Processo nº 902/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 02 de Março de 2023
ASSUNTO:
- Descanso adicional
SUMÁRIO
- O descanso adicional referido no nº 1 do artº 38º da Lei n.º 7/2008 só tem lugar quando o trabalho extraordinário é prestado quando se verifique casos de força maior ou quando o empregador esteja na iminência de prejuízos importantes.
O Relator
Ho Wai Neng
Processo nº 902/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 02 de Março de 2023
Recorrente: A Resorts, S.A. (Ré)
Recorrido: B (Autor)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Por sentença de 22/09/2022, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré A Resorts, S.A. a pagar ao Autor B a quantia de MOP$308,469.63, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização ao Autor B, no valor de MOP$56,916.89 a título de gozo de um descanso compensatório adicional remunerado.
2. Entende a ora Ré que esta matéria foi incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece do vício de erro de julgamento e erro na aplicação do Direito.
3. Somos do entendimento que o Tribunal a quo não interpretou correctamente o sentido da norma ora em crise, ou seja, o artigo 38º, n.º 1 da Lei nº 7/2008 que remete para as situações do artigo 36º, n.º 2, alíneas 1) e 2) do mesmo diploma.
4. Após analisar o artigo 38, n.º 1 da Lei n.º 7/2008, que menciona que as situações previstas no artigo 36º, n.º 2 das alíneas 1) e 2), não nos parece que o Tribunal a quo tenha qualquer tipo de razão.
5. Tal como ficou demonstrado o briefing era usado para efeitos de transição de turnos, mormente, para que os colegas que se encontravam no final do turno pudessem entregar aos que iam começar um novo turno os instrumentos de trabalho, tais como o “walkie talkie”, assim o trabalhador não tem direito a qualquer período de descanso compensatório adicional, nos termos em que foi condenado.
6. Além disso, o trabalho antecipado de 30 minutos por dia, já foi considerado como trabalho extraordinário e a, ora Recorrente, foi condenada a pagar o montante de acordo com o calculo de 1.5 do salário por hora, conforme está legalmente previsto.
7. Acontece que o descanso compensatório adicional é somente atribuído em algumas situações que estão previstas do n.º 1 no artigo 38º da Lei n.º 7/2008, conforme o Autor pede na sua petição, nem sempre que se recebe horas extraordinárias tem direito a descanso compensatório adicional.
8. Na lei estão previstas as situações em que o trabalhador tem direito a esse descanso compensatório adicional.
9. Não nos parece, existir as situações previstas no artigo 36º, n.º 2, alínea 1) e 2) e do artigo 38º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008, logo a Ré não precisa de prestar a compensação adicional pelas horas extraordinárias do trabalho, assim, parece-nos que o Tribunal a quo entendeu mal ao condenar a ora Recorrente no pagamento do descanso compensatório adicional.
10. Desta feita verifica-se assim, salvo melhor e douta opinião, uma errada aplicação do Direito por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente na quantia peticionada a título de gozo de um descanso compensatório adicional remunerado nos termos do artigo 18º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008.
