todo o caso, se assim não se entender,
XII. O acórdão recorrido sempre será nulo por omissão de pronúncia, nos termos do art.° 571.°, n.° 1, alínea d), ex vi art.° 633.°, n.° 1, ambos do CPC, por não ter apreciado a questão do pagamento do valor dos impostos pagos pelas respectivas transmissões intercalares, facto dado como provado na resposta ao quesito 1.° da base instrutória, a qual integrava qualquer um dos pedidos subsidiários.
XIII. O acórdão recorrido terá também decidido mal ao entender que eram devidos juros moratórios somente desde a data da prolação do acórdão de 18.03.2021, quando a Recorrida estava em mora desde a data da citação em 13/01/2015 - art.os 794.°, n.° 1 e 795.°, n.° 1, do CC e art.° 565.°, n.° 3, do CPC.
XIV. No acórdão recorrido foram, pois, violadas as normas legais indicadas nas presentes conclusões, devendo ser substituído por outro que a elas dê cumprimento”; (cfr., fls. 811 a 823).

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Respondendo, diz a R., (recorrida), que censura não merece o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância; (cfr., fls. 831 a 835).

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Nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

2. Vem a A., recorrer do (2°) Acórdão – datado de 18.03.2021 – pelo Tribunal de Segunda Instância proferido em sede dos presentes autos.

Em face do teor das alegações e conclusões apresentadas em sede do seu recurso – que, como se sabe, identificam e delimitam o thema decidendum – três são as questões trazidas à apreciação desta Instância, pois que considera existir:
- “violação de caso julgado”;
- “omissão de pronúncia” e;
- “erro de julgamento”.

Outra questão – de conhecimento oficioso – não existindo a apreciar, e merecendo o recurso conhecimento, nesta mesma ordem se passa a ver se merece provimento.

3. Em causa não estando a “matéria de facto”, mas útil nos parecendo ser a sua ponderação para uma boa decisão do presente recurso, desde já se passa a consignar que provado está que:

“Da Matéria de Facto Assente:
- O prédio urbano sito em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona A, Lote 6, descrito na Conservatória de Registo Predial (CRP) sob o n.°XXXXX, encontra-se construído em terreno concedido por arrendamento, pelo prazo de 25 anos, a contar de 30 de Julho de 1991, conforme inscrição n.ºXXXX, a fls. 174 do Livro FXXK da aludida Conservatória. (alínea A) dos factos assentes);
- A Ré é titular das fracções autónomas "A1", do primeiro andar "A", "F1", do primeiro andar "F", "G1", do primeiro andar "G", para escritórios, do prédio supra identificado, registadas a seu favor na CRP, sob a inscrição n.ºXXXX, a fls. 88 do Livro FXXK (adiante também designadas por "Fracções"), e com o título constitutivo da propriedade horizontal definitivamente inscrito sob o n.ºXXXXXF. (alínea B) dos factos assentes);
- No dia 30 de Dezembro de 2010, a Ré constitui uma hipoteca e uma consignação de rendimentos voluntárias, para garantia de créditos até ao limite de HK$250,000,000.00 (MOP$257.500.000,00), despesas até ao limite de MOP$25,750,000.00 e, bem assim, juros à taxa anual de 2,82%, acrescidos de 3% em caso de mora, a favor do "[Banco(1)]" sobre o prédio supra identificado. (alínea C) dos factos assentes)
- Por três contratos-promessa de compra e venda formalizados no dia 19 de Abril de 2011, a Ré prometeu vender, e a Autora prometeu comprar, as seguintes fracções autónomas:
․ fracção "A1", do primeiro andar "A", pelo preço de HK$817,000.00 equivalente a MOP$841,510.00; e
․ fracção "F1", do primeiro andar "F", pelo preço de HK$1,087,000.00 equivalente a MOP$1,119,610.00; e
․ fracção "G1", do primeiro andar "G", pelo preço de HK$1,672,000.00 equivalente a MOP$ 1,722,160.00;
todas do prédio urbano acima identificado em A) - cfr. os documentos constantes de fls. 60 a 71 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea D) dos factos assentes)
- O preço acordado para cada uma das referidas Fracções foi pago integralmente na data da celebração de cada um dos referidos Contratos-Promessa. (alínea E) dos factos assentes)
- Em 21 de Junho de 2013, a Autora requereu e obteve, junto da Conservatória do Registo Predial, o registo da inscrição provisória por natureza, a seu favor, "na sequência das apresentações n.ºs 87 (Fracção "A1"), 88 (Fracção "F1") e 89 (Fracção "G1") de 15 de Agosto de 2013". (alínea F) dos factos assentes)
- A Ré requereu a rectificação judicial das inscrições referidas em F). (alínea FI) dos factos assentes)
- Em 22/05/2014 a Ré requereu a notificação judicial avulsa da Autora para efeitos de declaração da resolução dos três Contratos-promessa - cfr. os documentos constantes de fls. 79 a 83, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea G) dos factos assentes)
- Em 05/06/2014, a Autora respondeu à declaração resolutiva dizendo à Ré que ela não dispunha de fundamento legal para resolver os Contratos-Promessa (ponto 1);que ela não concordava nem aceitava tal resolução (ponto 2); que ela se recusava a aceitar a indemnização ali proposta (ponto 3); que ela completasse as obras em curso e ultimasse os procedimentos notariais após receber esta carta (ponto 4) e que, por último, tratasse da marcação da data da assinatura da escritura de compra e venda das Fracções o mais rápido possível - cfr. o documento constante de fls. 281, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea H) dos factos assentes)
*
Da Base Instrutória:
- Em 25 de Abril de 2011 e 6 de Outubro de 2014 a Autora pagou o imposto de selo e selo do conhecimento relativo às transmissões intercalares das Fracções no valor MOP$42,465.00 (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Em 1 de Junho de 2012, a Ré comunicou à Autora o escrito constante de fls. 184, que aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito 5.º da base instrutória)
- A Autora recusou-se a proceder a esse pagamento (resposta ao quesito 6.º da base instrutória)”; (cfr., fls. 429 a 430).

