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Processo nº 100/2022
(Autos de recurso jurisdicional)
   





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), devidamente identificado nos autos, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância da decisão do SECRETÁRIO PARA A ADMINISTRAÇÃO E JUSTIÇA datada de 26.05.2021 que, em sede de anterior recurso hierárquico necessário, manteve a decisão da Direcção dos Serviços de Identificação que declarou a nulidade do acto de emissão do seu Bilhete de Identidade de Residente de Macau (B.I.R.M.) n.° XXXXXXX(X), e sucessivas renovações, cancelando-o, assim como do seu Passaporte da R.A.E.M. n.° MAXXXXXXX; (cfr., fls. 2 a 13-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, por Acórdão de 12.05.2022, (Proc. n.° 590/2021), julgou-se procedente o recurso, anulando-se o acto administrativo recorrido; (cfr., fls. 228 a 254-v).

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Do assim decidido, traz agora a entidade administrativa então recorrida o presente recurso jurisdicional, pugnando pela revogação do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância proferido; (cfr., fls. 271 a 355).

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Em resposta, bate-se o dito recorrente pela confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 357 a 372-v).

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Nesta Instância, e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer opinando no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 384 a 384-v).

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Colhidos os vistos dos Exmos Juízes-Adjuntos, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal de Segunda Instância indicou como “provada” a seguinte matéria de facto:

“1. No dia 5 de Maio de 1994 em Macau nasceu um sujeito do sexo masculino que foi registado como sendo A1 filho de B e C conforme assento de nascimento nº XXXX;
2. B era residente de Macau e titular do BIRPM n.º XXXXXXX(X)
3. C era titular do anterior Título de Permanência Temporária n.º XXXXXX e a partir de 25 de Outubro de 1996 passou a ser titular do BIRPM n.º XXXXXXX(X);
4. Em 23 de Maio de 1994 B pediu pela primeira vez a emissão do BIRM A1 tendo sido emitido pela primeira vez o BIRM n.º X/XXXXXX/X, o qual foi renovado em 9 de Fevereiro de 1996 e em 22 de Junho de 1998;
5. Posteriormente, em dia 15 de Dezembro de 2004 foi emitido a A1 o BIRPM n.º XXXXXXX(X), o qual foi renovado em 29 de Outubro de 2009;
6. Por sentença datada de 23 de Maio de 2011, transitada em julgado em 9 de Junho de 2011 foi declarado que A1 não é filho de B, mas é filho de D, ordenando-se que se procedesse à correspondente rectificação no respectivo registo de nascimento;
7. Em 15 de Fevereiro de 2012, C apresentou o original da Certidão Narrativa de Registo de Nascimento n.º XXXX/1994/R da qual consta que A1 tinha o nome de A e que o é D e a mãe é C, pedindo a renovação do BIRPM do agora Recorrente e que se fizesse constar a paternidade de D, o que foi deferido sendo emitido o bilhete de identidade, fazendo-se constar que o nome do Recorrente é A e o pai é D;
8. Pela Direcção dos Serviços de Identificação foram tomadas declarações a C no dia 11 de Maio de 2020, na qual declarou que “3. Logo depois do casamento com D, decidimos separar-se por causa da ruptura da relação conjugal. Eu vivi em Macau com a filha, e D viveu em Zhongshan e Guangxi. Quando E tinha 2 anos de idade, namorei com B. Uns meses depois, fiquei grávida, mas através de cálculo, achei que era filho de D. Mas na altura, namorei com B e quis divorciar-se com D, pelo que depois do nascimento do filho, dei-lhe o nome de A1, e declarei que o seu pai é B. O filho também nasceu em Macau … 4 … Quando o filho tinha mais de 1 ano, B sabia que ele não era pai biológico, pelo que separou-se de mim, e eu cuidei sozinha dos filhos… 6 … Quando o filho frequentou a escola secundária, eu decidi rectificar o nome e as informações do pai biológico dele. O nome do filho passou a ser A, e o pai biológico passou a ser D. Na altura, apresentei requerimento ao tribunal, foi realizado o teste de paternidade, e ficou provado que o pai biológico do filho era D. O tribunal autorizou a rectificação das informações de identificação do filho, e já foi efectuada a rectificação na Conservatória do Registo Civil…”;
9. D era residente do Interior da China, entrou em Macau no ano de 2002 usando o Salvo-Conduto Singular para Deslocação a Hong Kong e Macau, e no dia 11 de Fevereiro de 2002, foi lhe emitido pela primeira vez o BIRM;
10. Por Despacho de dia 22 de Março de 2021 do Director dos Serviços de Identificação foram declarados nulos os actos de emitir e renovar o BIRM do aqui Recorrente, de substituir e renovar o BIRPM, e de emitir o passaporte da RAEM, e ordenado o cancelamento do BIRPM n.º XXXXXXX(X) e do passaporte da RAEM n.º MAXXXXXXX dos quais aquele era titular, tudo com os fundamentos constantes de fls. 218 a 244 do PA apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
11. Em 24 de Março de 2021 foi expedida a notificação do Recorrente daquela decisão o qual veio a interpor recurso hierárquico da mesma em 6 de Maio de 2021 – cf. fls. 245 a 266 -;
12. Por despacho de 26 de Maio de 2021 do Secretário para a Administração da Justiça foi o recurso hierárquico indeferido e mantida a decisão recorrida tudo conforme consta de fls. 270 a 302 do PA apenso e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
13. O Recorrente foi notificado daquela decisão por carta registada com aviso de recepção assinado este em 5 de Junho de 2021 – cf. fls. 312 do PA -”; (cfr., fls. 239-v a 241).