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O Autor respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 147 a 149, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1). Entre 28/07/2009 a 20/07/2018 o Autor esteve ao serviço da Ré (A), prestando funções de “guarda de segurança”, no Casino Hotel X, enquanto trabalhador não residente. (A)
2). O Autor exerceu funções para a Ré (A). (B)
3). Era a Ré quem fixava o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (C)
4). Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (D)
5). Entre 28/07/2009 a 31/07/2010 a Ré (A) pagou ao Autor a quantia de MOP$7.200,00, a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$824.00. (E)
6). Entre 01/08/2010 a 31/01/2011 a Ré (A) pagou ao Autor a quantia de MOP$7.500,00, a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$824.00. (F)
7). Entre 01/02/2011 a 31/12/2011 a Ré (A) pagou ao Autor a quantia de MOP$7.875,00, a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$824. (G)
8). Entre 01/01/2012 a 31/01/2013 a Ré (A) pagou ao Autor a quantia de MOP$8.663,00, a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$824.00. (H)
9). Entre 01/02/2013 a 31/12/2013 a Ré (A) pagou ao Autor a quantia de MOP$9.183,00, a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$824.00. (I)
10). Entre 01/01/2014 a 31/08/2014 a Ré (A) pagou ao Autor a quantia de MOP$9.642,00, a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$824.00. (J)
11). Entre 01/09/2014 a 31/12/2014 a Ré (A) pagou ao Autor a quantia de MOP$10.442,00, a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$824.00. (K)
12). Entre 01/01/2015 a 20/07/2018 a Ré (A) pagou ao Autor a quantia de MOP$10.965,00, a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$824.00. (L)
13). Desde o início da prestação de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (1.º)
14). Entre 28/07/2009 a 20/07/2018, o Autor gozou de dias de férias anuais e de dias de dispensa ao trabalho por cada ano civil, nomeadamente: (2.º)
Data de saída da RAEM
Data entrada na RAEM
Dias de férias e/ou de ausência
2010
2010
24
03-12-11
27-12-11
24
08-12-2012
29-12-2012
24
2013
2013
24
04-03-14
02-04-14
30
2015
2015
24
01-03-16
02-04-16
33
01-04-17
29-04-17
28
24-04-18
12-05-18
24
15). Entre 28/07/2009 a 20/07/2018 por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (3.º)
16). Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (4.º)
17). A Ré (A) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (5.º)
18). A Ré (A) nunca conferiu ao Autor o gozo de descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (6.º)
19). Desde 28/07/2009 a 20/07/2018, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (A) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (7.º)
20). A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia. (8.º)
21). Entre 28/07/2009 a 20/07/2018, descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau, a Ré (A) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (9.º)
22). Entre 28/07/2009 a 20/07/2018, a Ré (A) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (10.º)
23). Entre 28/07/2009 a 20/07/2018, sempre descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau, a Ré (A) não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado ao sétimo dia após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (11.º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A decisão recorrida consiste no seguinte:
“…
É certo que está preceituado no artigo 38.º, n.º 1 da LEI n.º 7/2008 que, nas situações previstas nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 36.º, o trabalhador tem direito a gozar um descanso adicional, remunerado nos termos gerais. À primeira vista, o Autor não tem direito ao descanso compensatório. Porém, afigura-se-nos que também se deve ponderar a matéria seguinte.
Dispõe-se no artigo 36.º, n.º 1 da LEI n.º 7/2008 que “O trabalho extraordinário é prestado:
1) Por determinação prévia do empregador, independentemente do consentimento do trabalhador, nas situações e com os limites previstos no número seguinte;
2) Por solicitação prévia do empregador, obtido o consentimento do trabalhador;
3) Por iniciativa do trabalhador, obtido o consentimento prévio do empregador.”
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo prevê: “O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho extraordinário, independentemente do seu consentimento, quando:
1) Se verifiquem casos de força maior, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas;
2) O empregador esteja na iminência de prejuízos importantes, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas;
3) O empregador tenha de fazer face a acréscimo de trabalho não previsível, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder doze horas.”
Constata-se no Parecer N.º 1/III/2008 da 3.ª Comissão Permanente que “Em primeiro lugar, o trabalhador não está obrigado a prestar trabalho extraordinário…Apenas nas situações excepcionais previstas no n.º 2 do artigo 36.º está o trabalhador obrigado a prestar trabalho extraordinário, sendo essa prestação determinada pelo empregador.” (página 35 do referido Parecer)
Facilmente conclui-se que as situações previstas no n.º 2 do artigo 36.º são os pressupostos exclusivos para que o empregador possa determinar que o trabalhador preste trabalho extraordinário, independentemente do seu consentimento.
No caso em apreço, o Autor era obrigado a comparecer 15 minutos antes de cada turno de trabalho, o que não se encontra nas situações previstas no n.º 2 do artigo 36.º. Ou seja, a Ré, como o empregador, determinava ou impunha “ilicitamente” que o Autor prestasse trabalho extraordinário.