4. Aqui chegados, vejamos.

–– Quanto à imputada “violação de caso julgado”.

Se bem ajuizamos, defende a A., ora recorrente, que o facto de no (1°) Acórdão do Tribunal de Segunda Instância (de 04.04.2019) se ter decidido reenviar o processo para o Tribunal Judicial de Base, (ao abrigo do art. 630°, n.° 2 do C.P.C.M.), apenas poderia ter como razão de ser a “insuficiência da matéria de facto” (necessariamente) relacionada com o seu “pedido subsidiário de indemnização pelo dano excedente”, insistindo, assim, na ideia de que as decisões recorridas “violaram o caso julgado” (formal) decorrente do dito Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 04.04.2019; (cfr., conc. I a XI).

Sem embargo do muito respeito por opinião diversa, não se nos apresenta possível reconhecer razão à A., ora recorrente, passando-se a tentar demonstrar o porque deste nosso entendimento.

Pois bem, é certo que, nos termos do art. 630°, n.° 2 do C.P.C.M., “Se o tribunal recorrido não tiver conhecido de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o Tribunal de Segunda Instância, se entender que o recurso procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.

Assim, “se o juiz decidiu que o pedido principal era procedente, que pressupunha a validade do contrato, não conhece do pedido subsidiário no qual se pedia a anulação do contrato. Ou o juiz julga prescrito o direito e absolve o réu do pedido, sem analisar se o autor a ele teria direito, por estar prejudicada a pretensão. (…)
Nos exemplos indicados, o TSI teria de conhecer do pedido subsidiário (1° exemplo) ou do pedido único do autor (2° exemplo), desde que os factos o permitissem. Não poderia devolver o processo à 1.ª instância para apreciação”; (cfr., v.g., Viriato de Lima in, “Manual de Direito Processual Civil – Acção Declarativa Comum”, 3a ed., pág. 711 e 712).

