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Processo nº 368/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 2 de Março de 2023

ASSUNTO:
- Cheques
- Validade
- Prescrição

SUMÁRIO:
Nos termos do nº 1 do artº 135º do Dec. Lei nº 63/99/M perdem validade a favor do Cofre de Justiça e dos Registos e Notariado os cheques que não forem apresentados a pagamento até ao último dia do segundo mês seguinte àquele em que foram passados, para além de nos termos do nº 3 do artº 37º da Lei 15/2017 prescreverem no prazo de 3 anos a contar de 31 de Dezembro do ano em que se constitui o dever de pagar as despesas a que se refere este artigo.


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Rui Pereira Ribeiro

Processo nº 368/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 2 de Março de 2023
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Presidente do Tribunal de Última Instância
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do despacho proferido pelo Presidente do Tribunal de Última Instância de 24 de Março de 2021 que negou a emissão de um novo cheque, em substituição do cheque nº M40802, no valor de MOP323.662,00, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
I. Vem o presente Recurso interposto do despacho proferido pelo Presidente do Tribunal de Última Instância, no dia 24 de Março de 2021, dado a conhecer à ora Recorrente através do Oficio com a ref.ª 0192/DAF-DFP/2021 do Chefe do Gabinete do Presidente de Última Instância, em 31 de Março de 2021, que indeferiu o pedido de reemissão do cheque da Caixa Económica Postal n.º M40802, no valor de MOP$323,662.00, por alegadamente estar ultrapassado o prazo de prescrição a que se refere o n.º 3 do artigo 37.º da Lei n.º 15/2017.
II. A decisão recorrida está inquinada de vício de dois vícios de violação de lei (alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CPAC), o primeiro por violação do dever de fundamentação, que resulta na falta de uma menção obrigatória (arts. 113.º, n.º 1, al. e), 114.º e 115.º do CPA), e o segundo por aplicação de um prazo de prescrição que, nos termos dos artigos 299.º, n.º 1 e 313.º, n.º 1 do Código Civil, não começou sequer a correr, ou que, pelo menos, terá de se considerar suspenso, vícios esses que geram a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA.
III. Na sua carta datada de 25-02-2021, a ora Recorrente apresentou os motivos pelos quais considerava que o prazo de prescrição do cheque n.º M40802 não tinha ainda sequer começado a correr ou que, pelo menos, teria de se considerar a existência de um motivo de força maior a determinar a suspensão do mesmo, a Recorrente apresentou vários motivos para sustentar a sua posição, tendo alegado, em suma:
- mudanças nos corpos sociais da Recorrente que dificultaram o contacto com os seu mandatários;
- morosidade do processo de falência (mais de 20 anos), que agravou essas dificuldades;
- cheque foi entregue a mandatário sem poderes para o receber, para o depositar ou para proceder ao levantamento do respectivo montante;
- impossibilidade de a Recorrente conferir, à altura, poderes para o efeito aos seus mandatários, por imposição do Partido Comunista Chinês;
- impossibilidade de a Recorrente abrir conta bancária em Macau e, consequentemente, de proceder ao desconto do referido cheque.
IV. Na decisão que tomou, a Entidade Recorrida teve apenas em conta dois dos motivos apresentados pela ora Recorrente: a “incapacidade de localizar o seu mandante” e a “não atempada autorização.”
V. A Entidade Recorrida ignorou as outras razões aduzidas, como o facto de ter sido entregue o cheque a mandatário sem poderes para o receber, e a impossibilidade de a Recorrente poder abrir conta bancária em Macau e, consequentemente, de proceder ao desconto do referido cheque.
VI. Ao não pronunciar-se sobre estes factos invocados, a Entidade Recorrida praticou um acto violando (pelo menos parcialmente) o dever de fundamentação a que estava obrigado (artigos 114.º e 115.º do CPA), uma vez que teria de se pronunciar sobre todas as causas que impediram o início do prazo de prescrição - (ou que pelo menos o suspenderam), o que resulta na omissão de uma menção obrigatória (artigo 113.º, n.º 1, al. e) do CPA).
VII. Os factos adicionais invocados (entrega de cheque a quem não tinha poderes para o efeito e impossibilidade de a Recorrente abrir conta bancária em Macau) não são abrangidos pela “relação interna” entre mandatário e mandante (fundamento que serviu de base à Entidade Recorrida para rejeitar a possibilidade de a “incapacidade de localizar o seu mandante” e a “não atempada autorização” terem qualquer influência no prazo de prescrição) , pelo que estão abrangidos pela fundamentação apresentada pela Entidade Recorrida.
VIII. Assim, foi apenas apresentada fundamentação para rejeitar dois dos factos alegados pela Recorrente, não tendo sido apresentada qualquer fundamentação que justificasse a rejeição dos demais.
IX. A rejeição dos factos de o cheque ter sido entregue a mandatário sem poderes para os receber e da impossibilidade de a Recorrente abrir conta bancária em Macau como impeditivos do começo da contagem do prazo de prescrição não encontra qualquer fundamento na decisão recorrida.
X. Assim, a decisão recorrida está inquinada do vício de violação de lei (alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CPAC), por violação do dever de fundamentação, que resulta na falta de uma menção obrigatória (arts. 113.º, n.º 1, al. e), 114.º e 115.º do CPA), o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do nº 1 do artigo 21 do CPAC.
XI. No caso que aqui tratamos, o prazo de prescrição a que alude o n.º 3 do artigo 37.º da Lei n.º 15/2017 não começou sequer a correr, ou terá pelo menos de se aceitar que ocorreram motivos de força maior que determinaram a suspensão do mesmo.