É ilógica e incoerente que o trabalhador tem o direito ao descanso compensatório caso o empregador determine licitamente que aquele preste trabalho extraordinário, mas não quando ele estiver ilicitamente obrigado a prestá-lo.
Nestes termos, julga-se que, por maioria de razão, o Autor tem o direito ao descanso compensatório.
Uma vez que a Ré nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional renumerado, proporcional ao período de trabalho prestado, o segundo tem o direito de receber ao primeiro a quantia de MOP56.916,89 (((MOP7.200,00+MOP824,00) / 30 dias / 8 horas * 323 dias * 0,5horas) + ((MOP7.500,00+MOP824,00) / 30 dias / 8 horas * 140 dias * 0,5horas) + ((MOP7.875,00+MOP824,00) / 30 dias / 8 horas * 271 dias * 0,5horas) + ((MOP8.663,00+MOP824,00) / 30 dias / 8 horas * 326 dias * 0,5horas) + ((MOP9.183,00+MOP824,00) / 30 dias / 8 horas * 271 dias * 0,5horas) + ((MOP9.642,00+MOP824,00) / 30 dias / 8 horas * 186 dias * 0,5horas) + ((MOP10.442,00+MOP824,00) / 30 dias / 8 horas * 107 dias * 0,5horas) + ((MOP10.965,00+MOP824,00) / 30 dias / 8 horas * 1039 dias * 0,5horas)).
…”.
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar a decisão supra transcrita.
Dispõe o artigo 38.º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008:
1. Nas situações previstas nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 36.º, o trabalhador tem direito de gozar um descanso adicional, remunerado nos termos gerais, com uma duração:
1) Não inferior a vinte e quatro horas, se o período de trabalho atingir o respectivo limite diário máximo;
2) Proporcional ao período de trabalho prestado, se o período de trabalho não atingir o respectivo limite diário máximo.
(...)
Por sua vez, estabelece o artigo 36.º n.º 2, als. 1) e 2) do mesmo diploma legal que:
2. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho extraordinário, independentemente do seu consentimento, quando:
1) Se verifique casos de força maior, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas;
2) O empregador esteja na iminência de prejuízos importantes, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas;
(…)
Ora, o teor dos preceitos legais acima transcritos demonstra de forma clara que o descanso adicional referido no nº 1 do artº 38º da Lei n.º 7/2008 só tem lugar quando o trabalho extraordinário é prestado quando se verifique casos de força maior ou quando o empregador esteja na iminência de prejuízos importantes.
No caso em apreço, segundo a factualidade apurada, o Autor, desde o início da relação de trabalho e sob a ordem da Ré, tem de comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno.
Durante esse período de tempo, tem lugar um briefing (reunião) entre o Team Leader (Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual são inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino.
Esse período de tempo de 30 minutos foi considerado como trabalho extraordinário e a Ré foi condenada a pagar a respectiva compensação nos termos legais.
Como se deve notar que tal trabalho extraordinário é um trabalho de rotina, não sendo portanto um trabalho extraordinário prestado nos casos de força maior ou de estado de iminência de prejuízos importantes da Ré, pelo que o descanso adicional a que se refere o nº 1 do artº 38º da Lei nº 7/2008 nunca pode ter lugar no caso sub justice.
Por fim, não resulta da factualidade apurada de que o Autor não consentiu em comparecer no lugar de trabalho com antecedência de 30 minutos para efeitos de briefing, antes pelo contrário, durante 9 anos de prestação de serviço, nunca objectou tal ordem, cuja conduta poderia qualificar-se como uma aceitação tácita da prestação de trabalho extraordinário em causa.
Verifica-se assim o erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, o que conduz a revogação da decisão recorrida.
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pela Ré, revogando a sentença recorrida na parte que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$56,916.89, a título de compensação do descanso adicional não gozado.
*
Custas do recurso jurisdicional pelo Autor.
Notifique e D.N..
*
RAEM, aos 02 de Março de 2023.
Ho Wai Neng
(Relator)
Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz Adjunto)
Rui Pereira Ribeiro
(Segundo Juiz Adjunto)
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902/2022