Também no Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 23.05.2007, Proc. n.° 24/2007, se expõe a ratio subjacente do referido art. 630° do C.P.C.M. do seguinte modo:

“Vale a pena conhecer melhor o regime fixado por esta norma.
É sabido que o tribunal de recurso pode julgar segundo o modelo da substituição ou segundo o da cassação. No primeiro, a decisão do tribunal superior, quando o recurso seja procedente, revoga a decisão recorrida e substitui-a por outra. No sistema de cassação a decisão do tribunal superior rescinde ou anula a decisão de primeira instância, mas não a substitui. Os autos voltam ao tribunal de primeira instância que deve reformar a sua decisão, de acordo com a decisão do tribunal superior, cassatória ou anulatória.
No sistema jurídico de Macau, o sistema mais utilizado é o de substituição. Só em muito poucas situações o tribunal de recurso age como tribunal de cassação Por exemplo, no caso do n.° 2 do art. 651°. (…)
E o regime da substituição ao tribunal recorrido foi mesmo ampliado no n.° 2, com uma hipótese algo diversa, e que é a seguinte:
“2. Se o tribunal recorrido não tiver conhecido de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o Tribunal de Segunda Instância, se entender que o recurso procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.
Estes n. os 1 e 2 do art. 630° são semelhantes aos n. os 1 e 2 do art. 715° do Código português, resultante das Reformas de 1995/96, sobre os quais o preâmbulo do Decreto-Lei n.° 329-A/95, de 12 de Dezembro, que aprovou a alteração ao Código, se pronuncia no seguinte sentido:
“consagra-se expressamente a vigência da regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido, ampliando e clarificando o regime que a doutrina tem vindo a inferir da lacónica previsão do art. 715° do Código de Processo Civil, por se afigurar que os inconvenientes resultantes da possível supressão de um grau de jurisdição são largamente compensados pelos ganhos em termos de celeridade na apreciação das questões controvertidas pelo tribunal ad quem”.
Em conclusão, quando o juiz de 1.ª instância não conheça de questão que devia conhecer, no recurso, o TSI deve dela conhecer”.

Nesta conformidade, claro se mostra que: sempre que não careça de elementos de facto (necessários), o Tribunal de Segunda Instância deve julgar em obediência ao modelo da “substituição”, conhecendo também das questões dadas como prejudicadas pela decisão tomada pelo Tribunal de Primeira Instância, (assegurando-se, desta forma, ganhos de celeridade na apreciação das questões controvertidas que se mostram suficientes para compensar os inconvenientes gerados pela supressão de um grau de jurisdição).

Não há assim dúvidas de que – em princípio – o reenvio do processo para a 1ª Instância se deve à falta de matéria factual que permita a decisão pelo Tribunal de recurso.

In casu, no seu (1°) Acórdão de 04.04.2019, o Tribunal de Segunda Instância concluiu que “Como a Autora/Recorrida chegou a formular pedido subsidiário que não foi apreciado pelo Tribunal de primeira instância e também não dispomos de todos os elementos necessários à resolução desta questão, outra alternativa não haverá senão a de mandar baixar os autos ao Tribunal a quo para apreciar o respectivo pedido subsidiário em tempo formulado pela Autora/Recorrida”; (cfr., fls. 577).

E, no Acórdão agora recorrido – e em resultado de uma leitura muito particular da A. segundo a qual o Acórdão de 04.04.2019 configuraria, naquele trecho, uma decisão implícita favorável à sua pretensão, (tão só faltando apurar o “montante indemnizatório”) – diz o Tribunal de Segunda Instância que:

“Quando este TSI mandou os autos ao TJB para apreciar os pedidos subsidiários formulados pela Autora, é para apreciar as pretensões com base nos factos já devidamente provados, e nunca para fazer um novo julgamento de factos. Pelo que, é ilógico e infundado neste recurso a Recorrente/Autora voltar a invocar os factos constantes dos artigos 47°, 50° a 53° da PI. O que releva, nesta sede, são só os factos provados!”.