XII. O chegue foi enviado para mandatário sem poderes para o receber, conforme resulta do texto da própria Procuração “透过本授权书,法律代理人可代表委托人收取法院传票、通知、参与、和解及放弃有关诉讼。” – “Mediante a presente procuração, o mandatário pode, em representação da sua constituinte,m proceder à recepção da citação e notificações do tribunal, e à intervenção, transacção e desistência na acção judicial.” – cfr. tradução livre, da nossa responsabilidade.
XIII. Acresce que, sendo a ora Recorrente uma empresa Estatal da República Popular da China, estava impedida, na altura, de passar procurações a terceiros para recebimento de cheques ou dinheiros, por imposição do próprio Partido Comunista Chinês.
XIV. Acresce ainda que, não tendo sede na RAEM, e sendo uma empresa pública da República Popular da China, a Recorrente estava também impedida de abrir conta bancária em Macau e, consequentemente, de proceder ao desconto do referido cheque.
XV. Ao longo dos mais de 15 anos de pendência do processo de falência, muitas foram as mudanças nos corpos sociais da ora Recorrente, razão pela qual o mandatário da mesma teve muitas dificuldades em contactar os seus diferentes responsáveis, os quais se foram sucedendo, situação que se mantinha na fase final do processo em que o cheque M40802 foi emitido.
XVI. Sendo verdade que as mudanças nos corpos sociais da ora Recorrente e a dificuldade em contactar com os seus diferentes responsáveis são factos relativos à relação entre mandatário e mandante, não é menos certo que os preceitos relativos ao início do prazo da prescrição (artigo 299.º do CC) e à sua suspensão (artigo 313.º do CC) não excluem, de modo algum, circunstâncias como estas.
XVII. Ou seja, quer considerando os factores externos à relação entre o mandante e o mandatário, quer considerando os factores internos supra referidos, a Recorrente não pôde efectivamente exercer o seu direito pelo que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não se iniciou o prazo de prescrição a que alude o artigo 37.º, n.º 3 da Lei 15/2017 ou, a considerar-se que se iniciou, terá ficado pelo menos suspenso, (cfr. art . 299.º, n.º 1 e 313.º, n.º 1 do Código Civil).
XVIII. O acto recorrido está assim inquinado de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, por violação dos artigos 299.º, n.º 1 e 313.º, n.º 1 do Código Civil (por errada aplicação de um prazo de prescrição que não começou sequer a correr ou por existência de motivo de força maior que determina a suspensão desse prazo, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CPAC. Para que a tutela do direito da Recorrente possa ser efectiva, é necessário que o acto anulado seja substituído por outro que determine a emissão de um novo cheque ou outro meio de pagamento, em substituição do cheque n.º M40802, no valor de MOP$323,662.00.
XIX. Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, al. a) do CPAC, pode cumular-se o pedido de anulação do acto com um pedido de determinação à prática de acto legalmente devido.
XX. Esse pedido deve obedecer aos pressupostos previstos no artigo 103.º do CPAC, nomeadamente, para o que aqui tratamos, o n.º 1, al. b): “Tenha sido praticado um acto administrativo de recusa da prática de acto de conteúdo vinculado.”
XXI. O cheque n.º M40802 foi emitido nos termos do artigo 134.º, do Decreto-Lei n.º 63/99/M, para devolução dos montantes adiantados a título de preparos e procuradoria e a obrigação de devolução desse montante resulta do Regulamento das Custas nos Tribunais.
XXII. O único facto que obstou à emissão de um novo cheque foi a consideração de que tinha ocorrido o prazo de prescrição a que alude o artigo 37.º, n.º 3 da Lei 15/2017.
XXIII. Determinando-se que não ocorreu a prescrição, a Administração estará vinculada a proceder ao pagamento da quantia de MOP$323,662.00 à ora Recorrente.
XXIV. Por se tratar de um acto vinculado, tem este Tribunal a possibilidade conferida pelo artigo 24.º, n.º 1, al. a) do CPAC de determinar a Administração à prática desse acto - neste caso a emissão de um novo cheque no valor de MOP$323,662.00, a ser entregue ao mandatário da ora Recorrente logo que este disponha de procuração com poderes para o efeito, ou a ser enviado directamente para a Recorrente.
Nestes termos e nos mais de Direito, requer-se a V. Exa. que:
a) se digne anular a decisão proferida pelo Senhor Presidente do Tribunal de Última Instância do dia 24 de Março de 2021, comunicada à ora Recorrente através do Oficio do Chefe do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância com a referência 0192/DAF-DFP/2021, de 31 de Março de 2021, que negou a emissão de um novo cheque, em substituição do cheque n.º 40802, no valor de MOP$323,662.00, que considerou que se mostrou ultrapassado o prazo de prescrição a que alude o artigo 37.º n.º3 da Lei 15/2017, por vício de violação de lei (i) por violação do dever de fundamentação, que resulta na falta de uma menção obrigatória (arts. 113.º, n.º 1, al. e), 114.º e 115.º do CPA); e (ii) por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, por violação dos artigos 299.º, n.º 1 e 313.º, n.º 1 do Código Civil (por errada aplicação de um prazo de prescrição que não começou a correr ou por existência de motivo de força maior que determina a suspensão desse prazo, vícios esses que geram a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA;
b) em cumulação, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, al. a) e 103.º, n.º 1, al. b) do CPAC e 134.º do Regulamento das Custas nos Tribunais seja determinada a emissão de um novo cheque, no valor de MOP$323,662.00, a ser entregue ao mandatário da ora Recorrente logo que este disponha de procuração com poderes para o efeito, ou a ser enviado directamente para a Recorrente;
Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Presidente do Tribunal de Última Instância contestar apresentando as seguintes conclusões:
1. O acto recorrido praticado pela entidade recorrida (datado de 24 de Março de 2021, exarado sobre a Informação n.º 0194/DAF-DFP/2021 do GPTUI) é um acto meramente interno, que traduz uma orientação para os seus subordinados acerca do modo como devem proceder numa série de casos de natureza semelhante, revestindo a natureza de acto interno, sem eficácia externa e, por isso, insindicável contenciosamente.
2. E a natureza do acto interno não se altera pelo facto de se ter dado conhecimento do seu conteúdo ao interessado.
3. Razão pela qual, o recurso deve ser liminarmente rejeitado, por falta de objecto do recurso, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC.
4. Mesmo que se trate de um acto administrativo contenciosamente recorrível, sempre se diria que a recorrente errou na forma de processo.
5. Isto porque, recurso contencioso e acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido são meios processuais que têm finalidades diferentes e que, como é evidente, proporcionam tutelas judiciais com intensidade diversa.
6. No momento em que alguém se dirige aos tribunais administrativos para reagir contra uma atitude de recusa ou de inércia da Administração, em defesa do seu direito à prática de um acto administrativo, a necessidade de tutela judicial que a leva a tribunal concretiza-se no interesse em obter uma pronúncia judicial que proporcione a obtenção do acto pretendido. Para o efeito, o autor deve fazer valer o seu direito à prática desse acto, o que só pode acontecer no âmbito de um processo de condenação e não já ou, pelo menos não tão eficazmente, num processo de natureza meramente anulatória.
7. Face à pretensão da recorrente de reemissão de um cheque, entendemos que, o meio processual próprio que a recorrente devia utilizar é, em vez de “recurso contencioso de anulação”, antes, uma “acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido”, prevista no artigo 103.º e ss. do CPAC.
8. Assim sendo, ocorre erro na forma de processo.
9. E, “o erro na forma de processo é, em contencioso processual administrativo, excepção dilatória que conduz à rejeição liminar da petição, quando detectada nessa fase processual (artigo 12.º, n.º 1 do CPAC)”.
10. Razão pela qual, somos da opinião de que, o recurso contencioso deve ser objecto de rejeição liminar, nos termos do artigo 12.º, n.º 1 do CPAC.
11. Alega a recorrente que a entidade recorrida não se pronunciou sobre todos os motivos por ela invocados na sua carta/resposta datada de 25 de Fevereiro de 2021 para sustentar a sua posição, pelo que o acto recorrido é nulo por falta de um elemento essencial, nos termos do artigo 113.º, n.º 1, alínea e), artigo 114.º e artigo 115.º do CPA.
12. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com esta opinião.
13. A recorrente formulou o seu pedido de reemissão de cheque em 29 de Janeiro de 2021.
14. Para assegurar o contraditório, dando à recorrente a oportunidade de dizer a sua opinião, por ofício de n.º 0098/DAF-DFP/2021, datado de 11 de Fevereiro de 2021, a Sr.ª Chefe do Gabinete notificou a recorrente da sua intenção de indeferir o requerimento, convidando-a para pronunciar-se sobre a questão de prescrição antes de 25 de Fevereiro de 2021, como pode ler-se no Doc, 4 junto aos autos pela recorrente.
15. Sucede, porém, que a recorrente “acedeu ao convite” por carta datada de 25 de Fevereiro de 2021. Logo, esta resposta estava fora do prazo. Não devia ter sido aceite.
16. A entidade recorrida não tinha o dever de pronunciar-se sobre nenhum dos fundamentos invocados pela recorrente, expendidos numa carta de devia ter sido considerada inexistente, por ter sido apresentado fora do prazo.
17. Por outro lado, não há nenhuma norma do Código de Procedimento Administrativo de Macau que imponha à Administração o dever de pronunciar-se sobre todos os fundamentos invocados pelo interessado em sede de audiência prévia, sob pena de nulidade do acto administrativo, de tal maneira como se estipula no artigo 571.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil de Macau.
18. O dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados”.
19. Face ao teor da notificação enviada à recorrente através do ofício n.º 0192/DAF-DFP/2021, datado de 31 de Março de 2021, qualquer destinatário de diligência normal consegue compreender quais são os fundamentos de facto e de direito que estiveram na base da decisão ora recorrida.
20. Entendemos, assim, que inexiste o vício de falta de fundamentação.
21. De acordo com o disposto no artigo 135.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 63/99/M, o Regime das Custas nos Tribunais, “perdem validade a favor do Cofre de Justiça e dos Registos e Notariado os cheques que não forem apresentados a pagamento até ao último dia do segundo mês seguinte àquele em que forem passados”.
22. Nos termos do artigo 18.º, alínea 7) do Regulamento Administrativo n.º 19/2000, Organização e Funcionamento do Gabinete do Presidente do Tribunal da Última Instância, republicado pelo Regulamento Administrativo n.º 39/2011, “constituem receitas do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância ... valores atribuídos ao extinto Cofre de Justiça e dos Registos e Notariado, nos termos do Regime das Custas nos Tribunais, aprovado pelo diploma referido na alínea 4)”.
23. Assim, por não ter sido apresentado a pagamento dentro do prazo de validade, a respectiva quanta passou a ser receita do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância em 31 de Março de 2017.
24. A partir daí, o Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância tomou-se devedor da recorrente, que podia/devia exigir àquele o pagamento da quantia em causa ou a reemissão do cheque.