Do direito

3. Vem a entidade administrativa recorrer do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado que concedeu provimento ao recurso contencioso – que o agora recorrido interpôs – do acto administrativo que declarou a nulidade do acto de emissão do Bilhete de Identidade de Residente de Macau (B.I.R.M.) n.° XXXXXXX(X), e sucessivas renovações, cancelando-o, assim como do Passaporte da R.A.E.M. n.° MAXXXXXXX.

A “matéria” – e “questão” – que em sede do presente recurso nos é trazida para apreciação não é “nova” e foi já várias vezes objecto de consideração e decisão, nomeadamente, em sede dos Acórdãos deste Tribunal de Última Instância de 27.07.2022, Proc. n.° 53/2021, de 21.09.2022, Proc. n.° 56/2021, de 04.11.2022, Proc. n.° 83/2022 e de 13.01.2023, Proc. n.° 96/2022, (cujo teor aqui se tem como integralmente reproduzido).

Em tais arestos, e estando (essencialmente) em causa uma situação (análoga) de “falsa paternidade” do recorrente, considerou-se que idênticas decisões administrativas que tinha declarado a nulidade do acto de emissão do B.I.R.M., (cancelando-o), não padeciam de nenhum vício, e que, como tal, deviam-se manter válidas na ordem jurídica da R.A.E.M..

Porém, in casu, e ressalvado o muito respeito por opinião diversa, outra se nos apresenta dever ser a “solução”, pois que existe uma – relevante – diferença na “situação” em questão.

Na verdade, como com clareza resulta da matéria de facto atrás retratada, na sequência da sentença proferida em 23.05.2011, efectuou-se uma “rectificação” no registo de nascimento do ora recorrido, que se passou a chamar A – e já não, A1 – passando a figurar como seu pai, D, e mãe C, certo sendo também que, em face do pedido que no seguimento de tal rectificação em 15.02.2012 foi apresentado, (e que foi deferido), pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau lhe foi emitido um novo B.I.R.M. com os elementos de identificação constantes do registo de nascimento rectificado em conformidade com a aludida decisão judicial.

E confrontando-nos com esta “realidade”, cremos que razoável e adequado não é que, após em 2012 se deferir o pedido de emissão de um novo B.I.R.M., se “volte atrás”, e, quase 10 anos depois, (em 2021, a cerca de 30 anos do seu nascimento em Macau), dando-se o “dito” por “não dito”, se venha a declarar que também esta decisão de emissão do B.I.R.M. com os elementos de identificação rectificados, esteja viciada e inquinada com o vício da nulidade.

De facto, e como – em nossa opinião, adequadamente – se entendeu no Acórdão recorrido, “ainda que se sustente que o primeiro acto de emissão de BIRM do Recorrente foi emitido com base na actividade criminosa, o certo é que, está igualmente demonstrado que posteriormente veio a ser emitido o BIRM ao Recorrente já expurgado daquela actuação e sem que se haja feito menção alguma.
Este acto de Fevereiro de 2012 de emissão do BIRM parte de pressupostos completamente distintos do acto inicial e que está na base da declaração de nulidade não sendo um acto subsequente daquele. É um acto administrativo completamente novo e que parte de pressupostos completamente distintos.
Em Fevereiro de 2012 a Administração sabia que a paternidade do
se tinha passado, esse haveria de ter sido o momento para agir em conformidade.
Contudo, o que se fez foi emitir o BIRM ao Recorrente.
A este acto não se lhe imputa vício algum e sendo válido e constitutivo de direitos para o Recorrente face ao disposto na alínea b) do nº 1 do artº 129º do CPA não pode ser livremente revogado, menos ainda declarado nulo e, se anulável fosse – o que não concedemos – há muito que se mostra ultrapassado o prazo para o efeito previsto no nº 1 do artº 130º do CPA.
(…)”; (cfr., fls. 246 a 246-v).

Na verdade, não se pode olvidar que a Administração confrontou-se com “questão da (falsa) paternidade” do ora recorrido e podia agir nos termos que entendesse adequado.

Porém, (oportunamente, e) na posse de todos os “dados do problema”, entendeu que o devia solucionar da forma que o fez, inegável sendo que com a emissão do novo B.I.R.M. ao ora recorrido em 2012 lhe reconheceu – “ex novo” – um “direito” (legitimamente constituído) que se consolidou na ordem jurídica, pelo que, constatando-se que lhe tem sido sucessivamente emitidos Bilhetes de Identidade desde 2012 com base na (sua genuína) paternidade fixada na sentença de 23.05.2011, não se mostra pois de se considerar estas emissões como “acto(s) subsequente(s)” do acto inicial de atribuição de Bilhete de Identidade, legal e razoável não sendo a declaração da sua nulidade.

Dest’arte, e em harmonia com o que se deixou consignado, imperativa é a confirmação da decisão recorrida.

Decisão

4. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Sem tributação.

Registe e notifique.

Macau, aos 22 de Fevereiro de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator) [Mantendo o entendimento que assumi nos Acs. deste T.U.I. tirados nos Procs. n°s 53/2021, 56/2021, 83/2022 e 96/2022].
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

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