Ora, em face do que se deixou transcrito, e olhando (concretamente) à matéria dos presentes autos, adequado parece de considerar que no Acórdão de 04.04.2019, o Tribunal de Segunda Instância não exerceu os poderes que lhe são conferidos pelo art. 629° do C.P.C.M., pois que não anulou, (ainda que parcialmente), a decisão sobre a matéria de facto tomada pelo Tribunal Judicial de Base, nem tão pouco considerou que havia insuficiência de factos provados para a decisão (por não terem sido levados à base instrutória factos relevantes necessários).

Isto dito, cabe então consignar o que segue: não se reconhece razão à ora recorrente – que procura uma justificação numa inexistente “decisão implícita”, sem sequer esclarecer que “factos” é que teriam de ser apurados pelo Tribunal Judicial de Base – pois que o que (simplesmente) sucedeu foi que no Acórdão de 04.04.2019 incorreu-se num lapso quanto à aplicação do art. 630°, n.° 2 do C.P.C.M., já que o Tribunal de Segunda Instância deveria ter tomado uma decisão quanto à “procedência” ou “improcedência” dos “pedidos subsidiários” formulados pela A., ao invés de reenviar tal decisão para o Tribunal Judicial de Base.

Por sua vez, não tendo essa “questão” sido suscitada em sede do recurso então apresentado a este Tribunal de Última Instância, a mesma acabou por ficar intocada em face da improcedência daquele recurso quanto à questão de fundo (que, recorde-se, dizia respeito à interpretação da “cláusula 2.2” dos contratos-promessa).

E, dest’arte, em face do exposto, claro nos parece que não se verifica qualquer “violação de caso julgado” (formal) resultante do Acórdão de 04.04.2019 do Tribunal de Segunda Instância, (não se podendo, por isso, dali retirar quaisquer “implicações lógico-processuais”).

Por fim, e seja como for, diga-se que a “questão” se nos apresenta como totalmente despicienda em face daquilo que foi efectivamente decidido pelas Instâncias e que já não é contestado pela A., ora recorrente, isto é, que os contratos-promessa celebrados estabeleceram um “sinal penitencial”, figura que confere um direito ao arrependimento por parte da R. mediante o pagamento do dobro do sinal recebido e que, obsta, pela sua própria natureza, à procedência do “primeiro pedido subsidiário”, (que teria de ser visto como de uma indemnização que vai para além daquilo que foi acordado pelas partes).

Pelo que, independentemente da (eventual) consideração de mais – outros – factos, o certo é que, juridicamente, tal “pedido subsidiário” é manifestamente improcedente em face daquilo que foi (provadamente) convencionado entre as partes.

–– Quanto à assacada “omissão de pronúncia”.

Diz a recorrente que: “O acórdão recorrido sempre será nulo por omissão de pronúncia, nos termos do art.° 571.°, n.° 1, alínea d), ex vi art.° 633.°, n.° 1, ambos do CPC, por não ter apreciado a questão do pagamento do valor dos impostos pagos pelas respectivas transmissões intercalares, facto dado como provado na resposta ao quesito 1.° da base instrutória, a qual integrava qualquer um dos pedidos subsidiários”; (cfr., concl. XII).

Vejamos.

Como se sabe, a doutrina considera que a sentença padece do vício de omissão de pronúncia quando “(…) a sentença não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, por força do artº 660º, nº 2 [em Macau, o artigo 563.º, n.º 2, do Código de Processo Civil]”; (cfr., v.g., Antunes Varela in, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 690).

E, por “questões”, entendem-se “(…) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes”; (cfr., v.g., A. Varela in, “Revista de Legislação e Jurisprudência”, Ano 122°, pág. 112).

Cumpre notar, no entanto, que “A obrigatoriedade de o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não significa que o juiz tenha, necessariamente, de apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para fundamentarem a resolução de uma questão”; (cfr., v.g., Viriato de Lima in, ob. cit., pág. 536).