25. Estipula o artigo 37.º, n.º 3 da Lei n.º 15/2017 que, “O pagamento das obrigações resultantes das despesas a que se refere o presente artigo prescreve no prazo de três anos, a contar de 31 de Dezembro do ano em que se constitui o dever de pagar, salvo disposição legal em contrário”.
26. O dever de pagamento do GPTUI nasceu em 2017, pelo que o prazo de 3 anos conta-se a partir de 31 de Dezembro de 2017, terminando no dia 31 de Dezembro de 2020.
27. O pedido formulado pela recorrente em 29 de Janeiro de 2021, estava fora do prazo.
28. A questão do início do prazo de prescrição é inquestionavelmente factor estruturante do próprio instituto da prescrição, dele dependendo, depois, todo o desenvolvimento subsequente, existindo, a tal propósito, no Direito comparado dois grandes sistemas: o objectivo e o subjectivo.
29. Nesta matéria, o art.º 299º, n.º 1 do Código Civil de Macau, norma invocada pela recorrente, «adoptou o sistema objectivo, que ... dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição “quando o direito puder ser exercido”, sendo que a injustiça a que tal sistema possa dar lugar é temperada pelas regras atinentes à suspensão e interrupção da prescrição ... A expressão constante daquela disposição ..., “quando o direito puder ser exercido” deve ser interpretada no sentido de o prazo de prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objectivas) de o titular o poder actuar, portanto desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação».
30. Como se referiu, a quantia em causa entrou no cofre do GPTUI em 31 de Março de 2017. Ou seja, o prazo de prescrição começou a correr, a partir de 31 de Dezembro de 2017, por imposição do artigo 37.º, n.º 3 da Lei n.º 15/2017, independentemente do seu conhecimento.
31. Não há, pois, violação do artigo 299.º, n.º 1 do CCM.
32. Alega ainda a recorrente que houve violação do artigo 303.º, n.º 1 do CCM, porque o prazo de prescrição devia ter-se por suspenso, por motivo de força maior.
33. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com esta opinião, pois nenhum dos factos alegados pela recorrente configura, a nosso ver; causa de força maior.
34. Caso de força maior é o facto imprevisível e estranho à vontade dos contraentes que impossibilita absolutamente de cumprir as obrigações contratuais.
35. A mudança nos corpos sociais é acontecimento mais do que normal que pode acontecer com qualquer empresa, independentemente de a mesma ser uma empresa estatal ou privada. Não se pode dizer que se trata de um caso de força maior.
36. E quanto ao processo de falência, quando é que começou? Quando é que terminou? Quais são as provas?
37. Qual é a norma jurídica /regulamento interno do Partido Comunista que proíbe a delegação de poderes para receber o cheque? Qual é o regulamento / norma jurídica do Partido Comunista ou da RPC que proíbe a abertura de contas bancárias no exterior (inclusive em Macau)?
38. Não são factos que revestem a natureza de facto notório, carecendo, assim, da alegação e prova.
39. Acresce que, mesmo que seja verdade, estes não são factos totalmente imprevisíveis. Isto porque à partida, ao aceitar o mandato, o mandatário signatário do recurso contencioso sabia ou devia saber que o seu cliente, sendo uma empresa estatal, tinha estas limitações. Podia e devia ter previsto essas dificuldades que o seu cliente encontraria. Devia ter o cuidado de prever essas vicissitudes, e ter procurado resolver estes problemas com o seu cliente ao outorgar o contrato o mandato, (ou logo que recebeu o cheque), e não como fez agora, isto é, depois de ter passado tantos anos é que veio a alegar essas dificuldades para pedir a remissão de cheque.
40. E as dificuldades (repare que a recorrente nem disse que é mesmo impossibilidade absoluta) de contacto com os responsáveis da empresa seu mandante também não podem servir de pretexto.
41. É que, para nós, existe entre a recorrente e o mandatário signatário do recurso contencioso uma relação jurídica de mandato, cujo regime está, regulado no artigo 1083.º e ss. do Código Civil de Macau.
42. Entre as diversas obrigações que impendem sobre o mandatário se encontra a de “comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu”, conforme se estipula na alínea c) do artigo 1087.º do CCM.
43. E entre as diversas obrigações que impendem sobre o mandante se encontra a de “fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato, se outra coisa não foi convencionada”, conforme se estipula na alínea a) do artigo 1093.º do CCM.
44. O advogado signatário do recurso contencioso, como mandatário, devia ter informado o seu cliente (seu mandante), quando antes, da falta de delegação de poderes para receber cheques, e de ter procurado suprir estas insuficiências de delegação de poderes.
45. E o seu cliente, como mandante, tinha a obrigação, como se referiu, de fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato, nomeadamente, o de delegar poderes para receber cheques, ou, se isto é mesmo impossível, encontrar soluções para este problema através de outras formas.
46. Por outras palavras, trata-se de uma falha de comunicação na relação interna entre o mandante e o mandatário, que não podem produzir efeitos na relação que eles (como sendo partes dum contrato de mandato) desenvolvem com terceiros.
47. Antes pelo contrário, se durante cerca de quatro anos (repare que o cheque foi emitido em 2016) nada fez (nem quer saber qual é o desfecho do processo, nem quer saber quando é que pode obter a devolução das quantias em causa), isto só pode demonstrar que a recorrente está desinteressada em reaver estas quantias. E o resultado, a nosso ver, só poder ser a prescrição da respectiva dívida.
48. Pelo exposto, entendemos que não há violação do artigo 299.º, n.º 1, nem do artigo 303.º, n.º 1 do CCM. A dívida está prescrita.
49. Carece de fundamento o recurso interposto pela recorrente, devendo, assim, ser julgado improcedente.

A Recorrente veio responder às excepções invocadas pela Entidade Recorrida.

Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido Parecer quanto à matéria das excepções.

Relegado para final a apreciação das excepções invocadas, foram as partes notificadas para apresentar alegações facultativas, o que apenas a Recorrente fez.

Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  
Vem a Entidade Recorrida na sua contestação invocar a falta de objecto do recurso e o erro na forma de processo porquanto devia ter sido instaurada acção para a prática do acto devido.  
  
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer sob esta matéria nos seguintes termos:  
  «Na douta contestação, a Entidade Recorrida aduziu duas excepções que se traduzem respectivamente na falta de objecto do recurso e no erro na forma de processo.
  Ora, a petição inicial e o documento nº 1 da Recorrente demonstram que o recurso contencioso em apreço tem por objecto o despacho lançado pelo Exmo. Sr. Presidente do TUI em 24/03/2021 na Informação nº 0194/DAF-DFP/2021 (doc. de fls. 11 a 15 do P.A.), declarando “同意建議”.
  Interpretando esse despacho de acordo com o nº 1 do art. 115º do CPA e em coerência com a supramencionada Informação, inclinamos a colher que o mesmo consiste exactamente em “不接納C律師及D律師就第1點所指的3張支票重發的申請” e, deste modo, define autoritariamente a situação jurídica dos dois apontados requerentes.
  Nestes termos e tendo em conta que ambos os dois requerentes são ilustres advogados e agiram em representação de identificadas sociedades comerciais, afigura-se irrefutável que o despacho em escrutínio produz efeito externo e não carece da impugnação administrativa necessária, por isso não se divisa in casu a falta de objecto.
  Na petição, a Recorrente solicitou propositadamente a anulação do despacho recorrido e, em cumulação contemplada na alínea a) do nº 1 do art. 24º do CPAC, a determinação judicial da emissão de um novo cheque no valor de MOP323.662,00 que poderia ser entregue ao mandataria da Recorrente logo que este disponha de procuração com poderes para o efeito ou enviado directamente à ela própria.
  Na nossa modesta opinião, os pedidos formulados pela Recorrente na petição estão conformes com o preceituado no art. 20º e na alínea a) do nº 1 do art. 24º do CPAC, pese embora seja supérflua a invocação, no pedido cumulado, do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 103º do CPAC e no art. 134º do Regulamento das Custas nos Tribunais.
  Nesta linha de vista, e em consonância com a autorizada jurisprudência de que é o pedido deduzido pela parte que determina a forma de processo a utilizar (cfr. Acórdão do TUI no Processo nº 28/2006), parece-nos que não se verifica o assacado erro na forma de processo.
*
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência das duas excepções acima aludidas.»  .
  
Nos termos do artº 110º do CPA “consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”.  
Como sustenta o Ilustre Magistrado do Ministério Público no seu Douto Parecer o acto impugnado produz efeito externo e não carece de impugnação administrativa necessária, pelo que, nos termos do nº 1 do artº 28º do CPCA é contenciosamente recorrível.  
  
No que ao erro na forma do processo concerne a Recorrente vem interpor recurso contencioso do acto e pedir a condenação à prática do acto devido.  
De acordo com o disposto na al. a) do nº 2 do artº 24º do CPAC é possível a cumulação de pedidos formulada, sendo certo que havendo sido interposto recurso contencioso do acto que se pretendia nos termos do nº 2 do artº 103º do mesmo diploma legal a acção para a condenação do acto administrativo devido apenas poderia ser instaurada se não houvesse sido interporto recurso contencioso.  
Destarte, improcedem as alegadas excepções da falta de objecto e do erro na forma de processo.  
  
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.  
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.  
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.  
  
  O processo encontra-se em condições de ser proferida decisão.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

1) Dos factos
  
  Destes autos e do processo administrativo apenso foi apurada a seguinte factualidade:
1. No âmbito do processo de falência nº CV1-05-0001-CFI, que corre termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi enviado em 13.12.2016 ao mandatário da Recorrente, o cheque nº M40802, da Caixa Económica Postal, no valor de MOP323.662,00, para devolução de parte dos preparos e procuradoria que esta havia despendido com o processo e tendo sido recebido pelo mandatário da Recorrente em 04.01.2017 – cf. fls. 30 a 31 -;
2. Não tendo conseguido proceder ao depósito do mesmo, ou ao levantamento do montante correspondente, a Recorrente requereu ao Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância em 29.01.2021, a emissão de um novo cheque, em substituição do cheque nº M40802 – cf. fls. 32 a 34 –;
3. Por despacho do Presidente do Tribunal de Última Instância datado de 24.03.2021 foi indeferido o requerido com os fundamentos constantes da Proposta nº 0194/DAF-DFP/2021 de cujo teor consta que:

Parecer:

  Concordo com o proposto pela Divisão Financeira e Patrimonial. À consideração do Exmo. Sr. Presidente do TUI.
(Assinatura vide o original)
24/03/2021

  Exma. Sr.ª Chefe do Gabinete
    Concordo com o proposto. À consideração superior.
(Assinatura vide o original)
24/03/2021

Despacho:

  Concordo com o proposto.
2021.3.24.
(Assinatura vide o original)

Assunto: Reemissão de cheques

PROPOSTA N.º: 0194/DAF-DFP/2021
Data: 24/03/2021
Exma. Sr.ª Chefe do Gabinete

1. A coberto das cartas recebidas do Dr. C e do Dr. D, ambos Ilustres Advogados da XXX Advogados, por quais se pediu a este Gabinete que reemitisse os seguintes cheques a favor dos aludidos advogados, respectivamente.
N.º
Data do pedido
Pessoa relacionada
Mandatário
Número do cheque
Importância
(MOP)
Número do processo
1
25/01/2021
E
Dr. C
M33988
1.293,00
CV1-00-0001-CFI
2
29/01/2021
F
Dr. D
M40801
67.564,00
CV1-05-0001-CFI
3
29/01/2021
A, Limitada

Dr. D
M40802
323.662,00
CV1-05-0001-CFI-B
2. Este Gabinete tornou-se, por sucessão (sic), devedor dos montantes em apreço a partir das datas em que os mesmos foram revertidos para a conta do Gabinete (N.º 1 – 29 de Março de 2016; N.ºs 2 e 3 – 31 de Março de 2017), bem como, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 37º da Lei n.º 15/2017, o pagamento de obrigações prescreve no prazo de três anos, a contar de 31 de Dezembro do ano em que se constitui o dever de pagar (i.e. a contar de 31 de Dezembro de 2016 e de 31 de Dezembro de 2017), pelo que os prazos de três anos de pagamento das obrigações foram prescritos em 31 de Dezembro de 2019 (N.º 1) e em 31 de Dezembro de 2020 (N.ºs 2 e 3), respectivamente. Por despacho de 10 de Fevereiro de 2021 da Chefe do Gabinete, exarado na Proposta n.º 0098/DAF-DFP/2021, o Gabinete oficiou, em 11 de Fevereiro de 2021, ao Dr. C e ao Dr. D, solicitando-lhes que, até ao dia 25 de Fevereiro de 2021, se pronunciassem sobre a aplicação da disposição legal supramencionada e a razão da suspensão/interrupção da prescrição eventualmente existente. Em caso de inexistência de razão aceitável, seriam indeferidos os pedidos apresentados a este Gabinete.
3. O Dr. C não se pronunciou até à data definida, enquanto o Dr. D respondeu a este Gabinete em 25 de Fevereiro de 2021, cujo extracto se segue (conteúdo do texto original vide a alínea 6) da relação de documentos):
* Os cheques n.ºs M40801 e M40802 foram enviados ao Dr. D, ora constituinte (sic) das respectivas beneficiárias (F e A, Limitada (A)), e devidamente recebidos em 4 de Janeiro de 2017;
* As beneficiárias são empresas estatais da República Popular da China, cujo procedimento de falência durou aproximadamente 20 anos, havendo grandes mudanças de pessoal ao longo desse período de tempo, o que dificultou o contacto entre os novos dirigentes das empresas e o constituinte (sic). Os cheques em causa foram emitidos na fase final do referido procedimento, mas a situação continuava na mesma;
* No pedido deduzido em 29 de Janeiro de 2021 a este Gabinete, o Dr. D assinalou que, pelas procurações e pelos pedidos de reclamação do crédito constantes dos autos, lhe foram conferidos poderes forenses especiais, incluindo o poder de recepção dos cheques emitidos pelos tribunais, porém, devido ao erro na interpretação literal (sic), das procurações em questão se vislumbra que, efectivamente, lhe foram conferidos os seguintes poderes: “Por meio da presente procuração, pode o mandatário judicial, em representação da constituinte, receber as citações e notificações dos tribunais, bem como proceder à intervenção, transacção e desistência do processo”;
* O Dr. D tentou sacar os aludidos cheques, mas não foi autorizado o saque, visto que, de acordo com as procurações em questão, não lhe foi conferido o poder de depósito ou saque de cheque;
* As beneficiárias são empresas estatais da República Popular da China, por isso, nos termos dos regulamentos do Partido Comunista da China, à altura, não era possível a emissão das procurações para o terceiro, com vista à recepção de cheque ou montante;
* No presente momento, em caso de verificação de condições muito especiais, será possível a obtenção das referidas procurações, contudo, tais sociedades são empresas estatais, cujas sedes estão fora de Macau, pelo que se exigem certas formalidades morosas no procedimento;
* Devido às frequentes mudanças do pessoal de alta categoria nas duas empresas, surgiram-se dificuldades no contacto entre o mandatário e os novos dirigentes das empresas, a par disso, os cheques foram entregues ao mandatário que, porém, não teve poder de os receber, pelo que, provavelmente, as beneficiárias não sabiam nada sobre os cheques em questão, não podendo exercer precisamente os seus poderes;