Este tem também sido o entendimento deste Tribunal de Última Instância que considera igualmente que: “só a omissão de pronúncia sobre questões, e não sobre os fundamentos, considerações ou razões deduzidas pelas partes, que o juiz tem a obrigação de conhecer determina a nulidade da sentença”; (cfr., v.g., o Ac. de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018, podendo-se sobre a questão ver também os Acs. de 31.07.2020, Proc. n.° 51/2020, de 09.09.2020, Procs. n°s 62/2020, 63/2020 e 147/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 65/2020, de 12.05.2021, Proc. n.° 39/2021, de 15.10.2021, Proc. n.° 111/2021, de 28.01.2022, Proc. n.° 137/2021 e de 27.05.2022, Proc. n.° 41/2022).

No caso dos presentes autos, no Acórdão recorrido consignou-se o seguinte:

“(…)
Ora, como bem se refere na douta sentença em crise, já está determinado que a Recorrida não incumpriu os contratos-promessa dos autos.
Consequentemente, a Recorrida não pode ser condenada em nenhum pedido que dependa desse seu alegado incumprimento. (…)
Cumprindo assinalar que, se a Recorrente tem algum direito a receber alguma quantia por força da resolução dos contratos-promessa, não directamente por efeito dos n.ºs 2 e 4 do artigo 436.º do Código Civil, mas sim por força do acordo estabelecido entre as partes, concretamente aquilo que está acordado na cláusula 2.2 dos contratos-promessa: (…)
Sucede no caso que a Recorrida sempre se prontificou a cumprir tal cláusula (como alegou na contestação e a douta sentença em crise bem refere), disponibilizando-se para restituir o sinal em dobro à Recorrente.
Sendo certo que a Recorrente não peticionou DIRECTA E EXPRESSAMENTE o cumprimento da sobredita cláusula, acabou indirectamente por fazê-lo, visto que o pedido subsidiário sob ii) contém este conteúdo.
Assim, por força da ressalva na primeira parte do artigo 436.º do CCM (na ausência de estipulação em contrário,…), conjugado com a cláusula 2.2 dos contratos-promessa nos termos acima transcritos, é irrelevante saber quem é que é culpado na hipótese da não concretização dos acordos (incumprimento), desde que a promitente-vendedora decidiu não vender as fracções autónomas, é o caso em apreciação, há lugar, à aplicação do mecanismo sancionatório acordado pelas partes através da cláusula acima referida.
Pelo expendido, a Recorrida vai ser condenada pela inexecução dos contratos-promessa a pagar à Autora o dobro das quantias que este lhe pagou, acrescida de juros legais desde a data da prolação deste acórdão, ao abrigo do disposto no artigo 793.º do CCM (interpretação a contrario).
Quanto ao demais, mantém o decidido na sentença recorrida, julgando-se improcedentes os demais pedidos, por não se encontrarem reunidos os pressupostos de facto e de direito necessários à procedência das pretensões formuladas”.

E, seguidamente, e em sede de “síntese conclusiva”, consignou ainda o Tribunal de Segunda Instância que:

“Quando as partes de contrato-promessa acordaram uma cláusula com o conteúdo de “após a celebração do contrato, se a Parte A não pretender vender, deve restituir à Parte B o sinal em dobro”, e a promitente-vendedora resolveu o respectivo contrato mediante notificação judicial, há lugar à aplicação desta “cláusula penal” expressamente acordada, quer por força do princípio da autonomia privada, quer por força da ressalva feita na 1.ª parte da norma do artigo 436.º do CCM”; (cfr., fls. 805-v a 806).

Em face do exposto, (e inversamente ao que vem alegado), afigura-se-nos que o Tribunal de Segunda Instância pronunciou-se sobre todas as “questões” (colocadas com os pedidos subsidiários) que lhe competia decidir, tendo simplesmente entendido que a A. não poderia ser indemnizada ao abrigo dos n°s 2 e 4 do art. 436° do C.C.M., devendo, antes, e apenas, observar-se o que havia sido acordado na “cláusula 2.2” dos contratos-promessa celebrados, (excluindo-se, assim, a possibilidade de serem pagos os custos incorridos pela ora recorrente com os montantes assumidos a título de imposto do selo sobre as transmissões intercalares).

–– Por fim, quanto ao “erro de direito”.

Considera a ora recorrente que “O acórdão recorrido terá também decidido mal ao entender que eram devidos juros moratórios somente desde a data da prolação do acórdão de 18.03.2021, quando a Recorrida estava em mora desde a data da citação em 13/01/2015 - art.os 794.°, n.° 1 e 795.°, n.° 1, do CC e art.° 565.°, n.° 3, do CPC”; (cfr., concl. XIII).

Ora, como se deixou adiantado, não se mostra de reconhecer qualquer razão à ora recorrente.

Cabe pois notar que o Tribunal recorrido defendeu a interpretação a contrario do disposto no art. 793° do C.C.M. para sustentar a “condenação em juros desde a data da prolação do acórdão”, observando, na sua fundamentação que, na verdade, a R. tinha-se prontificado a proceder ao pagamento à A. do dobro dos sinais que por esta haviam sido prestados, e que por esta foi recusado.

Ora, como se sabe, a “mora do devedor (mora solvendi) é o atraso (demora ou dilatação) culposo no cumprimento da obrigação. O devedor incorre em mora, quando, por causa que lhe seja imputável, não realiza a prestação no tempo devido, continuando a prestação a ser ainda possível. Mora est dilatio, culpa non carens, debiti solvendi. (…)
Requisitos. Para que haja mora (debitoris, solvendi), além da culpa do devedor (e, consequentemente, da ilicitude do retardamento da prestação), consideram os autores necessário que a prestação seja, ou se tenha tornado, certa, exigível e líquida.
O acerto destes requisitos mede-se, no entanto, pela sua inclusão nos pressupostos essenciais da mora, que são a ilicitude e a culpa. (…)
De harmonia com o princípio geral fixado no n.º 1 do artigo 799.º, uma vez verificados, porém, os pressupostos objectivos da mora, é ao devedor que incumbe afastar a presunção de culpa que recai sobre ele. A presunção pode ser afastada pelas mais variadas circunstâncias (doença ou outro motivo de força maior; facto de terceiro; falta de necessária cooperação do credor, etc.)”; (cfr., v.g., João de Matos Antunes Varela in, “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 6ª ed., pág. 112 e segs.).

E, in casu, resulta da matéria de facto dada como assente que:

“8. Em 22/05/2014 a Ré requereu a notificação judicial avulsa da Autora para efeitos de declaração da resolução dos três Contratos-promessa - cfr. os documentos constantes de fls. 79 a 83, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea G) dos factos assentes);
9. Em 05/06/2014, a Autora respondeu à declaração resolutiva dizendo à Ré que ela não dispunha de fundamento legal para resolver os Contratos-Promessa (ponto 1);que ela não concordava nem aceitava tal resolução (ponto 2); que ela se recusava a aceitar a indemnização ali proposta (ponto 3); que ela completasse as obras em curso e ultimasse os procedimentos notariais após receber esta carta (ponto 4) e que, por último, tratasse da marcação da data da assinatura da escritura de compra e venda das Fracções o mais rápido possível - cfr. o documento constante de fls. 281, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea H) dos factos assentes)”; (cfr., fls. 800).

Como é bom de ver, só há mora se houver “culpa” por parte do devedor, o que não parece ser a situação dos autos, visto que, como o próprio Tribunal de Segunda Instância reconheceu no Acórdão recorrido, a R. prontificou-se a cumprir e a proceder ao pagamento devido nos termos da “cláusula 2.2”, disponibilizando-se a restituir o sinal em dobro à recorrente; (cfr., alínea G) dos factos assentes).

Assim sendo, não se vislumbra como pretende a A. a condenação da R. em “juros de mora” nos termos dos art°s 794° e 795° do C.C.M., quando não resulta, de modo algum, “provada” qualquer matéria quanto à “culpa” desta pelo “atraso no pagamento” daquela prestação contratualmente acordada.

Dest’arte, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir como segue.

Decisão

5. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento ao presente recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pela recorrente com taxa de justiça de 15 UCs.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 08 de Fevereiro de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
Proc. 117/2021 Pág. 18

Proc. 117/2021 Pág. 19