* Além disso, as beneficiárias são empresas estatais da R.P.C., cujas sedes estão fora da R.A.E.M., não podendo criar conta bancária em Macau e, consequentemente, impossibilitando o saque dos cheques;
* Assim, as beneficiárias não podem exercer efectivamente o sobredito poder. Salvo o devido respeito por opinião contrária, de acordo com o Dr. D, o prazo de prescrição, vedado pelo n.º 3 do art.º 37º da Lei n.º 15/2017, ainda não começou a correr, ou, devido à impossibilidade do exercício do poder, pelo menos, a prescrição se suspendeu, se se entender que o prazo de prescrição já começou a correr (cfr. o n.º 1 do art.º 299º e o n.º 1 do art.º 313º do Código Civil);
* O Dr. D tentou obter novas procurações das beneficiárias que confirmarão os seus poderes, com vista a receber ou proceder ao depósito dos cheques novos no futuro;
* Pelo exposto, em virtude dos impedimentos, os prazos de prescrição não começaram a correr (ou, pelo menos, se encontram suspensos), nesta conformidade, o Dr. D vem solicitar a reemissão dos cheques M40801 e M40802 que serão levantados logo após a obtenção das novas procurações e a confirmação dos respectivos poderes.
4. Face à não pronúncia do Dr. C e à pronúncia do Dr. D, o Assessor G emitiu o seu parecer, cujo extracto se segue (conteúdo do texto original vide a alínea 7) da relação de documentos):
(1) Caso do n.º 1 (requerente: Dr. C, cheque n.º: M33988):
* O requerente não se pronunciou no prazo definido, pelo que se propõe o indeferimento do pedido.
(2) Caso dos n.ºs 2 e 3 (requerente: Dr. D, cheques n.ºs: M40801 e M40802):
* As razões reveladas pelo Dr. D são improcedentes;
* As razões invocadas pelo requerente tratam-se duma relação interna entre ele e suas clientes; e, para o exterior, ou seja, para este Gabinete, o requerente e suas clientes são uma única entidade, sendo, portanto, irrelevante o problema de comunicação interna entre eles;
* O direito (prescrito) aqui abordado trata-se dum direito gozado pela F e pela A, Limitada (A) (ou pelo seu mandatário judicial) para pedir a este Gabinete que lhes efectue os respectivos pagamentos (reemite os respectivos cheques). Os dois cheques em causa não foram liquidados no seu prazo de validade, por isso, foram revertidos para a conta do Gabinete em 31 de Março de 2017. A partir daquele momento, nunca houve qualquer facto que impeça a dedução do pedido de pagamento (reemissão de cheques) pela F e pela A, Limitada (A) (por si ou através por um terceiro nomeado pela procuração) a este Gabinete;
* A “impossibilidade do contacto com suas constituintes” invocada pelo requerente não é um caso de força maior, já que, conforme o ponto de vista defendido pelo acórdão proferido pelo TUI no processo n.º 197/2020, “considera-se caso de força maior o facto natural ou situação, imprevisível e irresistível, cujos efeitos se produzam independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da pessoa”. Existe uma relação de mandato entre o requerente (Dr. D) e suas constituintes (F e A, Limitada (A)), o que implica que, no decurso do processo e na constância da relação de mandato (ainda que término do processo), o requerente, como mandatário, é obrigado a manter o contacto estreito com suas mandantes, bem como “a comunicar às mandantes, com prontidão, a execução do mandato” (alínea c) do art.º 1087º do Código Civil), enquanto a F e a A, Limitada (A), como constituintes, são obrigadas a “fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato” (alínea a) do art.º 1093º do Código Civil), tal como a emissão de procuração ao requerente para o levantamento dos respectivos montantes, quando for necessário. Não se considera caso de força maior a impossibilidade do exercício tempestivo de direito devido à passividade, indolência ou falta de vontade das credoras (F e A, Limitada (A));
* Justamente ao contrário, a atitude das credoras (F e A, Limitada (A)) (nada agiram durante quatro anos, nem apresentaram o pedido de reemissão de cheques ao Gabinete, nem tiveram contacto com seu mandatário judicial) revela, claramente, que essas duas empresas se mostraram desinteressadas com a reclamação dos créditos, por conseguinte, a única consequência do caso é a extinção dos créditos por prescrição.
* Pelo exposto, no entendimento do Assessor G, a justificação constante da carta remetida pelo requerente em 25 de Fevereiro de 2021 não constituiu razão impeditiva da expiração do prazo de prescrição de 3 anos previsto no n.º 3 do art.º 37º da Lei n.º 15/2017, propondo-se o indeferimento do pedido de reemissão de cheques formulado pelo requerente.
5. Nestes termos, propõe-se, conforme o parecer emitido pelo Assessor G, indeferir os pedidos de reemissão dos três cheques mencionados no ponto 1, deduzidos pelo Dr. C e pelo Dr. D. A notificação da decisão será realizada por ofício e junto serão devolvidos os respectivos cheques.
  Submete-se à consideração de V. Ex.ª a presente proposta.

A Chefe da Divisão Financeira e Patrimonial,
(Assinatura vide o original)
H

Do Direito2)

Relativamente à matéria dos autos o Douto Parecer elaborado pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público tem o seguinte teor:
  «(…)
1. Da assacada violação da falta de fundamentação
A fim de sustentar o pedido de anulação, a recorrente invocou, em primeiro lugar, a falta de fundamentação, alegando que no despacho em crise, a entidade recorrida teve em conta apenas dois dos motivos por si apresentados, ignorando as restantes razões (arts.24.º e 25.º da petição).
1.1. Repare-se que o dever de decisão e o princípio da globalidade da decisão, contemplados respectivamente nos n.º 1 do art.11.º e art. 100.º do CP A, impõe tão-só que a Administração fique sujeita a resolver toda as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento.
Ora, é pacífico o entendimento, à luz do qual (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º867/2010): I - A nulidade por omissão de pronúncia prevista no art.571º, nº l al.d), do CPC só se verifica quando o tribunal ignora pura e simplesmente qualquer questão que devesse ser apreciada por essencial ao resultado ou desfecho da causa, não já em relação a alguns dos fundamentos invocados pelas partes. II - Por isso se diz que, mesmo sem abordar algum dos fundamentos alinhados por elas, não é nula a sentença se esta contiver todos os argumentos de facto e de direito que a sustentam, ainda que, porventura, em erro de julgamento.
Por sua vez, o n.º 1 do art.115.º do CPA prescreve categoricamente que a fundamentação consiste na expressa e sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão. À luz do n.º 2 do mesmo preceito legal, a fundamentação deve ser clara, congruente e suficiente.
Bem, é generalizadamente aceite a inculca do STA (a título do direito comparado, cfr. o seu aresto no Processo n.º44302), no sentido de que a fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
Tudo isto assegura-nos a inferir que a fundamentação do acto administrativo não exige que se analisem e respondam todos os argumentos invocados por interessado na audiência, basta que dar a conhecer ao seu destinatário o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
1.2. No vertente caso, sucede que exarado pelo Exmo. Senhor Presidente do TUI na Proposta n.º0l94/DAF-DFP/202l (doc. de fls. 11 a 15 do PA), o despacho em causa reza: 同意建議。De acordo com o n.º 1 do art.115.º do CPA, tal despacho acolhe e absolve os fundamentos aludidos nessa Proposta que apontou, além das outras explicações, claramente que “申請人所提出的上述理由涉及到的是他與客戶之間的內部關係。對外而言,既對於辦公室而言,他們是一個整體,他們之間的內部溝通問題不重要。”
Com todo o respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, afigura-se-nos que a passagem supra transcrita – “申請人所提出的上述理由涉及到的是他與客戶之間的內部關係。對外而言,既對於辦公室而言,他們是一個整體,他們之間的內部溝通問題不重要。” - permite suficientemente a recorrente a cognoscer os fundamentos, pelos quais a entidade recorrida não atendeu todas as razões apresentadas por aquele.
Convém não olvidar que compreender é uma coisa, concordar outra, a discordância duma posição não se equivale à não compreensão ou à incompreensibilidade da mesma posição. Por isso, pode-se conclui que a não concordância do interessado com qualquer decisão da Administração, de per si, não germina a falta de fundamentação.
Chegando aqui, inclinamos a colher que o despacho objecto do presente recurso contencioso não fere da falta de fundamentação.
*
2. Da violação de lei
Ora, a recorrente as sacou ainda a violação das disposições nos n.º 1 do art.299.º e n.º l do art.313.º do Código Civil, derivada de não se inicia o prazo de prescrição ou, pelo menos, de ficar suspenso este prazo, por virtude de ela não poder efectivamente exercer o seu direito.
Ora, em 04/01/2017 o ilustre mandatário forense da ora recorrente recebeu o cheque n.ºM40802 da Caixa Económica Postal (docs. de fIs.28 e 31 dos autos), do qual consta “Válido até 28/02/2017”, e na correspondente nota discriminativa se indica a seguinte informação expressa: Junto se envia a V. EXa. o cheque M40802, da C.E.P., para restituir respeitante aos autos supra referidos, nos termos do artº 134º do D.L. 63/99/M. O mencionado cheque prescreve após a data nele aposta, caso não venha a ser levantado.
Na nossa modesta opinião, o supramencionado cheque emitido à recorrente rege-se pelo n.º l do art.135.º do D.L. n.º 63/99/M que determina peremptoriamente: Perdem validade a favor do Cofre de Justiça e dos Registos e Notariado os cheques que não forem apresentados a pagamento até ao último dia do segundo mês seguinte àquele em que forem passados.
Acontece que o ilustre mandatário forense da recorrente solicitou a emissão de novo cheque em 29/01/2021 (doc. de fls. l a 2 do P.A.), data em que se verificou o decurso tanto o prazo indicado no cheque n.º M40802 como o de três anos consagrado no n.º 3 do art.37.º da Lei n.º 15/2017.
Ressalvado o merecido e, aliás, elevado respeito pela opinião diversa, sufragamos inteiramente as razões encontradas nos arts.4l.º a 64.º da contestação, no sentido de que não se divisa in casu motivo conducente ao não início do prazo de prescrição ou à suspensão do mesmo.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.».

Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, supra reproduzido, à qual aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que o Recorrente lhe assaca, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.
  
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.  
  
  Sendo de negar provimento ao recurso contencioso quanto à alegada invalidade do acto de indeferimento de emissão de novo cheque, igualmente falecem os pressupostos do pedido de condenação à prática do acto devido o que deve ser julgado improcedente.
  
IV. DECISÃO
.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se o acto impugnado, julgando-se igualmente improcedente o pedido de condenação à prática do acto devido.  
  
Custas pela Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5UC´s.  
  
Registe e Notifique.  
  
  RAEM, 2 de Março de 2023
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  
  Fong Man Chong
  (1º Juiz-Adjunto)
  
  Ho Wai Neng
  (2º Juiz-Adjunto)
  
  Mai Man Ieng
  (Procurador-Adjunto)

368/2021 REC CONT 1